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Processo nº 136/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em 11 de Março de 2008 foi proferida decisão sumária em que se decidiu não
tomar conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A.,
Lda.
A decisão de não conhecimento do objecto do recurso assentou nos seguintes
fundamentos:
3. Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que
admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional, entende-se não se poder conhecer do objecto do mesmo, sendo caso
de proferir decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da
referida Lei.
Como é sabido, para se poder conhecer de um recurso intentado ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a
inconstitucionalidade das normas impugnadas tenha sido suscitada durante o
processo e que estas normas tenham sido aplicadas como ratio decidendi pelo
tribunal recorrido.
Este último requisito não é mais do que expressão da necessária utilidade da
intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso, pois, se a norma
impugnada não foi ratio decidendi – mas antes é apenas mencionada num obiter
dictum –, ou se existe outro fundamento, só por si bastante para se chegar a
decisão idêntica à recorrida, a decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua
constitucionalidade, qualquer que ela fosse, sempre seria insusceptível de
alterar o sentido da decisão do tribunal recorrido. Nestas condições, o Tribunal
Constitucional não pode tomar conhecimento do objecto do recurso.
4. Ora, consultando a decisão de que se pretende recorrer para este Tribunal,
verifica-se que a norma do artigo 2.º do Código da Insolvência e da Recuperação
de Empresas não foi aí aplicada com o sentido inconstitucional que lhe foi
assacado pela recorrente, nem expressa nem implicitamente, e muito menos como
ratio decidendi da decisão.
Não tem, efectivamente, razão a recorrente quando invoca que “(A)a questão
essencial, que é a de saber se uma entidade colectiva designada de agrupamento
complementar de empresas e que se apresenta constituída por entidades não
produtivas, entre as quais dois Institutos Públicos, é ou não susceptível de ser
declarada insolvente nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de
Empresas, foi resolvida pelo Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de que a
natureza pública de alguns dos agrupados não coloca os demais entre os quais se
conta a recorrente em situação de desigualdade.”
O Tribunal da Relação de Coimbra afastou, implicitamente, essa questão de
constitucionalidade, afastando a aplicação da norma com essa dimensão
interpretativa e referindo que existia outro fundamento para a decisão, como
resulta da seguinte passagem:
Assim, sendo o ACE uma pessoa colectiva e tendo património autónomo (na medida
em que está afecto à realização dos seus fins e responde, em primeira linha,
pelas respectivas dívidas), tanto basta para poder ser sujeito passivo do
processo de insolvência, em face do artº 2.º, 1, do CIRE – cabe vincar que o
facto de o acervo patrimonial do ACE ser constituído, ab initio, por
contribuições das entidades agrupadas e, em caso de liquidação, dever ser por
elas repartido, não lhe retira a natureza de património autónomo, com afectação
própria.
Está, pois, patente no acórdão recorrido outro fundamento bastante para a
decisão proferida, para além da norma do artigo 2.º do Código da Insolvência e
da Recuperação de Empresas, na interpretação questionada pela recorrente, a qual
verdadeiramente não constituiu sua ratio decidendi.
E por aqui se vê que qualquer que fosse a decisão sobre a
(in)constitucionalidade da norma definida pela recorrente, ela em nada poderia
alterar o sentido da decisão recorrida.
Faltando o pressuposto da aplicação pelo acórdão recorrido, como sua ratio
decidendi, da norma impugnada, não pode o Tribunal conhecer do objecto do
presente recurso.
2. Notificada desta decisão A., Lda., veio reclamar para a conferência,
dizendo, entre o mais, o seguinte:
A., LDA., recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada da
decisão sumária profenda em 11 de Março de 2008 a fis...., e segs. que não
admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, vem, com o
beneficio da protecção jurídica, nos termos do Art° 78º-A n° 3 e Art° 85º da Lei
de Processo do Tribunal Constitucional (na redacção que lhe foi dada pela Lei n°
1 3-A/98 de 26 de Fevereiro), RECLAMAR PARA A CONFERENCIA CONTRA A NÃO ADMISSÃO
DO RECURSO, com os fundamentos seguintes:
1. Os fundamentos da decisão reclamada, têm o seguinte teor:
“(...) Ora, consultando a decisão de que se pretende recorrer para este
Tribunal, verifica-se que a norma do artigo 2° do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas não foi aí aplicada com o sentido inconstitucional que
lhe foi assacado pela recorrente, nem expressa nem implicitamente, e muito menos
como ratio decidendi da decisão.
Não tem, efectivamente razão a recorrente quando invoca que (A)a questão
essencial, que é a de saber se uma entidade colectiva designada de agrupamento
complementar de empresas e que se apresenta constituída por entidades não
produtivas, entre as quais dois institutos Públicos, é ou não susceptível de ser
declarada insolvente nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de
Empresas, foi resolvida pelo Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de que a
natureza pública de alguns dos agrupados não coloca os demais entre os quais se
conta a recorrente em situação de desigualdade
O Tribunal da Relação de Coimbra afastou, implicitamente, essa questão de
constitucionalidade, afastando a aplicação da norma com essa dimensão
interpretativa e referindo que existia outro fundamento para a decisão, como
resulta da seguinte passagem:
Assim, sendo o ACE uma pessoa colectiva e tendo património autónomo (na medida
em que está afecto à realização dos seus fins e responde, em primeira linha,
pelas respectivas dívidas), tanto basta para poder ser sujeito passivo do
processo de insolvência, em face do art° 2º, 1, do CIRE – cabe vincar que o
facto de o acervo patrimonial do ACE ser constituído, ab initio, por
contribuições das entidades agrupadas e, em caso de liquidação, dever ser por
elas repartido, não lhe retira a natureza de património autónomo, com afectação
própria”.
Está, pois, patente no acórdão recorrido outro fundamento bastante para a
decisão proferida, para além da norma do artigo 2° do Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas, na interpretação questionada pela recorrente, a qual
verdadeiramente não constituiu sua ratio decidendi.
E por aqui se vê que qualquer que fosse a decisão sobre a
(In)constitucionalidade da norma definida pela recorrente, ela em nada poderia
alterar o sentido da decisão recorrida.
Faltando o pressuposto da aplicação pelo acórdão recorrido, como sua ratio
decidendi, da norma impugnada, não pode o Tribunal conhecer do objecto do
presente recurso.”
III. DECISÃO
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto artigo 78°-A, nº 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do recurso e
condenar a recorrente em custas, em 7 (sete) unidades de conta de taxa de
justiça.”
2. Desde logo, e com o devido respeito, constata a reclamante que a decisão de
não admissão do recurso não apreendeu exactamente qual a ratio decidendi do
Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Novembro de 2007, para efeitos da
admissão do presente recurso. (Neste sentido o Acórdão deste T.C. n° 310/06 in
www.tribunalconstitucional.pt/acordaos/acordaos/06/301-400/31066. htm).
3. Para Ana Prata in Dicionário jurídico, 3ª Edição, Almedina Coimbra, 1996, a
ratio decidendi pode ser definida do seguinte modo: “Nos sistemas em que vigora
a regra do precedente, a ratio decidendi é a regra de direito enunciada na
decisão judicial, a propósito da decisão do caso concreto, sendo ela que
constitui o precedente. Pode falar-se de ratio decidendi em qualquer sistema
jurídico, para referir a razão de direito o argumento jurídico que constituiu a
razão de ser da decisão judicial adoptada no caso concreto”.
4. Ora, analisando o caso concreto, ou seja, o objecto do presente recurso de
constitucionalidade, verifica-se, no entanto, que o Acórdão da Relação de
Coimbra, adopta, de entre as interpretações possíveis do Art° 2° do CIRE a que –
supostamente e sem conceder – não o tome conflituoso com a Constituição,
nomeadamente com o disposto nos Art°s 13° e 86 da C.R.Portuguesa.
5. Isto mesmo é admitido na parte final do Acórdão de 27-11-2007, onde se pode
ler o seguinte: “No caso dos autos, sendo discutível a questão de saber se o ACE
pode ser sujeito do processo de insolvência, tanto basta para legitimar a
posição assumida pela apelante”.
6. Ou seja, perante o teor da decisão sumária sob reclamação, sempre se dirá,
sempre com o devido respeito, que não foi devidamente constatado que o Acórdão
da Relação de Coimbra de 27-11-2007, não só se furtou à questão essencial da
constitucionalidade oportunamente arguida que é a de se saber se o Art° 2° do
CIRE é aplicável no caso de ACE, mas também se são violados os referidos
Princípios Constitucionais quando um ACE é parte de processo de insolvência,
sendo fundamentalmente é constituído por organismos públicos em especial pelo
IAPMEI, como é o caso dos autos, muito para além da questão de saber se o ACE
B., viola ou não viola o disposto na Lei 4/73 de 4 de Junho e Dec-Lei n° 430/73
de 28 de Agosto.
7. Saber se a B.ria, ACE, in casu é susceptível de ser integrado na previsão do
Art° 2° do CIRE, como fez afinal o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, ao
confirmar a Sentença da 1ª Instancia, preenche o conceito de ratio decidendi
para efeitos de admissão do presente recurso.
8. Ao decidir a questão de que o ACE B. composto, maioritariamente por entidades
publicas pode ser parte em processo de Insolvência, o Tribunal da Relação de
Coimbra adopta para a referida norma um sentido de todo em todo incomportável
para a mesma, porque vai frontalmente contra os Art°s 13° e 86° da
C.R.Portuguesa, considerando o disposto no Art° 2° n° 2 do CIRE que exclui da
insolvência as pessoas colectivas publicas e as entidades públicas empresariais,
mas não exclui da insolvência in casu a sociedade recorrente e ora reclamante
que é uma empresa privada. (Cfr. o Ac. do T.C. 425/89 – in D.R. II Série de
15-09-89).
9. Assim, o objecto do presente recurso é a questão da constitucionalidade da
interpretação normativa que resulta do Art° 2° do CIRE quando aplicado a um ACE
composto por entidades publicas e apenas uma privada e tal como previsto no
artigo 280º da Constituição e nos artigos 70° e seguintes da LTC, tal
interpretação normativa desempenha uma função instrumental em relação à decisão
final tendo, no entanto, notória e decisiva influência na legalidade da decisão
final, porque caso venha a ser emitido um juízo de Inconstitucionalidade sobre
as normas em causa esse facto vai alterar, necessariamente, a decisão final num
sentido favorável à ora reclamante.
10. Deste acórdão resulta claramente que o “antecedente lógico da decisão” da
improcedência do recurso é o que consta do 4. da matéria de facto dada como
provada onde se pode ler o seguinte: “4. Aquando da sua apresentação à
insolvência, eram agrupadas do recorrido as seguintes entidades: IAPMEI; CTVC;
AIC; ICEP (...); EPAMG (...) e A., Lda. E também a possibilidade real de as
entidades públicas que constituem o ACE serem envolvidas directamente no
processo de insolvência apesar do disposto no Art° 2° n°2 do CIRE conforme
resulta do Acórdão recorrido onde se pode ler o seguinte:
“Na verdade, haverá que, previamente liquidar o activo e repartir (ratear) pelos
credores o produto dessa liquidação, s depois podendo estes exigir das entidades
agrupadas o pagamento remanescente em divida”.
11. Ora, o facto de entidades publicas virem a ser envolvidas directamente, em
processo de insolvência é proibida pelo disposto no Art° 2 n° 2 do CIRE pelo que
o Acórdão viola o principio da igualdade Art° 130 e o Art° 86 nº 1 e 2 da
Constituição pois não se pode exigir das entidades publicas os pagamentos que
apenas poderão ser exigidos à entidade privada aqui reclamante que está sujeita
à Insolvência, o que desde logo constitui uma afronta à coerência do instituto
da Insolvência.
12. Acresce que em consequência da Insolvência de um ACE constituído no
escrupuloso cumprimento da Lei n° 4/73 de 4 de Junho e Decreto-Lei n° 430/73 de
25 de Agosto as entidades públicas nunca poderão ser declaradas insolventes,
situação que pode ocorrer às entidades privadas em consequência da Insolvência
do próprio ACE de que poderão fazer parte.
13. Por outro lado, consta do Acórdão da Relação de Coimbra recorrido o
seguinte:
“É certo que, anteriormente, o art° 126° n° 3, do Código dos Processos Especiais
de Recuperação de Empresa e de Falência (CPREF) se reportava expressamente a
ACE. Mas, do facto de isso não ocorrer no CIRE não se pode concluir que o
legislador haja considerado que o ACE não podia ser sujeito passivo da
insolvência. Tão só essa referencia expressa se tomou desnecessária, porquanto,
sendo o ACE uma pessoa colectiva, fica logo abrangido na previsão do art° 2°, n°
1, a).”
14. Donde resulta que o juízo de suficiência do CIRE (conjugado com o regime do
AEIE), traduzido na conclusão de inexistência de uma lacuna legis, não deixará
de relevar, ainda que implicitamente, na valoração da hipótese da
constitucionalidade do Art° 2° do CIRE.
15. Dito de outro modo, ainda que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de
27-11-2007 afaste a interpretação da Recorrente e ora Reclamante, esse juízo tem
sempre como pressuposto uma valoração dessa hipótese normativa, sem a qual não
se tomará possível concluir pela inexistência de um vazio legislativo, razão
pela qual é manifesto que a decisão recorrida fez aplicação do Art° 2° do CIRE,
enquanto ratio decidendi do Acórdão em causa.
16. Isto mesmo é confirmado pela Jurisprudência do Ac. do T.C. n° 318190 in
http:www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/l9900318. html onde se pode ler o
seguinte:
“O não conhecimento por parte de um tribunal da inconstitucionalidade de uma
norma, quando podia e devia fazê‑lo, equivale a aplicação implícita da mesma
norma.
Na verdade, tal como também ficou consignado no mencionado Acórdão n.° 176/88,
este Tribunal Constitucional “não pode ficar dependente de uma eventualmente
indevida omissão de pronúncia sobre a questão de constitucionalidade, por parte
dos restantes tribunais».
17. Na verdade, consta dos factos provados que o ACE tem intervenção do Estado
através de organismos públicos, nomeadamente o IAPMEI, pelo que, nesta hipótese
em concreto, o Agrupamento, nunca pode ser objecto de insolvência, sob pena de
se violar o princípio da igualdade (Cfr. Art° 13° e Art° 86 ambos da
C.R.Portuguesa).
18. Daí a utilidade de presente recurso de Constitucionalidade, conforme se pode
ler em J.O. Cardona Ferreira in Guia dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição,
Coimbra Editora, 2007, na pág. 230 o seguinte:
“A decisão do Tribunal Constitucional faz caso julgado, na causa concreta,
quanto à inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada e, se o recurso
proceder, o Tribunal Judicial poderá ter de proferir nova decisão sobre o mérito
da causa: art 80º da LTC (é um sistema de cassação algo mitigado).”.
19. O recurso de cuja rejeição ora se reclama, tem, assim, a máxima utilidade no
caso dos autos, constituindo ratio decidendi, pois in casu, o ACE é integrado
pelo IAPMEI e outros organismos públicos e apenas uma empresa privada, pelo no
caso concreto, não pode ser declarado insolvente.
20. Eis, pois a ratio decidendi da questão, e que é a de que o Acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra, estava em condições de conhecer de forma
atempada, clara e perceptível, a questão da constitucionalidade do critério
normativo indicado na conclusão 27ª das alegações de recurso, não estando em
causa o esgotamento do poder jurisdicional porque como já se demonstrou, a
questão foi implicitamente ponderada no Acórdão da 2ª Instância e por isso deve
ser reavaliada por este Tribunal Constitucional.
21. Nem se invoque, como se faz na Decisão Sumária sob reclamação, que existe
outro fundamento para o Acórdão recorrido, pois a ratio decidendi para efeitos
de admissão do presente recurso, está explanada e explicita na passagem da parte
final do Acórdão que a seguir se transcreve e onde se pode ler o seguinte:
“(...) Em conclusão, a apelante veio a juízo sustentar uma posição defensável,
com argumentos sérios, donde não pode ser censurada por isso.
(...) É manifesto que não foram violadas as disposições legais referidas pela
apelante e muito menos foram postergados o princípio da igualdade ínsito no art°
13° da CRP e o direito à actividade empresarial previsto no seu art. 86°”.
22. A presente reclamação, é deste modo, feita na esteira dos melhores
entendimentos da violação dos Princípios Constitucionais consagrados nos Art°s
13 e 86 da Constituição da Republica Portuguesa, e que são reflectidos
Jurisprudência actual do Tribunal Constitucional de que é exemplo o decidido no
Acórdão do T.C. n° 46412007, proferido na reclamação n° 766/07, 2° Secção de 25
de Setembro de 2007 – Conselheiro Benjamim Rodrigues in
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070464.html, onde se pode ler
o seguinte:
“Resulta desta fundamentação que a ratio decidendi acolhida pelo Tribunal a quo
consubstancia a aplicação de um regime legal coincidente, no segmento normativo
circunstancialmente em causa, com aquele que foi controvertido pelo reclamante.
De facto, ainda que o critério normativo acolhido pelo Tribunal, resultante da
aplicação conjugada dos artigos 2.° e 252.° do CPPT, determine a não aplicação
dos critérios do Código de Processo Civil indicados pelo reclamante, não poderá
olvidar-se que o juízo de suficiência do corpo adjectivo tributário, traduzido
na conclusão de inexistência de uma lacuna legis, não deixará de relevar, ainda
que implicitamente, na hipótese prevista no regime cuja aplicação subsidiária é
reclamada.
Dito de outro modo, ainda que o Tribunal afaste a aplicação subsidiária de um
determinado regime legal, esse juízo levará sempre pressuposto uma valoração
dessa hipótese normativa, sem a qual não se tomará possível concluir pela
(in)existência de um vazio legislativo, razão pela qual se conclui que a decisão
recorrida fez aplicação de uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada
durante o processo.
Assim sendo e mostrando-se cumpridos os demais requisitos de admissibilidade do
recurso de constitucionalidade, terá a reclamação que proceder.
C – Decisão
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide deferir a
presente reclamação e revogar o despacho reclamado, o qual deverá ser
substituído por outro que admita o recurso de constitucionalidade.”
23. A decisão sumária objecto de reclamação, é de deferir, por ser de concluir
que o Tribunal da Relação de Coimbra, interpretou e aplicou o artigo 2° do
Código de Insolvência e Recuperação de Empresas no sentido de ser admissível a
insolvência de um ACE composto por entidades publicas e apenas uma privada.
24. Verifica-se, por conseguinte, o requisito da aplicação pelo tribunal
recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada
pela recorrente (artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC), o que permite conhecer do
objecto do recurso interposto.
Pelo exposto, e nos termos do n.° 1 do artigo 77° da LTC, requer-se que seja
apreciada e decidida a presente reclamação da decisão sumária e que seja
proferida decisão a admitir o presente recurso de constitucionalidade do Art° 2
do CIRE.
O recorrido B., ACE., notificado para responder, querendo, à reclamação, não
apresentou qualquer resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
3. A presente reclamação é improcedente, já que a argumentação aduzida pela
recorrente não abala os fundamentos da decisão reclamada.
Invoca a reclamante, entre o mais, que
8. Ao decidir a questão de que o ACE B. composto, maioritariamente por entidades
públicas pode ser parte em processo de Insolvência, o Tribunal da Relação de
Coimbra adopta para a referida norma um sentido de todo em todo incomportável
para a mesma, porque vai frontalmente contra os Art°s 13° e 86° da
C.R.Portuguesa, considerando o disposto no Art° 2° n° 2 do CIRE que exclui da
insolvência as pessoas colectivas publicas e as entidades públicas empresariais,
mas não exclui da insolvência in casu a sociedade recorrente e ora reclamante
que é uma empresa privada. (Cfr. o Ac. do T.C. 425/89 – in D.R. II Série de
15-09-89).
Nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo a recorrente ver apreciada a constitucionalidade da norma referida
ao artigo 2.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na
interpretação que faz “incluir no elenco da referida disposição legal um
Agrupamento Complementar de Empresas que integra Institutos Públicos os quais
nunca podem ser declarados insolventes por força do disposto no Art.º 2.º n.º 2
daquele mesmo Código ao contrário da agrupada sociedade por quotas A., Lda.”
Como foi já dito na decisão sumária reclamada, para se poder conhecer de tal
recurso torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que
a inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada durante o
processo e que esta norma tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal
recorrido.
Este último requisito não se verifica, no presente caso, quanto à dimensão
normativa em questão, como se afirmou na decisão reclamada e se reitera.
Consultando a decisão recorrida, que é o acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra, proferido em 27 de Novembro de 2007, verifica-se, como se disse já na
decisão reclamada, que a norma impugnada não foi aí aplicada, nem expressa nem
implicitamente, e muito menos como ratio decidendi da decisão. Nessa decisão
estava apenas em causa a declaração de insolvência dos Agrupamentos
Complementares de Empresas (ACE), poder-se-á dizer, em geral, independentemente
da sua composição em concreto. E, para tal, o acórdão recorrido limitou-se, no
essencial, a analisar as disposições que considerou invocáveis da Lei n.º 4/93,
de 4 de Junho, e do Decreto-Lei n.º 430/73, de 25 de Agosto, bem como do
Decreto-Lei n.° 148/90, de 9 de Maio, concluindo que os ACE podem ser sujeitos
passivos do processo de insolvência. Isso mesmo resulta da passagem da decisão
recorrida já transcrita na decisão sumária reclamada, na qual se lê:
Assim, sendo o ACE uma pessoa colectiva e tendo património autónomo (na medida
em que está afecto à realização dos seus fins e responde, em primeira linha,
pelas respectivas dívidas), tanto basta para poder ser sujeito passivo do
processo de insolvência, em face do artº 2.º, 1, do CIRE – cabe vincar que o
facto de o acervo patrimonial do ACE ser constituído, ab initio, por
contribuições das entidades agrupadas e, em caso de liquidação, dever ser por
elas repartido, não lhe retira a natureza de património autónomo, com afectação
própria.
4. A presente reclamação vem igualmente assente no facto de, segundo afirma a
reclamante, “o «antecedente lógico da decisão» da improcedência do recurso é o
que consta do 4. da matéria de facto dada como provada onde se pode ler o
seguinte: «4. Aquando da sua apresentação à insolvência, eram agrupadas do
recorrido as seguintes entidades: IAPMEI; CTVC; AIC; ICEP (...); EPAMG (...) e
A., Lda.»”, reiterando, um pouco mais à frente na presente reclamação, que
“consta dos factos provados que o ACE tem intervenção do Estado através de
organismos públicos, nomeadamente o IAPMEI, pelo que, nesta hipótese em
concreto, o Agrupamento, nunca pode ser objecto de insolvência, sob pena de se
violar o princípio da igualdade (Cfr. Art° 13° e Art° 86 ambos da
C.R.Portuguesa)”.
Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional apreciar os factos dados
como provados pelas instâncias. A este Tribunal apenas compete apreciar a
conformidade constitucional de norma(s) aplicada(s) pela decisão recorrida e
cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo de forma
processualmente adequada.
A reclamação contra a decisão sumária em questão não pode, pois, proceder com
fundamento na remissão para a prova alegadamente feita nas instâncias.
5. Sustenta ainda a reclamante que da decisão recorrida resulta “também a
possibilidade real de as entidades públicas que constituem o ACE serem
envolvidas directamente no processo de insolvência apesar do disposto no Art° 2°
n° 2 do CIRE conforme resulta do Acórdão recorrido onde se pode ler o seguinte:
«Na verdade, haverá que, previamente liquidar o activo e repartir (ratear) pelos
credores o produto dessa liquidação, s depois podendo estes exigir das entidades
agrupadas o pagamento remanescente em divida».”
Mas, para além do mais, tal afirmação fez-se no contexto da análise da questão
da declaração de insolvência dos ACE, como dissemos, em geral, sem qualquer
referência, nem sequer implícita, à composição do então apelado.
O mesmo se diga em relação ao seguinte trecho da decisão recorrida,
que para a reclamante consubstancia um “juízo de suficiência do CIRE (conjugado
com o regime do AEIE), traduzido na conclusão de inexistência de uma lacuna
legis:
«É certo que, anteriormente, o art° 126° n° 3, do Código dos Processos Especiais
de Recuperação de Empresa e de Falência (CPREF) se reportava expressamente a
ACE. Mas, do facto de isso não ocorrer no CIRE não se pode concluir que o
legislador haja considerado que o ACE não podia ser sujeito passivo da
insolvência. Tão só essa referencia expressa se tomou desnecessária, porquanto,
sendo o ACE uma pessoa colectiva, fica logo abrangido na previsão do art° 2°, n°
1, a).»”
Impondo-se concluir de idêntico modo em relação à invocada “passagem da parte
final do Acórdão que a seguir se transcreve e onde se pode ler o seguinte:
«(...) Em conclusão, a apelante veio a juízo sustentar uma posição defensável,
com argumentos sérios, donde não pode ser censurada por isso.
“(...) É manifesto que não foram violadas as disposições legais referidas pela
apelante e muito menos foram postergados o princípio da igualdade ínsito no art°
13° da CRP e o direito à actividade empresarial previsto no seu art. 86°».”
A norma – rectius, a dimensão normativa – em questão não foi, assim, aplicada na
decisão recorrida, pelo que, faltando este pressuposto do recurso de
constitucionalidade interposto, não podia dele tomar-se conhecimento, conforme
se decidiu na decisão sumária reclamada.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Maio de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão
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