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Processo n.º 271/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A., notificada do acórdão do Tribunal da Relação de 
 
 Évora, de 27 de Janeiro de 2005, que indeferiu arguição de nulidade e pedido de 
 aclaração do acórdão do mesmo Tribunal, de 20 de Maio de 2004, que negara 
 provimento a recurso de apelação por ela intentado, apresentou o requerimento de 
 fls. 439, no qual se limitou a consignar que:
 
  
 
             “(...), não se conformando com o aliás Douto Acórdão, bem como da 
 decisão, sob a aclaração, dele pretende interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 
             Este recurso seguirá os termos do agravo, e com efeito suspensivo.
 
             Sendo que, na verdade, há violação de normas constitucionais.”
 
  
 
             Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho, de 24 de 
 Fevereiro de 2005, do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora:
 
  
 
 “Conforme resulta das conclusões da apelação a recorrente limitou-se a alegar a 
 violação dos artigos 13.º e 18.º da Constituição e, agora, veio interpor recurso 
 para o Tribunal Constitucional, limitando-se a invocar a violação de normas 
 constitucionais, sem mais.
 Afigura-se-nos assim que se não mostra verificada qualquer das situações a que 
 alude o n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), pelo que, a meu ver, 
 o recurso ora interposto não é admissível.
 Termos em que se não admite o recurso.”
 
  
 
                         É contra este despacho que, pela recorrente, vem 
 deduzida a presente reclamação, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “Com efeito, no caso de haver alguma omissão, no que respeita às 
 normas constitucionais violadas, ou peças que o referem, admite o instituto do 
 recurso que a parte seja convidada a completar o requerimento do recurso.
 
             Não o fazendo, limita os direitos da parte no uso das instâncias. 
 Pelo que deve a parte ser convidada a oferecer as peças em falta.”
 
  
 
                         Remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, o 
 representante do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
             “A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério, já 
 que a reclamante não identifica qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, susceptível de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização 
 concreta – o que conduz à liminar e evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso interposto para este Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         O presente recurso emerge de acção intentada pela ora 
 recorrente contra diversos réus, pedindo a sua condenação no pagamento de 
 indemnizações pelos danos e prejuízos que teriam sido causados pela ocupação 
 abusiva de determinados andares e garagens de prédio de cujo arrendamento ela 
 seria tutelar.
 
                         A acção foi julgada improcedente e os réus absolvidos do 
 pedido, por despacho saneador-sentença do Tribunal Judicial da Comarca de 
 Portimão, essencialmente por a autora ter omitido “os factos relativos à 
 situação de ter sido restituída na posse, sem o que, não sendo proprietária dos 
 prédios em causa, não lhe assiste o direito à indemnização que o artigo 1284.º 
 do Código Civil confere apenas ao possuidor restituído ou mantido na posse”; 
 por, “em segundo lugar, do facto da afirmação pela autora da existência de 
 sentença judicial que reconheceu a existência do direito ao arrendamento da 
 autora às ditas fracções, declarado em acção que intentou contra a B., não 
 resulta caso julgado relativamente aos réus da presente acção”, e, assim, “tal 
 decisão não é oponível aos réus, pelo que, sem prejuízo de quanto em primeiro 
 lugar se disse, sempre carecia a autora de, nesta própria acção, ter alegado os 
 factos concretos em que alicerçava a causa de pedir do pedido que deduziu 
 relativos à titularidade do arrendamento (e do contrato-promessa) em que fundou 
 a posse”; e “em terceiro e último lugar, dir-se-á que da mesma deficiência 
 padece a petição inicial relativamente aos prejuízos indicados, posto que a 
 autora se limitou a dizer que os sofreu, indicando-os, mas sem articular os 
 factos em que se concretizam”. E concluiu essa decisão: “pese embora não falte 
 causa de pedir à presente acção, posto que vem indicada, ela é, contudo, nos 
 precisos termos em que vem exposta, insuficiente para a procedência da acção, 
 posto que só sobre a factualidade alegada pode incidir a prova”, pelo que “não 
 se mostrando reunidos na presente acção os pressupostos do direito de 
 indemnização do possuidor previstos no artigo 1284.º do Código Civil, a acção 
 improcede”.
 
                         Contra esta sentença interpôs a autora recurso de 
 apelação para o Tribunal da Relação de Évora, apresentando a alegação que a 
 seguir se transcreve na íntegra:
 
  
 
             “Vem o recurso da decisão que julgou não haver contrato de 
 arrendamento, ou pelo menos não fazer caso julgado, com a Caixa Geral de 
 Depósitos e para com terceiros.
 
             Acontece que, em acção que correu termos neste Tribunal em que era 
 autora a Caixa Geral de Depósitos, e era discutido esse contrato, foi 
 reconhecido que o contrato foi existente e assinado pelas partes e tem eficácia 
 que tem e foi feito de boa fé, embora em recurso se discuta a prevalência e 
 validade definitiva.
 
             Tal processo constitui uma questão prejudicial em relação à decisão 
 neste processo.
 
             E afasta qualquer menção de falta de menção da causa de pedir, com 
 efeito,
 
             Desde que seja definitivo, ou não esse contrato e, só o recurso o 
 qual ele é oponível a terceiros e, preenche todas as lacunas. [sic]
 
             Acresce que, estando reconhecido agora entre as partes actualmente 
 interessadas, por si só resolve a questão da legitimidade, que não precisa de 
 ser alegada e fundamentada.
 
             Assim, antes de mais e estando em curso acção cujo despacho 
 determinou a continuidade desta e influencia a decisão, podendo torná-la 
 contraditória, devendo estes autos ficar suspensos até decisão.
 
             De qualquer forma esta acção deve ser julgada procedente e provada.
 
  
 
             Conclusões:
 
             1 – Vem o recurso da decisão que põe em causa um contrato de 
 arrendamento, por não ser oponível à instituição Caixa Geral de Depósitos.
 
             2 – Porém no processo, que corre termos no l.° Juízo Cível do 
 Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, com o n.° 769/99, tendo 
 sido accionado processo a conhecer a validade e a verdade do contrato.
 
             3 – Ora a verdade é que o contrato foi reconhecido, como verdadeiro 
 e assinado pelas partes.
 
             4 – Hoje discute-se, se pode perdurar e está em recurso.
 
             5 – Porém, está a ser decidida em acção própria, essa questão que é 
 prejudicial em relação a esta.
 
             6 – Na verdade, decidir sem apreciar a questão de fundo a ser 
 analisada noutro processo, torna o julgado contraditório.
 
             7 – Assim, deve este processo ser suspenso até decisão daquela 
 acção, que irá determinar se o arrendamento é ou não eficaz e está em fase 
 adiantada.
 
             8 – De qualquer forma, a decisão não pode rejeitar o contrato de 
 arrendamento, se não chama a instituição Caixa Geral de Depósitos.
 
             9 – Nesse caso, havia que chamar a instituição Caixa Geral de 
 Depósitos.
 
             10 – Há, assim, violação da RAU, e, bem assim, dos artigos 13.º e 
 
 18.º da Constituição.”
 
  
 
                         O Tribunal da Relação de Évora negou provimento à 
 apelação, por acórdão de 20 de Maio de 2004, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “Apreciando:
 
             Conforme resulta das conclusões da apelante, esta não questiona 
 todos os fundamentos invocados para a decisão proferida (improcedência da acção, 
 com a absolvição dos réus do pedido), apenas questionando o aspecto referente à 
 existência de contrato de arrendamento, cuja validade estará ser objecto de 
 decisão, no processo acima referido (devendo, em seu entender, ser suspensa a 
 presente acção até que, na tal acção, se decida se o arrendamento é ou não 
 eficaz).
 
             Conforme se alcança da decisão recorrida, a improcedência da acção 
 
 (absolvição dos réus do pedido) teve por fundamento a insuficiência da causa de 
 pedir, resultante da manifesta deficiência da petição inicial.
 
             E, para o efeito, atendendo-se a que, embora alegando a posse dos 
 prédios (decorrente do arrendamento reconhecido judicialmente pelo Tribunal de 
 Cascais) e o esbulho violento, a autora se limitou a pedir a condenação dos réus 
 no pagamento de indemnização relacionada com a ocupação,
 
             Considerou-se que:
 
             1.ª – Não sendo a autora proprietária, não lhe assiste o direito à 
 indemnização nos termos do artigo 1284.° do Código Civil, uma vez que omitiu os 
 factos relativos à situação de ter sido restituída na posse;
 
             2.ª – A sentença judicial que reconheceu o direito ao arrendamento 
 não faz caso julgado relativamente aos réus desta acção (terceiros naquele 
 processo), carecendo a autora de alegar os factos concretos em que alicerçava a 
 causa de pedir, relativos à titularidade do arrendamento (e do 
 contrato-promessa) em que fundou a posse;
 
             3.° – Verificando-se a mesma deficiência quanto aos prejuízos 
 indicados, tendo-se a autora limitado a dizer que os sofreu, indicando-os, mas 
 sem indicar os factos em que se concretizam.
 
             Ora, desde já se diga que o facto de estar a decorrer uma outra 
 acção movida por terceiro (na qual apenas é parte a autora ora apelante), na 
 qual se discute a eficácia do (também aqui) invocado arrendamento dos imóveis em 
 questão, nada traz de novo que se possa considerar impeditivo da prolação da 
 decisão recorrida.
 
             Com efeito, conforme acabámos de referir, a invocada insuficiência 
 da causa de pedir (geradora da improcedência da acção), para além da questão da 
 alegação da titularidade do arrendamento em que se funda a posse (único aspecto 
 questionado no presente recurso), teve ainda por base outros dois outros 
 aspectos (que ora não são postos em crise): falta de alegação de factos 
 relativos à restituição da posse e falta de indicação dos factos concretizadores 
 dos prejuízos invocados.
 
             Desta forma, a considerar-se validamente assente a existência da 
 invocada titularidade do arrendamento, sempre haveria de considerar-se como 
 verificada a insuficiência da causa de pedir, geradora da improcedência da 
 acção.
 
             Por outro lado, conforme bem se refere e fundamenta na decisão 
 recorrida (a propósito da decisão proferida na acção sumária 213/91 da 2.ª 
 Secção do 4.° Juízo do Tribunal de Cascais – conforme cópia simples da certidão 
 da respectiva sentença transitada, junta a fls. 201 – que a autora moveu a B., e 
 na qual se declarou celebrados entre autora e aquela ré os contratos de 
 arrendamento comerciais dos prédios ora em causa), a simples declaração da 
 existência dos contratos de arrendamento em tal acção nada releva em relação 
 aos presentes autos, na medida em que tal sentença não faz caso julgado em 
 relação aos ora réus, que não foram partes naquela acção.
 
             Desta forma, sempre seria de todo irrelevante o resultado da tal 
 acção intentada pela Caixa Geral de Depósitos, inexistindo assim qualquer 
 situação de prejudicialidade em relação à presente acção e, consequentemente, 
 motivo para a suspensão da instância.
 
             Para além de tudo isso, trata-se de uma questão nova que não foi 
 suscitada perante o tribunal a quo, sendo certo que os recursos se destinam à 
 reapreciação das questões suscitadas no tribunal recorrido e não à apreciação 
 de questões novas.
 
             Efectivamente, só agora, com as alegações de recurso é que a autora 
 veio fazer referência à tal acção n.° 769/99 do 1.º Juízo Cível de Portimão, 
 juntando simples cópia da sentença ali proferida.
 
             Segundo tal cópia, a ali ré, ora autora, alegando ser titular de 
 contrato de arrendamento celebrado com a então proprietária B., pediu em 
 reconvenção que a ali autora, Caixa Geral de Depósitos (que por sua vez pediu 
 que a ré, para além de a indemnizar, fosse condenada a reconhecê-la como 
 proprietária do imóvel e a entregar-lho) fosse condenada a pagar-lhe 
 determinada quantia, relativa a rendas, manutenção e outras despesas – pedido 
 esse, aliás, julgado improcedente.
 
             E, ademais, segundo tal cópia, a ré nem sequer pediu o 
 reconhecimento da sua qualidade de arrendatária.
 
             Improcedem, assim, claramente as conclusões da apelante, impondo-se 
 negar provimento à apelação e confirmar a decisão recorrida.”
 
  
 
                         Veio então a recorrente arguir a nulidade, por omissão 
 de pronúncia, do precedente acórdão, porquanto “a douta decisão não se 
 pronunciou quanto à inconstitucionalidade e violação dos artigos 13.º e 18.º da 
 Constituição e a lei da RAU” (sic).
 
                         Esta arguição foi indeferida por acórdão de 27 de 
 Janeiro de 2005, porquanto:
 
  
 
             “A apelante, após ter defendido, nas suas alegações de recurso e 
 respectivas conclusões, a tese da existência de uma questão prejudicial, 
 relativa à necessidade de se aguardar pela decisão da acção n.° 769/99 do 1.° 
 Juízo Cível de Portimão, onde está em causa o reconhecimento da existência do 
 contrato de arrendamento, acabou por consignar na conclusão 10.ª que «Há assim 
 violação da RAU, e bem assim, dos artigos 13.º e 18.° da Constituição».
 
             No acórdão em questão apenas se tomou efectivamente posição sobre a 
 suscitada questão prejudicial, não se tendo considerado como questões 
 autónomas, de que houvesse que conhecer, as alegadas violações do RAU e da 
 Constituição.
 
             Todavia, a nosso ver, face à forma e ao contexto em que tal 
 conclusão (10.ª) foi elaborada, não se trata de questões realmente suscitadas, 
 que impusessem um conhecimento autónomo, para além daquilo que foi apreciado.
 
             Desde logo, porque as conclusões devem constituir um resumo do que 
 foi vertido no corpo das alegações (n.º 1 do artigo 690.° do CPC), sendo certo 
 que no corpo das alegações nenhuma referência foi feita em relação à violação do 
 RAU ou da Constituição.
 
             Por outro lado, a apelante não esclareceu (em lado algum), conforme 
 se lhe impunha (alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo 690.° do CPC), minimamente, 
 em que medida é que se verifica a apontada violação (chegando ao ponto de não 
 indicar sequer qual a disposição ou disposições do RAU – um diploma extenso e 
 relativo a inúmeras matérias, que considera violadas).
 
             E, para além disso, a referência a «Há assim violação ...» apenas 
 pode ser entendida como mero remate em relação à questão efectivamente suscitada 
 nas outras conclusões e de que se conheceu no acórdão.
 
             Ainda assim, sempre se dirá que não se vê em que medida é que possa 
 ter havido violação quer do RAU, quer da Constituição:
 
             Em relação ao RAU, na medida em que, conforme já referido, a 
 apelante nem refere quais as disposições violadas.
 
             E, além disso, o entendimento em causa, relativo à insuficiência de 
 causa de pedir, decorrente da falta de alegação de factualidade integradora da 
 alegada condição de arrendatária, apenas se situa no âmbito da apreciação das 
 normas de carácter processual (área distinta do âmbito da regulação do RAU).
 
             E, em relação aos artigos 13.° e 18.° da Constituição, porque os 
 princípios neles consagrados (da igualdade e da defesa e salvaguarda dos 
 direitos, liberdades e garantias) de forma alguma se mostram violados.
 
             Com efeito, o que está em causa é tão-só a falta de alegação de 
 determinada factualidade referente à existência de arrendamento das fracções a 
 favor da apelante – sendo que tal omissão apenas a ela pode ser imputada.
 
             Quanto às demais questões, o acórdão delas tratou, a nosso ver, 
 adequadamente, nada mais havendo que esclarecer.
 
             Ainda assim, sempre se dirá que, contrariamente ao que refere a 
 apelante, na presente acção apenas foi pedida a condenação dos réus no 
 pagamento de determinada indemnização, não tendo sido formulado pedido de 
 restituição das fracções.”
 
  
 
                         Como resulta das transcrições efectuadas, é patente que 
 não se verifica no presente caso qualquer uma das situações previstas nas 
 diversas alíneas do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento 
 e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), 
 designadamente a prevista na sua alínea b), uma vez que não se mostra suscitada 
 nos autos qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Em casos, como o 
 ora em apreço, em que é manifesta a não verificação dos pressupostos de 
 qualquer tipo de recurso de constitucionalidade, redundaria em acto inútil a 
 formulação ao recorrente de convite para complementar o requerimento de 
 interposição de recurso. Aliás, nem sequer na presente reclamação a recorrente 
 intentou identificar qualquer questão de inconstitucionalidade que pudesse 
 constituir objecto idóneo de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
                         
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                         Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 19 de Abril de 2005
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos