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Processo n.º 21/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária lavrada em 
 
 28 de Fevereiro de 2004, que teve o seguinte teor:
 
 «1.Notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 
 
 2004, pelo qual foi indeferido o pedido de aclaração e a arguição de nulidade do 
 acórdão do mesmo Tribunal de 30 de Setembro de 2004, que negara provimento ao 
 recurso de revista interposto de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (o 
 qual, por sua vez, julgara improcedente o recurso do réu da sentença que 
 decretara o despejo com fundamento em cedência não autorizada do local arrendado 
 
 à sociedade B.), veio A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional 
 mediante requerimento com o seguinte teor:
 
 “Pretende o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade do segmento da 
 norma contida no n.º 2 do artigo 490.º do Código de Processo Civil, com a 
 interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida.
 Segundo entendeu o Supremo, tendo o réu alegado na contestação que, ao invés da 
 posição defendida pela autora na petição, não havia ocorrido a cedência ilícita 
 da posição contratual, e sim o trespasse gratuito do estabelecimento, que 
 dispensa a autorização do senhorio, mas não tendo impugnado a alegação vertida 
 no artigo 34.° da petição, de que a cedência fora efectuada ‘sem autorização da 
 A.’, é de considerar este facto como admitido por acordo, por falta de 
 impugnação.
 Mas a verdade é que, assim interpretada, a ajuizada norma viola a garantia de 
 acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses legítimos, dado que 
 esta garantia protege não só a posição da parte activa, mas também a posição da 
 parte passiva, no caso, a posição do réu/arrendatário/contestante/recorrente.
 Salvo o devido respeito, a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo é 
 incomportável pela norma visada, afrontando e violando os princípios 
 constitucionais da participação efectiva no desenvolvimento do litígio, da 
 igualdade e do contraditório, que se reconduz à garantia de acesso aos tribunais 
 e ao próprio princípio do Estado de direito democrático.
 Como já se decidiu, pretende-se evitar a indefesa do réu, por ser inadmissível, 
 
 à luz da Constituição, privar ou coarctar o direito de defesa do particular 
 perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem 
 respeito (Ac. 278/98, de 10.03.98, Proc. 215/97, em que foi Relator o Dr. 
 Ribeiro Mendes, cujo sumário pode ser encontrado no site www.dgsi.pt, Acs. do 
 TC).
 Não se desconhecendo que a admissibilidade deste tipo de recurso depende do 
 facto de a questão de inconstitucionalidade concreta da norma ter sido suscitada 
 
 ‘durante o processo’ (LTC, art.º 70.º, n.º 2), dir-se-á, sempre com o respeito 
 devido pela opinião contrária, que a utilização feita no Tribunal recorrido da 
 citada norma foi insólita e imprevisível, afigurando-se inadequado admitir a 
 possibilidade de formulação de um juízo de prognose prévia à sua aplicação, em 
 termos de ser possível antecipar à pronúncia do órgão jurisdicional, no caso, o 
 Supremo, a questão de inconstitucionalidade (vd. Acs. do Tribunal Constitucional 
 n.ºs 188/93, 499/97, 642/99, 124/00 e 192/00, entre outros).
 Para o recorrente, tratou-se de uma decisão absolutamente inesperada, tanto mais 
 que sempre foi considerado pela autora e pelos tribunais de Instância que a 
 prova da falta de autorização competia ao réu, mas que este não a havia 
 conseguido efectuar. Mas dizer isso, era dizer também que o ajuizado facto não 
 se encontrava provado.
 Daí que só depois de o Tribunal recorrido ter decidido o caso é que o réu pôde 
 reclamar, no requerimento destinado à aclaração de uma questão, como também ao 
 suprimento de uma nulidade, como também só agora, no requerimento de 
 interposição do presente recurso, é que o réu está em termos de poder invocar, 
 de forma clara e directa, a questão de inconstitucionalidade acabada de enunciar 
 
 (vd. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 461/91).
 Ninguém pode hoje em dia contar, por afrontar os preceitos constitucionais, com 
 uma interpretação da sobredita norma adjectiva, no sentido que acabou por 
 merecer acolhimento no Acórdão recorrido, isto é, no sentido de que o réu tem de 
 tomar posição sobre todos os pontos de facto alegados pelo autor.
 Além disso, não existindo impugnação especificada (que deixou de ser exigida), 
 só são considerados admitidos por acordo os factos que não estejam em oposição 
 com a defesa no seu conjunto, não se tornando sequer necessário que a oposição 
 seja manifesta.
 A simples possibilidade de a tese sufragada na contestação ser contrária à 
 visada alegação da autora, bondaria actualmente para excluir a admissão por 
 acordo, mesmo que não tivesse sido efectuada a impugnação especificada [Ac. do 
 STJ de 04.11.99 (Dr. Ribeiro Coelho), in CJ (Acs. do STJ), 1999, t. III, pág. 73 
 e seguintes].
 O recurso é interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 n.° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 85/89, 
 de 7 de Setembro, e pela Lei n.° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, subindo nos 
 próprios autos, com efeito suspensivo.”
 
 2. Pode ler-se no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de 
 Setembro de 2004:
 
 “Vejamos agora o mérito do recurso.
 
 1.
 Nos termos do art.º 64.º, n.º 1, al. f), do RAU, o senhorio pode resolver o 
 contrato de arrendamento se o arrendatário subarrendar ou emprestar, total ou 
 parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos 
 em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em 
 relação ao senhorio, salvo o disposto no art.º 1049.º do C. C. .
 Este preceito está em consonância com a al. f) do art.º 1038.º do C.C., onde se 
 estabelece a obrigação do locatário de não proporcionar a outrem o gozo total ou 
 parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, 
 sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar.
 O fundamento deste art.º 1038.º, al. f), reside no carácter intuitus personae da 
 locação.
 
 É que não é indiferente, para o locador, a pessoa a quem se proporciona o 
 arrendamento.
 Daí o princípio da intransmissibilidade da posição jurídica do arrendatário e a 
 obrigação que recai sobre este de não proporcionar a terceiro o uso ou fruição 
 da coisa locada, salvo permissão da lei ou autorização do locador. A al. f), do 
 citado art.º 1038.º, deve interpretar-se no sentido de que a enumeração, que 
 nela se faz, dos actos relativos ao gozo da coisa que ao locatário é vedado 
 praticar não reveste carácter taxativo (H. Mesquita, R.L.J., 126.º-345, Pinto 
 Furtado, Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, 2.ª ed., pág. 505).
 Pois bem.
 Conforme resulta dos factos provados, apurou-se que o objecto do arrendamento de 
 que o réu é titular, por força das escrituras de 22-7-71 e de 6-7-90, se 
 destinou a estabelecimento de ferragens e similares.
 Todavia, pela escritura de 22-1-97, o réu constituiu com o filho C. a sociedade 
 B., com sede no local arrendado ao réu, de que ambos ficaram sócios gerentes.
 Em 31-1-97, o réu cessou a sua actividade, em nome individual, e a partir dessa 
 mesma data a referida sociedade iniciou a sua actividade, no locado, onde 
 comercializa materiais de construção, ferragens, ferramentas diversas, tintas, 
 vernizes, material de electricidade e produtos de decoração, onde tem o seu 
 escritório, atende os seus clientes e os seus fornecedores, onde tem o seus 
 papéis, livros e registos.
 O réu consentiu e promoveu toda esta situação, de tal modo que no local 
 arrendado, onde exercia o seu comércio como empresário em nome individual, 
 passou a ter a sua sede uma sociedade, a quem o réu permitiu e proporcionou o 
 gozo total do locado.
 Tal situação configura um comodato.
 De qualquer modo, ainda que assim não seja entendido, o acto praticado pelo réu, 
 de autorização para que uma sociedade tivesse a sua sede no local arrendado e lá 
 funcionasse, é em tudo equiparável, considerando os efeitos que dele decorrem, 
 aos que se mencionam no art.º 64.º, n.º 1, al. f), do RAU e 1038.º, f), do C.C., 
 que já vimos ter carácter exemplificativo, já que, por via dessa autorização, a 
 sociedade ficou juridicamente legitimada a utilizar o local arrendado para o 
 exercício da sua actividade (H. Mesquita, R.L.J., 126.º-345).
 Resta saber se esta cedência do arrendado é ilícita, por não ter sido autorizada 
 pela senhoria .
 O Acórdão recorrido julgou provado este requisito, partindo do pressuposto que o 
 respectivo ónus incumbe ao réu e de que este não logrou fazer a prova da 
 autorização para essa cedência, por parte da senhoria.
 Será assim?
 Não obstante o melindre desta questão, pensamos que é à autora que incumbe 
 provar a falta de autorização para a cedência do arrendador efectuada pelo réu 
 
 (Ac. S.T.J. de 20-2-92, Bol. 420.º-524).
 Com efeito, essa falta de autorização é a causa em que fundou o pedido de 
 resolução do contrato de arrendamento e subsequente despejo.
 
 Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do 
 direito alegado – art.º 342.º, n.º 1, do C.C.
 Isto, quer os factos sejam positivos, quer sejam negativos (Alberto dos Reis, 
 Código Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 228; Antunes Varela, R.L.J., 
 
 116.º-341, e Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 455; Pereira Coelho, 
 R.L.J., 117.º-95; Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, 111, pág. 194).
 A pretensão da autora analisa-se no despejo imediato, por falta de autorização 
 para a cedência do arrendado, pelo que incumbe àquela o ónus da prova dessa 
 falta de autorização, nos termos da alínea f) do art.º 1038.º do C.C.
 Sem a prova dessa falta de autorização, a acção improcederá, o que é sinal de 
 que se trata de facto constitutivo da pretensão deduzida pela autora.
 De resto, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos do 
 direito, nos termos do art.º 342.º, n.º 3, do C.C., o que também aponta, in 
 casu, no sentido de se considerar a falta de autorização como um facto 
 constitutivo.
 
 É um caso em que o facto normalmente impeditivo (falta de autorização) vale como 
 constitutivo, por ser a base do pedido deduzido pela autora, ou seja, por se 
 tratar de um facto constitutivo da pretensão por ela formulada na petição 
 inicial.
 Solução idêntica tem sido defendida para o caso paralelo da acção destinada a 
 declarar nulo um contrato por falta de consentimento (Alberto dos Reis, Código 
 do Processo Civil Anotado, Vol. III, págs. 279 e segs.; Antunes Varela, Manual 
 de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 456/457; Mário de Brito, Código Civil Anotado, 
 Vol. I, pág. 454; Ac. S.T.J. de 14-1-72, Bol. 213.º-214).
 Essa falta de autorização, que foi alegada pela autora no art.º 34 da petição 
 inicial, não consta do elenco dos factos provados, resultante da factualidade 
 que foi vertida na peça dos factos assentes e da base instrutória.
 Todavia, trata-se de factualidade provada, por não ter sido impugnada pelo réu 
 na contestação – art.ºs 489.º e 490.º do C.P.C.
 Na verdade, no articulado da contestação, o réu limitou-se a invocar que não era 
 necessária a pretensa autorização da senhoria, por a situação configurar um 
 trespasse gratuito do estabelecimento, que dispensa tal autorização.
 Mas nunca afirmou, quer na contestação, quer mesmo, posteriormente, ao longo do 
 processo, que a autora tivesse concedido autorização para a invocada cedência do 
 arrendado.
 O Supremo não pode, em regra, alterar a decisão quanto à matéria de facto 
 proferida pelo tribunal recorrido – art.º 729.º, n.º 2, do C.P.C.
 Mas é indiscutível que o Supremo pode servir-se de qualquer facto que, apesar de 
 não ter sido considerado pela Relação, se deva considerar adquirido, por 
 provado, desde a 1.ª instância – art.ºs 659.º, n.º 3, 713.º, n.º 2, e 726.º do 
 C.P.C.
 
 É o caso deste requisito da falta de autorização, cuja prova a autora logrou 
 fazer, por se tratar de facto que não foi especificadamente impugnado pelo réu e 
 antes foi aceite por este.
 Assim sendo, é lícito a este Supremo considerar esse facto como provado e 
 servir-se dele, por se encontrar adquirido desde a 1.ª instância (Teixeira de 
 Sousa, Estudos sobre o novo Código do Processo Civil, pág. 427; Ac. S.T.J. de 
 
 15-2-2000, Bol. 494.º-358, entre outros).
 A sanção para a infracção desta obrigação é a resolução do contrato de 
 arrendamento, por violação dos art.ºs 64.º, n.º 1, al. f), do RAU e 1038.º, al. 
 f), do C.C, já que a autora nunca reconheceu a sociedade beneficiária da 
 cedência como tal (art.º 1049.º do C.C.).
 Invoca o recorrente que, estando em causa uma mera transformação formal (ou 
 seja, uma diversidade apenas formal, que não substancial, que tem a ver com o 
 facto de não ser possível impor ao senhorio, sem o seu consentimento, a fruição 
 do arrendado por pessoa diversa daquela com quem ele contratou), sempre a mesma 
 seria de escassa importância, não se justificando a resolução do arrendamento, à 
 luz do art.º 802.º, n.º 2, do C.C., por ser uma daquelas situações em que se 
 impõe a derrogação do princípio da separação entre o ente colectivo e os sócios, 
 por aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica das 
 sociedades.
 Mas sem razão.
 A sociedade tem personalidade jurídica diferente dos sócios.
 Uma pessoa singular e uma sociedade são dois titulares de direitos e obrigações, 
 perfeitamente distintos, autónomos e independentes.
 São diversas e muito relevantes as consequências de o inquilino ser a pessoa 
 individual do réu, ou ser a sociedade que ele criou com outro sócio.
 Basta atentar que, sendo o réu o dono do estabelecimento e o titular do 
 arrendamento, a respectiva transferência para outrem, sem autorização do 
 senhorio, só pode operar-se por trespasse ou por sucessão.
 No caso de trespasse, há sempre direito de preferência do senhorio – art.º 
 
 116.º, n.º 1, do RAU.
 Mas se for uma sociedade a dona do estabelecimento, a transmissão das quotas dos 
 sócios e, consequentemente, a transmissão, de forma mediata, do respectivo 
 estabelecimento, já não envolve tal direito de preferência.
 Acresce que, numa sociedade, podem ocorrer várias alterações, sem a intervenção 
 do senhorio: aumento de capital; novos sócios; transformação da espécie da 
 sociedade por fusão, etc..
 Por isso, não pode afirmar-se que a sociedade constituída seja puramente 
 instrumental em relação aos sócios ou que é substancialmente a mesma realidade 
 dos sócios que a compõem, de tal modo que se justifique a desconsideração da 
 personalidade jurídica daquela sociedade e a improcedência da resolução do 
 contrato de arrendamento, com o argumento de que a cedência operada pelo réu, 
 atendendo ao interesse da autora, tem escassa importância para ela.
 Improcedem, pois, as conclusões do recurso, sendo de confirmar a procedência da 
 acção, com o consequente despejo imediato, embora com fundamentação não 
 totalmente coincidente com a invocada pela Relação.”
 
 3. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas, como dispõe o n.º 3 
 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, essa decisão não vincula este 
 Tribunal, e, verificando-se que não se pode conhecer do recurso, é caso de 
 proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do 
 mesmo diploma.
 
 4. Com efeito, nos termos do respectivo requerimento, o presente recurso foi 
 interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional. Como é sabido, para se poder tomar conhecimento de um tal 
 recurso de constitucionalidade torna-se necessário, a mais do esgotamento dos 
 recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio 
 decidendi pelo tribunal recorrido, que a inconstitucionalidade desta tenha sido 
 suscitada durante o processo. Este último requisito deve ser entendido, segundo 
 a jurisprudência constante deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o acórdão n.º 
 
 352/94, in Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), “não num 
 sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada 
 até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que 
 essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda 
 pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz 
 sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por 
 ser este o sentido que é exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal 
 Constitucional se efectuar em via de recurso, para reapreciação ou reexame, 
 portanto, de uma questão que o tribunal recorrido pudesse e devesse ter 
 apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, Diário da República, II 
 série, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 155/95, in Diário da 
 República, II série, de 20 de Junho de 1995).
 Por outro lado, recorde-se que no direito constitucional português vigente, 
 apenas as normas são objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada 
 em via de recurso (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 18/96, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 15 de Maio de 1996), 
 com exclusão dos actos de outra natureza, designadamente, das decisões judiciais 
 em si mesmas. E se a norma que se pretende ver apreciada corresponde apenas a 
 uma dimensão interpretativa de um ou mais preceitos, exige-se, pelo menos, que 
 se enuncie ou se deixe clara tal interpretação. Como este Tribunal afirmou, por 
 exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (DR, II série, de 21 de Junho de 1995), impõe-se 
 que o recorrente tenha
 
 “(...) indicado (…) o segmento  de cada norma, a dimensão normativa de cada 
 preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que [tem] por violador da 
 Constituição. 
 De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara 
 e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República, 
 
 2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma 
 certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa 
 interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme 
 com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o 
 tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários 
 daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em 
 causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.”
 
 5. Ora, no presente caso, há duas passagens do requerimento de recurso onde o 
 recorrente se refere a entendimentos que impugna: segundo o recorrente “entendeu 
 o Supremo” que, “tendo o réu alegado na contestação que, ao invés da posição 
 defendida pela autora na petição, não havia ocorrido a cedência ilícita da 
 posição contratual, e sim o trespasse gratuito do estabelecimento, que dispensa 
 a autorização do senhorio, mas não tendo impugnado a alegação vertida no artigo 
 
 34.° da petição, de que a cedência fora efectuada ‘sem autorização da A.’, é de 
 considerar este facto como admitido por acordo, por falta de impugnação”; mais à 
 frente, refere-se ao entendimento ou interpretação “que acabou por merecer 
 acolhimento no Acórdão recorrido, isto é, no sentido de que o réu tem de tomar 
 posição sobre todos os pontos de facto alegados pelo autor.”
 Ora, consultando o acórdão recorrido logo se vê, porém, que este último 
 entendimento ou interpretação não foi nele aplicado. Antes o acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça se limitou a extrair uma conclusão sobre a matéria de facto 
 provada em relação a um ponto concreto – o da existência ou não de autorização 
 por parte da demandante –, não se pronunciando sobre qualquer dever, ou ónus, de 
 tomada de posição sobre todos os pontos de facto alegados pelo autor
 Por outro lado, é claro que, na parte em que se refere à conclusão a retirar da 
 circunstância de o réu ter “alegado na contestação que, ao invés da posição 
 defendida pela autora na petição, não havia ocorrido a cedência ilícita da 
 posição contratual, e sim o trespasse gratuito do estabelecimento, que dispensa 
 a autorização do senhorio”, mas não ter “impugnado a alegação vertida no artigo 
 
 34.° da petição, de que a cedência fora efectuada ‘sem autorização da A.’”, o 
 requerimento de recurso não se refere a qualquer norma ou interpretação 
 normativa, mas sim à conclusão tirada na concreta decisão judicial – o acórdão 
 do Supremo Tribunal de Justiça recorrido – sobre a matéria de facto que deve ser 
 considerada provada. Por não estar em questão qualquer norma ou interpretação 
 normativa, mas sim a decisão judicial, na parte em que conclui sobre a matéria 
 de facto provada, tirada pela decisão, não pode essa questão ser objecto do 
 recurso de constitucionalidade, o qual, como é sabido, incide apenas sobre a 
 apreciação de constitucionalidade de normas.
 Logo por estas razões – ou seja, quanto ao entendimento normativo identificado 
 no requerimento, pela sua não aplicação pela decisão recorrida, e, quanto à 
 conclusão tirada sobre a matéria de facto, por não estar em causa uma norma ou 
 interpretação normativa – não poderia este Tribunal tomar conhecimento do 
 presente recurso.
 
 6. Ao fundamento invocado no número anterior acresce que o recorrente não 
 suscitou, durante o processo – isto é, perante o Supremo Tribunal de Justiça –, 
 a questão da constitucionalidade de quaisquer normas, sendo certo, porém, que a 
 falta de consentimento por parte da autora constituíra já a ratio decidendi para 
 o Tribunal da Relação de Lisboa (embora se tivesse bastado com não resultar dos 
 factos assentes o consentimento da autora, e não tenha invocado a falta de 
 impugnação deste ponto pelo demandado). A conclusão pela falta de autorização 
 por parte da senhoria – seja com base na distribuição do ónus da prova, seja com 
 base nos articulados das partes – não pode, pois, considerar-se objectivamente 
 surpreendente, imprevisível ou insólita, de tal forma que o recorrente pudesse 
 considerar-se dispensado de suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça a 
 inconstitucionalidade do entendimento normativo em que se fundou tal conclusão.
 Também por esta razão não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.»
 
 2.Diz-se na reclamação apresentada:
 
 «1. Parece evidente que o objecto do presente recurso de constitucionalidade se 
 reconduz, tão-somente, à apreciação da inconstitucionalidade de um segmento de 
 uma norma, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo.
 Qual é a norma, qual é o segmento da mesma cuja interpretação afronta os 
 princípios constitucionais indicados no requerimento que abriu a instância de 
 recurso, e qual foi essa interpretação que, segundo o recorrente, não se amolda 
 aos reditos princípios?
 Antes de se responder a estas questões, importa, brevitatis causa, referir o 
 seguinte: a questão da inconstitucionalidade deve ter por objecto disposições 
 legais que tenham de ser aplicadas na causa, não existindo todavia qualquer 
 restrição quanto ao tipo de normas impugnadas. Segundo GOMES CANOTILHO, podem 
 ser normas materiais ou processuais, podem incidir sobre o mérito da causa ou 
 apenas sobre meios probatórios ou pressupostos processuais, podem lesar ou não 
 direitos fundamentais ou interesses legítimos das partes (Direito Constitucional 
 e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pág. 988).
 
 “O objecto do recurso em sentido substantivo (e não meramente processual) - 
 prossegue o mesmo eminente Constitucionalista - é, pois, uma norma à qual se 
 reporta a questão da inconstitucionalidade e não a decisão judicial do tribunal 
 a quo. Todavia, trata-se sempre de uma norma interpretativamente mediatizada 
 pela decisão recorrida, porque a norma deve ser apreciada no recurso segundo a 
 interpretação que lhe foi dada nessa decisão (cfr. Acs. 69/87, 75/87, 388/87, 
 
 127/88, 235/91, 141/92)” - CANOTILHO, ob. cit., pág. 997.
 Equivale isso a dizer que o Tribunal Constitucional só pode conhecer do recurso 
 quando a questão respeitante à inconstitucionalidade de uma norma tiver 
 relevância e for útil para o julgamento da questão principal conforme se decidiu 
 nos aliás doutos Acórdãos proferidos pelo mesmo Venerando Tribunal, sob os n.ºs 
 
 90/84 e 339/87 (G. CANOTILHO, ob. cit., pág. 997).
 A norma que deverá ser aplicada ou desaplicada, por motivos de 
 inconstitucionalidade, deve ter sido aplicada como ratio decidendi e não como um 
 simples obiter dictum (CANOTILHO, ob. cit., pág. 987).
 Não se pode, portanto, suscitar a questão da inconstitucionalidade da decisão, 
 ou do acto de aplicação do direito, mas das normas que nela tenham sido 
 concretamente aplicadas. O objecto do recurso de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade é constituído por normas efectivamente aplicadas durante o 
 processo.
 Por outro lado, a questão de inconstitucionalidade tanto pode respeitar a uma 
 norma, como a uma sua dimensão parcelar, considerada a se, como também a 
 interpretação ou sentido com que a mesma foi tomada no caso concreto e aplicada 
 na decisão recorrida (vd., entre muitos outros, os doutos Acs. do TC n.ºs 
 
 238/94, 18/96, 338/98, 285/99, 520/99, 558/99, 680/99, 156/00 e 219/00).
 Mas o que o Tribunal Constitucional não pode de maneira alguma sindicar é o acto 
 concreto do julgamento, envolvendo a decisão como resultado da conjugação do 
 facto e do critério normativo utilizado. Não pode, por outras palavras 
 eventualmente menos densificadoras, sindicar a subsunção efectuada pelo 
 aplicador do direito.
 
 2. Ora, como está bem de ver, o recorrente respeitou todos os cânones que a lei 
 exige em sede de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.
 Clarificando, dir-se-á que o recorrente não pretendeu impugnar a decisão 
 prolatada pelo Supremo, no sentido de que, pelo facto de ter cedido a sua 
 posição contratual a uma sociedade que passou a explorar no local arrendado, o 
 estabelecimento comercial nele existente, sem autorização do senhorio, o réu 
 praticou a infracção prevista na alínea f) do n.° 1 do artigo 64.° do RAU, que é 
 causa de resolução do contrato de arrendamento.
 Foi essa a judicativa decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Mas contrariamente 
 ao referido na decisão sumária, não é contra aquela decisão, por motivos de 
 inconstitucionalidade, que o réu interpôs o presente recurso de 
 constitucionalidade.
 Diferentemente, aquilo que o recorrente muito claramente pretendeu (como 
 pretende) suscitar, foi a interpretação de uma norma, no caso, a norma prevista 
 no n.° 2 do artigo 490.° do Código de Processo Civil, ou mais propriamente, do 
 troço da disposição onde se proclama que são havidos ou considerados admitidos 
 por acordo os factos que não forem impugnados “[...] salvo se estiverem em 
 oposição com a defesa considerada no seu conjunto [...]”.
 E foi devido à forma (subitânea e inusitada) como o Supremo interpretou a dita 
 norma que o mesmo Alto Tribunal proferiu a decisão em causa.
 
 É inegável, por conseguinte, que aquele particular segmento da norma visada 
 
 (CPC, art.º 490.º, 2), foi aplicado na decisão proferida pelo Supremo, a título 
 de ratio decidendi e não de obter dictum.
 Mas que interpretação foi essa, afinal? A interpretação aponta no sentido de 
 que, apesar de o réu se ter limitado a invocar na contestação que não era 
 necessária a autorização da senhoria, pelo facto de a situação configurar um 
 trespasse gratuito, ele nunca afirmou que a autora tivesse concedido autorização 
 para a invocada cedência do arrendado.
 Mais referiu o Supremo que, malgrado não possa em regra alterar a decisão quanto 
 
 à matéria de facto proferida pela 2.ª instância, podia no entanto servir-se de 
 qualquer facto que fosse de considerar adquirido, por provado.
 E mais adiante: “É o caso deste requisito da falta de autorização, cuja prova a 
 autora logrou fazer, por se tratar de facto que não foi especificadamente 
 impugnado pelo réu e antes foi aceite por este”.
 Dito de outro modo, podemos dizer que o Supremo sustentou que a não impugnação 
 do facto vertido no artigo 34.º da petição determinava que ele tinha de ser 
 considerado admitido por acordo e, logo, provado. Mas a verdade é que o Supremo 
 não atentou na estoutra questão, absolutamente decisiva, de que o facto em 
 apreço não poderia ser considerado admitido, se o mesmo estivesse em oposição, 
 como claramente estava, com a defesa do réu considerada no seu conjunto.
 
 É porque, para o Supremo, o réu não impugnou especificadamente a afirmação 
 produzida pela autora, no artigo 34.º da petição inicial, ou seja, que a 
 senhoria não concedera autorização ao réu para que ele pudesse ceder a sua 
 posição à sociedade em causa. E se o réu não impugnou tal facto, isso seria 
 suficiente para se considerar admitido o mesmo facto e, logo, adquirido para os 
 autos.
 Mas é claro que tal interpretação afronta determinados ditames de ordem 
 constitucional, além de que ela não pode ser actualmente aceite, na medida em 
 que o réu não tem de tomar posição (especificadamente) sobre todos os pontos de 
 facto alegados pelo autor. Basta-lhe que tais factos (os alegados pelo autor na 
 acção) estejam em contradição com a defesa no seu conjunto, não se tornando 
 sequer necessário que a oposição seja manifesta.
 Pois bem, se o réu alegou, na contestação, que não existiu qualquer cessão da 
 posição contratual à sociedade constituída por ele e pelo filho, porquanto o que 
 houve foi um trespasse que não necessita de ser autorizado pelo senhorio, 
 mostra-se vítreo que, com tal alegação, o demandado está a contrariar a tese 
 apresentada pela contraparte. Bastou essa simples tomada de posição, para se 
 constatar que o réu se opôs frontalmente à tese contrária.
 Se houve trespasse, não pode ter havido cessão ilícita, porque não consentida. 
 Uma coisa exclui necessariamente a outra.
 Por conclusão, o objecto do recurso não reside na decisão, mas na referida 
 interpretação normativa dada pelo Supremo para decidir o caso como decidiu.
 Vejamos uma outra questão de não menos importância.
 
 3. Refere-se na aliás douta decisão que não atendeu o recurso que o Supremo não 
 se pronunciou sobre qualquer dever, ou ónus, de tomada de posição sobre todos os 
 pontos de facto alegados pelo autor (vd. págs. 8, in fine, e 9, ao cimo).
 Objectar-se-á no entanto que o Supremo só pôde decidir como decidiu, porque 
 interpretou a norma prevista no artigo 490.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Civil, no sentido de que o réu tem de tomar posição especificada sobre todos os 
 factos alegados pelo autor.
 Mas se o réu tomou a posição já conhecida, essa tomada de posição seria mais do 
 que suficiente para que o facto em questão (falta de consentimento da senhoria 
 para a cessão) não pudesse ser dado como provado como efectivamente foi.
 
 É justamente essa a interpretação inconstitucional (que não cabe naturalmente 
 esquadrinhar hic et nunc) do segmento do inciso normativo em causa que foi feita 
 pelo Supremo em vista da decisão que acabou por tomar.
 Não se pode esquecer ainda que, como refere o Professor CANOTILHO, a aplicação 
 da norma ou a desaplicação por inconstitucionalidade não tem que ser expressa, 
 podendo ser implícita, como se decidiu nos doutos Acórdãos do TC n.ºs 406/87, 
 
 429/89, 119/90 e 354/91- ob. cit., pág. 987.
 
 É verdade e reverdade que quando enunciou a questão da inconstitucionalidade, o 
 recorrente fê-lo a contrario sensu, referindo que a interpretação acolhida pelo 
 Supremo havia sido a de que o réu tinha ou tem de tomar posição sobre todos os 
 pontos de facto alegados pelo autor.
 Mas o que é facto é que ao decidir como decidiu é como se o Supremo tivesse 
 defendido a tese (hodiernamente inaceitável) de que não foi suficiente aquilo 
 que o réu disse a propósito da cedência ilícita, que segundo ele não se teria 
 verificado, uma vez que a operação jurídica ocorrida foi o trespasse.
 Para o Supremo, o réu devia ter especificadamente impugnado o facto alegado pela 
 autora no sentido de que a cedência não fora autorizada.
 
 É, pois, contra este particular mas inconstitucional entendimento ou 
 interpretação de parte da disposição citada, que o recorrente pretende ver 
 desaplicada no seio da decisão proferida pelo mesmo Órgão Jurisdicional.
 Uma nota ainda a propósito do requisito de admissibilidade do recurso previsto 
 na alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC.
 
 4. Diz-se no concernente a este fundamento de rejeição do recurso que a falta de 
 consentimento por parte da autora já constituíra a ratio decidendi para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa.
 Mas, lá está! O recorrente não pretendeu impugnar qualquer inconstitucionalidade 
 ao nível da decisão que deu como verificado o facto-fundamento previsto na 
 alínea f) do n.° 1 do artigo 64.° do RAU.
 
 É claro que é sempre muito difícil a resposta à questão de saber como se deve 
 traçar a fronteira entre a fiscalização concreta da constitucionalidade 
 respeitante a normas jurídicas e a decisões judiciais (RUI MEDEIROS, A decisão 
 de inconstitucionalidade (...), Lisboa 1999, pág. 336 e ss.).
 Haverá sempre uma certa imbricação entre uma dada interpretação normativa de um 
 preceito que foi utilizado como ratio decidendi de uma decisão, com a própria 
 resolução ou decisão em si mesma. Não pode existir, no limite, uma diálise 
 substancial entre uma e outra.
 Isto traz-nos à memória (pedindo-se desculpa pelo eventual despropósito) a 
 facécia que se conta a propósito do assassinato do Presidente Lincoln, quando 
 assistia com a mulher a uma peça de teatro. Assim que o assassino disparou sobre 
 o Presidente, logo se abeirou da esposa um jornalista inconveniente que se lhe 
 dirigiu nestes termos: “Madam, quite apart from the murder, did you enjoy the 
 play?” (“Minha Senhora, assassinato à parte, gostou da peça?”).
 Como se dizia, não foi a referida decisão (a decisão que decretou a resolução do 
 contrato de arrendamento, por cessão ilícita da posição arrendatícia) que o 
 surpreendeu.
 O que o surpreendeu foi o facto de o Supremo, interpretando a norma pelo 
 indicado modo, ter violado determinados princípios de estalão constitucional de 
 resto enunciados, tais como, o princípio da participação efectiva no 
 desenvolvimento da causa, o princípio da igualdade de armas e do contraditório e 
 ainda o princípio do livre acesso aos tribunais.
 Assim decidindo, o Supremo promoveu e acerou, como também se grifou alhures no 
 requerimento, a indefesa do réu, postergando e subestimando uma das mais 
 importantes garantias concedidas e asseguradas pelo processo civil.
 De notar é que até aí, jamais se havia colocado a questão de se encontrar 
 provado que a autora havia consentido na cessão. Sempre se admitiu (embora tal 
 entendimento não se mostrasse materializado em nenhum facto assente ou em nenhum 
 facto controvertido dado como provado) que a autora não havia dado autorização 
 para a operação em causa, até porque as instâncias partiram do princípio de que 
 seria o réu, e não a autora, quem devia ter provado o redito facto.
 Pode então concluir-se que só após a decisão tirada no Supremo Tribunal de 
 Justiça, é que o recorrente pôde arguir a ajuizada questão da 
 inconstitucionalidade, razão pela qual, foi a mesma suscitada durante o 
 processo.»
 A recorrida respondeu a esta reclamação nos seguintes termos:
 
 «1 - Dispõe a lei que no requerimento de recurso para este Tribunal, ao abrigo 
 da al. b) do n.° 1 do art.º 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional, deve constar a indicação da norma ou princípio 
 constitucional ou legal que se considere violado, bem como da peça processual em 
 que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
 Este ponto é essencial, pois que o recurso interposto não se limita a uma 
 discordância de decisão recorrida, mas à sua qualificação como contrária à 
 Constituição das normas que aplica.
 A verdade é que o recorrente nenhuma disposição constitucional entendeu ou 
 encontrou como violada pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, nem refere 
 princípios constitucionais que decorram de invocadas normas constitucionais.
 
 2 - É claramente inoportuna a suscitada questão de inconstitucionalidade.
 Ela foi suscitada no último minuto do último acto processual que era possível 
 produzir no processo, e como emergência.
 Todavia, o facto da falta de autorização do senhorio na transmissão do 
 arrendamento, alegado logo na petição inicial, foi pacificamente aceite em todas 
 as instâncias, foi pressuposto desde a primeira hora da posição do próprio réu, 
 aqui recorrente, precisamente porque não impugnado, antes implicitamente aceite 
 e fora de qualquer controvérsia.
 Quer dizer que a aplicação das normas que levaram tal facto a ser tido como 
 adquirido - usado ou não, o que é outra coisa - vem desde a primeira instância, 
 sem oposição por deficiência constitucional do aqui recorrente.
 
 3 - Objecto do recurso só pode ser uma norma, tida como inconstitucional, ou a 
 interpretação que dela se faça contrária à Constituição.
 Refere o recorrente que pretende ver reconhecida a inconstitucionalidade do 
 art.º 490.º, n.º 2, do C.P.C., com a interpretação que lhe foi dada pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 Todavia, ainda que alegue o contrário, fundamenta o recurso para este Tribunal 
 Constitucional não na interpretação daquela norma, mas apenas na discordância da 
 decisão judicial, que se limitou a utilizar todos os factos que o processo 
 revela como provados.
 Como se decidiu na decisão de que se reclama, “consultando o acórdão recorrido, 
 logo se vê, porém, que este último entendimento ou interpretação não foi nele 
 aplicado. Antes o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça se limitou a extrair 
 uma conclusão sobre a matéria de facto provada em relação a um ponto concreto - 
 o da existência ou não de autorização por parte da demandante - não se 
 pronunciando sobre qualquer dever ou ónus de tomada de posição sobre todos os 
 pontos de facto alegados pelo autor”.»
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3. Adianta-se desde já que a presente reclamação não abala os fundamentos em que 
 se baseou a decisão recorrida para se pronunciar no sentido do não conhecimento 
 do recurso.
 Na verdade, no requerimento de recurso de constitucionalidade o recorrente disse 
 que pretendia ver “apreciada a inconstitucionalidade do segmento da norma 
 contida no n.º 2 do artigo 490.º do Código de Processo Civil, com a 
 interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida”. E, quanto a esta 
 interpretação, cuja constitucionalidade estava em causa, referiu-se no 
 requerimento “uma interpretação da sobredita norma adjectiva, no sentido que 
 acabou por merecer acolhimento no Acórdão recorrido, isto é, no sentido de que o 
 réu tem de tomar posição sobre todos os pontos de facto alegados pelo autor”. 
 Por outro lado, referindo-se ao caso concreto, disse o recorrente que, segundo 
 
 “o Supremo, tendo o réu alegado na contestação que, ao invés da posição 
 defendida pela autora na petição, não havia ocorrido a cedência ilícita da 
 posição contratual, e sim o trespasse gratuito do estabelecimento, que dispensa 
 a autorização do senhorio, mas não tendo impugnado a alegação vertida no artigo 
 
 34.° da petição, de que a cedência fora efectuada ‘sem autorização da A.’, é de 
 considerar este facto como admitido por acordo, por falta de impugnação”.
 Ora, como se afirmou na decisão reclamada, o acórdão recorrido não aplicou 
 qualquer interpretação do preceito referido com o sentido de que o demandado tem 
 de tomar posição sobre todos os pontos de facto alegados pelo autor, e antes se 
 limitou, a propósito de um desses pontos de facto, a extrair uma conclusão da 
 concreta conduta processual de demandante e demandado. O próprio reclamante 
 reconhece este facto, ao dizer que teria enunciado a questão da 
 inconstitucionalidade, “a contrario sensu”, mas que “ao decidir como decidiu é 
 como se o Supremo tivesse defendido a tese (hodiernamente inaceitável) de que 
 não foi suficiente aquilo que o réu disse a propósito da cedência ilícita” 
 
 (itálico aditado). Como também se disse na decisão sumária reclamada, nesta 
 
 última parte – isto é, no que se refere à avaliação da “suficiência”, ou não, do 
 que concretamente o demandado disse nos seus articulados –, a questão de 
 constitucionalidade não se refere, porém, a qualquer norma ou interpretação 
 normativa, mas antes “à conclusão tirada na concreta decisão judicial – o 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido – sobre a matéria de facto que 
 deve ser considerada provada”. Pelo que, por não estar em causa qualquer norma 
 ou interpretação normativa, mas antes a decisão judicial, na parte em que 
 concluiu sobre a matéria de facto provada, não podia tal questão ser objecto do 
 recurso de constitucionalidade, o qual, como é sabido, incide apenas sobre a 
 apreciação de constitucionalidade de normas.
 Acresce que, como também se notou na decisão reclamada, a questão da falta de 
 autorização da senhoria fora já o fundamento para a decisão proferida no 
 Tribunal da Relação, e, portanto, o demandado sabia que a conclusão no sentido 
 da prova desse facto era um elemento essencial para tal decisão. Apesar disso, 
 ao recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente não suscitou 
 qualquer questão de constitucionalidade relativa à prova de tal falta de 
 autorização. Tal suscitação não podia deixar de ser considerada exigível, pois 
 não só era previsível a conclusão no sentido da prova desse facto (seja por não 
 resultar dos factos assentes o consentimento da autora, seja pela falta de 
 impugnação deste ponto pelo demandado), como tal conclusão havia sido já a 
 perfilhada pelo tribunal então recorrido. E mesmo a forma como o Supremo 
 Tribunal de Justiça considerou provado o facto da falta de autorização para a 
 cedência do arrendado não pode ser considerada insólita ou absolutamente 
 imprevisível, na medida em que se baseia, simplesmente, na circunstância de este 
 facto ter sido invocado e de não ter sido especificadamente impugnado (coisa 
 diversa é já saber se tal circunstância é exacta ou não, ou corresponde a uma 
 correcta interpretação dos articulados – o que não compete a este Tribunal 
 controlar, limitado, como está, ao controlo da constitucionalidade de normas).
 Também por não ter sido suscitada, durante o processo, a questão da 
 inconstitucionalidade dos entendimentos referidos do artigo 490.º, n.º 2, do 
 Código de Processo Civil não podia, pois, o Tribunal Constitucional tomar 
 conhecimento do presente recurso.
 E a decisão sumária reclamada deve, portanto, ser confirmada.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto.
 Custas pelo reclamante, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa,  14  de  Abril  de 2005
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos