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Processo n.º 440/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I
Relatório
1.
A. impugna o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Abril,
ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo “ver apreciada a inconstitucionalidade do
entendimento quer da inexistência de litisconsórcio necessário na emergência da
situação laboral de trabalhadores com créditos detidos em processos de falência,
quer da norma inserta no art. 683. º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código de
Processo Civil, com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão que sustenta
o recurso, ou seja, a de que o recurso interposto e motivado por trabalhador
diverso do ora recorrente não aproveita aos demais trabalhadores na mesma
situação processual a partir do momento em que ocorre ausência de adesão ao
recurso primeiro e unicamente interposto (...)”.
2.
Por decisão sumária proferida em 29 de Maio de 2008, foi decidido não tomar
conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade interposto.
Ponderou-se, nessa decisão, o seguinte:
“(...) O recorrente concluíra a sua alegação perante o Supremo Tribunal de
Justiça do seguinte modo.
“I. Em primeiro lugar, entende o recorrente, na sua qualidade de credor
reclamante com crédito verificado pela sentença de graduação de créditos, que se
verifica, «in casu», um dos pressupostos do n.º 2 do art. 683.º do CPCivil,
mormente, o disposto na alínea b) da norma e que exige que o recurso aproveitará
à integralidade dos trabalhadores reclamantes da massa falida na medida em que
estes detém um interesse que depende essencialmente do interesse do recorrente
primitivo, já que o acórdão recorrido não pode separar os recorrentes dos
restantes trabalhadores quando em causa se encontra a aplicação do disposto quer
na lei n.º 17/86, de 14 de Junho/lei dos salários em atraso, quer na subsequente
e integradora lei 96/2001, de 20 de Agosto, nomeadamente, o alterado art.º 12º,
n.º 2 da lei n.º 17/86 de 14 de Junho e/ou o art. 4º da lei n.º 96/2001, de 20
de Agosto, leis da República de aplicação imperativa e não subordinada à
capacidade de reacção em sede recurso de um ou outro dos interessados na
adequada aplicação da lei.
II. Tal é o entendimento do disposto no art. 1. º, n.º 1 do CCivil, o
entendimento do disposto no art.º 152.º do C.P.E.R.E.F. (Decreto-Lei n.º 132/93,
de 23 de Abril alterado pelos Decretos-Lei n. ºs 315/98, de 20 de Outubro e
38/2003, de 8 de Março) entendido no sentido de que com a declaração de falência
apenas se extinguem os privilégios contidos na norma, mantendo-se inalteráveis e
intocáveis os restantes, mormente, os que, como no caso vertente, resultam do
não pagamento de parcelas retributivas e indemnização por cessação de contrato
de trabalho e, ainda,
III. E por outro lado, a clara obrigação imposta no art. 1.º da lei n.º 9 6/2001
de 20 de Agosto, norma onde claramente se define a obrigação de privilegiar, em
sentença de graduação de créditos, os créditos laborais, seja qual for a sua
fonte de exigência impondo ao prolator da sentença de graduação de créditos ao
abrigo do C.P.E.R.E.F. a obrigação de os graduar no local de privilégio que lhes
assiste e
IV. impondo ao venerando tribunal da Relação de Coimbra a obrigação de impor ao
tribunal de 1.ª instância a obrigação de valorar a globalidade dos créditos
reclamados pelos demais trabalhadores e de os colocar no lugar cimeiro que se
lhes encontra atribuído;
V. tal resulta da própria Constituição, mormente, através da imperativa
aplicação do disposto no art. 59. º, n.º 3 da CR portuguesa por último revista
pela lei n.º 1/2005, de 12 de Dezembro.
VI. entendimento diferente do defendido em sede de revista, constitui, atentas
as razões de facto e de direito supra explanadas, uma violação dos princípios da
universalidade, justiça, igualdade e direito a salário com privilégio especial
contidos nos art. s 12.º n.º 1, 13.º, n.º 1, 20.º, e 59.º n. ç 1, alínea a) e,
principalmente, n.º 3 todos da CR portuguesa por último revista pela lei n.º
1/2005, de 12 de Dezembro;
VII. o acórdão recorrido violou o disposto nos art. 1.º n.º 1 do C. Civil, 152.º
do C.P.E.R.E.F., art. sº 12.s, n.º 2 da lei n.º 17/86 de 14 de Junho alterado
pela lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto e/ou o art. 4.º da lei n.º 96/2001, de 20
de Agosto e, principalmente, o disposto no art. 1.º, n.º 1 da lei por último
citada ou, quando muito, o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 683.º do CP.
Civil;
VIII pugnando-se por que, em sede de revista, seja o acórdão recorrido revogado
apenas na parte em que entende somente aplicável aos recorrentes da 1.ª apelação
a graduação privilegiada dos seus créditos laborais e prolate acórdão que (...)
declare de aplicação impreterível, por imperativa, o disposto nas leis n. º
17/86 de 14 de Junho e 96/2001, de 20 de Agosto, ordenando-se a graduação de
todos os créditos laborais em primeiro lugar, quer relativamente aos bens
imóveis, quer relativamente aos bens móveis da massa falida, assim se realizando
JUSTIÇA”.
3.
O recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC — Lei n. º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro) exige que a questão de inconstitucionalidade
normativa que se pretende submeter à apreciação do Tribunal haja sido
previamente colocada perante o tribunal recorrido, por forma a que este devesse
conhecê-la.
Ora, o recorrente não suscitou, no processo, perante o Supremo Tribunal de
Justiça, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pois, imputando
desconformidade com a Constituição à própria decisão então recorrida, nunca
acusou qualquer norma de direito ordinário de ser constitucionalmente
desconforme.
Não ocorreu, em suma, a suscitação da questão perante o tribunal recorrido.”
3.
Inconformado, o recorrente reclama para a conferência, nos seguintes termos:
1. A revolta do recorrente dirige-se contra o entendimento do Venerando Juiz
Conselheiro Relator exposta no sentido de que o reclamante não suscitou matéria
de inconstitucionalidade normativa através da menção a norma de direito violada,
não tendo, assim, suscitado a questão que pretende ver apreciada pelo Egrégio
Tribunal.
2 - Outro, porém, é o entendimento do recorrente. De facto,
3 - e nos termos expostos no requerimento de interposição de recurso ora não
admitido conhecer, entende o reclamante ter suscitado adequadamente a questão
normativa concreta que entendia subsumível à análise e ponderação dos Egrégios
Juízes Conselheiros. Assim,
4 - defendeu — e defende — o recorrente no recurso de revista decidido a
inconstitucionalidade de normas de direito concretas, designadamente, ao ali
estabelecer/concluir,
“(...)
1 - Em primeiro lugar, entende o recorrente, na sua qualidade de credor
reclamante com crédito verificado pela sentença de graduação de créditos, que se
verifica, «in casu», um dos pressupostos do n.º 2 do art.º 683.º do CPCivil,
mormente, o disposto na alínea b) da norma e que exige que o recurso aproveitará
à integralidade dos trabalhadores reclamantes da massa falida na medida em que
estes detém um interesse que depende essencialmente do interesse do recorrente
primitivo, já que o acórdão recorrido não pode separar os recorrentes dos
restantes trabalhadores quando em causa se encontra a aplicação do disposto quer
na Lei n.º 17/86, de 14 de Junho/Lei dos Salários em atraso, quer na subsequente
e integradora Lei 96/2001, de 20 de Agosto, nomeadamente, o alterado art. 12.º,
n.º 2 da Lei n.º 17/86 de 14 de Junho e/ou o art.º 4.º Lei n.º 9 6/2001, de 20
de Agosto, leis da República de aplicação imperativa e não subordinada à
capacidade de reacção em sede recurso de um ou outro dos interessados na
adequada aplicação da lei;
II. Tal é o entendimento do disposto no art.º 1º, n.º 1 do CCivil, o
entendimento do disposto no art.º 152.º do C.P.E.R.E.F. (DecretoLei n.º 132/93,
de 23 de Abril alterado pelos Decretos-Lei n. 315/98, de 20 de Outubro e
38/2003, de 8 de Março) entendido no sentido de que com a declaração de falência
apenas se extinguem os privilégios contidos na norma, mantendo-se inalteráveis e
intocáveis os restantes, mormente, os que, como no caso vertente, resultam do
não pagamento de parcelas retributivas e indemnização por cessação de contrato
de trabalho e, ainda,
III. e por outro lado, a clara obrigação imposta no art.º 1º da lei n.º 96/2001
de 20 de Agosto, norma onde claramente se define a obrigação de privilegiar, em
sentença de graduação de créditos, os créditos laborais, seja qual for a sua
fonte de exigência impondo ao prolator da sentença de graduação de créditos ao
abrigo do C.P.E.R.E.F. a obrigação de os graduar no local de privilégio que lhes
assiste e
IV. impondo ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra a obrigação de impor ao
tribunal de 1. instância a obrigação de valorar a globalidade dos créditos
reclamados pelos demais trabalhadores e de os colocar no lugar cimeiro que se
lhes encontra atribuído;
V Tal resulta da própria constituição, mormente, através da imperativa aplicação
do disposto no art.º 59.º, n.º 3 da CR portuguesa por último revista pela Lei
n.º 1/2005, de 12 de Dezembro
VI. Entendimento diferente do defendido em sede de revista, constitui, atentas
as razões de facto e de direito supra explanadas, uma violação dos princípios da
universalidade, justiça, igualdade e direito a salário com privilégio especial
contidos nos art. 12.º, n.º 1, 13. º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 59.º, n.º 1, alínea
a) e, principalmente, n.º 3, todos da CR portuguesa por último revista pela Lei
n.º 1/2005, de 12 de Dezembro,
VII - O Acórdão recorrido violou o disposto nos art sº 1.º, n.º 1 do CCivil,
152.º do C.P.E.R.E.F., art. ºs art.º 12. º, n.º 2 da Lei n.º 17/86 de 14 de
Junho alterado pela Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto e/ou o art.º 4º da Lei n.º
96/2001, de 20 de Agosto e, principalmente, o disposto no art.º 1.º, n.º 1 da
Lei por último citada ou, quando muito, o disposto na alínea b) do n.º 2 do
art.º 683.º do CPCivil;
5. ou seja. nos pontos I a III e VII das conclusões do recurso de revista
definiu concretamente quer as normas jurídicas violadas, quer a interpretação
que das mesmas deveria ter sido feita,
6. concluindo nos pontos V e VI pela inconstitucionalidade da interpretação, em
sede de recurso, que às mesmas normas foi dada quer pelo tribunal da Relação de
Coimbra, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça,
7 - invocando concretamente os princípios e normas constitucionais violados pela
interpretação normativa. Neste contexto,
8 - não se encontra a questão da inconstitucionalidade genericamente indexada à
ponderação/decisão do Supremo Tribunal de Justiça, mas sim
9 - efectiva e especificadamente indexada à expressão recursiva de que subsiste
inconstitucionalidade, por violação dos princípios da universalidade, justiça,
igualdade e direito a salário com privilégio especial contidos nos art.ºs 12.
n.º 1, 13.º, n.º 1, 2.º n. º 4 e 59 º, n. 1, alínea a) e, principalmente, n.º 3,
todos da CR portuguesa por último revista pela lei n.º 1/2005, de 12 de Dezembro
em função do entendimento realizado, por parte do Supremo Tribunal de Justiça,
do disposto nos art. 1., n.º 1 do CCivil, 152.º do C.P.E.R.E.F., art. art.º 12.
º, n.º 2 da Lei n.º 17/86 de 14 de Junho alterado pela Lei n.º 96/2001, de 20 de
Agosto e/ou o art. 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto e, principalmente, o
disposto no art. 1. nº 1 da Lei por último citada ou, quando muito, o disposto
na alínea b) do 2 do art. 683.º do CPCivil, já que deveria ter sido declarada de
aplicação impreterível, por imperativa, o disposto nas Leis n. 17/86 de 14 de
Junho e 96/2001, de 20 de Agosto.
II
Fundamentação
4.
O reclamante não tem razão.
O recurso de inconstitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC — Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro —, tem carácter normativo,
devendo a questão de inconstitucionalidade que se pretende submeter à apreciação
do Tribunal ter sido previamente colocada ao julgamento do tribunal recorrido.
De acordo com o que resulta dos autos, o recorrente não colocou ao Supremo
Tribunal de Justiça qualquer questão desta natureza, limitando-se a imputar uma
eventual desconformidade constitucional à própria decisão recorrida, por não ter
interpretado correctamente uma determinada norma de processo civil. Não
suscitou, desse modo, uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa,
pois atacou o acórdão recorrido imputando-lhe directamente o vício de
inconstitucionalidade.
Ora, como o Tribunal Constitucional por inúmeras vezes já afirmou — nesse
sentido o Acórdão n.º 199/88 (publicado no DR, II Série, de 28 de Março de 1989)
—, “este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre
proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de ‘decisões’ —, o
que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe
claro qual o preceito legal cuja legitimidade se questiona, ou no caso de se
questionar certa interpretação de uma determinada norma, qual o sentido ou a
dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental”.
Não há, pois, razões para inverter o sentido da decisão sumária reclamada.
III
Decisão
5.
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada, mantendo a
decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. (vinte)
Lisboa, 22 de Julho de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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