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Processo n.º 497/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I
Relatório
1.
A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido
na Relação de Guimarães que concedeu provimento parcial ao recurso por ele
interposto da decisão condenatória proferida em 1ª instância no Tribunal
Judicial de Barcelos, e o condenou como co-autor material de um crime de tráfico
de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22
de Janeiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
Por acórdão de 2 de Abril de 2008 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “não
se mostra desproporcionada ou violadora das regras da experiência a pena
encontrada de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão” e que “perante esta
medida concreta, inviabilizada está a requerida suspensão da execução da pena de
prisão, por falta do pressuposto formal (pena de prisão aplicada em medida
superior a cinco anos art. 50.º, n.º 1, do Código Penal).”
2.
Inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, “ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de
Novembro” pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas ínsitas
nos artigos 432º alínea b) e 434º ambos do Código de Processo Penal 'quando
interpretadas, como o foram nas decisões recorridas, no sentido de que há
limites ao conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça do quantum exacto da
pena', por tal interpretação violar o artigo 32º nº 1 da Constituição.
Esclareceu que 'a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada
anteriormente porquanto, face ao disposto no artigo 410º n.º1 do CPP, que o
acórdão de 7 de Maio contornou, não era de todo previsível a posição assumida'.
3.
Todavia, foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso com os
seguintes fundamentos:
“[...] Cumpre desde já fazer notar o seguinte:
Os termos em que se acha arquitectado o presente recurso fazem-no aproximar da
questão tratada no Acórdão n.º 505/2003 deste Tribunal; neste acórdão
decidiu-se, em suma, «julgar inconstitucional a norma do artigo 432º alínea d)
do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que o Supremo Tribunal
de Justiça só pode conhecer da medida concreta da pena nos casos de desrespeito
dos respectivos parâmetros (culpa do arguido, exigências de prevenção, moldura
penal abstracta e tipo legal de crime em causa), violação de regras da
experiência ou desproporção da quantificação efectuada, sem que tal restrição
dos seus poderes de cognição implique a remessa do processo para outro tribunal
de recurso».
Todavia, há uma circunstância que merece agora especial atenção, pois o caso
tratado no aludido Acórdão n.º 505/2003 tinha a particularidade de a decisão
nele recorrida ser um acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça, por via
de recurso interposto per saltum da 1ª instância, ou seja, sem a intervenção de
um tribunal superior intermédio habilitado a exercer um controlo sobre a medida
concreta da pena aplicada ao arguido.
Conforme, aliás, esclareceu o Tribunal, nos pontos 9. e 10. do referido aresto,
importará notar agora o seguinte:
«Mas nem assim fica delimitado o objecto do presente recurso. Como bem salienta
o Ministério Público nas suas contra-alegações (fls. 2519 e seguintes: supra,
7.), o tribunal recorrido admitiu a restrição dos seus poderes de cognição sem
concomitantemente determinar a remessa do processo para o Tribunal da Relação,
assim restringindo também a possibilidade de controlo da decisão relativa à
medida concreta da pena por um tribunal superior.
Este último aspecto é importante, já que a restrição dos poderes de
cognição do Supremo, em si mesma considerada, dificilmente geraria qualquer
problema de constitucionalidade. Na verdade, sendo esses mesmos poderes
correspondentemente atribuídos a outro tribunal de recurso, não se vê em que
medida sairia lesado o direito ao recurso do arguido (artigo 32º, n.º 1, da
Constituição).
[...] Na verdade, e não obstante possa ser compreensível que, como tribunal de
revista, o Supremo se não ocupe de matérias cuja valoração implica a aplicação
de critérios de justiça ou de oportunidade – como seria, na perspectiva do
tribunal recorrido, a matéria da medida concreta da pena fora dos casos de
violação de regras da experiência ou desproporção da quantificação efectuada –,
já é dificilmente aceitável que a decisão sobre a medida concreta da pena fique,
pelo menos parcialmente, imune a qualquer controlo por um tribunal superior. Tal
consequência afecta, directa e irremediavelmente, o direito ao recurso
consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição.»
Ora, feita esta observação, e apurado que está que a decisão ora recorrida,
proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, apreciou um acórdão proferido em 2ª
instância pela Relação de Guimarães, é então possível compreender que ao
pretender impugnar as 'normas' extraídas dos artigos 432.º alínea b) e 434º do
Código de Processo Penal 'quando interpretadas, como o foram nas decisões
recorridas, no sentido de que há limites ao conhecimento pelo Supremo Tribunal
de Justiça do quantum exacto da pena', o ora recorrente visa, afinal, impugnar
um caso muito diverso e, decisiva e concretamente, a decisão em si mesmo
considerada e não uma identificável determinação normativa, tal como é imposto
pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
É que, para além de não haver um mínimo de semelhança gramatical entre o teor
das invocadas 'normas extraídas dos artigos 432.º alínea b) e 434º do Código de
Processo Penal' e a concreta dimensão normativa enunciada como infractora da
Constituição, o certo é que essa dimensão constitui claramente, nas presentes
circunstâncias, um trecho decisório que não pode ser directamente imputado ao
conteúdo normativo dos mencionados preceitos do Código de Processo Penal,
conforme erradamente invoca.
Na verdade, pretender impugnar uma determinação jurídica segundo a qual 'há
limites ao conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça do quantum exacto da
pena' é afinal, ficcionar uma norma jurídica como pretexto para a interposição
do presente recurso de inconstitucionalidade. Nem tal proposição tem a estrutura
de uma norma jurídica, nem sequer foi adoptada, com exactos contornos, na
decisão recorrida.
Fica assim clara a razão pela qual o recorrente foi incapaz, conforme admite, de
suscitar a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido; a
aludida questão não tem natureza normativa, antes representa uma proposição
retirada da própria decisão recorrida, ainda que de forma não totalmente
rigorosa, e, nessa medida, na verdade, imprevisível.”
4.
De novo inconformado, o recorrente, ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo
78.º- A da LTC reclama para a conferência, o que fez nos termos seguintes:
«[...]
2. Não parece, ao contrário do que se afirma na decisão reclamada, que seja
substancialmente diferente a questão que se discute nos presentes daqueloutra,
apesar de não estarmos perante um recurso interposto per saltum.
3. Substancialmente diferente é o facto de daquela vez se não ter conseguido
saber que norma sustentava a tese do Supremo quando, agora, ao menos, apesar de
se ter fugido do artigo 410.º nº 1 do CPP, expressamente invocado para impor que
o Supremo conhecesse da medida da pena, ficou a saber-se onde o Supremo se
sustentava para impor limites ao conhecimento do direito, isto é, não conheceu
da medida da pena invocando para o efeito, especialmente, os arts. 432º, alínea
b) e 434.º, ambos do CPP.
4. Reza o artigo 432.º, alínea b) do CPP que se recorre para o STJ de decisões
que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do
art. 400º.
5. Determina, por seu lado, o artigo 434.º do CPP que, sem prejuízo do disposto
no artigo 410 nºs 2 e 3, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o
reexame da matéria de direito.
6. Segundo a decisão reclamada, «...o recorrente visa, afinal, impugnar um caso
muito diverso e, decisiva e concretamente, a decisão em si mesmo considerada e
não uma identificável determinação normativa tal como é imposto pela alínea b)
do nº 1 do art. 70º da LTC»
7. Não foi, não é, nem nunca foi essa a intenção do recorrente. Ocorreu foi que
este, surpreendido com uma decisão que, afirma, sem qualquer justificação, que,
apesar de a lei ordinária dizer que o Supremo reexamina de direito as questões
que lhe são colocadas, desde que haja recurso, tal não iria ocorrer no seu caso,
quis saber qual era o fundamento legal para que tal não ocorresse e veio a saber
que se invocavam duas normas expressas que dizem o contrário para impedir o
conhecimento de um recurso, admitido sem qualquer restrição.
8. A fixação do quantum exacto da pena é, visto o teor do artigo 71º do CP, uma
questão de direito. Apurados os factos há que subsumi-los à norma.
9. A lei não limita, desde que haja recurso, em sede de direito, o conhecimento
do STJ. É ao STJ a quem compete, em última instância, decidir sobre a lei e o
direito.
10. Não havendo na lei qualquer limitação ao conhecimento de determinada matéria
de direito, não pode o STJ impô-la, prejudicando quem, suportado na norma que
permite o recurso, se serviu dela.
11. O que o recorrente impugna é a interpretação normativa extraída dos artigos
invocados pelo STJ – arts. 432.º alínea b) e 434, ambos do CPP – no sentido de
que, admitindo a lei ordinária recurso, como admite, ainda que restrito à
matéria de direito, é possível restringir o conhecimento do Supremo dentro dessa
matéria de direito por violar garantias de defesa expressas na própria lei
ordinária.
5.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
reclamação deduzida, emitiu o seguinte parecer:
1.º – A presente reclamação configura-se, a nosso ver, como improcedente.
2.º – Na verdade, a argumentação do reclamante não logrou abalar os fundamentos
da douta decisão reclamada: para além de o recorrente não ter suscitado
atempadamente qualquer questão de constitucionalidade (sendo certo que a decisão
do STJ se não pode configurar, face aos procedentes jurisprudenciais, como
decisão “surpresa” de conteúdo absolutamente insólito e improvável) e não
definir, com a indispensável precisão, o sentido normativo que pretendia
questionar, é evidente que não está constitucionalmente assegurado o “triplo
grau de jurisdição”, a exercer pelo Supremo quanto a todos os aspectos atinentes
à fixação da medida concreta da pena aplicada.
II
Fundamentação
6.
A argumentação do reclamante não abala os fundamentos da decisão reclamada.
A proposição que o recorrente identifica como sendo a 'norma' que o Tribunal
aplicou – “há limites ao conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça do
quantum exacto de pena” – não é uma norma jurídica e, sobretudo, não foi,
sequer, adoptada, na sua literalidade, pela decisão recorrida: ao responder ao
pedido formulado pelo recorrente no recurso, o Supremo Tribunal de Justiça expôs
um conjunto de razões pelas quais entendeu não dever alterar o montante da pena
de prisão aplicada; ora, é inadmissível pretender isolar artificialmente uma
dessas razões para efeito de a sindicar, a título de determinação normativa, no
Tribunal Constitucional. Com efeito, a 'norma' que enunciou como objecto do
recurso de constitucionalidade (alegadamente retirada dos artigos 432.º alínea
b) e 434.º ambos do Código de Processo Penal, mas sem com os mesmos apresente
qualquer semelhança gramatical) corresponde à expressão da sua discordância com
a decisão proferida, mas não tem, sequer, estrutura normativa: a sua patente
indeterminação geraria uma 'norma' sem sentido.
Assim se explica que o recorrente, ora reclamante, não tenha sido capaz de
suscitar perante o tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade,
sendo certo que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça se não pode configurar,
face aos procedentes jurisprudenciais, como decisão “surpresa” de conteúdo
absolutamente insólito e improvável, como defendeu o recorrente.
Em suma, ao pretender impugnar uma norma que enunciou, alegadamente
extraída dos referidos artigos do Código de Processo Penal, com o sentido de que
“há limites ao conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça do quantum exacto
de pena”, o reclamante está a pretender sindicar a decisão em si mesma
considerada, pois não logra definir um sentido normativo correspondente aos
preceitos legais invocados, conforme lhe é imposto pelo n.º 1, alínea b) do
artigo 70.º e pelo n.º 2 do artigo 72.º ambos da LTC.
III
Decisão
7.
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada, assim
confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 22 de Julho de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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