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Processo nº 686/95 1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional I J... demandou o Estado Português, em acção declarativa com processo sumário que correu termos no 15º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 1.302.069$00, invocando, como fundamento da sua pretensão, a inconstitucionalidade da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 1/90, de 3 de Janeiro - diploma que extinguiu a E... Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Julho de 1995, que, confirmando a decisão oportunamente proferida na 1ª Instância, julgou improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido, recorreu o autor para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, considerando que a norma em causa viola o preceituado nos artigos 2º, 18º e 63º da Constituição da República (CR). Recebido o recurso, alegaram as partes, sendo o réu por intermédio do Senhor Procurador-Geral adjunto neste Tribunal. O autor concluíu assim as respectivas alegações: '1º- Por via de um contrato celebrado entre o agora recorrente e a E..., o primeiro adquiriu um direito de crédito a uma prestação complementar de reforma mensal e vitalícia, tendo-se a segunda vinculado a realizar em benefício do credor essa obrigação duradoura de natureza reiterada e periódica. 2º- Em nome do princípio da confiança dos cidadãos no Estado (artº 2º da CRP), tendo a E... sido extinta por decisão do Estado, a este incumbe o dever de assegurar a manutenção dos benefícios de segurança social nos termos do artº 63º da CRP, o qual é de aplicabilidade directa por força do artº 18º da CRP. 3º- O artº 6º do DL 1/90 de 3 de Janeiro viola o artº 63º da CRP por não assegurar ao recorrente a satisfação do seu direito de segurança social à prestação do seu complemento de reforma. 4º- Inconstitucionalidade esta que se torna ainda mais visível através da conjugação do artº 63º com os artºs. 2º e 18º da CRP porquanto: - o princípio do Estado de Direito Democrático (artº 2º da CRP) é integrador dos direitos sociais (artº 63º da CRP), o que implica o reconhecimento de direitos positivos a prestações periódicas de segurança social; - direito à prestação complementar de reforma vitalícia enquanto direito social consagrado no nº 1 do artº 63º da CRP, subjectivou-se por via contratual na esfera jurídica do recorrente e é directamente aplicável por força do artº 18º da CRP; - por aplicação do mesmo artº 18º o artº 6º do DL 1/90 não pode ter efeitos retractivos, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, ainda que subjectivados, como é o caso do complemento de reforma vitalício. - A indemnização fixada no artº 6º do DL 1/90 de 3 de Janeiro em nada altera o que já se concluiu, porque nem compensa nem assegura a manutenção do benefício sucessivo de segurança social. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o artº 6º do DL 1/90 de 3 de janeiro ser julgado inconstitucional por violar o art. 63º da CRP conjugado com os 2º e 18º do mesmo diploma devendo assim ser revogada a decisão recorrida.' O réu, por sua vez, formulou as seguintes conclusões: '1º- A norma constante do artº 6º do Decreto-Lei nº 1/90, de 3 de Janeiro, quando interpretada no sentido de que a extinção da E... implica automaticamente a caducidade dos contratos de que resultara para os ex-trabalhadores a titularidade de prestações qualificadas como de complemento de reforma, precludindo o direito de reclamarem tais créditos no processo de liquidação universal da empresa extinta, é inconstitucional, por violar o princípio da confiança, ínsito no Estado de direito democrático, afirmado pelo artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. 2º- A inconstitucionalidade da referida norma não implica, porém, que o Estado deva ser responsabilizado, como garante, pelo integral pagamento das referidas prestações. Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, embora por fundamentos - e com consequências jurídicas - diversos dos apontados pelo recorrente.' Foram corridos os vistos legais, cumprindo decidir. II 1.- Consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 1/90: 'No âmbito da política de privatização dos meios de comunicação social do Estado, foram autorizadas as alienações do parque gráfico e edifícios da E..., das suas quotas no capital da Sociedade R..., e na empresa de P ..., e, finalmente, do título C... e bens móveis que lhe estavam afectos. Concretizadas tais alienações mediante concursos públicos, restam à E... alguns bens residuais, bem como os créditos e débitos resultantes das actividades que exercia e das próprias alienações. Tornou-se assim impossível àquela empresa prosseguir o seu objecto estatutário, pelo que importa proceder à sua extinção.' Na sequência do desígnio do legislador, o artigo 1º do diploma extinguiu a E... e o artigo 2º estabeleceu que, para a prática dos actos de liquidação e apresentação das respectivas contas, seria nomeado um administrador liquidatário, ficando os credores da empresa com um prazo de 30 dias para reclamarem os seus créditos. Dispôs-se, no entanto, no artigo 6º - ora questionado - quanto aos complementos de reforma devidos a reformados da empresa: '1.- Aos reformados da E... que à data da extinção desta empresa pública estejam a receber complemento de reforma serão atribuídas indemnizações compensatórias. 2.- O critério base para cálculo das indemnizações corresponderá a um mês de complemento de reforma por cada ano de antiguidade na empresa, num mínimo de três anos.' Compreende este artigo 6º, na sua totalidade, um complexo normativo que o recorrente, no entanto, não diferenciou, aliás na esteira da decisão recorrida. Sendo este o objecto do recurso há, no entanto, que ter em consideração o recente acórdão do Tribunal Constitucional, proferido em plenário, no exercício da sua competência de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade. Referimo-nos ao acórdão nº 867/96, de 4 de Julho de 1996, publicado no Diário da República, I Série-A, de 4 de Outubro último, o qual, debruçando-se sobre aquele artigo 6º, não declarou a inconstitucionalidade da norma do nº 1 desse artigo 6º mas declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do nº 2 do artigo 6º, 'por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, ínsitos na ideia de Estado de direito democrático consignada no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, quando consignados com o preceituado no artigo 296º, alínea c), da mesma lei fundamental'. 3.- Em face do assim decidido, relativamente à norma do nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 1/90 há, agora, e tão só, que aplicar a respectiva declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, concedendo-se, nessa parte, provimento ao recurso. Resta, no entanto, a norma do nº 1 do mesmo artigo 6º relativamente à qual o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido de não declarar a sua inconstitucionalidade, o que, porém, não é vinculativo nem impeditivo da sua reapreciação. Escreveu-se, então, a dado passo do citado acórdão: 'Ao extinguir a empresa, o Decreto-Lei nº 1/90 previu, como seria natural, o pagamento dos débitos da empresa, de acordo com a graduação estabelecida na lei geral. E estabeleceu uma norma excepcional relativa a uma categoria particular de credores da empresa: os trabalhadores que tinham direito a complementos de reforma receberiam, não o crédito correspondente (aliás, de natureza vitalícia), mas sim uma indemnização compensatória correspondente a um mês de complemento de reforma por cada ano de antiguidade, num mínimo de três anos. Tal norma terá assentado na circunstância de a extinção da E... tornar impossível que ela continuasse a pagar uma prestação a título vitalício. No entanto, resultando essa impossibilidade de um facto que é imputável à própria empresa - porque necessariamente assim se há-de considerar a extinção decretada pelo Estado, em cuja titularidade ela se encontrava -, os credores de tal prestação teriam normalmente o direito a uma indemnização decorrente do incumprimento do contrato. Atenta as circunstâncias específicas do caso, nada obstaria, em princípio, a que se estabelecesse um critério especial para a determinação das indemnizações correspondentes às prestações periódicas, como era o caso deste complemento de reforma, pelo que poderia, nomeadamente, tal prestação periódica ser substituída por uma indemnização compensatória de natureza fixa, o que afasta qualquer censura à norma do artigo 6º, nº 1, do diploma em apreço.' Subscrevendo as considerações então expendidas, dir-se-á não se vislumbrar, a essa luz, violação de algum dos princípios ou das normas constitucionais invocados pelo recorrente - tal como, então, também se não viu matéria de censura na mesma norma. O que na oportunidade relevou para a declaração de inconstitucionalidade que viria a recair sobre a norma do nº 2 do artigo 6º, foi o estabelecimento de um critério de que resultasse, necessária ou até provavelmente, uma indemnização substancialmente inferior aos montantes que os interessados tinham legitimamente a expectativa de vir a receber, segundo os critérios legais comuns. III Em face do exposto, decide-se: a) não julgar inconstitucional a norma constante do nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 1/90, de 3 de Janeiro; b) aplicar, relativamente à norma do nº 2 do artigo 6º do mesmo diploma, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão nº 867/96, publicado no Diário da República, I Série-A, de 4 de Outubro de 1996, e, c) consequentemente, conceder parcial provimento ao recurso, deste modo determinando a reformulação da decisão recorrida de harmonia com o juízo de constitucionalidade formulado. Fixa-se em 30.000$00 o montante dos honorários a pagar ao Senhor advogado oficiosamente nomeado, nesse valor se incluindo o reembolso das eventuais despesas. Lisboa, 5 de Novembro de 1996 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa
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