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Processo n.º 199/08
Plenário
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional.
I – Relatório
1. O representante do Ministério Público junto do
Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), a apreciação e a declaração, com
força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do trecho
final do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado
pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo
Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho, na parte em que determina que a pensão
de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que tal
pensão tenha sido requerida.
O teor da norma em questão é o seguinte (de acordo com a
rectificação constante do Diário da República, I Série, n.º 193, de 22 de
Agosto de 1979, págs. 2032‑2033): “2 – Aquele que, no momento da morte do
contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil,
só será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência,
depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de
sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a
requeira, enquanto se mantiver o referido direito”.
Aduz o requerente que o referido segmento normativo foi,
em fiscalização concreta, julgado inconstitucional, por violação do princípio
da igualdade – decorrente da injustificada diversidade de tratamento que ocorre
quando comparado tal regime com o estabelecido no Decreto Regulamentar n.º 1/94,
de 18 de Janeiro, para os beneficiários da Segurança Social, em que a pensão é
devida a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário,
quando requerida nos 6 meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que
reconheça o direito invocado por quem se encontrava nas condições previstas no
artigo 2020.º do Código Civil –, através dos Acórdãos n.ºs 522/2006, 195/2007 e
233/2007.
2. Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos
54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Primeiro-Ministro, em resposta, ofereceu o
merecimento dos autos.
3. Debatido o memorando apresentado, nos termos do
artigo 63.º da LTC, pelo Presidente do Tribunal e fixada a orientação do
Tribunal, procedeu‑se à distribuição do processo, cumprindo agora formular a
decisão.
II – Fundamentação
4. Não se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento dos
requisitos previstos nos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e 82.º da LTC, tendo o Tribunal Constitucional julgado
inconstitucional a norma em causa nos três acórdãos identificados pelo
requerente – Acórdãos n.ºs 522/2006, 195/2007 e 233/2007 –, juízo esse que,
aliás, veio a ser reiterado nos Acórdãos n.ºs 298/2007, 484/2007 e 575/2007 e
nas Decisões Sumárias n.ºs 577/2006 e 43/2008, encontrando‑se o texto integral
de uns e outras disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
5. No âmbito do sistema da segurança social, quer no
denominado “regime geral”, quer no regime específico da função pública, o
legislador previu, para a eventualidade da morte dos respectivos contribuintes
ou beneficiários, a concessão da denominada “pensão de sobrevivência”,
verificados determinados requisitos, a certas categorias de familiares dos
mesmos (os “herdeiros hábeis”, na terminologia do Decreto‑Lei n.º 142/73),
estabelecendo o artigo 30.º, n.º 1, deste diploma, na versão originária, a regra
geral de que “a pensão de sobrevivência (…) vence‑se no primeiro dia de cada um
dos meses posteriores ao do óbito do contribuinte”.
O Decreto‑Lei n.º 191‑B/79 – com o proclamado propósito
de “adaptar o regime das pensões de sobrevivência dos funcionários e agentes da
Administração Pública, que data de 1973, às grandes linhas que, após o 25 de
Abril de 1974, passaram a enformar o ordenamento jurídico português”, e de
“designadamente, numa perspectiva de aproximação progressiva de um regime de
segurança social unificado de acordo com a Constituição, (…) acolhe[r] os
princípios gerais que, em sede de direito da família, presidiram às alterações
introduzidas no Código Civil”, entre as quais o “acolhimento do princípio da
relevância de uniões de facto, de alguma forma equiparáveis à sociedade
conjugal, de harmonia com a redacção actual do artigo 2020.º do Código Civil”
(do preâmbulo do diploma) – alterou a redacção da alínea a) do n.º 1 do artigo
40.º e do artigo 41.º do Decreto‑Lei n.º 142/73, passando a reconhecer
expressamente às pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código
Civil o direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos
contribuintes, e dispondo no n.º 2 do artigo 41.º que estas pessoas só seriam
consideradas herdeiros hábeis para efeitos de pensão de sobrevivência depois de
sentença judicial que lhes tivesse fixado o direito a alimentos e que a pensão
só seria devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeressem, e
enquanto se mantivesse o referido direito. Por outro lado, na nova redacção
dada ao artigo 30.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 142/73, estabeleceu‑se a regra de
que “a pensão de sobrevivência (…) é devida desde o dia 1 do mês seguinte em
que se verificar o óbito do contribuinte quando pedida no prazo de seis meses
contados a partir da mesma data, ou desde o dia 1 do mês seguinte ao da
apresentação do requerimento no Montepio quando solicitada, a todo o tempo,
depois de esgotado aquele prazo”.
No âmbito do regime geral da segurança social, foi o
Decreto‑Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que procedeu ao alargamento às
situações de facto previstas no artigo 2020.º do Código Civil do direito à
pensão de sobrevivência (definida como a prestação pecuniária que tem “por
objectivo compensar os familiares de beneficiário da perda de rendimentos de
trabalho determinada pela morte deste” – artigo 4.º, n.º 1), dispondo o seu
artigo 8.º, sob a epígrafe “Situação de facto análoga à dos cônjuges”:
“1 – O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo
regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação
prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil.
2 – O processo de prova das situações a que se refere o n.º 1, bem
como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto
regulamentar.”
Foi o Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro,
que deu execução a esta injunção, dispondo no seu artigo 6.º:
“A pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês
seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses
posteriores ao trânsito em julgado da sentença, ou a partir do início do mês
seguinte ao da apresentação do requerimento, após o decurso daquele prazo.”
Na sequência desta evolução legislativa, tem sido
colocada a questão de saber se a diferença de regimes, quanto ao início da
direito a pensão de sobrevivência reconhecido a quem vivia em situação de união
de facto com o beneficiário falecido, consoante se trate de beneficiário do
regime geral de segurança social ou de beneficiário do regime específico da
função pública, é, ou não, compatível com o princípio constitucional da
igualdade perante a lei, consignado no artigo 13.º, n.º 1, da CRP.
Como resulta do precedente relatório, o Tribunal
Constitucional, nas diversas ocasiões em que foi chamado a pronunciar‑se, sempre
julgou inconstitucional a norma do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto de Pensões de
Sobrevivência, na parte em que estabelece que a pensão de sobrevivência só é
devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que seja requerida. Este
entendimento é, aliás, sufragado pela orientação dominante que se formou, a
respeito desta matéria, nos tribunais judiciais: cf., designadamente, os
acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 2004 (P. 3582/03), de
1 de Março de 2007 (P. 136/07), de 25 de Setembro de 2007 (P. 2648/07), de 7 de
Fevereiro de 2008 (P. 4789/07) e de 8 de Abril de 2008 (P. 777/08); do Tribunal
da Relação de Lisboa, de 5 de Maio de 2005 (P. 9951/05), de 15 de Dezembro de
2005 (P. 10876/05), de 20 de Junho de 2006 (P. 1784/06), de 11 de Outubro de
2007 (P. 8213/07) e de 8 de Novembro de 2007 (P. 8699/07; do Tribunal da Relação
do Porto, de 27 de Março de 2008 (P. 1513/08); do Tribunal da Relação de
Coimbra, de 24 de Outubro de 2006 (P. 1215/06); do Tribunal da Relação de Évora,
de 21 de Junho de 2007 (P. 657/07); e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19
de Outubro de 2005 (P. 1796/05); mas, em sentido contrário, cf. o acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Março de 2007 (P. 493/07) [os textos
integrais dos acórdãos citados estão disponíveis em www.dgsi.pt, nas bases
relativas à jurisprudência dos tribunais referidos].
6. O problema da constitucionalidade aqui em causa foi
apreciado, em pormenor, no Acórdão n.º 522/2006, nos seguintes termos:
“2.2.2. (…) Está em causa, (…) sempre no quadro geral da união de
facto, relacionar a situação daqueles que, tendo adquirido o direito a auferir
uma pensão de sobrevivência por morte do respectivo cônjuge de facto, se
diferenciam, tão‑só, pela circunstância de essa pensão se gerar por morte de um
funcionário ou agente da Administração Pública (…), ou por morte de um
beneficiário do denominado Regime Geral da Segurança Social.
No primeiro caso, definido judicialmente o direito à pensão, é a
mesma devida, nos termos da norma em apreciação, desde o dia 1 do mês seguinte
àquele em que tal pensão foi requerida. No segundo caso, gerado no âmbito do
Regime Geral, a mesma pensão – ou seja, a pensão adquirida com base em
pressupostos de facto substancialmente idênticos – é devida, nos termos do
artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, se requerida nos
seis meses posteriores ao trânsito da decisão judicial que reconheça tal
direito, «[…] a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do
beneficiário […]». Sendo distintos os momentos fixados em cada caso para o
começo das prestações (mais cedo relativamente aos beneficiários de pensão
gerada no Regime Geral), coloca‑se a questão da observância do princípio
constitucional da igualdade relativamente a quem, fora do quadro desse Regime
Geral, tenha actuado dentro de lapsos de tempo que conduziriam à primeira
hipótese prevista no artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94. É esta,
enfim, a questão de igualdade que aqui importa dilucidar.
2.2.2.1. Constitui jurisprudência assente e reiterada deste Tribunal a
caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP, como
proibição do arbítrio (cf. o Acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da
República, I Série‑A, de 17 de Junho de 2003, pp. 3514/3531). Com tal sentido,
nas palavras do Tribunal Constitucional, «[o] princípio [da igualdade] não
impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam
(se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, ‘razoável, racional e
objectivamente fundadas’, sob pena de, assim não sucedendo, ‘estar o legislador
a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente
justificadas por valores constitucionalmente relevantes’ […]. Ponto é que haja
fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a
discriminação infundada […]» (Acórdão n.º 319/2000, publicado no Diário da
República, II Série, de 18 de Outubro de 2000, pp. 16 785/16 786).
Na sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado por Robert
Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370), o carácter arbitrário
de uma diferenciação legal decorre da circunstância de «[...] não ser possível
encontrar […] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou
que, de alguma forma, seja concretamente compreensível […]». Daí que «[n]ão
exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos
os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados
insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma
fundamentação justificativa da diferenciação […]. A máxima de igualdade implica,
assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais»
(Robert Alexy, ob. cit., p. 371).
2.2.2.2. Constitui aqui elemento de igualdade fáctica a circunstância, comum
aos dois termos da comparação, de o direito à pensão de sobrevivência ter sido
adquirido em função do reconhecimento judicial de uma situação de união de facto
com um beneficiário ou subscritor falecido. Este elemento, não expressando uma
situação de igualdade fáctica absoluta, já que compara pensões geradas no
chamado Regime Geral com pensões geradas no âmbito do Regime dos funcionários e
agentes da Administração Pública, permite, no entanto, a qualificação da
situação de ambos como essencialmente igual, isto em função de uma expressiva
preponderância de elementos comuns. De facto, apreciando os dois regimes (o
Geral e o da Administração Pública), constata‑se ocorrer em ambos, de forma
substancialmente idêntica, a projecção da «relação jurídica de segurança
social» (v. a caracterização desta em Ilídio das Neves, Direito da Segurança
Social, Coimbra, 1996, pp. 299/309) na situação de união de facto, expressando
esta (a união de facto), nos dois regimes e na base dos mesmos pressupostos,
«[…] a relação jurídica de vinculação, que assegura a ligação jurídica dos
interessados ao sistema […]» (Ilídio das Neves, obra citada, p. 308).
A este propósito cumpre sublinhar não colher o argumento (…) segundo
o qual um alegado (e hipotético) «valor muito inferior» (…) das pensões pagas
pelo Regime Geral justificaria a diferenciação decorrente da norma ora em
causa. Desde logo, porque o montante das pensões de sobrevivência pagas nos
dois regimes varia em função de elementos cuja multiplicidade e coerência,
dentro de cada um desses regimes, torna descabida uma comparação (dos dois
regimes) assente na variável «valor da pensão» (v., quanto ao cálculo das
pensões aqui em causa nos dois regimes, o artigo 28.º do EPS e os artigos 24.º e
25.º do Decreto‑Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, ex vi do disposto no artigo
1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro). Por outro lado, tal
elemento («valor da pensão») deixa intocada a já referida expressiva
preponderância de elementos comuns, ou seja, não descaracteriza as duas
situações como sendo de igualdade essencial: em ambas se adquire o direito à
pensão com base nos mesmos pressupostos e através de procedimentos
substancialmente idênticos.
Nesta situação, que – repete‑se – é de igualdade naquilo que
expressa a essência relevante para a comparação, quaisquer especificidades do
chamado Regime Geral de Segurança Social, relativamente ao Regime de Segurança
Social dos funcionários e agentes da Administração Pública, porque referidas,
como já se indicou, a elementos não relevantes para esta comparação concreta,
perdem sentido e deixam de justificar, quanto à fixação do momento a partir do
qual a pensão é devida, um tratamento menos vantajoso, como o decorrente do
segmento final do n.º 2 do artigo 41.º do EPS, comparativamente ao artigo 6.º do
Decreto Regulamentar n.º 1/94. Não obstante, relativamente a essas (possíveis)
especificidades de cada um dos Regimes, sublinhar‑se‑á que o «programa
constitucional» assenta, neste domínio, na ideia de unificação do sistema de
segurança social – «[i]incumbe ao Estado organizar […] um sistema de segurança
social unificado […]» (artigo 63.º, n.º 2, da CRP) – e que, em tal quadro, a
procura de soluções de igualdade não deixa de assumir uma espécie de «valor
reforçado» no plano da convergência entre os regimes de protecção social da
função pública e «[…] os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito
material, regras de formação de direitos e atribuição das prestações» (artigo
124.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, que estabelece as bases do sistema
de segurança social).
Da ausência de uma justificação relevante para a mencionada
diferenciacão (…) decorre a ofensa ao princípio constitucional da igualdade
(artigo 13.º da CRP) (…).”
Este entendimento foi reiterado nas posteriores decisões
do Tribunal Constitucional inicialmente citadas, tendo no Acórdão n.º 195/2007
sido invocados, no sentido da “preferência” pela regra do regime geral da
segurança social, quer o reconhecimento de que essa regra integra a mais recente
opção do legislador, quer a própria natureza da prestação em causa. Este último
aspecto foi especialmente salientado na Recomendação n.º 6/B/2006 do Provedor de
Justiça (www.provedor-jus.pt/recomendacoes.php), onde se consignou:
“13. Não há dúvida que o artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º
1/94, de 18 de Janeiro, estabeleceu um regime muito mais generoso do que o
preceito supra citado do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, tendo colocado
um ponto final na distinção entre cônjuges e unidos de facto, a partir do
momento em que estes se acham reconhecidos como herdeiros hábeis, por sentença
judicial transitada em julgado.
14. Já se viu, também, que as decisões jurisprudenciais mais
recentes, sobre esta matéria em concreto, não encontram razões atendíveis que
permitam justificar a diferença de datas de início do vencimento da pensão
(muitas vezes significativas), entre o regime público e o regime geral de
segurança social, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais.
15. Atenta a natureza das pensões de sobrevivência, cuja finalidade
é, para ambos os regimes (quer seja o da protecção social da função pública,
quer seja o do sistema de segurança social), a de compensar os
familiares/herdeiros hábeis do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho
determinada pela morte deste, também não se me vislumbram outras justificações
que possam estar na origem do estabelecimento de datas diferentes para o início
do vencimento das pensões.
16. Como bem refere Rita Lobo Xavier [In artigo intitulado «Uniões
de facto e pensão de sobrevivência. Anotação aos Acórdãos do Tribunal
Constitucional n.ºs 195/03 e 88/04», publicado na Jurisprudência
Constitucional, n.º 3, Julho‑Setembro de 2004, págs. 16 e ss.], «a atribuição da
pensão de sobrevivência está intimamente relacionada com as implicações
económicas da morte do beneficiário: os herdeiros hábeis terão de provar
determinados factos de onde resulte que a morte do beneficiário implicou uma
diminuição dos meios de subsistência».
17. Ora, nas situações em que esta prova já foi feita judicialmente
e os respectivos companheiro/companheira reconhecidos como herdeiros hábeis, ou
seja, em que se admitiu que os mesmos ficaram afectados nos seus meios de
sobrevivência pela perda de rendimentos do trabalho que o de cujus auferia, não
se vê por que razão a lei não lhes há‑de assegurar a pensão de sobrevivência a
partir do momento em que deixaram de contar com tais rendimentos, isto é, a
partir do início do mês seguinte ao do falecimento.
18. De facto, parece‑me demasiado oneroso, injusto e
desproporcional, fazer recair sobre os mesmos os prejuízos que podem advir da
morosidade na tramitação dos processos judiciais que, nos casos que me foram
relatados, ascenderam a cerca de dois anos, quando a mesma situação de
morosidade irreleva no caso do regime geral de segurança social.”
Pelas razões expostas, surgindo como injustificada, sob
o ponto de vista da finalidade dos direitos em causa (o direito legal à pensão
de sobrevivência e o direito constitucional à segurança social), a
diferenciação de regimes através da qual o legislador estabeleceu soluções
substancialmente diferentes para situações essencialmente iguais, há que
declarar a inconstitucionalidade da norma questionada, por violação do
princípio da igualdade.
III – Decisão
Termos em que se decide declarar, com força obrigatória
geral, a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da
norma constante do trecho final do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões
de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na
redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho, na parte em
que determina que a pensão de sobrevivência a que tenha direito aquele que, no
momento da morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo
2020.º do Código Civil, apenas será devida a partir do dia 1 do mês seguinte
àquele em que tal pensão tenha sido requerida.
Lisboa, 11 de Junho de 2008.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
Carlos Alberto Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Gil Galvão
João Cura Mariano
Vítor Gomes
José Manuel Borges Soeiro
Ana Maria Guerra Martins
Joaquim de Sousa Ribeiro
Carlos Pamplona de Oliveira (Com declaração)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto a decisão, com discordância quanto ao seu
fundamento. Tal como declarei no Acórdão n.º 522/2006, entendo que, face à
natureza da pensão em causa, independentemente do problema de igualdade de
tratamento legislativo que se levanta, a norma consagra, essencialmente, uma
solução desadequada ao fim a que se destina. Significa este entendimento que a
solução legal não poderia manter‑se ainda que o regime estabelecido no Decreto
Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, fixasse outra disciplina quanto aos
beneficiários da Segurança Social.
Carlos Pamplona de Oliveira
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