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Processo n.º 972/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A., B., C., D. e E., inconformados com a decisão sumária proferida a 12 de
Janeiro de 2009, vêm dela reclamar e apresentar pedido de reforma, tendo
concluído nos seguintes termos:
A. Reclamação de A.:
“1. Ao recorrer para o Tribunal Constitucional o ora reclamante colocou para
escrutínio desse órgão de fiscalização da constitucionalidade das leis três
questões.
2. A primeira tinha a ver com o seguinte acervo normativo:
«(1) Primeira questão: os artigos 50.º do Código Penal e 375.º, n.º 1 e 379.º,
n.º 1, alínea c) do CPP, quando prevêem que a suspensão da pena não deva ser
decretada em sede de recurso, quando não foi especificamente suscitada pelo
recorrente em sede de motivação em que suscitou, entretanto, como tema de
impugnação a questão da espécie da pena»;
3. De acordo com o ora reclamante a violação da Lei Fundamental ocorria
porquanto haviam sido desrespeitadas em relação a esta questão as seguintes
normas da Constituição:
«(1) Primeira questão: artigos 1.º e 13.º [ao negar que sejam valorados
elementos atinentes à personalidade moral de uma pessoa], 2.ª [inviabilizando a
sociabilidade e a liberdade, sendo estas possíveis], 32.º, n.º1 [ao tornar
processualmente irrelevantes factos e elementos de personalidade que militem em
defesa do arguido no sentido de uma pena de substituição], 30.º, n.º 5 (sujeita
o condenado a regime gravoso ablativo da liberdade) e 205, n.º 1 [por ausência
de fundamentação em relação a uma matéria de conhecimento obrigatório] da CRP».
4. A matéria havia sido prevenida no recurso interposto para o STJ pela seguinte
forma (cita-se das conclusões da motivação):
«6.º Os artigos 50.º do Código Penal e 375.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, alínea c) do
CPP quando prevêem que a suspensão da pena não deva ser decretada em sede de
recurso, quando não foi especificamente suscitada pelo recorrente em sede de
motivação em que suscitou, entretanto, como tema de impugnação a questão da
espécie da pena, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 12
e 13.º [ao negar que sejam valorados elementos atinentes à personalidade moral
de uma pessoa], 2.º [inviabilizando a sociabilidade e a liberdade, sendo estas
possíveis], 32, n.2 1 [ao tornar processualmente irrelevantes factos e elementos
de personalidade que militem em defesa do arguido no sentido de uma pena de
substituição], 30, n.º 5 [sujeita o condenado a regime gravoso ablativo a
liberdade] da CRP»
5. Conhecendo tal matéria, a decisão sob reclamação considerou que «a mesma não
é de conhecer na medida em que tais normas não foram sequer aplicadas pela
decisão a quo
[recorde-se, despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de
Dezembro de 2007].
6. Eis do que se discorda e integra objecto da presente reclamação.
7. A decisão recorrida é aquela onde foram aplicadas as normas cuja dimensão
constitucional foi posta em crise; ora, no caso, lendo a configuração concreta
do problema — tal como suscitado aos poderes de cognição do TC — o ora
reclamante tornou claro que entendia que [cita-se da petição de recurso para o
TC]:
«4. As normas em causa foram aplicadas (1) as referidas como atinentes à
primeira questão no aresto de primeira instância, recusando a suspensão da pena
e naquele que na Relação conheceu o recurso, omitindo conhecer tal suspensão
(ii) as demais na decisão que conheceu a reclamação suscitada ante a decretada
irrecorribilidade do acórdão da Relação».
8. Ou seja: trata-se de um acervo normativo que foi aplicado segundo esta
dinâmica;
(1) Em primeiro lugar, e numa dimensão parcial, na primeira instância, ao ter
recusado a suspensão da pena, havendo razões objectivas e expressas no processo
para que tal suspensão devesse ter sido decretada;
(2) Em segundo lugar, e na sua máxima extensão, pela Relação quando, agora em
sede de recurso, entendeu não dever conhecer da matéria da suspensão, uma vez
que a mesma não havia sido suscitada em sede de recurso.
9. Salvo o merecido respeito não se entende a menção efectuada ao despacho do
Presidente do STJ de 20.12.07, porquanto tal despacho [proferido sobre
reclamação do ora reclamante na altura deduzida a rejeição do recurso interposto
para aquele Tribunal] conheceu apenas da matéria da suscitada
inconstitucionalidade dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 401, n.º 1, alínea
b), ambos do CPP [nada ali se consignado a propósito da conformidade
constitucional dos normativos ora em apreço]
10. Estamos em suma ante normas que foram aplicadas na decisão sobre a qual foi
interposto recurso para o STJ [aresto da Relação] com prevenção de vício de
inconstitucionalidade [vide motivação do recurso para o STJ, conclusão 6),
questão que foi reeditada no TC ante a rejeição do recurso em causa pelo 511
[face a normas cuja desconformidade com a Lei Fundamental também já foi
suscitada por recurso desatendido pela decisão sumária].
Nestes termos, salvo o devido respeito, entende o reclamante que a questão da
inconstitucionalidade que colocou como primeira deve ser conhecida, com a
consequente reforma do acórdão da Relação que aplicou o conjunto normativo sob
sindicância, no sentido de ser ordenado o conhecimento oficioso da suspensão da
pena.”
B. Pedido de Aclaração de B.:
“B., recorrente nos autos supra referenciados, notificado da decisão sumária
proferida pelo Venerando Juiz Conselheiro relator, vem nos termos do artigo 669°
do Código de Processo Civil, aplicável ex-vi artigo 4° do Código de Processo
Penal, requerer a ACLARAÇÃO da mesmo, o que fiz nos termos e com os fundamentos
seguintes:
1- A douta decisão sumária no seu ponto 4.1 remete para considerações ínsitas do
ponto 3.3 referente ao arguido A..
2- Nessas considerações, é referido que ‘O que a Constituição garante (e cujo
cumprimento impõe ao legislador) é o direito a um duplo grau de jurisdição (mas
já não a um duplo grau de recurso) sempre que se trate de decisões condenatórias
ou que afectem direitos fundamentais’.
3- Mais se considera que ‘Respeitado este parâmetro constitucional, assiste
depois ao legislador margem concreta de conformação do direito ao recurso
podendo, nomeadamente, por razões atinentes à necessidade de libertar as
instâncias superiores de questões de menor gravidade que já tenham sido objecto
de apreciação por duas instâncias diferentes, limitar ou excluir a possibilidade
de acesso a um terceiro grau de jurisdição ou a um duplo recurso.’
4- Ora no caso em apreço, o recorrente suscitou a seguinte questão como questão
prévia no seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça: Veio o arguido
requerer a aclaração do acórdão que o condenou a 2 anos de prisão efectiva no
sentido de saber ‘em que termos relevaram os negócios de aquisição de bebidas
que geraram dívidas de IEC na determinação da medida concreta da pena’.
O acórdão cuja aclaração requereu, foi assinado por Isabel Pais Martins (Juiz
relator), Pinto Monteiro e Agostinho Freitas (Juízes Adjuntos).
Ora, sucede que o acórdão que decide da aclaração requerida (20 de Novembro de
2006) pelo arguido bem como aquelas suscitadas por outros arguidos, assim como
da arguição de nulidades, é subscrito por um colectivo diverso: Isabel Pais
Martins (Juiz relator), Pinto Monteiro e Coelho Vieira (Juízes Adjuntos).
O artigo 328° do Código de Processo Penal estabelece o princípio da continuidade
da audiência. Este princípio está intimamente ligado com o princípio da
imediação que ‘significa essencialmente que a decisão jurisdicional só pode ser
proferida por quem tenha assistido à produção das provas e à discussão da causa
pela acusação e pela defesa’ — Curso de Processo Penal, Germano Marques da
Silva, Ed. Verbo, 1994,1 vol, pág 79.
‘Dos princípios da imediação e da oralidade resulta a necessidade de os juízes
que participam na audiência serem os mesmos do princípio ao fim e também serem
eles próprios que decidem dos factos considerados provados e não provados’ Curso
de Processo Penal, Germano Marques da Silva, Ed. Verbo, 1994, III vol, pág 232.
Por outro lado, o acórdão de que agora se suscita a nulidade refere: ‘Ainda que
tivéssemos a convicção de que erramos, que não temos, já não poderíamos emendar
o nosso suposto erro’.
Mas pergunta-se como pode alguém (no caso o Venerando Desembargador Coelho
Vieira) apreciar nulidades ou aclarar obscuridades, convicto que não errou, numa
decisão da qual não tomou parte?
E que não se venha argumentar, como já se antevê, que o artigo 429°, n°2
consigna que ‘sempre que possível, mantêm-se para a audiência juízes que tiverem
intervindo na conferência’.
No presente caso não está em causa a decisão de questões da competência da
conferência (artigo 419.º do Código de Processo Penal) mas sim questões
atinentes ao resultado da audiência que se corporizou na prolação de um acórdão.
Na ausência de norma especial, devem aplicar-se as regras da 1a instância.
Aliás, relembre-se que a razão de ser da obrigatoriedade da imutabilidade do
colectivo, prende-se precisamente com as garantias de defesa do arguido em que a
análise e apreciação da prova deve ser efectuada por quem assistiu á sua
produção.
Ora, no caso em apreço, a questão levantada pelo arguido, tem precisamente a ver
com a matéria de facto, pelo que a apreciação da qualquer eventual obscuridade,
só pode ser plenamente analisada pelo colectivo que analisou a matéria de facto
submetida a recurso.
A isso também obriga o preceituado no artigo 654°, n° 1 do Código de Processo
Civil, aplicável ex-vi artigo 4° do Código de Processo Civil: ‘Só podem intervir
na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos
de instrução e discussão praticados na audiência final’.
Mais acrescenta o n°3 do supra aludido preceito que ‘O Juiz que for transferido,
promovido ou aposentado concluirá o julgamento, excepto se a aposentação tiver
por fundamento a incapacidade tísica, moral ou profissional’.
Por outro lado, o legislador penal, no respeito pelos direitos dos arguidos,
consagrou como princípio fundamental o princípio do Juiz natural que pressupõe
que intervirá na causa o juiz que o deva ser segundo as regras de competência
legalmente estabelecidas para o efeito.
O princípio do juiz natural, com consagração constitucional (n° 7, do artigo 32°
da Constituição da República Portuguesa) não foi estabelecido em função do poder
de punir, mas somente para protecção da liberdade e do direito de defesa do
arguido.
Tal princípio só pode ser afastado naqueles casos, quando princípios como por
exemplo em casos em que o juiz não oferece garantias de imparcialidade e isenção
no exercício da sua função, o que não é manifestamente o caso dos presentes
autos.
O acórdão proferido viola ainda o artigo o artigo 32° n° 1 da CRP que assegura
ao arguido todas as garantias de defesa, garantias essas que não se encontram
asseguradas quando um elemento de um colectivo se pronuncia sobre uma questão
emanada de uma decisão onde não tomou parte.
Enferma assim o acórdão de nulidade insanável, por via do artigo 119° alínea a)
do Código de Processo Penal, o que aqui se arguiu para todos os efeitos legais.
Qualquer interpretação que aplique as normas atrás citadas é susceptível de
violar os n°s 1 e 7 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto, deve declarar-se a nulidade do acórdão, com todos os efeitos
legais
5- A questão suscitada não foi apreciada no Supremo Tribunal de Justiça nem no
Tribunal Constitucional.
6- Trata-se de uma questão nova, pertinente e susceptível de afectar os direitos
fundamentais do recorrente, não se tratando de querer acesso a um terceiro grau
de jurisdição ou a um duplo recurso.
7- Pelo exposto requer-se a V.Exa se digne esclarecer ao proferir a decisão
sumária se foi sopesada e tida em consideração a questão referida no ponto 4) do
presente requerimento.”
C. Reclamação de C.:
A douta decisão sumária negou provimento ao recurso.
Antes de mais, sem prejuízo de reconhecer o elevado padrão intelectual aos
membros do Tribunal Constitucional, o Recorrente não ignora que tem contra si a
letra da lei, artigo 400.º, n. 1, alínea e) do Código de Processo Penal, na
redacção da Lei n.° 48/2007, de 28 de Setembro.
O presente recurso é interposto para o Plenário do Tribunal Constitucional
visando a revogação de uma decisão já tomada.
Atendendo que o recorrente tem razões para discordar do teor da decisão
recorrida, vale a pena tentar modificar a mesma, se mais não for pelo desafio
intelectual que tal representa e por aquilo que está em Jogo: A privação do
direito à liberdade de um homem.
É Importante encontrar um ideal de Justiça que sintetize o melhor de cada
cultura possa ter vigência universal, que não será mais nem menos que o respeito
pela pessoa humana, concretizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Inquestionável é que a liberdade é um valor igual para qualquer cidadão,
independentemente da medida da pena, a pena de prisão é sofrida da mesma forma
pelos condenados.
Inquestionável é também que a al. e) do n.° 1 do art° 400.º do Código Processo
Penal trata desigualmente cidadãos em situações similares.
A limitação do direito ao recurso tem de ser proporcional e não arbitrária sob
pena de violação do artigo 18, n. 2 da CRP.
Assim, sendo norma inconstitucional a al. e) do n.º 1 do artigo 400 do Código
Processo Penal, não deveria ter sido aplicada e o recurso deveria ter sido
admitida
A este propósito é bom evocar o teor do art 16.º n.º 2 da Constituição da
República Portuguesa (CRP).
Por outro lado, as custas aplicadas ao arguido são extremamente elevadas, ele é
condenado em 7 Ucs, condenação aplicada a outros arguidos no mesmo processo
sendo que em rigor apresentaram duas reclamações (uma não apreciada e outra a
que foi negado o recurso) como são os casos de A., F. e D..
D. Reclamação de D.:
“1.º O ora requerente foi notificado do Douto Despacho de V.Exa. que nega
provimento ao Recurso. Ora,
2.º Tal ocorre fundamentalmente, por alegadamente não ter sido suscitada a
questão (ou objecto de decisão) no despacho a quo, quanto à primeira parte do
recurso interposto e,
3.º No que tange a segunda, o facto de a Constituição garantir um duplo Grau de
Jurisdição mas já não um duplo grau de recurso (Vd ponto 3.3 da Decisão). Ora,
4.º Sempre com o máximo respeito, não pode o Recorrente deixar de pugnar pela
Aclaração e Reforma da Douta Decisão de V,Exa, porquanto:
1. O que se pretende e pelo que se pugna é exactamente pela decisão de
recebimento do recurso interposto, por força da existência de um Duplo grau de
jurisdição pois,
2. Ao não apreciar o pedido de Suspensão da Execução da pena de prisão em que o
recorrente foi condenado, por ter esgotado a sua competência jurisdicional
relativamente a tal matéria
3. O Tribunal da relação do Porto outra coisa não fez do que recusar
pronunciar-se sobre tal aspecto do recurso interposto
4. E se tal não for objecto de pronunciamento por parte do Supremo Tribunal de
Justiça,
5. Certo será que ocorrerá um vazio de pronunciamento a respeito de tal aspecto
concreto,
6. Que é da maior importância, como se compreenderá, para a vida do recorrente
ou seja,
7. Quase nos atreveríamos a dizer que, com fundamento numa suposta dupla
conforme,
8. Se conseguiria uma decisão por omissão de pronúncia com fundamento, do facto,
numa situação que catalogaríamos de nula conforme.
ASSIM,
5° Deve a decisão ora notificada ser aclarada e reformada, sendo substituída por
outra que dê provimento ao Recurso.
POR OUTRO LADO,
6.º Deve a decisão ser igualmente reformada no que concerne a condenação dos
recorrentes em custas pois,
a) Se por um lado dificilmente se entende que sendo o fundamento da decisão o
respectivo carácter sumário, decorrente da simplicidade que por diversas vezes
nela surge expressa, a Taxa de Justiça fixada seja de 7 UCs,
b) Mais gritante se torna tal decisão, quando se constata que as Custas serão a
cobrar individualmente por todos os recorrentes
c) Pelo que cumpre requerer que V.Exa. se digne fixar, face à expressa
simplicidade da decisão e ao número de recorrentes, que as custas seja a pagar
solidariamente entre eles.”
E. Reclamação de E.:
“a) a inconstitucionalidade imputada à norma contida na alínea a) do n°.1 do
art°. 400 do CPP, pelo reclamante, não se baseia num direito constitucional a um
triplo grau de jurisdição, mas sim na violação do princípio da igualdade em
virtude de ser fixada a irrecorribilidade do Acórdão da Relação em relação com a
pena abstracta do ilícito, o que acarreta que em situação igual, pena de prisão
efectiva de três anos e seis meses um cidadão possa recorrer para o STJ e outro
não;
b) a diferenciação só não se traduzirá na violação do principio da igualdade se
poder ser ancorada nos princípios da proporcionalidade e adequação, tendo uma
base de sustentação da diferenciação no recurso apesar da igualdade da pena;
c) a garantia constitucional do direito do recurso não se esgota na dimensão da
consagração de um grau de recurso. Tal garantia pressupõe, igualmente, que na
sua regulação o legislador não adopte soluções arbitrárias e desproporcionadas,
limitativas das possibilidades de recorrer mesmo quando se trate de recursos
apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios, como esse
Tribunal afirma no Acórdão 628/2005;
d) a distinção da possibilidade de recorrer conforme o ilícito penal não pode
ancorar-se na fundamentação invocada em jurisprudência desse Tribunal, uma vez
que os desideratos justificantes são plenamente alcançados com a limitação do
recurso através da pena concreta sem violação do principio da igualdade.
e) uma pena de prisão efectiva de três anos e seis meses é igual para qualquer
cidadão independentemente do ilícito penal que tenha cometido, e não existindo
justificação válida, demonstrativa da inexistência de arbitrariedade e
desproporcionalidade entre um cidadão poder recorrer e outro não consoante o
ilícito penal, existe violação do principio da igualdade, consignado no art°.
13°, n°1 do CRP, pela norma estatuída na alínea e) do n°.1 do CPP, na redacção
anterior á da Lei 48/2007, de 28 de Setembro.
f) a constitucionalidade da norma contida na alínea e) do n.° 1 do art.° 400° do
CPP na redacção anterior à da Lei 48/2007 não foi apreciada por esse Tribunal
sob o prisma que o reclamante coloca, sempre, salvo melhor opinião.”
3. Relativamente ao pedido deduzido pelo Recorrente C. foi proferido, e
devidamente notificado, o despacho que se segue:
“Tendo presente o disposto no artigo 78.º-A, n.º 3 da L.T.C., tem de
considerar-se a reclamação deduzida a fls. 1808, para a conferência, pois que a
Lei não prevê que tal forma de oposição ao julgado em decisão sumária seja
direccionada para o plenário do Tribunal.”
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se
nos seguintes termos:
“l.º Sendo evidente que todos os reclamantes pretendem impugnar a decisão
sumária, proferida nos autos, é evidente que os seus requerimentos terão de ser
tomados como reclamação para a conferência.
2.º O esforço argumentativo desenvolvido, aliás, nalguns casos, em termos muito
pouco claros, em nada abala os fundamentos da douta decisão reclamada.
3.º Assim — reclamação de p. 1788 — é evidente que a ponderação — como critério
normativo condicionador da recorribilidade para o Supremo — da gravidade da pena
aplicável, ligada à natureza e gravidade do ilícito cometido, não constitui
seguramente adopção de uma solução arbitrária ou discricionária, violadora do
artigo 13° da Constituição da República Portuguesa — e sendo também evidente e
inquestionável que, para aferir de alegada violação da igualdade, não pode
tomar-se em conta a comparação dos sucessivos regimes jurídicos, que se
sucederam no tempo.
4.º A reclamação de p. 1793 nada adita de relevante para controverter o sentido
e conteúdo da decisão reclamada.
5.º Para além de inadmissível processualmente, — por obviamente não se
verificarem os pressupostos do incidente pós-decisório suscitado — a
argumentação do reclamante é de difícil inteligibilidade, já que não parece ter
em conta que a decisão recorrida é a referida pelo Ex° Vice-Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, em procedimento de reclamação, em nada afecta o
sentido e conteúdo da decisão reclamada.
6° A reclamação de p. 1798 esquece que a decisão recorrida é a que foi proferida
no âmbito do procedimento de reclamação deduzido perante o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, a quem foi endereçado o respectivo requerimento de
interposição de recurso e por quem este foi admitido — pelo que mal se
compreende que se pretenda agora direccionar o recurso interposto para o
Tribunal Constitucional relativamente à decisão de 1a instância (naturalmente há
muito consumida pela proferida em 2a instância) e pela Relação, sendo certo que
o ora reclamante não impugnou perante este Tribunal Constitucional o acórdão por
ela proferido: é que, se o ora reclamante pretendia recorrer do acórdão da
Relação que dirimiu o mérito, tinha naturalmente o ónus de identificar que era
essa a ‘decisão recorrida’, endereçando o requerimento de recurso ao
desembargador relator, de modo a que por este fosse apreciada a admissibilidade
do recurso para o Tribunal Constitucional.
7.º O que careceria seguramente de ‘aclaração’ seria o teor do requerimento de
p. 1801, em que se peticiona a ‘aclaração’ da clara decisão sumária, proferida
nos autos, pretendendo suscitar ‘questão nova’ e pretendendo obter, em
fiscalização concreta, a ‘nulidade do acórdão’ proferido, ao que supomos, na
Relação.
8.º Finalmente, é manifestamente improcedente o pedido de reforma quanto à
condenação em custas, decretada na decisão reclamada, já que estas se mostram
fixadas em consonância com os critérios legais e de acordo com a jurisprudência,
uniforme e reiterada, estabelecida para casos perfeitamente idênticos aos dos
autos.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Sendo de variado tipo as impugnações à decisão sumária proferida nos autos,
impõe-se desde já clarificar que todas elas se devem configurar –
independentemente da nomenclatura utilizada pelos Recorridos – como reclamações
para a conferência nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional na medida em que se trata do mecanismo processual estabelecido na
lei para as impugnações daquela índole.
Vejamos agora, separadamente, o mérito das várias reclamações apresentadas:
A. Reclamação de A.:
6. O Reclamante não se conforma com o não conhecimento da questão suscitada
relativamente aos artigos 50.º do Código Penal e 375º, n.º 1 e 379º, n.º 1,
alínea c), do Código de Processo Penal, “quando prevêem que a suspensão da pena
não deva ser decretada em sede de recurso, quando não foi especificadamente
suscitada pelo recorrente em sede de motivação em que suscitou, entretanto, como
tema de impugnação a questão da espécie da pena.”
6.1. Não se pode, no entanto, olvidar que a decisão recorrida – a partir da qual
se aferirão vários pressupostos de interposição e conhecimento da questão de
constitucionalidade – é, efectivamente, o despacho do Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2007. Esta é a pronúncia-objecto do
recurso de constitucionalidade tentado interpor e não qualquer outra. E tal
decisão não aplicou sequer os preceitos indicados pelo que qualquer pronúncia em
sede de fiscalização concreta sobre essa questão seria absolutamente inútil.
Pelo que a reclamação se encontra, assim, votada ao indeferimento.
B. Pedido de “Aclaração” de B.:
7. Vem o Reclamante deduzir pedido de aclaração relativamente a “questão prévia
que havia deduzido no momento da interposição do recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça, no sentido de saber se a mesma havia sido considerada pelo Tribunal
Constitucional na emissão da decisão sumária.
7.1. Obviamente que tal matéria escapa, em absoluto, à competência do Tribunal
Constitucional que, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade ao
abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, se limitou a – face ao teor do
requerimento de interposição de tal recurso, o qual é totalmente omisso quanto
àquela ou qualquer outra questão prévia – negar provimento ao recurso atenta a
simplicidade das questões suscitadas. Não têm, portanto, qualquer cabimento as
referências à dita “questão prévia” que o Reclamante agora vem suscitar.
C. Reclamação de C.:
8. O Reclamante tentou interpor recurso para o Plenário do Tribunal
Constitucional ao abrigo do artigo 79.º-A da LTC. No entanto, e como resulta do
despacho transcrito, trata-se da reclamação para a conferência prevista no
artigo 78.º-A, n.º 3 do mesmo diploma. Não invoca, no entanto, nenhum argumento
que abale o teor do decidido.
8.1. Como se fixou na decisão sumária, a norma constante do artigo 400.º, n.º 1,
alínea e), do Código de Processo Penal, ao excluir determinadas situações da
possibilidade de recurso (de acórdãos da Relação) para o Supremo Tribunal de
Justiça, não comporta, na dimensão apontada pelo ora Reclamante, violação do
princípio da igualdade ou do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Nos termos de
jurisprudência constitucional firme e reiterada, o núcleo essencial do direito
ao recurso, enquanto dimensão integrante das garantias de defesa em processo
criminal, não abrange o direito ao duplo grau de recurso (ou à tripla
jurisdição), pelo que a norma referida não belisca o artigo 18.º, n.º 2, da
Constituição. Por outro lado, a violação do princípio da igualdade só se
verificaria se situações idênticas fossem objecto de tratamento diverso. O
certo, no entanto, é que todos os indivíduos na situação do ora Reclamante se
veriam impedidos de interpor o almejado recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça. Improcede, assim, a reclamação apresentada.
8.2. O Reclamante suscita ainda a reforma da decisão no que se reporta às
custas. Este pedido padece, igualmente, de manifesta falta de fundamento. Com
efeito, o valor da condenação em custas está em plena conformidade e corresponde
aos critérios habitualmente utilizados por este Tribunal. Nos termos do artigo
6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei n.º
91/2008, de 2 de Junho), a taxa de justiça nas decisões sumárias, «é fixada
entre 2 UC e 10 UC». E nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma, «a
taxa de justiça é fixada tendo em atenção a complexidade e a natureza do
processo, a relevância dos interesses em causa e a actividade contumaz do
vencido.» Por outro lado, e como já foi dito, a fixação da taxa de justiça
corresponde ao critério jurisprudencial largamente utilizado, pressupondo uma
ponderação das circunstâncias que podem ter influência na determinação do
montante da mesma. No caso em apreço, a condenação em 7 unidades de conta
situa-se dentro dos limites previstos no diploma acima citado. Não se
vislumbram, por isso, motivos para alterar a decisão de condenação em custas.
D. Reclamação de D.:
9. O Reclamante insurge-se contra a decisão proferida na parte em que, visando
os artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 401.º, n.º 1, alínea b), do Código de
Processo Penal (na redacção anterior à revisão de 2007), negou provimento ao
recurso. Reclama também quanto à condenação em custas, pugnando por que as
mesmas sejam a pagar solidariamente entre todos os recorrentes.
9.1. No que se refere à primeira parte da impugnação deduzida, alega o
Reclamante que, na realidade, não se efectivou o seu direito fundamental ao
duplo grau de jurisdição na medida em que a Relação do Porto se teria recusado
pronunciar-se sobre tal aspecto do recurso interposto, tendo, assim, existido um
“vazio de pronunciamento”. Tal alegação é, no entanto, irrelevante no presente
momento processual. Não é da competência do Tribunal Constitucional sindicar a
existência de uma eventual omissão de pronúncia por parte da instância recorrida
de modo a, em sede de recurso de constitucionalidade, a mesma poder ser
“saneada”. O recurso de constitucionalidade visa a comprovação da conformidade
constitucional de normas ou interpretações normativas e não de factos concretos
ou das próprias decisões judiciais.
9.2. Já no que respeita à reclamação relativa às custas tem aqui inteira
aplicabilidade o que ficou disposto supra em 8.2. pelo que para aí se remete na
íntegra.
E. Reclamação de E.:
10. O Reclamante retoma o problema de constitucionalidade que havia suscitado
anteriormente relativamente ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de
Processo Penal, na redacção anterior à revisão ocorrida em 2007. Em seu
entender, por um lado, a alteração resultante de tal revisão – ao deslocar o
critério de aferição da recorribilidade de considerações ligadas à moldura penal
abstracta para a moldura concreta – significaria que o legislador se teria
apercebido da inconstitucionalidade do anterior regime e teria optado por
corrigir a mesma. Para além disso – continua o Reclamante – as constrições
constitucionais ao nível do recurso em processo penal não se sentem apenas ao
nível da exigência [de previsão legal] de um duplo grau de jurisdição.
10.1. Com efeito, como sustenta o Reclamante, a par de tal garantia mínima,
resulta ainda da Lei Fundamental a necessidade de observância legislativa de
outros parâmetros nomeadamente, como bem refere, da não adopção de soluções
arbitrárias e desproporcionadas. Tal não significa, no entanto, que a adopção de
um critério normativo ligado à natureza e gravidade do ilícito cometido
constitua – como pugna o Reclamante – uma solução arbitrária por via da qual
resultem violados os artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição. Desde logo a
convocação do 18.º, n.º 2, só ocorre quando estamos em presença de verdadeiras
restrições legislativas aos direitos, liberdades e garantias. Aferir a
constitucionalidade das mesmas implica, necessariamente, que se trate de
verdadeiras restrições. Assunto diferente é a delimitação do âmbito do direito
fundamental em apreço. E, como ficou dito na decisão recorrida, o direito ao
recurso em processo penal, enquanto direito fundamental, abrange o direito ao
duplo grau de jurisdição. Assim, a conformidade jusconstitucional da norma
questionada pelo Reclamante não é apreciável à luz do artigo 18.º, n.º 2, na
medida em que não se trata de verdadeira restrição legislativa ao direito
fundamental ao recurso. Por outro lado, também não resulta beliscado o artigo
13.º, n.º 2, da Constituição dado que, como já se disse, a adopção de um
critério normativo ligado à natureza e gravidade do ilícito cometido não
constitui critério arbitrário de diferenciação. Obviamente que a simples
sucessão legislativa de regimes diversos não basta para daí fazer derivar a
conclusão de inconstitucionalidade de algum deles.
III – Decisão
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam, em conferência, negar
provimento às reclamações apresentadas.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 de Março de 2009
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos
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