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Processo n.º 537/2008
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, vem reclamar para este Tribunal
Constitucional do despacho, de 8 de Maio de 2008, que não lhe admitiu o recurso
da decisão sumária proferida em 15 de Abril de 2008, interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do
Tribunal Constitucional), invocando para tanto o Juiz Conselheiro Relator no
Supremo Tribunal de Justiça as seguintes razões:
Proferida decisão sumária (fls. 1753‑1756) em 15.04.2008, interpôs o arguido A.
a fls. 1760, recurso para o Tribunal Constitucional.
Nos termos do artigo 70º,2, da Lei nº 28/82 de 15.11, cabe recurso para o
Tribunal Constitucional de decisões que não admitem recurso ordinário … por já
haverem sido esgotados todos os que no caso caberiam. Ora, nos termos do artigo
417º,8,do CPPenal, da decisão sumária sempre cabia reclamação para a
conferência, meio este a considerar em termos recursivos.
Não satisfazendo o requerimento de interposição de recurso o requisito constante
do artigo 70º,2, da Lei 28/82, não admito o recurso, por inadmissível.
O reclamante interpusera o recurso de constitucionalidade alegando o seguinte:
1. No processo, foi suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma da
alínea f) do n° 1 do art. 400° do CPP, na actual versão, conjugada com a norma
da al. a) do n° 2 do art. 5° do mesmo código (Cfr. al. C) da decisão).
2. Com efeito, sendo aquela norma aplicada a um processo pendente à data da sua
entrada em vigor, limita o direito de defesa do arguido, viola a norma do n° 1
do art. 32° da Constituição da República Portuguesa e viola o princípio do
tratamento mais favorável ao arguido.
3. A norma do al. l) do n° 1 do art. 400° do CPP, vigente à data dos factos,
impedia o recurso dos acórdãos das relações que confirmassem decisão de 1ª
instância em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não
superior a 8 anos.
4. A redacção dessa norma recentemente entrada em vigor impede o recurso dos
mesmos acórdãos das relações que confirmem decisões da 1ª instância e apliquem
pena de prisão não superior a 8 anos.
5. Ou seja, o limite da recorribilidade, nessas circunstâncias, deixou de ser o
máximo da moldura abstracta, para ser a concreta pena aplicada.
6. Assim, ao arguido, após a entrada em vigor da nova versão do CPP, passou a
estar vedado o grau de recurso para o STJ que lhe era garantido anteriormente.
7. A negação desse grau de recurso limita o seu direito de defesa.
8. Limitação que passou ser aplicada ao arguido após a entrada em vigor da L.
48/07 de 29.8 que reformou o CPP.
9. A decisão aqui em crise é irrecorrível.
10. A mesma douta decisão aplicou norma (art. 400°-1 f)) inconstitucional,
quando aplicada a processos pendentes, como é o caso dos autos, em que foi
aplicada na fase de recurso.
11. Deve ser declarada a inconstitucionalidade dessa norma, quando aplicada a
processos pendentes.
12. Existe, pois, fundamento para o presente recurso, por violação do art.
32°-1 da CRP e do princípio da não limitação dos direitos de defesa do arguido.
O reclamante sustenta na presente reclamação que quer a alínea f) do n.º 1 do
artigo 400.º, quer a alínea b) do n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo
Penal, são materialmente inconstitucionais “quando aplicadas ao arguido na fase
processual em que se encontra.” Segundo o reclamante,
(…)
3. O art. 419° do CPP, na versão que vigorou até 31.08.08, ao abrigo do qual
correu praticamente todo o processo, obrigava ao julgamento em conferência
quando o recurso devesse ser rejeitado.
4. Quando o arguido foi notificado do último Acórdão da Relação, já vigorava a
nova versão do CPP.
5. Foi ao abrigo desta nova versão que foi rejeitado o recurso do arguido para
este Supremo Tribunal, bem como rejeitado o recurso para o Tribunal
Constitucional.
6. A decisão deste Supremo Tribunal, que rejeitou o recurso do arguido, não é
um simples despacho, mas decisão equivalente ao Acórdão que, na a anterior
versão era tomado em conferência.
7. Tratou-se de uma decisão que limitou ainda mais os direitos de defesa do
arguido.
8. É certo que o art. 70º-3 da lei do TC equipara a recursos ordinários as
reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.
9. Mas esta reclamação só passou a ser prevista no âmbito da nova lei que o
arguido entende não lhe ser aplicável por diminuir e limitar gravemente os seus
direitos de defesa.
10. O duplo grau de recurso, que foi garantido ao arguido até depois do
julgamento, deverá ser-lhe aplicado até ao final do processo.
11. A questão de fundo é a grande limitação dos direitos de defesa do arguido
por uma lei processual que se afigura inconstitucional quando aplicada ao caso
concreto.
12. Quer a alínea f) do art. 400º, quer a al. b) do n° 6 do art. 417° do CPP
são materialmente inconstitucionais, quando aplicadas ao arguido, na fase
processual em que se encontra.
Sobre a reclamação pronunciou-se o Ministério Público no sentido de que a mesma
carece manifestamente de fundamento, “já que o ora reclamante – que interpôs
recurso para este Tribunal Constitucional fundado na alínea b) do nº 1 do art.
70º da Lei nº 28/82 – não esgotou os meios impugnatórios ordinários quando
confrontado com a decisão sumária do relator, que lhe foi desfavorável – no caso
a reclamação para a conferência, de modo a provocar a prolação de um acórdão,
susceptível de impugnação em fiscalização concreta”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
2. Adianta-se que a presente reclamação não pode obter provimento, pois o
Tribunal Constitucional não poderia tomar conhecimento do recurso interposto
pelo reclamante, por falta de verificação de um dos pressupostos processuais
para o recurso que se pretendeu interpor: o esgotamento dos recursos ordinários,
exigido pelo artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Segundo aquele n.º 2, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo 70.º
cabe apenas “de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não
prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam”. E, nos
termos do n.º 3, são equiparadas a recursos ordinários, para este efeito – isto
é, tornando-se necessário o seu esgotamento, se couberem no caso, antes do
recurso para o Tribunal Constitucional –, “as reclamações para os presidentes
dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso,
bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.”
Conforme foi afirmado no Acórdão deste Tribunal n.º 228/2005 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt):
(…)
A solução decorrente destes preceitos encontra a sua razão de ser no facto de a
nossa Constituição ter adoptado um sistema difuso e instrumental de controlo da
constitucionalidade das leis, ao impor aos tribunais o dever de “não aplicarem
normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela
consignados” (art.º 204.º da CRP), donde resulta que, quando exista uma
hierarquia de tribunais com possibilidade de recurso dentro dela, apenas possam
ser sindicadas pelo Tribunal Constitucional, como órgão jurisdicional de
fiscalização concentrada de constitucionalidade, as decisões jurisdicionais que
constituam a palavra definitiva dessas ordens desses tribunais nos casos em que
estes se tenham pronunciado pela conformidade da norma questionada com a
Constituição e os princípios nela consignados [cfr. Cardoso da Costa - A
jurisdição constitucional em Portugal - in Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.].
3. Ora, no presente caso o recurso de constitucionalidade foi interposto
imediatamente da decisão sumária do Juiz Conselheiro Relator no Supremo Tribunal
de Justiça que, ao abrigo do n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo Penal,
entendeu rejeitar o recurso “por sua inadmissibilidade e irrecorribilidade da
decisão na parte criminal por força do artigo 400º. 1. f) do CPPenal e pela sua
improcedência na parte cível por via do artigo 420º. 1. a) do mesmo Código”,
sendo certo que dessa decisão do Relator cabia reclamação para a conferência,
nos termos do n.º 8 do mesmo artigo e Código, segundo o qual, “(c)abe reclamação
para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e
7.”
Entendendo-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do
n.º 4 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, “quando tenha havido
renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os
recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”,
verifica-se que a imposição de exaustão do meio processual em questão (bem como
o meio processual em si mesmo considerado) não foi posta em causa em sede
(própria) de recurso de constitucionalidade interposto e que não havia decorrido
o prazo para reclamar para a conferência quando foi interposto o recurso de
constitucionalidade.
De qualquer modo, o Tribunal Constitucional considerou já no referido Acórdão
n.º 228/2005 que
(…) a previsão do instrumento processual de reclamação do despacho do relator
para a conferência, em nada é arredada pela especificidade da matéria a que
respeitam os recursos penais.
Pelo contrário, tendo a reapreciação do despacho do relator por parte da
conferência a natureza de um reexame do seu mérito que é levado a cabo por um
outro órgão jurisdicional (aqui colectivo, em vez daquele singular), o meio
processual aqui em causa acaba por equivaler-se a um modo de concretização do
princípio constitucional da exigência de um duplo grau de jurisdição em matéria
penal que este Tribunal Constitucional vem uniformemente reconhecendo.
Assim, por falta de esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam – no
presente caso, por falta de reclamação para a conferência da decisão sumária do
Relator de que se pretendeu logo recorrer –, não podia, pois, admitir-se o
recurso de constitucionalidade interposto, não merecendo, por conseguinte,
censura o despacho reclamado.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação e condenar o reclamante em custas, que se fixam em 20
(vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 23 de Julho de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão
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