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Processo n.º 528/05
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é 
 reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem a primeira reclamar, 
 conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele 
 Tribunal, em 18 de Maio de 2005, que decidiu não admitir, por extemporaneidade, 
 o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
 2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de Outubro de 2004, foi, 
 para o que agora releva e no que concerne à ora reclamante, arguida nos autos, 
 julgado improcedente o recurso da decisão condenatória da primeira instância. 
 Interposto então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, veio este Tribunal, 
 por acórdão de 6 de Janeiro de 2005, a decidir rejeitá-lo, por não ser 
 recorrível a decisão que se pretendia impugnar.
 
  
 
 3. Notificada desta decisão, a arguida apresentou no Supremo Tribunal de 
 Justiça, com data de registo de correio de 24 de Janeiro de 2005, requerimento 
 de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, com o seguinte teor:
 
  
 
 “A. (…) não se conformando com o Acórdão proferido, por o mesmo não admitir 
 recurso ordinário, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
 O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, pois na decisão recorrida faz-se a 
 interpretação e aplicação de uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada 
 durante o processo.
 As normas constitucionais que foram violadas foram as dos artigos 26.º n.º 1, 
 
 32.º n.º 4 e n.º 8, e 34.º n.º 1, todas da Constituição da República Portuguesa.
 Na verdade, ocorreu apreensão de correspondência endereçada à arguida, apreensão 
 essa que foi feita em violação do estabelecido na Constituição da República 
 Portuguesa.
 A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da apreensão de 
 correspondência na contestação crime que deduziu e depois em sede de recurso, 
 pois só no Acórdão recorrido – da primeira instância – é que se decidiu validar 
 a apreensão da correspondência feita decidindo-se, também que só estava tutelado 
 pelo segredo da correspondência a que se encontrava em trânsito. Como a que 
 tinha sido apreendida à arguida não estava em trânsito, inexistia qualquer vício 
 uma vez que não beneficiava dessa tutela.
 Termos em que deverá ser admitido o presente recurso, fixando-se o efeito 
 suspensivo devendo o mesmo subir de imediato e nos próprios autos”.
 
  
 
 4. Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:
 
  
 
 “(...) notifique a recorrente para, em cinco dias, esclarecer de que Acórdão 
 recorre para o Tribunal Constitucional, se do Acórdão deste Supremo de 6 de 
 Janeiro de 2005, se do Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Outubro de 2004”.
 
  
 
 5. A arguida esclareceu então recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão 
 do Tribunal da Relação de Coimbra, face ao que foi determinada a remessa dos 
 autos a este Tribunal, pelo seguinte despacho:
 
  
 
 “Uma vez que a recorrente de fls. 2869 veio esclarecer que interpunha recurso 
 para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 
 Coimbra (fls 2898), o que poderá estar em prazo, dado o disposto no art.º 75.º, 
 n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, remeta os autos, oportunamente, para 
 o Tribunal da Relação, onde tal recurso deverá ou não ser recebido”.
 
  
 
 6. Por despacho, de 18 de Maio de 2005, que constitui a decisão reclamada agora 
 em apreciação, o Tribunal da Relação de Coimbra não admitiu o recurso para o 
 Tribunal Constitucional, invocando o seguinte:
 
  
 
 “Nos termos do art.º 75.º, n.º 1, da L 28/82, o prazo da interposição do recurso 
 
 é de 10 dias.
 O Ac. desta Relação, datado de 13-10-04, notificado às partes em 14-10-04.
 Logo aqui, estaria ultrapassado o prazo quando interpôs o 1º recurso do Acórdão 
 da Relação.
 Mas, apenas em 24-01-05 (data registo do correio) interpôs recurso para o T.C.
 Logo, é manifesta a extemporaneidade do recurso de fls. 2869 para o Tribunal 
 Constitucional”.
 
  
 
 7. É deste despacho de não admissão do recurso que a arguida vem agora reclamar, 
 com a fundamentação que aqui se transcreve:
 
  
 
 “a) O Ministério Público deduziu acusação contra a arguida tendo-a acusado da 
 prática de um crime de dissimulação de bens ou produtos p. e p. pelo artigo 23.º 
 n.º 1 b) do Dec.Lei 15/03 de 22-01 e de um crime de tráfico de estupefacientes 
 sob a forma de cumplicidade p. e p. nos termos dos arts. 21.º n.º 1 e 24.º als. 
 b) e c) do supra dito diploma legal.
 b) Submetida a julgamento a arguida foi condenada pelo crime de dissimulação de 
 bens ou produtos, na pena de um ano e meio de cadeia, suspensa por três anos.
 c) No decurso do processo, a arguida suscitou em primeira instância uma questão 
 de inconstitucionalidade de apreensão de correspondência indicando a violação de 
 normas constitucionais: as dos artigos 26.º n.º 1, 32.º n.º 4 e 8 e 34.º n.º 1 
 todos da CRP.
 d) A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da apreensão de 
 correspondência na contestação crime. Depois em sede de recurso, pois essa 
 questão suscitada só foi decidida no Acórdão recorrido da primeira instância. E 
 a decisão naquela instância decidiu validar a apreensão da correspondência 
 feita, decidindo-se que só estava tutelado pelo segredo de correspondência a 
 correspondência que estava em trânsito.
 e) Inconformada com a decisão a arguida recorreu para Tribunal da Relação de 
 Coimbra, arguindo novamente a mesma inconstitucionalidade.
 
 (...) o Supremo Tribunal de Justiça sentenciou a impossibilidade de recurso da 
 decisão, isto é: que todos os recursos ordinários estavam esgotados.
 h) Por estarem esgotados todos os graus de recurso, então, de seguida, sem que 
 em relação à arguida recorrente a decisão tenha transitado em julgado, a arguida 
 recorreu para o Tribunal Constitucional, a fim de naquele tribunal ver serem 
 decididas as questões sobre a inconstitucionalidade que suscitou.
 i) Por despacho, foi o signatário notificado para esclarecer se estava a 
 recorrer da decisão que não admitiu o recurso proferida pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, ou se pretendia recorrer da decisão proferida pelo Tribunal da Relação 
 de Coimbra.
 j) Ao receber essa notificação, a arguida informou que pretendia que fosse 
 declarada inconstitucional uma determinada interpretação feita dum artigo. Se o 
 Supremo Tribunal de Justiça entendia que não podia conhecer do recurso, não era 
 dessa decisão que se suscitava a inconstitucionalidade, mas outrossim da decisão 
 que se pronunciou sobre a substância da causa, isto é, do Acórdão da Relação de 
 Coimbra. Ao ser sentenciado que a decisão não tinha recurso ordinário possível, 
 de imediato e em prazo foi interposto o requerimento de recurso da decisão para 
 o Tribunal Constitucional.
 k) Em face desta posição, por despacho, foi ordenada a remessa dos autos ao 
 Tribunal da Relação de Coimbra para que este se pronunciasse sobre o 
 requerimento de recurso interposto pela arguida, uma vez que se entendeu que se 
 o recurso versava sobre o Acórdão do Tribunal da Relação, então quem tinha 
 competência para decidir era o Tribunal da Relação.
 l) O recurso para o Tribunal Constitucional é do Acórdão do Tribunal da Relação 
 porque a arguida não questionou a inconstitucionalidade da não admissão do 
 recurso. E só foi sobre isso que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu quanto à 
 arguida recorrente: que já não podia recorrer para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, por a lei não admitir recurso. Certo ou errado a arguida não quis 
 discutir esse assunto.
 m) O Tribunal da Relação de Coimbra veio dizer que como o recurso para o 
 Tribunal Constitucional foi interposto em 24-01-2005 e o Acórdão do Tribunal da 
 Relação foi proferido em 13-10-2004 e notificado aos sujeitos processuais, por 
 correio expedido em 14-10-2004, que está ultrapassado o prazo do recurso.
 n) Com todo o respeito que é muito, entende a arguida não assistir razão ao 
 despacho proferido, tendo que ser admitido o recurso.
 o) Assim, nos termos do disposto no artigo 70.º n.º 2 da Lei 28/82 de 15 de 
 Novembro, recursos como é o caso do que a arguida interpôs só cabem das decisões 
 que não admitam recurso ordinário.
 p) Mais, o n.º 4 desse artigo 70.º estabelece que: “entende-se que se acham 
 esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2 quando tenha havido 
 renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os 
 recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”.
 E foi o que aconteceu: no Supremo Tribunal de Justiça entendeu-se que a lei não 
 admitia o recurso da decisão. Só após esta decisão ser proferida é que, sem 
 dúvidas e na prática, ficaram esgotados todos os recursos ordinários. E só 
 depois disso é que a arguida pôde interpor o recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 q) Por outro lado, para efeitos da lei supra citada, também se equiparam a 
 recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, 
 nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, conforme preceitua o n.º 3 
 do artigo 70.º. E isto, precisamente porque se o sujeito processual entendesse 
 reclamar do despacho que julga o recurso indeferido por se entender ser 
 inadmissível, ficaria em caso de improcedência da sua reclamação sem a 
 possibilidade de recorrer para o Tribunal Constitucional. Ora, não é este o 
 espírito da lei.
 O que a lei pretende e é este o espírito do julgador, que se materializou nas 
 normas constantes do artigo 70.º n.º 2, 3 e 4 da lei supra identificada, é que 
 se esgotem todos os meios antes de se recorrer para o Tribunal Constitucional. 
 Que não fiquem dúvidas sobre se existe ou não a possibilidade de recurso. E 
 havendo dúvidas, desde que as mesmas sejam desfeitas, admitindo-se ou não o 
 recurso, está-se perante a possibilidade de recorrer para o Tribunal 
 Constitucional. E se o recorrente obtém uma decisão a sentenciar a inexistência 
 do recurso então a partir desse momento tem que se contar o prazo para recorrer 
 para o Tribunal Constitucional.
 r) Imagine-se que o recurso pode não ser admitido, o Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça pode entender que a decisão é recorrível e admitir o 
 recurso, para depois os Juízes poderem entender que a decisão é irrecorrível. 
 Ainda neste caso terá de ser admitido depois o recurso interposto para o 
 Tribunal Constitucional.
 s) Pelo exposto, o recurso deve ser admitido”.
 
  
 
 8. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se 
 pronunciou pela forma seguinte: 
 
  
 
 “O recurso de constitucionalidade interposto é, a nosso ver, tempestivo, face ao 
 regime preceituado no n.º 2 do art. 75º da Lei nº 28/82: na verdade, tal recurso 
 
 – expressamente reportado ao acórdão proferido pela Relação – foi interposto nos 
 
 10 dias seguintes ao trânsito do acórdão, proferido pelo STJ, que considerou 
 legalmente inadmissível o recurso perante si interposto pela arguida, por essa 
 via se tendo esgotado ou exaurido os “recursos ordinários possíveis”.
 A procedência da presente reclamação implicaria, porém, que se devessem ter por 
 preenchido os pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto: ora, no 
 caso dos autos, face ao teor das conclusões da motivação do recurso para a 
 Relação, é duvidoso que se deva considerar suscitada, em termos processualmente 
 adequados, a questão da inconstitucionalidade da norma identificada no 
 requerimento de fls. 168, já que a arguida/recorrente se limitou a controverter 
 a validade de certo acto de apreensão de extractos bancários, existentes no seu 
 domicílio, onde se realizou a busca judicialmente autorizada (cf. nomeadamente a 
 parte final da conclusão 24, a fls. 105 verso) – constituindo entendimento 
 jurisprudencial reiterado o de que não constitui forma idónea de suscitar uma 
 questão de inconstitucionalidade normativa a alegação de que certa actuação 
 processual teria violado uma disposição legal e, simultaneamente, certo preceito 
 ou princípio constitucional.
 Acresce que, a nosso ver, a questão suscitada, embora de forma deficiente, 
 sempre seria de qualificar como manifestamente infundada, não havendo qualquer 
 razão de índole constitucional para incluir no conceito de “correspondência” 
 meros extractos bancários, detidos pelo arguido no seu domicílio, sem que se 
 vislumbre qualquer conexão relevante entre tal prova documental e o modo como, 
 no passado mais ou menos remoto, a mesma chegou ao “domínio” do seu actual 
 detentor: é que, neste caso, o que está em causa não será seguramente a tutela 
 de um “sigilo de correspondência”, mas do “sigilo bancário”, enquanto expressão 
 da reserva da intimidade da vida privada, acautelado, em termos adequados, pela 
 autorização judicial da busca e pela validação das eventuais apreensões de 
 objectos ou documentos, nos termos previstos no art. 178º, n.ºs 4 e 5, do CPP.
 Por estas razões, somos de parecer que a presente reclamação deverá improceder, 
 embora por razões diferentes das invocadas no despacho reclamado”.
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Vem a presente reclamação interposta do despacho do Tribunal da Relação de 
 Coimbra que considerou extemporânea a interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional. Face aos elementos factuais a ter em conta, desde já se adianta 
 ser de acompanhar a posição expressa pelo Ministério Público, quanto à 
 tempestividade do recurso.
 Na verdade, estabelece o nº 2 do artigo 75º da LTC que interposto recurso 
 ordinário (…) que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da 
 decisão, o prazo [de dez dias – nº 1 do mesmo artigo] para recorrer para o 
 Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão 
 que não admite recurso. Ora, confrontado o teor de tal disposição com o descrito 
 supra, pontos 3. a 5., verifica-se haver sido tempestivamente apresentado o 
 requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
 
  
 
 2. No caso presente, apesar da tempestividade da interposição do recurso, 
 decorre, porém, da análise dos elementos dos autos, que não se mostram reunidos 
 os pressupostos do recurso de constitucionalidade que a reclamante pretendeu 
 interpor (o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC).
 Na verdade, da análise das peças processuais que a arguida identifica, em 
 cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º - A da LTC, como 
 aquelas em que suscitou a questão de inconstitucionalidade (contestação e 
 alegações de recurso para o Tribunal da Relação), decorre não ter sido ali 
 suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa. Mostrando-se, pois, 
 desrespeitado o disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC. 
 Assim, pode ler-se na contestação:
 
  
 
 “(...) tendo sido apreendidos documentos bancários ou correspondência bancária, 
 estando esta categoria de documentos inserida os documentos apreendidos em casa 
 da arguida. Deste modo, recaindo sobre estes documentos o segredo bancário, só 
 se podem apreender documentos bancários, numa busca, se for o Mmo. Juiz de 
 Direito a liderar essa busca e ordenar a sua apreensão. Não faz sentido que ao 
 banco ou instituição de crédito tenha de ir o Mmo. Juiz de Direito, mas a casa 
 se possam apreender os mesmos documentos sem a sua intervenção! Ora seria a 
 subversão do sistema, tanto mais que o segredo bancário se insere dentro dos 
 direitos, liberdades e garantias, nomeadamente no direito à reserva da 
 intimidade da via privada de cada um (...)
 Sob a égide dos direitos, liberdades e garantias, o artigo 26.º da Constituição 
 da República Portuguesa, consagra o direito à reserva da intimidade da vida 
 privada e familiar. Porém, em reforço deste artigo encontra-se também o artigo 
 
 101.º da nossa lei fundamental, onde se estabelece a segurança das poupanças dos 
 cidadãos como princípio do sistema financeiro português.
 Protegendo-se a reserva da vida privada e familiar, sabendo-se que a conta 
 bancária espelha a vida do (s) seu (s) titular (es), uma divulgação, sem 
 consentimento, do titular de uma conta bancária viola o direito à reserva da 
 intimidade da vida privada do cidadão, bem como, implica, ou pode implicar, uma 
 violação à segurança das poupanças do cidadão.
 Ora, em face do exposto, urge concluir que com a divulgação da conta bancária de 
 uma qualquer pessoa, revelam-se factos que estão a coberto do sigilo bancário, 
 inserindo-se, esta divulgação, na violação ‘do direito à reserva da intimidade 
 da vida familiar e privada’, artigo 26.º da Constituição da República 
 Portuguesa. Quando uma pessoa abre uma conta bancária, fá-lo sob o manto do 
 sigilo bancário, sabendo que está protegido da divulgação dos seus passos, que 
 se encontram espelhados e retractados na sua conta bancária. Ao divulgarem-se 
 factos, sem consentimento do titular, estaremos a expor, desnudando, a vida de 
 um cidadão ao público, sendo certo que essa pessoa, tem o direito de não querer 
 expor a sua vida nem de vê-la exposta por terceiros a público. Sem consentimento 
 do titular da conta, ao ser divulgada a mesma, estar-se-á a violar o disposto 
 nos artigos 26.ºe 101.ºda CRP’, Joaquim Malafaia, ‘O Segredo Bancário Como 
 Limite à Investigação Criminal’, Revista da Ordem dos Advogados, 1999, tomo I, 
 págs. 418, 419” (sublinhado aditado).
 
  
 Por seu turno, as conclusões das alegações de recurso têm o seguinte teor:
 
  
 
 “l.ª - As buscas realizadas não foram empreendidas de modo válido, pelo que essa 
 prova, por estar inquinada de invalidade, nulidade, não pode ser valorada contra 
 a arguida.
 
 2.ª - O artigo 32.º n.º 8 estabelece a nulidade das provas obtidas mediante a 
 intromissão no domicílio. Significa isto que uma vez que a Constituição da 
 República Portuguesa remeteu para o legislador ordinário a conformação normativa 
 das proibições de prova nos domínios da intromissão no domicílio.
 
 ' As provas obtidas sem a observância destes mecanismos ou são abusivas ou 
 restringem os direito liberdades e garantias de formas inadmissível e, portanto, 
 também são proibidas', João Conde Correia, ob e loc. cits..
 
  3.ª - As buscas sacrificam directamente direitos fundamentais de expressa 
 consagração constitucional e tão eminentes como a inviolabidade do domicílio e 
 da correspondência- art.º 34.º n.º 1 da CRP .
 
 4.ª - A lei não se basta com o respeito no essencial pelas formalidades legais, 
 exige, outrossim, a observância completa e integral de todas elas, sob pena de 
 faltando uma que seja, inquinar de vez a prova que passará a ser 'envenenada' e 
 não poderá ser usada no processo atenta a proibição de prova, sendo a sua 
 utilização proibida pela constituição, ou seja inconstitucional.
 Concretizando: só é possível a obtenção de prova mediante violação do domicílio 
 mediante a observância de todos os requisitos estatuídos na lei, para onde o 
 legislador constitucional remeteu. Faltando algum requisito estabelecido na lei, 
 de imediato, se tem de considerar que pela sua falta, o direito fundamental do 
 buscado foi agredido, vigora o disposto no artigo 32.º n.º 8 da Constituição da 
 República Portuguesa que fulmina de nulas todas as provas assim obtidas.
 
 5.ª - A lei estabelece como formalidades para a busca que esta deve ser 
 realizada pelo Juiz que, contudo, na fase de inquérito pode ser substituído pelo 
 Ministério Público que não poderá delegar, nos termos do disposto nos artigos 
 
 269.º e 270.º n.º 1 e 2 d) e e), neste sentido, por todos, Gil Moreira dos 
 Santos, ob. e loc. cits.. Atenta a redacção do artigo 177.º n.º 2 do Cód. Proc. 
 Penal, as buscas domiciliárias podem ser ordenadas pelo Ministério Público ou 
 ser efectuadas por órgão de polícia criminal somente no caso do artigo 174.ºn.º 
 
 4.
 
 6.ª - A requerimento do Ministério Público, foi ordenada a busca, pela Mma. Juiz 
 de Direito em casa da arguida A., vd. apenso XI, fls. 58 e seguintes, tendo a 
 mesma busca sido efectuada sem a presença do Ministério Público, o qual não pode 
 delegar nos órgãos de polícia criminal, isto é, tem de ir ele próprio. Assim 
 sendo é nula e como tal fulminada a busca efectuada não podendo os objectos 
 apreendidos fazer prova contra a arguida, e, bem assim, os outros arguidos.
 
 (...)
 
  9.ª - A busca efectuada na casa da A. sem a presença do Ministério Público, o 
 qual não pode delegar nos órgãos de polícia criminal, isto é, tem de ir ele 
 próprio, é nula e como tal fulminada a busca efectuada não podendo os objectos 
 apreendidos fazer prova contra a arguida, e, bem assim, os outros arguidos. 
 Foram, por conseguinte, violados os artigos 177.º, 269.º e 270.º n.º 1 e 2 d) do 
 Código de Processo Penal e 34.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
 
 10.ª - Nessa busca foi apreendida correspondência, extractos do banco dirigidos 
 ao arguido B. mas em nome da arguida. A apreensão de correspondência não foi 
 ordenada previamente, pelo que é nula, nos termos do estabelecido no artigo 32.o 
 n.º 8 da CRP e como tal deve ser declarada para os devidos efeitos legais.
 
 11.ª - Não foi ordenada a apreensão de correspondência pelo Mmo. Juiz que 
 ordenou a busca nos termos do disposto no artigo 179.ºdo Cód. Proc. Penal.
 
 12.ª - Os extractos bancários apreendidos, inserem-se no conceito de 
 correspondência a que alude o artigo 179.º do Cód. Proc. Penal, não se devendo 
 entender por correspondência aquele que se encontre em trânsito ou a que não 
 tenha sido aberta.
 
 13.ª - O legislador protege toda a correspondência e nesse conceito se deve 
 entender aquela que resulte de envio pelos correios. Os extractos bancários 
 apreendidos foram enviados por uma instituição bancária à arguida e como tal 
 merecem a tutela da lei e fazem parte do conceito de correspondência trocada, 
 neste caso entre um banco e uma pessoa.
 
 (...)
 
 15.ª - A lei não estabelece que a correspondência tem de se encontrar em 
 trânsito ou que tenha acabado de chegar. E bem vistas as coisas nem tinha de o 
 fazer, porquanto a inviolabilidade da correspondência está relacionada com o 
 direito à reserva da intimidade da vida privada previsto no artigo 26.ºda 
 Constituição da República Portuguesa, considerando-se a correspondência como uma 
 extensão da própria pessoa.
 
 16.ª - 'O conteúdo do direito ao sigilo da correspondência e de outros meios de 
 comunicação privada abrange toda a espécie de correspondência de pessoa a pessoa 
 
 (cartas postais, impressos), cobrindo mesmo as hipóteses de encomendas que não 
 contêm qualquer comunicação escrita, e todos as telecomunicações (telefone, etc 
 
 ).
 Aqui as restrições estão autorizadas apenas em processo criminal (n.º 4) e estão 
 igualmente sob reserva de lei (art.º 18.º2 e 3), só podendo ser decididas por um 
 juiz (art. 32.º4). A constituição não abre qualquer excepção ao sigilo da 
 correspondência no âmbito de relações especiais do poder. . . A inviolabilidade 
 da correspondência impõe-se naturalmente também fora das relações 
 estado-cidadão, vinculando toda e qualquer pessoa a não devassar as 
 correspondência ou comunicações de outrem', Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 2.ª edição revista e actualizada, 1.ºvolume, Coimbra editora, pág. 224, 
 Gomes Canotilho, Vital Moreira. 
 
 17.ª - Tendo sido lida e guardada a correspondência, nem por isso, legislador 
 constitucional o não estabelece distinções correspondência, e em abono da 
 verdade nem o legislador ordinário o faz, perde o carácter de ser 
 correspondência e de para ser apreendida necessitar de ordem do Juiz antes de o 
 ser. Repare-se que a correspondência se insere na direito à reserva da 
 intimidade da vida privada da pessoa, uma vez que se considera a correspondência 
 como uma extensão da própria pessoa, vd. Gomes Canotilho, Vital Moreira, ob. 
 cit. pág. 223.
 
 18.ª - O entendimento que se faz no Acórdão recorrido de entender que os 
 extractos do banco enviados por correio para a recorrente não constitui 
 correspondência é inconstitucional, violando o disposto no artigo 34.º n.º 1 da 
 Constituição da República Portuguesa e como tal deve ser declarado. Apesar de já 
 não estar em trânsito os extractos bancários apreendidos, tinham sido enviados 
 por correio e estavam guardados, merecendo por isso e por ser uma extensão da 
 própria pessoa, a tutela da reserva da intimidade da vida privada, artigos 26.º 
 n.º 1 e 34.º n.º 1 ambos da Constituição da República Portuguesa, são 
 correspondência e só pode ser apreendida nos termos do estatuído no artigo 179.º 
 n.º 1 do Cód. Proc. Penal. O facto de a correspondência ser apreendida depois de 
 lida não faz com que deixe de o ser, isto é que perca as características de ser 
 correspondência e que continue protegida pelos artigos 179.º do Cód. Proc. Penal 
 e 26.º e 34.ºda Constituição da República Portuguesa.
 
 (...)
 
 22.ª - Aplicando o direito constitucional, o Código de Processo Penal faz 
 depender a legalidade e validade da apreensão da correspondência, de despacho 
 prévio do Juiz a ordenar a sua apreensão, sob pena de nulidade. O que significa 
 que, mesmo em se tratando de requisitos formais, a falta ou violação de qualquer 
 um deles determina, sem mais e insuprivelmente, a nulidade da apreensão da 
 correspondência. Noutros termos, aqui não tem lugar a distinção entre 
 formalidades essenciais e não-essenciais. Aqui todas as formalidades são 
 essenciais: tanto as relativas à competência, como as atinentes às regras 
 procedimentais, aos prazos, etc. . .
 
 23.ª - A lei não se basta com o respeito no essencial pelas formalidades legais, 
 exige, outrossim, a observância completa e integral de todas elas, sob pena de 
 faltando uma que seja, inquinar de vez a prova que passará a ser 'envenenada' e 
 não poderá ser usada no processo atenta a proibição de prova, consagrada no 
 artigo 179.º do Cód. Proc. Penal, sendo a sua utilização proibida pela 
 constituição, ou seja inconstitucional.
 
 24.ª - As apreensões foram feitas em violação do estatuído no Código de Processo 
 Penal, pelo que, por não corresponderem ao conceito de verdade material prova 
 obtida de forma intra-processualmente válida e são fulminadas pela lei como 
 nulas e violadoras do princípio da legalidade, devendo como tal ser declaradas, 
 não valendo como provas, neste sentido Teresa Beleza, 'A Prova', Apontamentos de 
 Direito Processual Penal', AAFDL, 1992, II Vol., págs. 151/2; Germano Marques da 
 Silva, Processo Penal, Vol. II, pág. 120, Manuel Monteiro Guedes Valente, 
 
 'Revistas e Buscas', págs. 128/9.
 Por conseguinte, atento todo o exposto, foram violados os artigos 26.º n.º 1 e 
 
 34.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e bem assim o artigo 179.º do 
 Código de Processo Penal, sendo por isso a prova recolhida, a correspondência 
 apreendida nula nos termos do disposto no artigo 179.º n.º 1 Cód. Proc. Penal, 
 nulidade essa insanável e por força do disposto no artigo 32.º n.º 8 da 
 Constituição da República Portuguesa” (sublinhado aditado).
 
  
 Da análise dos excertos transcritos resulta que não foi pela reclamante ali 
 suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma, designadamente do artigo 
 
 179º, nº 1, do Código de Processo Penal, referida a fl. 168 dos autos, embora 
 não no requerimento de interposição de recurso, que não identifica qualquer 
 norma cuja inconstitucionalidade questione.
 O “Tribunal Constitucional português é concebido essencialmente como um órgão 
 jurisdicional de controlo normativo – de controlo da constitucionalidade e da 
 legalidade” (Cardoso da Costa, 'A jurisdição constitucional em Portugal', 
 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da 
 Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 223) – pelos artigos 280º e 
 
 281º da Constituição da República Portuguesa e 70º da LTC, cabendo-lhe a 
 apreciação da conformidade constitucional de normas e não de decisões. Ora, no 
 caso presente, durante o processo não foi suscitada uma qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, nos termos previstos no nº 2 do artigo 72º da 
 LTC, ou seja, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
 Por outro lado, importa assinalar que, mais do que uma vez, nas passagens acima 
 transcritas, a reclamante afirma a violação, em simultâneo, de normas da 
 Constituição e de direito processual penal ordinário. Tal significa que a 
 reclamante considera, in casu, existir consonância entre os referidos preceitos 
 da Constituição da República Portuguesa e as normas de direito 
 infra-constitucional. Ora, é justamente a situação inversa que justifica o 
 recurso para o Tribunal Constitucional: “se se utiliza uma argumentação 
 consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, 
 simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo 
 que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, 
 enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico 
 infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que se posta 
 como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e este é 
 desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da lei ordinária 
 
 é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que esgrimir com a 
 violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a qual ele se 
 mostra consonante com a Constituição” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 489/04, não publicado).
 
  
 Assim, embora por razões diferentes das que fundamentaram o despacho reclamado, 
 
 é de concluir, como bem assinala o Ministério Público, que o recurso não pode 
 ser admitido.
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 14 de Julho de 2005
 
  
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício