|
Processo n.º 518/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 30 de Junho de 2008, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não conhecer
do objecto do recurso.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da
Relação do Porto, de 5 de Março de 2008, que negou provimento ao recurso por ele
interposto do despacho do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, de 27 de Junho
de 2007, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora
aplicada.
De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o
recorrente pretende ver apreciada «a inconstitucionalidade da norma do artigo
56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, com a interpretação com que foi
aplicada, no sentido de que a notificação ao arguido efectuada por via postal
simples [que o mesmo alega nunca ter tido conhecimento], anteriormente condenado
em pena de prisão suspensa, comunicando‑lhe uma promoção no sentido da revogação
da suspensão da pena de prisão, quando o mesmo não se encontrava sujeito a
qualquer medida de coacção, constitui uma violação dos princípios da igualdade
das partes e do contraditório, ínsitos no princípio do Estado de direito
democrático, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da
República Portuguesa» (sic), questão de inconstitucionalidade que teria sido
suscitada «nos autos de recurso em sede das motivações apresentadas».
O recurso foi admitido por despacho de 11 de Junho de 2008 do
Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, decisão que, como é
sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (n.º 3 do artigo 76.º da LTC); e,
de facto, entende‑se que o presente recurso é inadmissível, o que determina o
não conhecimento do seu objecto e possibilita a prolação de decisão sumária ao
abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da
LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi,
das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente. Aquele
primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o
tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera
dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal
específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão
recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o
recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo
essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de
constitucionalidade.
Ora, antes de proferido o acórdão recorrido, o recorrente não
suscitou a questão de inconstitucionalidade identificada no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, apesar de ter disposto
de oportunidade processual para o efeito.
Na verdade, na motivação do recurso interposto para o Tribunal da
Relação do Porto, as questões suscitadas pelo recorrente foram sintetizadas nas
seguintes conclusões:
«Porque foi promovido pelo Ministério Público a revogação da suspensão da
execução da pena que o arguido recorrente se encontrava a cumprir,
Porque, na sequência dessa promoção, foi proferido despacho judicial no preciso
sentido de revogar a suspensão da execução da pena,
Porque ao arguido recorrente apenas foi dado conhecimento, em 6 de Julho de
2007, quer do teor da promoção do Ministério Público quer do despacho judicial
em crise,
Porque, nos temos da lei substantiva penal, a condenação por crime doloso,
cometido durante o período da suspensão, deixou de provocar automaticamente a
revogação da suspensão – artigo 56.º do Código Penal,
Porque a revogação da suspensão da execução da pena depende, ainda, da
circunstância de o arguido revelar que as finalidades que estiveram na base da
suspensão não foram alcançadas,
Porque a revogação da suspensão da execução da pena de prisão constitui,
verdadeiramente, a aplicação e cominação de outra pena privativa da liberdade,
Porque ao arguido estão, quer na lei adjectiva penal quer na CRP, assegurados
os direitos de defesa e de exercício do contraditório – artigos 61.º, n.º 1,
alínea b), do Código de Processo Penal e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP,
Porque ao arguido recorrente foi‑lhe aplicada uma pena de prisão, sem a sua
simples audiência prévia, o que, a admitir‑se como possível, traduzirá uma
inconstitucional interpretação do artigo 56.º do Código Penal, por violação do
artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP,
deve o douto despacho em crise ser revogado e substituído por outro no qual se
determine a notificação do arguido para se pronunciar sobre a revogação da
suspensão da execução da pena de prisão.»
Como se vê, a questão de inconstitucionalidade aqui suscitada era
reportada a pretensa falta (absoluta) de audiência do arguido antes da decisão
de revogação da suspensão da execução da pena, e não – como veio a ser
configurada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional – à inconstitucionalidade da utilização da via postal simples
para a notificação ao arguido da promoção do Ministério Público no sentido
dessa revogação.
Acresce que, no parecer emitido pelo representante do Ministério
Público junto do Tribunal da Relação do Porto, foi sustentado não ser
verdadeira a alegação do arguido de que só em 6 de Julho de 2007 tivera
conhecimento simultâneo do teor da promoção do Ministério Público e do despacho
recorrido, pois, «como se pode concluir dos autos, o arguido foi notificado da
promoção de revogação do Ministério Público em 21 de Junho de 2006, quer por via
postal simples, com prova de depósito, quer na pessoa da sua ilustre defensora
oficiosa (cf. fls. 96/97 – 493/494)», pelo que, «na sequência dessa notificação
teve oportunidade e muito tempo para alegar o que bem entendesse, mas nada
juntou aos autos com vista a contrariar a promoção do Ministério Público», dado
que só «decorrido cerca de um ano foi finalmente proferido o despacho
recorrido».
O arguido foi notificado deste parecer do Ministério Público, nos
termos e para os efeitos do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal
(cf. fls. 111 e 112), mas não apresentou qualquer resposta, que seria o local
adequado para a suscitação da questão da inconstitucionalidade que agora
pretende ver apreciada.
O acórdão recorrido negou provimento ao recurso do arguido,
desenvolvendo a seguinte fundamentação:
«III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das
razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que
define e delimita o objecto do recurso – artigo 412.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal.
Assim, a questão suscitada pelo recorrente, para apreciação pelo tribunal de
recurso, por si, de resto, sublinhada no início da motivação, é a de saber se o
Tribunal a quo podia ter decidido, após a promoção do Ministério Público, no
sentido da revogação da suspensão da pena, sem que o arguido seja ouvido,
previamente.
Cumpre referir que, assim delimitado o objecto e o âmbito do recurso, como não
pode deixar de ser, com base nas conclusões extraídas da respectiva motivação,
não vindo suscitada, de resto, nem sequer, na própria motivação do recurso,
questão atinente ao mérito da decisão que revogou a suspensão da execução da
pena de prisão aplicada ao recorrente neste processo, é evidente que a mesma
estará para além dos nossos poderes de cognição, razão pela qual, se adianta já,
sobre ela não nos iremos pronunciar, não obstante o Ex.mo Sr. Procurador‑Geral
Adjunto a tenha aflorado e dela haja extraído consequências, no seu lúcido
parecer.
III. 2. Cumpre referir, para uma melhor compreensão e explicitação do tema
subjacente ao presente recurso, o que dos autos consta, a propósito:
– neste processo, por sentença de 26 de Novembro de 2002, transitada em julgado,
o recorrente foi condenado pela prática de 3 crimes de roubo, previstos e
punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de 10
meses, por cada um, e na pena única de 2 anos de prisão, cuja execução foi
suspensa pelo período de 3 anos;
– posteriormente veio a ser condenado pela prática, em 8 de Julho de 2003, de um
crime de condução ilegal de motociclo, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1
e 2, do Decreto‑Lei n.º 2/98, em pena de multa, no processo sumário
868/03.9PEGDM do 2.º Juízo Criminal de Gondomar, em face da qual se decidiu não
ser caso de revogação da suspensão daquela pena;
– por sentença de 1 de Março de 2006, no processo comum singular 56/03.4GDGDM
do 1.º Juízo de Competência Criminal de Gondomar, por factos ocorridos a 17 de
Janeiro de 2003, veio a ser condenado pela prática de um crime de tráfico de
menor gravidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º
e 25.º, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 15/93, na pena de 16 meses de prisão, cuja
execução foi suspensa pelo período de 3 anos;
– em face desta decisão, o Ministério Público pronunciou‑se no sentido de ser
revogada a suspensão da pena decretada nos autos, por despacho de 14 de Junho de
2006;
– por despacho de 19 de Junho de 2006, foi ordenada a notificação de tal
promoção ao arguido;
– notificação efectuada na pessoa da sua defensora e na sua própria, por cartas
enviadas a 21 de Junho de 2006, tendo a respeitante ao recorrente sido enviada
para o domicílio constante dos autos, Rua do Pina, 103, 4435‑000 Rio Tinto, e
depositada no receptáculo no dia seguinte;
– nada tendo sido dito, surgiu o despacho recorrido, datado de 27 de Junho de
2007 e notificado à defensora por carta de 2 de Julho de 2007 e ao próprio,
através da PSP, em 6 de Julho de 2007.
III. 3. O cerne da questão suscitada com o presente recurso reporta‑se ao
alegado facto de o recorrente não ter sido chamado a pronunciar‑se quanto à
promoção do Ministério Público, no sentido da revogação da suspensão da execução
da pena, como expressamente refere o recorrente na sua motivação de recurso.
No entanto, carece esta versão de fundamento fáctico.
Com efeito, ao contrário do por si alegado, em sede de recurso, o arguido foi
notificado do teor da promoção do Ministério Público, quer na sua pessoa, quer
na da sua defensora e, apenas depois de nada ter sido dito, o Tribunal veio a
decidir pela verificação dos pressupostos de que depende a revogação da
suspensão da execução da pena e a ordenar o seu cumprimento.
Ao contrário então do defendido pelo recorrente, o Tribunal não decidiu ‘após
simples promoção do Ministério Público’.
Foi‑lhe dada a oportunidade de se pronunciar sobre a questão e, mais
concretamente, para se pronunciar sobre a posição tomada pelo Ministério Público
no processo, de cujo despacho lhe foi dado conhecimento.
No entanto, remeteu‑se ao silêncio. Nada disse.
Em termos de direito:
como acertadamente expende o recorrente,
a revogação da suspensão da pena deixou de operar automaticamente, a partir da
reforma introduzida em 1995 no Código Penal, passando a estar dependente da
verificação, constatação que, no caso que ao caso interessa, de cometimento de
crime pelo qual venha a ser condenado, se revelar que as finalidades que
estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas – cf.
artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal;
o arguido tem de ser ouvido pelo tribunal sempre que deva tomar qualquer
decisão que pessoalmente o afecte – artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do Código de
Processo Penal.
Ao contrário da situação prevista no artigo 495.º do Código de Processo Penal, a
propósito da falta de cumprimento das condições da suspensão – situação esta
prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal – onde
expressamente se prevê que a decisão sobre os efeitos daquele incumprimento da
suspensão anteriormente decretada será precedida da recolha de prova, de parecer
do Ministério Público e da audição do condenado – cf. n.º 2 da mesma norma –, a
propósito da situação dos autos, repetimos, não a violação de deveres, prevista
na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, antes o cometimento de
novo crime, situação prevista na alínea b) da mesma norma, a prévia e específica
audição do condenado não está prevista, de forma particular e expressa.
Não pode, no entanto, deixar de se entender que existe a obrigatoriedade de o
fazer, em cumprimento, quer do comando genérico previsto no artigo 61.º, n.º 1,
alínea b), do Código de Processo Penal, quer do estatuído no artigo 32.º, n.ºs 1
e 5, da Constituição da República, que consagra que o processo criminal
assegura todas as garantias de defesa e deve estar subordinado ao princípio do
contraditório.
A omissão da audição do arguido constituiria, pois, uma irregularidade, que
afecta o exame e a própria decisão, pelo que, a acontecer, nos termos do artigo
123.º do Código de Processo Penal, deveria sempre ser reparada.
No caso, temos como inquestionável que o recorrente não exerceu o
contraditório, apesar de lhe ter sido dada – através de notificações feitas a si
próprio e à defensora – a possibilidade de o fazer: foi notificado,
dando‑se‑lhe conhecimento do teor da promoção do Ministério Público, que
despoletou a decisão que culminou com a revogação da suspensão da execução da
pena.
Não existe, pois, a violação de qualquer norma ou princípio jurídicos e,
designadamente, do, ainda por si invocado, da igualdade de tratamento.
Contrariamente ao por si alegado, o recorrente foi ouvido sobre o facto. Ficou,
no entanto, indiferente à ameaça de cumprir a pena de prisão em que fora
condenado. À notificação respondeu com o silêncio.
Questão introduzida no recurso pelo recorrente, ainda que não expressamente,
mas através da citação em nota de rodapé, de um acórdão deste Tribunal,
proferido em 23 de Setembro de 1998, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º
479, p. 718, onde se decidiu que, ‘antes de decidir da providência a tomar
perante o incumprimento dos deveres ou das condições da suspensão da execução da
pena, impõe‑se o tribunal indagar da culpa do condenado, tomando‑lhe
declarações, com a presença do defensor e recolhendo a prova que se mostre
adequada’, e depois retomada, na sua resposta, pelo Ministério Público, é a da
forma de efectivação daquela audição.
Em que se deve traduzir, afinal, o exercício do contraditório?
Como vimos, o artigo 495.º do Código de Processo Penal, não aplicável ao caso,
fala em audição do condenado e o artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do Código de
Processo Penal, directamente aplicável ao caso, fala em ‘ser ouvido’, donde
semanticamente não existe diferença entre ambas as situações: dever‑se proceder
à audição do arguido equivale a que o mesmo seja ouvido.
A propósito do direito de audição, o Prof. Figueiredo Dias, in Direito
Processual Penal, 1981, vol. I, pp. 157/8, refere que ‘constitui a expressão
necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigência
comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa
do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os
interessados na criação do Direito: a todo o participante processual, antes de
qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade, através da
sua audição, de influir na declaração do direito’.
A audição deve ser entendida à letra, exigindo a presença física do arguido? Ou
basta‑se com a simples concessão da possibilidade de exercício do contraditório,
por requerimento no processo?
Seguramente que não implica a necessidade da realização de um interrogatório,
de uma audição presencial, com a sua comparência física.
Nem a letra, nem o espírito da norma, inculcam tal obrigação.
Doutra forma, a ter que ser assim, a possibilidade de revogação da suspensão da
execução da pena ficaria dependente da vontade do condenado. Ficaria na sua
disponibilidade. O Tribunal ficava à mercê da sua vontade, uma vez que, se não
comparecesse ou se comparecesse e se remetesse ao silêncio, estava encontrado um
obstáculo intransponível àquela revogação.
A ter que ser assim, estava encontrado um incentivo a que o condenado se
furtasse à acção da justiça, com o propósito de inviabilizar a revogação da
suspensão – cf. neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 14 de Maio de
2002, Relator: Desemb. Manuel Nabais, consultável no site da dgsi, que vimos
seguindo de perto.
Em conclusão:
a pretensão que o recorrente pretende atingir com a interposição do presente
recurso, sendo a ‘revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro
que determine a sua notificação para se pronunciar sobre a revogação da
suspensão da execução da pena’, isto é, visando fazer ressurgir a notificação,
já antes efectuada, que antecedeu a prolação do despacho recorrido, apontando
para a sua repetição, nada mais pretendia alcançar que não a concessão de uma
segunda oportunidade para o exercício do contraditório, como recompensa, de
todo injustificada, pela sua inércia e desinteresse, no momento próprio,
anteriormente demonstrados.
Está assim, o recurso – delimitado pelas conclusões apresentadas pelo
recorrente, frise‑se – votado ao insucesso.»
Como resulta da leitura da fundamentação do acórdão recorrido, nele
deu‑se como assente que o arguido foi ouvido sobre a promoção do Ministério
Público no sentido da revogação da suspensão da execução da pena, atribuindo‑se
relevância às notificações desta promoção efectuadas para o arguido e para a sua
defensora, sendo aquela por via postal simples, com prova do depósito da
correspondência. Perdendo sentido, face a essa fundamentação, a questão da
inconstitucionalidade da alegada (mas não comprovada) completa falta de audição,
suscitada na motivação do recurso para a Relação, a abertura da via de recurso
para o Tribunal Constitucional para apreciação da questão da
inconstitucionalidade do uso da via postal simples para notificação da promoção
de revogação da suspensão da execução da pena dependia da prévia suscitação
dessa questão perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, suscitação
a que o arguido, ora recorrente, não procedeu, como lhe cumpria, apesar de ter
disposto de oportunidade processual para o efeito, designadamente na resposta –
que omitiu – ao parecer do representante do Ministério Público junto do
Tribunal da Relação do Porto, onde a validade e eficácia dessa notificação foram
expressamente invocadas.
Não tendo o recorrente suscitado perante o tribunal recorrido,
apesar de ter disposto de oportunidade processual para o efeito, a questão de
inconstitucionalidade que pretende ver apreciada, o presente recurso surge como
inadmissível, o que determina o não conhecimento do seu objecto.”
1.2. A reclamação do recorrente desenvolve a seguinte
argumentação:
“Entendeu o M.mo Juiz Conselheiro Relator, em súmula, não conhecer
do recurso por entender [na nossa opinião mal, com o devido respeito] que o aqui
recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade do uso da via postal
simples para notificação da promoção de revogação da suspensão da execução da
pena, em sede de recurso.
Acrescentou, ainda, o M.mo Juiz Conselheiro Relator que o recorrente
teve oportunidade para o fazer – em sede de resposta ao parecer do
representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto – e
não o fez.
Se é certo que o recorrente não respondeu ao parecer do Ministério
Publico [nem a tal é obrigado, não podendo por isso ser prejudicado já que a
delimitação do recurso, em sede da Relação, estava já balizado pelas conclusões
apresentadas nas motivações] já não é correcta a outra conclusão retirada, ou
seja, que não foi suscitada a questão da inconstitucionalidade, senão vejamos.
O arguido recorrente sempre negou ter tido conhecimento da decisão
que o notificou do despacho de promoção de revogação da suspensão da execução
da pena pelo Ministério Público.
E que mais poderia dizer?
Que recebeu essa notificação, dela teve integral conhecimento mas a
forma utilizada [via postal simples] desrespeitou a forma estabelecida na lei
processual penal para que tal ocorresse?
Julgamos que não.
O que releva, nestes casos, é saber‑se se o arguido, aqui
recorrente, tomou ou não conhecimento dessa decisão. E essa prova competiria,
apenas e só, ao Ministério Público, enquanto órgão tutelar da acção penal,
fazê‑la.
O facto de existir um comprovativo de depósito tal implica que o
arguido teve conhecimento da decisão? Julgamos que não.
A não ser assim, seria inexplicável o porquê da consagração, na lei
adjectiva, das diferentes formas de notificação aos arguidos (postal
simples/postal registada/pessoal)!
O arguido, em sede de recurso para o Venerando Tribunal da Relação
do Porto, alegou que a forma como foi lhe foi aplicada uma pena privativa da
liberdade, sem a sua audiência prévia, constituía uma violação dos direitos de
defesa e exercício do contraditório assegurados, na Constituição da República
Portuguesa – artigo 31.º, n.ºs 1 e 5.
Acresce que, ainda que se colha o entendimento do M.mo Juiz
Conselheiro Relator, é jurisprudência assente neste Alto Tribunal que a forma
como foi sendo configurada a questão controvertida nas instâncias inferiores não
constitui limitação ou cerceamento àqueles poderes (Acórdão n.º 160/92).
Não podemos deixar de repetir que o aqui recorrente não foi
notificado para se pronunciar, quanto à promoção do Ministério Público no
sentido de revogar a suspensão da execução da pena, apesar do registo postal
existente a fls. 495, por duas ordens de razões:
1.º – O aqui recorrente não teve conhecimento dessa notificação
«alegadamente» depositada no receptáculo postal pelo funcionário dos CTT. Tal
notificação, apesar de ter sido efectuada à então mandatária do aqui
recorrente, teria de o ser, também e obrigatoriamente, na sua pessoa.
2.º – Não se poderá olvidar que a forma empregue – notificação por
via postal simples – só pode ser efectuada nos «casos expressamente previstos»
no artigo 113.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
a) Ora, com o trânsito em julgado da decisão condenatória cessaram
as medidas de coacção, incluindo o termo de identidade e residência (artigo
214.º, n.º 1, alínea e), do CPP), deixando a partir de então de ser possível
notificar o arguido recorrente por via postal simples, nos termos do artigo
196.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
Consequentemente, não pode ser o aqui reclamante «onerado» com a
conclusão que foi regularmente notificado de tal despacho – porque não o foi,
M.mos Juízes Conselheiros!!!
b) Poder‑se‑ia, ainda, colocar a questão de saber‑se se tal despacho
deveria ter sido notificado ao arguido recorrente, ou se bastava a sua
notificação ao defensor.
Esta questão tem resposta plasmada no artigo 113.º, n.º 9, do CPP,
estabelecendo a seguinte regra: a notificação ao defensor é bastante, a não ser
nos casos ali expressamente previstos: notificações respeitantes à acusação, à
decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, sentença, aplicação de
medidas de coacção e de garantia patrimonial e dedução do pedido cível.
No caso sub judice, quer pela promoção tida em 1.ª instância, quer
pelo despacho judicial que ordenou a notificação ao arguido recorrente, quer
pelo parecer do Ex.mo Sr. Procurador‑Geral Adjunto na Relação do Porto, quer
pelo teor do acórdão, subscrito por unanimidade pelos Ex.mos Senhores Juízes
Desembargadores, inexiste qualquer dúvida que tal despacho tinha de ser
notificado ao arguido [a divergência apenas surge quanto ao tipo de notificação
– postal ou pessoal?].
Ou seja, entendeu‑se que o caso sub judice se incluía nos casos
expressamente referidos no artigo 113.º, n.º 9, do CPP, quando se decidiu da
notificação ao arguido da promoção do Ministério Público. Assim sendo e,
enquanto tal despacho não for revogado, como não foi, impõe‑se a notificação
quer ao arguido quer ao seu defensor.
Impondo-se a notificação ao arguido, na forma como se encontra
prevista na lei processual [por assim ter sido decidido no despacho que ordenou
a notificação (mal efectuada) do sentido e teor da promoção], ou seja, por
«contacto pessoal» ou por «via postal registada» – artigo 113.º, n.ºs 1 e 2, do
CPP.
Se o arguido se remeteu ao silêncio, mais não lhe era exigível. Como
poderia se pronunciar contra algo que desconhecia?
Uma vez aqui chegados, também não subscrevemos o acórdão da Relação
na parte em que aí refere e citamos:
«Não pode, no entanto, deixar de se entender que existe a
obrigatoriedade de o fazer, em cumprimento quer do comando genérico previsto no
artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP, quer do estatuído no artigo 32.º, n.ºs 1
e 5, da Constituição da República, que consagra que o processo criminal assegura
todas as garantias de defesa e deve estar subordinado ao princípio do
contraditório.
A omissão da audição do arguido constituiria, pois, uma
irregularidade, que afecta o exame e a própria decisão, pelo que, a acontecer,
nos termos do artigo 123.º do CPP, deveria sempre ser reparada.»
A omissão verificada é geradora de verdadeira nulidade, e não mera
irregularidade (ainda que quer pela adopção da 1.ª tese quer da subscrita no
acórdão em crise se extraia uma conclusão unânime):
a ter ocorrido (como ocorreu) a omissão do princípio do
contraditório, a sua consequência terá de ser a repetição do acto ou a sua
reparação – nulidade, essa, insanável – artigo 410.º, n.º 3, do CPP.
C) – Por outro lado, não seguimos a orientação vertida no acórdão em
crise, no sentido e interpretação constitucional, dada à lei adjectiva penal, ao
não exigir a presença física do arguido, para a sua audição e, consequente,
exercício do contraditório.
Pelo exposto e,
tal como resulta da própria argumentação tecida no douto acórdão em
crise, julgamos que a questão da inconstitucionalidade das normas invocadas no
recurso, na interpretação que lhes foi dada, foi devidamente discutida em sede
do Tribunal da Relação do Porto, constituindo a interpretação efectuada uma
violação dos princípios constitucionais consagrados de defesa e exercício do
contraditório.
Não se poderá olvidar que estamos a discutir, tão simplesmente, a
liberdade da pessoa humana.
Consequentemente,
deverá a conferência julgar procedente a presente reclamação com
vista a ser tomada pelo pleno da secção douto Acórdão, como é de inteira
justiça.”
1.3. O representante do Ministério Público apresentou
resposta, considerando “manifestamente improcedente” a presente reclamação, já
que “a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da (…) decisão
reclamada, no que respeita à evidente inverificação dos pressupostos do recurso
interposto”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. O objecto da reclamação de decisão sumária de não
conhecimento do recurso cinge‑se à apreciação da correcção das razões pelas
quais se entendeu não se verificarem os pressupostos do conhecimento do recurso
de constitucionalidade, pelo que, neste contexto, são irrelevantes as
considerações tecidas pelo reclamante quanto à interpretação do direito
ordinário no que respeita à forma de audição do arguido prévia à decisão sobre a
revogação da suspensão da execução da pena e quanto ao tipo de notificação a
utilizar, questões que só ganhariam relevância em sede de apreciação do mérito
do recurso, se o mesmo fosse admitido.
Na presente reclamação, trata‑se apenas de apurar se é,
ou não, procedente o entendimento, sufragado na decisão sumária reclamada, de
que o recorrente teve oportunidade processual de suscitar, perante o tribunal
recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, a questão de
inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada. Aí se entendeu, de
facto, que o arguido podia – e devia – ter suscitado tal questão na resposta
(que optou por não apresentar) ao parecer do Ministério Público junto do
Tribunal da Relação, em que explicitamente se conferia relevância à notificação
(tida por regular) do arguido, feita por via postal simples, com prova de
depósito, que lhe foi feita (para além da notificação, por via postal registada,
feita à sua defensora), da promoção do Ministério Público na 1.ª instância no
sentido da revogação da suspensão da execução da pena.
A circunstância, aduzida na presente reclamação, de o
arguido recorrente não estar obrigado a responder ao parecer emitido pelo
Ministério Público junto do Tribunal da Relação é, de todo, irrelevante. O
carácter facultativo dessa resposta em nada afecta a constatação de que o
arguido dispôs de oportunidade processual para suscitar, antes de proferida a
decisão recorrida, a questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver
apreciada. E é a falta dessa suscitação, apesar da existência de oportunidade
processual para o efeito, que determina a inverificação do apontado requisito de
admissibilidade específico do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC.
Por estas razões, a decisão sumária reclamada merece
confirmação.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Julho de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos
|