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Processo nº 347/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
reclamante A. e reclamada CMVM – Comissão de Valores Mobiliários, foi deduzida
reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele
Tribunal de 11 de Fevereiro de 2008, na parte em que não admitiu recurso
interposto para o Tribunal Constitucional.
2. O reclamante sustenta, para o que agora importa apreciar e decidir, o
seguinte:
«(…) 5. Tal recurso não foi admitido por despacho de 3.5.2007, a fls 460, nos
termos seguintes:
“Fls 449 – Não admito o recurso, nos termos do art° 754°, n°2 CPC” (negrito
actual).
6. Contra este despacho foi deduzida reclamação por requerimento de 22.5.2007,
em que, além do mais, é arguido:
“18. A norma do art° 745°, no 2, do CPC, interpretada com o sentido de abranger
decisões proferidas na segunda instância sobre matéria que não foi objecto de
decisão na primeira, e era, então, inexistente, e que viola direitos e garantias
pessoais do recorrente/recorrido, infringe” (o disposto n) “a Constituição e os
princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 1°, 2°, 13°, 18°,
n°2, 20º, nºs 1 e 4, e 202°, n°2. Sublinha-se, a este nível:
a) as questões objecto do recurso nunca antes foram apreciadas;
b) a violação dos direitos do recorrente é cometida pelo Tribunal, por
iniciativa própria, isto é, sem ser na satisfação de pretensão apresentada pela
parte no recurso (a CMVM)”.
Mais disse o reclamante:
“19. A adequada apreciação da presente impugnação a ser apreciada como recurso
de agravo em consequência da procedência da arguição de inconstitucionalidade
das normas dos art°s 688° e 689° do CPC, acima deduzida, ou mesmo como
reclamação, só será possível se subir nos próprios autos, como se pede”.
E foi junto despacho da 1ª instância, de 9.5.2006, a proibir o BANCO B., S.A., e
o seu mandatário Camarão, de intervirem no processo principal.
7. Os autos da Reclamação foram expedidos sem que o reclamante fosse notificado
de qualquer decisão sobre o seu requerimento constante do n° 19 acima
transcrito.
Por oficio de 8.11.2007, foi o reclamante surpreendido com um despacho de
7.11.2007 - que não é do PRESIDENTE do STJ - e em que se acolhe requerimento do
terceiro BANCO B., S.A..
Tal despacho, ao indeferir a reclamação, confirma o despacho reclamado proferido
com fundamento em norma extraída exclusivamente do art° 754°, n°2, do CPC.
Tudo quanto nesse despacho se diz sobre o objecto do recurso interposto por
requerimento de 13.3.2007, a fls 449, não é verídico: enferma da falsidade do
art° 3 72°, n°2, do Código Civil.
8. Por requerimento de 19.11.2007, o reclamante arguiu a nulidade de todo o
processado posterior ao seu requerimento de 22.5.2007, e a ilicitude do despacho
de 7.11.2007, tendo junto o acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, de
2.10.2007, e certidão comprovativa do respectivo trânsito, confirmativo do
despacho da 1ª instância, de 9.5.2006, junto com a reclamação de 22.5.2007, de
proibição do BANCO B., S.A./Camarão, de intervirem no processo principal.
9. Foi, então, proferido o despacho de 11.12.2007, que recusa conhecer da
arguida nulidade processual e ilicitude do despacho de 7.11.2007, mantendo nos
autos da Reclamação a intervenção do BANCO B., S.A., referida naquele, apesar de
essa ilícita intervenção constituir o fundamento do recurso interposto para o
STJ, rejeitado pelos despachos de 3.5.2007 e 7.11.2007. Tal decisão, além do
mais, ofende caso julgado.
10. Contrariamente ao declarado no despacho ora reclamado, de 11.2.2008, a norma
do art° 754°, n° 2, do CPC, é a única que serve de fundamento legal aos
despachos de 3.5.2007 e 7.11.2007.
O direito de o reclamante obter a apreciação da inconstitucionalidade da única
norma que serviu de fundamento a tais despachos, tem, também, fundamento no
disposto nos art°s 20°, n° 1, e 18°, n°2, da Constituição».
3. O despacho reclamado tem o seguinte teor:
«Não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional no segmento
em que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art. 754º,
n.° 2, do CPC, por esta não ter sido aplicada nos despachos ora impugnados, o
que inviabiliza qualquer julgamento sobre ela por parte do TC, porquanto os
recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental. Daí o
Tribunal Constitucional só poder conhecer de uma questão de constitucionalidade
quando ela exerce influência no julgamento da causa, o que não se verifica na
situação dos autos».
4. Das decisões recorridas – o despacho de 7 de Novembro de 2007 e o despacho de
11 de Dezembro de 2007 – importa reter, para o que agora releva, o seguinte:
«Face ao teor da reclamação que nos foi dirigida, adianta-se desde já que os
poderes de cognição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação
da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso, limitam-se, nos
termos dos arts. 688.° e 689.° do CPC, à pronúncia sobre a sua admissibilidade;
daí, e por estranhos a esses poderes, não se tomar conhecimento das demais
questões suscitadas na reclamação.
Vejamos pois.
Na reclamação que nos foi apresentada vem alegado que o recurso é admissível,
nos termos do art. 754º, n.° 1, do CPC, por o acórdão da Relação ter sido
proferido em primeira instância.
No caso vertente, foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do
acórdão do Tribunal da Relação que indeferiu a reclamação apresentada dos
despachos proferidos em 27.04.06 e em 12.10.2006.
Verifica-se dos autos que está em causa a decisão de não admissão do recurso
para o Tribunal Constitucional do acórdão da Relação de 30.09.2004 e questões
naquela apreciadas, por se ter entendido que se encontrava esgotado o poder
jurisdicional do Tribunal da Relação, tendo em conta que o Ex.mo Conselheiro
Relator já se pronunciara sobre o referido recurso não o admitindo por
manifestamente extemporâneo.
Assim sendo, diferentemente do sustentado pelo ora reclamante, não se pode dizer
que a decisão impugnada tenha sido proferida em primeira instância pela Relação,
para efeitos do disposto no n.° 1 do art. 754.° do CPC; uma vez que os referidos
despachos sobre os quais recaiu o acórdão impugnado, foram proferidos na
sequência do recurso interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão do
Tribunal da Relação de 30.09.2004.
Aliás, em rigor, o ora reclamante quando foi notificado da decisão do Ex.mo
Conselheiro Relator que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional,
devia ter reclamado para este Tribunal, a fim dele proferir decisão sobre a
questão que aquele despacho suscitava (art. 76.°, n.° 4, da LTC).
Por último, no que concerne à alegação de que o art. 754º, n.° 2, é
inconstitucional, quando interpretado no sentido de abranger decisões proferidas
em instância que não foram objecto de decisão na 1ª instância, refere-se não ser
de conhecer da alegada inconstitucionalidade, uma vez que esta norma não
suportou a presente decisão.
Com efeito, não faz sentido conhecer-se da inconstitucionalidade de uma norma
não aplicada, por irrelevar o juízo de constitucionalidade que sobre ela se
emita»;
«Tendo em conta os poderes que nos são conferidos pelo n.° 1 do art. 689.° do
CPC, apenas merece uma referência a questão suscitada sob o ponto n.° 3
[nulidade da sentença – art. 668º, nº 1, alínea d), do CPC, por omissão de
pronúncia e pronúncia indevida por conhecimento de questão que não constituía o
objecto do recurso].
Vejamos.
As causas de nulidade de sentença, aplicáveis igualmente aos despachos, ex vi do
art. 666.°, n.° 3, do CPC, encontram-se previstas no art. 668.° do CPC. E a
situação agora delineada não cabe em nenhuma das alíneas do referido artigo.
A competência do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quando aprecia as
reclamações, nos termos do arts. 688.° e 689.° do CPC, apenas se cinge às
questões da admissibilidade e da retenção do recurso.
Assim, não faz assim sentido suscitar-se e pretender-se que se decidam no âmbito
da reclamação outras questões para além daquelas.
E nesse âmbito tomámos em consideração todos os elementos necessários para a
decisão da reclamação.
Com efeito, não nos cabe conhecer de todas as vicissitudes acontecidas no
processo, como vem pretendido.
Acresce que também não houve pronúncia indevida, uma vez que o recurso foi
interposto do acórdão proferido em 1 de Março de 2007 que indeferira a
reclamação apresentada dos despachos de fls. 398 e 422 e o despacho ora
questionado para não admitir o recurso teve em conta as questões apreciadas no
referido acórdão como resulta do seu teor».
5. Neste Tribunal os autos foram com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou no sentido da manifesta improcedência da reclamação, pelas razões que
se seguem:
«Desde logo – e como nota a decisão reclamada, a que inteiramente se adere – a
decisão recorrida não fez aplicação da interpretação normativa especificada pelo
reclamante, relativamente ao art. 754º, nº 2, do CPC – entendendo-se bem pelo
contrário, que a inadmissibilidade do pretendido acesso ao Supremo radicava
decisivamente no facto de as questões suscitadas se enxertarem na tramitação e
decisão de recurso interposto do previamente decidido na 1ª instância.
Por outro lado – e como é evidente e inquestionável – a questão suscitada sempre
seria de qualificar como manifestamente infundada, face à uniforme e reiterada
jurisprudência acerca do âmbito do “direito ao recurso” no processo civil, não
comportando o artº 20º da Constituição qualquer garantia generalizada de acesso
ao STJ para sindicar todas as decisões proferidas, em causas cíveis, pelas
Relações».
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Pelo despacho ora reclamado decidiu-se não admitir o recurso interposto para o
Tribunal Constitucional, com fundamento na não aplicação pelo tribunal recorrido
da norma cuja apreciação foi requerida – o artigo 754º, nº 2, do Código de
Processo Civil, na interpretação segundo a qual se aplica a decisões proferidas
em 2ª instância que não têm por objecto decisões proferidas na 1ª instância.
Contrariando esta decisão, o reclamante sustenta que esta norma é a única que
serve de fundamento legal aos despachos de 3 de Maio de 2007 e 7 de Novembro de
2007.
Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC é a aplicação pelo tribunal recorrido,
como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo
recorrente.
É, por isso, irrelevante, para o efeito de se poder dar como verificado um tal
requisito, que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha aplicado o nº 2 do artigo
754º do Código de Processo Civil, quando, por despacho de 3 de Maio de 2007, não
admitiu recurso de agravo interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. Por
outro lado, no despacho deste Tribunal de 11 de Dezembro de 2007 – uma das
decisões recorridas –, pelo qual foi indeferido o requerimento de fls. 69 e ss.,
não foi aplicada, manifestamente, como ratio decidendi, qualquer norma extraída
do nº 2 do artigo 754º. Atendendo ao requerido, o Supremo Tribunal de Justiça
aplicou, isso sim, os artigos 666º, nº 3, e 668º do Código de Processo Civil,
para indeferir a arguição de nulidade do despacho de 7 de Novembro de 2007, e os
artigos 688º e 689º deste diploma para não apreciar as restantes questões.
Quanto ao despacho do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 2007 –
indeferimento da reclamação da decisão que não admitiu o recurso de agravo
interposto – é de concluir, também quanto a ele, que não aplicou, como razão de
decidir, a norma cuja apreciação foi requerida a este Tribunal. Com efeito, se,
por um lado, consta expressamente da própria decisão recorrida que não está
suportada no nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil; por outro, decorre
do despacho, para afastar a admissibilidade do recurso de agravo em 2ª
instância, que a decisão impugnada não tinha sido proferida em primeira
instância pela Relação, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 754º do
Código de Processo Civil.
É de concluir, por conseguinte, confirmando o despacho reclamado, que o recurso
interposto não era admissível.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 30 de Maio de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos
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