|
Processo n.º 556/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 21 de Maio de 2008,
pronunciando-se sobre a execução do mandado de detenção europeu emitido pela
Audiência Provincial de Girona, Terceira Secção, Espanha, no Rollo nº 2/2006 ,
P.º Sumário n.º 2/2005, Juzgado Instruccion 2, Santa Colomba de Farners, contra
A., ordenou a sua entrega temporária à justiça espanhola a fim de ser submetido
a julgamento oral no âmbito daquele processo, devendo, após essa diligência,
regressar a Portugal, a fim de aí cumprir pena no âmbito do P.º n.º 207/05, do
Tribunal Judicial de Almeirim, de acordo com o disposto no artigo 31.º n.º 1 e
3, da Lei n.º 65/03, de 23/8.
O arguido recorreu desta de decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual,
por acórdão de 18-6-2008, negou provimento ao recurso interposto.
O arguido recorreu, então, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“O recurso tem em vista ser declarada a inconstitucionalidade dos artºs 3º,
11-b) e 12-d) da LEI 65/2003 de 23/8 por violação dos arts. 1º, 27º, 28º, 29º,
30º e 32º da Constituição da República Portuguesa e arts 5º e 6º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem.
A entrega do recorrente a Espanha viola o NE BIS IN IDEM e é inadmissível no
ordenamento jurídico Europeu um cidadão ser sujeito a 2 ou mais perseguições
pelos mesmos alegados factos, aliás não descritos com rigor no M.D.E.
Os factos pelos quais agora se encontra “reclamado” por Espanha não foram dados
a conhecer ao arguido: só foi notificado de alguns “HECHOS” o que traduz
NULIDADE do PROCESSADO: artigos 5º e 6º da CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO
HOMEM e art. 283 do C.P.P. bem como do dever de INFORMAÇÃO DA ACUSAÇÃO COMPLETA,
o que viola o art. 3º-1-E) da LEI 65/2003 e atenta contra os normativos supra.
O Princípio da Especialidade ínsito ao artº 7º da Lei 65/2003 PROIBE a
perseguição criminal por factos anteriores e diferentes.
As questões de inconstitucionalidade foram suscitadas no Recurso interposto da
Decisão do Tribunal Relação Lisboa para este Alto Tribunal.”
Em 9-7-2008 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
“1. Da delimitação do objecto do recurso
Apesar de no requerimento de interposição de recurso se referir inicialmente que
se pretende a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3.º, 11.º, b) e
12.º, d), da Lei n.º 65/2003, da explicação posterior dada no mesmo
requerimento, constata-se que essa pretensão não é dirigida a todas as normas
constantes dos citados preceitos, mas sim à sua interpretação, no sentido de ser
admissível a execução de mandado de detenção, sem que seja dado conhecimento
ao arguido dos factos que lhe são imputados, e de modo a permitir que o arguido
seja julgado uma segunda vez por factos pelos quais já foi julgado noutro
processo.
São, pois, estas interpretações normativas dos referidos artigos da Lei n.º
65/2003, que o recorrente pretende que se julguem inconstitucionais, por
violarem o disposto nos artigos 1º, 27º, 28º, 29º, 30º e 32º da Constituição da
República Portuguesa e 5º e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2. Do não conhecimento do mérito do recurso
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas, ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional, e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes
às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do
n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Relativamente à questão da necessidade de ser dado conhecimento ao arguido dos
factos que lhe são imputados no processo que solicitou a sua detenção consta o
seguinte no acórdão recorrido
“Do mandado de detenção devem constar as informações enumeradas no art.º 3.º da
Lei n.º 65/03, de 23/8, além da identidade e nacionalidade da pessoa procurada
, os factos penalmente relevantes, entre os quais a descrição das circunstâncias
em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de
participação da pessoa procurada, devendo ser traduzido numa das línguas
oficiais do Estado membro da execução.
A exigência é óbvia: para um cabal exercício dos direitos de defesa do arguido,
aquela boa prática judiciária, de cunho quase automático, em que se traduz o
mandado, não pode sobrepor-se às garantias de defesa dos direitos humanos do
procurado préestabelecidas em convenções internacionais, de âmbito estadual mais
alargado, recuado temporalmente e vinculante, que não pode derrogar.
IV. A enunciação dos factos é fundamental ao exercício do direito de recusa seja
ela obrigatória seja facultativa – art.ºs 11.º e 12.º da Lei n.º 65/03,
relevando, essencialmente para fins de verificação de amnistia, do princípio “ne
bis in idem”, do decurso dos prazos de prescrição, da renúncia ao princípio da
especialidade, do princípio da territorialidade, etc.
A descrição dos factos no formulário deve ser tão sucinta quanto possível e
consignar apenas dados indispensáveis para apreensão do MDE pela autoridade
judiciária de execução sendo evitável a transcrição completa de peças
processuais em ordem à sua movimentação, neste sentido se pronunciando a
Procuradoria Geral da República, Gabinete de Documentação e Direito Comparado,
in Manual de Procedimentos Relativos à Emissão de Mandado de Detenção Europeu.
O formulário do mandado comporta a seguinte descrição: “Nos primeiros meses do
ano de 2005, o acusado A., de comum acordo com os outros quatro processados
transportaram uma importante quantidade de cocaína, superior a cem quilogramas,
de Portugal para Inglaterra, a fim de que fosse ali finalmente entregue a
terceiros para posterior distribuição e consumo”.
Segue-se a descrição do tipo legal de crime, de “Delito contra a saúde pública,
na modalidade de transporte e posse para tráfico de substâncias que causam dano
à saúde, previsto nos artigos 368.º e 369.º .1.º, circunstâncias assinaladas nos
números 2 (pertença a organização, 6 (quantidade de notória importância) e 10
(introduzir ou retirar substâncias de território nacional), do Código Penal,
sendo aplicável a agravação de extrema gravidade estabelecida no artigo 370.º
3.º, pela concorrência de três das circunstâncias previstas no artigo 369.1, do
mesmo Código Legal”.
O formulário é acompanhado de acusação ampla e factualmente detalhada deduzida
pelo “Fiscal”, cingindo-se, pelo enunciado nele inscrito, o pedido de cooperação
à entrega temporária “a fim de julgar esta pessoa no dia 10.7.2008”,
comprometendo-se esta Sala à sua posterior entrega uma vez concluído o
julgamento oral”, na conformidade do art.º 31.º n.º 3, da Lei n.º 65/03.
O Tribunal da Relação notificou, pessoalmente, em 30.4.2008, A. – fls. 190 – “de
todo o conteúdo da tradução dos documentos recebidos do reino de Espanha”, pelo
que cai por terra toda a argumentação suscitada em torno da nulidade por falta
do descritivo factual que lhe é imputado e a sem solidez o elenco conclusivo
sob os n.ºs 1 a 8.
Sem compreensão mais se torna, ainda, a arguição quando o próprio advogado do
recorrente A. foi notificado dos documentos traduzidos para língua nacional
recebidos de Espanha – cfr. acta de fls. 188.”
O acórdão recorrido não sustenta, pois, que não seja necessário dar
conhecimento ao arguido dos factos que lhe são imputados no processo onde foi
solicitada a sua detenção; antes perfilha de forma clara e evidente solução
contrária, tendo entendido que no processo de execução do mandado em causa esse
requisito se encontrava preenchido.
A discordância sobre se no caso concreto foram comunicados todos os factos pelos
quais o arguido vai ser julgado no processo onde foi solicitada a sua detenção,
já não é uma questão de constitucionalidade duma interpretação normativa,
recaindo sobre o juízo subsuntivo dos factos ao direito, o qual não é
susceptível de recurso de constitucionalidade no nosso sistema.
Relativamente à questão da execução do mandado permitir que o arguido venha a
ser julgado uma segunda vez por factos pelos quais já foi julgado noutro
processo, consta o seguinte no acórdão recorrido
“V. De reter, ao nível dos factos, que o arguido foi condenado por acórdão ainda
não transitado em julgado de 7.3.2007, do Tribunal Judicial de Almeirim por
crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 9 anos de prisão, agravada para
10, por acórdão da Relação de Évora, datado de 29.1.08, por no dia 21.6.2005,
terem sido localizados no interior de dois armazéns, sitos na Zona Industrial de
Almeirim, 98 fardos contendo cocaína, com o peso global de 3.967.603,60 grs.,
que para aí haviam sido transportados pelo procurado A. e por outro, em cuja
operação pontificou, com outro, em obediência a um plano previamente concebido,
com destino a local inapurado.
Os factos que sustentam o mandado tiveram lugar, segundo a acusação em Espanha,
nos primeiros três meses do ano de 2005, incluídos num plano, traçado pelo
recorrente, com outros, de transporte de cocaína, superior a 100 kgs., para
Inglaterra, via Madrid – Barcelona – Girona – França.
O recorrente A. tomou de arrendamento em Fuenlabrada um armazém para esconder a
droga (cocaína) e o veículo a transportar o estupefaciente.
O estupefaciente foi transportado de Portugal para Madrid, sob direcção do A., e
depositado no sobredito armazém, de onde, depois, foi transportado para
Barcelona e num camion conduzido por B., em direcção a França, tendo sido
interceptado em 18.4.2005, na localidade de La Jonquera, pelas 00h30m, na
plataforma de justaposição da AP7, em todo este plano sendo participante o
arguido.
Aí foram descobertos 160 pacotes contendo 169,479 Kgrs. de cocaína escondidos no
duplo fundo da parte frontal dianteira do semi-reboque, que se abria accionando
um mecanismo criado pelo condutor.
VI. O recorrente invoca a violação do princípio “ne bis in idem”, porque diz,
esse transporte se integra numa única resolução criminosa, de transporte de
droga em Portugal – Espanha –Inglaterra, sendo a conduta homogénea, formando a
condenação em Portugal caso julgado sobre os factos que lhe são imputados em
Espanha.
O princípio que significa a proibição de alguém ser condenado duas vezes pelo
mesmo facto, princípio de feição milenar, acatado pela generalidade dos países,
com tradução no art.º 29.º n.º 5, da nossa Constituição, comporta o alcance
segundo o qual se alguns dos factos que fazem parte de uma actividade
continuadamente criminosa já foram objecto de uma decisão, o direito de
promover a acção penal por outros englobados nessa continuação mostra-se
consumido, funcionando o “princípio ne bis in idem”.
O juiz, em tal situação, ao investigar e fixar essa realidade, investiga sobre
os limites da identidade do objecto processual e o que faz é integrar o
conteúdo de tal sentença e perguntar até que ponto se devia ter alargado a
cognição do tribunal ao primeiro processo, com vista a determinar em que limites
se devem entender as coisas como julgadas.
Assim: O princípio “ne bis in idem” só funciona com relação a casos julgados;
sendo os crimes infracções parcelares autónomas, não abrangidas pelo julgado a
sentença incidente sobre os primitivos não afasta a punição pelos demais
descobertos posteriormente.
Numa análise meramente perfunctória porque mais profunda não o consente a
tramitação formal do mandado, as condutas do recorrente são diferentes
atendendo às circunstâncias de tempo, lugar e modo de comparticipação não
coincidentes factualmente e porque dispersas no tempo, mediando entre elas um
visível hiato temporal, compatível com uma renovação da vontade criminosa, com
uma pluralidade de infracções, não se descortina a violação daquela princípio,
olhando à conexão temporal, aqui não permitindo estabelecer uma conexão temporal
a ligar os vários momentos das condutas em apreço.
Essa conexão é o índice da unidade pluralidade de infracções, segundo o Prof.
Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções – Caso Julgado e Poderes
de Cognição do Juiz, pág. 96 e 97, para quem a pluralidade de actos só não
determina uma pluralidade de acções típicas na medida em que cada uma delas
exprime um puro explodir ou “ déclancher”, mais ou menos automático da carga
volitiva correspondente ao projecto criminoso inicial, ensinando as regras da
psicologia que se entre os factos medeia um largo espaço de tempo os últimos da
cadeia respectiva já não são a mera descarga dos primeiros, exigindo um novo
processo deliberativo.
De todo o modo essa tarefa de verificação sobre se a prática dos factos por que
foi condenado em Portugal obedece a uma única resolução criminosa, englobante
da conduta a que respeita o processo pendente em Espanha, ou a antes a uma
pluralidade de resoluções, a distintos crimes, cabe ao tribunal no julgamento
declará-la, só numa interpretação que descurasse a teleologia do mandado de
detenção qual seja a de não deixar no espaço da União condutas sem punição, não
fazendo sentido no caso vertente, essa parcela de factos ocorridos no Estado
emitente, com as características da autonomia e independência, podendo deixar
de ser alvo de julgamento, apesar de ofensivas da respectiva ordem jurídica.
Da conjugação dos art.ºs 12.º n.º 1 d) e 11.º b), da Lei n.º 65/03, resulta que
o princípio, numa particular exigência de rigor, só funciona como causa de
recusa de entrega quando puder concluir-se, com segurança, que o procurado foi
definitivamente julgado pelos mesmos factos e em condições que impeçam o
posterior exercício da acção penal, só assim se violando o caso julgado penal.
A expressão “Por facto que motiva a emissão” e o termo “infracção” em uso no
sobredito preceito dos art.ºs 11.º a) e 12.º n.º 1 a), da Lei n.º 65/03
entende-se, como defende o Exm.º Procurador Geral-Adjunto na Relação apoiando-se
em Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, 2004, 1, 248, o facto complexo,
formado pelo tipo de ilícito e de culpa, enquanto pressupostos categoriais
sistemáticos mínimos, expressões de dignidade penal tipicizada, o que reforça a
ideia de que condutas parcelares integrantes no conjunto não fundamentam óbice
à entrega e nem traduzem uma violência à condição pessoal do recorrente.
Fora disso, um desvio a essa teleologia, seria transformar o tribunal da
execução do mandado em tribunal de julgamento, sobrepondo-se a este
dissociando-se da função do mandado de detenção, enquanto instrumento
simplificado de entrega de pessoas, de combate célere e eficaz na luta contra a
criminalidade internacional, cada vez mais sofisticada e com ramificações de
controle mais complexo, que se não compadece com uma investigação mais
aprofundada do princípio, como ainda das provas de que o Tribunal espanhol se
serviu para emitir o mandado.
O princípio “ ne bis in idem” assenta na necessidade de segurança jurídica, como
limitação ao poder punitivo, assim como na ideia de que a cada indivíduo será
aplicada a correspondente e suficiente pena (princípio da proporcionalidade) e é
respeitado tanto pelo TPI, como pelos tribunais” ad hoc”, para os crimes
cometidos no Ruanda e na ex-Jugoslávia, inscrevendo-se no conceito de respeito e
protecção das liberdades individuais.
E é um princípio vigente não só a nível nacional (verticalmente), mas também a
nível transnacional ou seja horizontalmente, com tradução nos art.ºs 54.º a
57.º, cap.3, da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
No âmbito da EU a regulação do princípio tem como antecedente, mais recuadamente
a Convenção Europeia n.º 70, de 28/5, recentemente a Convenção entre os Estados
Membros relativas à aplicação do princípio “ne bis in idem” aberta à assinatura
dos Estados Membros, e necessariamente, da Espanha, em Bruxelas, em 25.5.87, e
que, por Resolução da Assembleia da República n.º 22/95 de 12.1.95, Portugal
ratificou.
VII. A Espanha, enquanto Estado membro da UE, democrático e livre, respeitador
dos direitos humanos, não deixará de assegurar que, em nome deles, o princípio,
se, por hipótese, funcionar, seja actuado, não correspondendo a alegação do
recorrente motivo para recusa de entrega, esta limitadamente, e a que se acha
vinculado, pelo seu pedido, aquele Reino, à sujeição a audiência oral do
recorrente.”
O acórdão recorrido não sustenta, pois, que da execução de um mandado de
detenção europeu, nos termos do disposto no Decreto-lei n.º 65/2003, possa
resultar que o arguido possa ser julgado uma segunda vez pelos mesmos factos,
com violação do princípio ne bis in idem, tendo antes recusado essa
possibilidade. O acórdão apenas confirma a decisão de executar o mandado em
causa nos presentes autos por entender que os factos pelos quais se solicita a
entrega do arguido a fim de ser julgado em Espanha não são os mesmos pelos
quais o arguido foi julgado e condenado em Portugal.
A discordância sobre se os factos são ou não os mesmos, já não é uma questão de
constitucionalidade duma interpretação normativa, recaindo sobre o juízo
subsuntivo dos factos ao direito, o qual não é susceptível de recurso de
constitucionalidade no nosso sistema.
Do exposto resulta que as interpretações normativas cuja inconstitucionalidade
o arguido pretende que se verifique não foram sustentadas pela decisão
recorrida, pelo que está ausente um pressuposto essencial ao conhecimento de um
recurso de constitucionalidade – a circunstância que as interpretações
normativas cuja fiscalização se pretende tenham constituído ratio decidendi da
decisão recorrida.
Estando ausente este requisito não pode o Tribunal Constitucional conhecer do
mérito do recurso interposto, pelo que deve ser proferida decisão sumária nesse
sentido, nos termos do artigo 78º - A, n.º 1, da LTC.”
O recorrente vem agora reclamar da decisão sumária para a conferência,
limitando-se a alegar que “os fundamentos apostos no recurso e conclusões
merecem provimento face à violação de regras fundamentais”.
Respondeu o Ministério Público nos seguintes termos:
“A presente reclamação – deduzida, aliás, sem que o reclamante trate de
especificar minimamente as razões por que discorda da decisão reclamada –
carece ostensivamente de fundamento.
Termos em que deverá naturalmente confirmar-se por inteiro a douta decisão
reclamada.”
*
Fundamentação
A decisão reclamada decidiu não conhecer do recurso interposto, com fundamento
em que as interpretações normativas cuja constitucionalidade foi questionada não
integraram a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Na reclamação apresentada o recorrente não invoca quaisquer argumentos que
contrariem esse juízo de não conhecimento.
Da leitura atenta do acórdão recorrido constata-se facilmente que as
interpretações normativas cuja inconstitucionalidade o arguido pretende que se
verifique não foram sustentadas pela decisão recorrida, pelo que está ausente um
pressuposto essencial ao conhecimento de um recurso de constitucionalidade – a
circunstância que as interpretações normativas cuja fiscalização se pretende
tenham constituído ratio decidendi da decisão recorrida – pelo que a reclamação
apresentada deve ser indeferida.
*
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária
proferida neste recurso em 9 de Julho de 2008.
*
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderando os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
*
23 de Julho de 2008
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
|