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Processo n.º 643/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da decisão daquele Tribunal que indeferiu a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão que negara provimento ao recurso da decisão de condenação à pena de 6 anos de prisão, por tráfico de estupefacientes.
Objecto do recurso é a norma da alínea c) do artigo 379.º do CPP, “na interpretação acolhida na decisão”, interpretação que a requerente entende violar os artigos 32.º, n.º 1, e 205.º da CRP.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, os recursos deste tipo «só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (…) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Estando em causa a apreciação de uma dada interpretação normativa, o cumprimento desta exigência legal implica que o recorrente tenha enunciado de forma precisa, perante o tribunal recorrido, o critério normativo a que a inconstitucionalidade é imputada. Ainda que a norma extraída do artigo em causa seja construída, nesta hipótese, em função e na perspectiva do caso, ela não pode nunca perder dimensão normativa, com potencial aplicação genérica, sem se diluir na descrição das circunstâncias singulares do caso concreto. Na falta desse distanciamento abstractizante, não é identificável qualquer referencial normativo que possa constituir objecto de uma questão de constitucionalidade, tendo em conta a competência específica deste Tribunal.
Ora, é por demais manifesto que a requerente não cumpriu este ónus processual.
Na verdade, quando suscita a questão de constitucionalidade (ponto 5 do requerimento de nulidade do acórdão), a requerente limita-se a afirmar que, com a alegada omissão de pronúncia, o Tribunal “faz uma errada interpretação”, sem explicitar minimamente em que consiste essa interpretação. Esta não é autonomizada do acto subsuntivo realizado pela decisão a que se imputa o vício de omissão de pronúncia, quanto a uma série de factos invocados pela recorrente, e que, em seu entender, justificariam uma pena mais leve.
Fica patente, desta forma, que o que se impugna é directamente a própria decisão recorrida.
Só no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – em momento processual, pois, tardio – é que a requerente, aproveitando a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, denegatória da existência de uma omissão de pronúncia, consegue fornecer algumas indicações quanto ao sentido interpretativo que pretende submeter à apreciação (ponto 4).
Em face do exposto, é de concluir que não foi suscitada uma questão de constitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida”.
Faltando este pressuposto, não pode conhecer-se do objecto do recurso, o que legitima a prolação de uma decisão sumária nesse sentido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC. (…)»
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…) A., supra identificada, notificado da decisão sumária proferida, não se conformando com a mesma, vem ao abrigo do disposto no artigo 77.º da L.T.C (redacção da Lei n.° 13-A/98 de 26 de Fevereiro, reclamar para a conferência, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1- Do despacho de indeferimento do recurso ora interposto, decorre que o recorrente não indicou de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, designadamente, os art.ºs 97.º n.°4 , 379.º al c) do C.P.P e 668.º do C.P.C.
2- Ou seja, não explica de que forma é que a interpretação dada destes artigos colide com os art.ºs 32.º e 205.º do C.R.P. Ora,
3- No fundo existiu uma falta de concisão da motivação do recurso interposto. Assim sendo, e ao contrário do referido na decisão sumária, deveria ao abrigo do disposto no numero 6 do artigo 75.º-A da LTC a recorrente ser convidada a corrigir ou a aperfeiçoar a motivação apresentada.
4- Na verdade, dispõe o n°5 da referida norma “Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.”
5- Pelo que, atento o disposto no artigo 32.º da C.R.P, onde se refere expressamente que “São asseguradas todas as garantias de defesa dos arguidos”, o facto de não se dar á recorrente a possibilidade de corrigir as deficiências na motivação apresentada, implica uma clara diminuição das suas garantias de defesa. Tanto mais que,
6- O Tribunal Constitucional decidiu, que são inconstitucionais as normas do n.° 1 do artigo 420.º do C.P.P, quando interpretadas no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar á rejeição do recurso interposto pelo arguido (Acs 193/97, 43/99 e 417/99), e sem que previamente seja feito o convite ao recorrente para aperfeiçoar as deficiências(Ac de 99.01.19, proc n.°46/98, ia Secção. Isto por se entender que o direito ao recurso assume expressamente a natureza de garantia constitucional de defesa (art.º 32.º, n.° 1 da C.R.P).
7- Termos em que, requer seja revogada a decisão supra referida sendo o requerente convidado no prazo legal a proceder ao aperfeiçoamento da motivação apresentada, explicando de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.(…)»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos seguintes termos:
«(…) O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe (cfr. fls. 1069 dos presentes autos), vem responder-lhe nos termos que em seguida se indicam.
1º
Pela Decisão sumária 434/11, de 18 de Agosto (cfr. fls. 1063-1064 dos autos), o Ilustre Conselheiro Relator entendeu não conhecer do objecto do recurso oportunamente interposto (cfr. fls. 1054-1055 dos autos), pela arguida A., dos Acórdãos, de 15 de Junho de 2011 (cfr. fls 1015-1029 dos autos) e de 13 de Julho de 2011 (cfr. fls. 1043-1045 dos autos), ambos do Supremo Tribunal de Justiça, que, respectivamente, negaram provimento ao recurso da interessada e rejeitaram a arguição de nulidade por ela invocada.
2º
Na Decisão Sumária 434/11, entendeu, designadamente, o Ilustre Conselheiro Relator deste Tribunal Constitucional (cfr. fls. 1063-1064 dos autos) (destaques do signatário):
“2. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, os recursos deste tipo «só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (…) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Estando em causa a apreciação de uma dada interpretação normativa, o cumprimento desta exigência legal implica que o recorrente tenha enunciado de forma precisa, perante o tribunal recorrido, o critério normativo a que a inconstitucionalidade é imputada. Ainda que a norma extraída do artigo em causa seja construída, nesta hipótese, em função e na perspectiva do caso, ela não pode nunca perder dimensão normativa, com potencial aplicação genérica, sem se diluir na descrição das circunstâncias singulares do caso concreto. Na falta desse distanciamento abstractizante, não é identificável qualquer referencial normativo que possa constituir objecto de uma questão de constitucionalidade, tendo em conta a competência específica deste Tribunal.”
3º
E o Ilustre Conselheiro Relator acrescenta, logo a seguir (cfr. fls. 1064 dos autos):
“Ora, é por demais manifesto que a requerente não cumpriu este ónus processual.
Na verdade, quando suscita a questão de constitucionalidade (ponto 5 do requerimento de nulidade do acórdão), a requerente limita-se a afirmar que, com a alegada omissão de pronúncia, o Tribunal “faz uma errada interpretação”, sem explicitar minimamente em que consiste essa interpretação. Esta não é autonomizada do acto subsuntivo realizado pela decisão a que se imputa o vício de omissão de pronúncia, quanto a uma série de factos invocados pela recorrente, e que, em seu entender, justificariam uma pena mais leve.
Fica patente, desta forma, que o que se impugna é directamente a própria decisão recorrida.
Só no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – em momento processual, pois, tardio – é que a requerente, aproveitando a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, denegatória da existência de uma omissão de pronúncia, consegue fornecer algumas indicações quanto ao sentido interpretativo que pretende submeter à apreciação (ponto 4).”
4º
E o Ilustre Conselheiro Relator conclui, assim (cfr. fls. 1064 dos autos):
“3. Em face do exposto, é de concluir que não foi suscitada uma questão de constitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida”.
Faltando este pressuposto, não pode conhecer-se do objecto do recurso, o que legitima a prolação de uma decisão sumária nesse sentido, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.”
5º
Na motivação da reclamação para a conferência (cfr. fls. 1069 dos autos) a arguida, inconformado com esta posição, veio referir, designadamente, o seguinte (destaques do signatário):
“1. Do despacho de indeferimento do recurso ora interposto, decorre que o recorrente não indicou de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, designadamente, os arts. 97 nº 4, 379 al. c) do C.P.P. e 668 do C.P.C.
2. Ou seja, não explica de que forma é que a interpretação dada destes artigos colide com aos arts. 32 e 205 do C.R.P.. Ora,
No fundo existiu uma falta de concisão da motivação do recurso interposto. Assim sendo, e ao contrário do referido na decisão sumária, deveria ao abrigo do disposto no número 6 do artigo 75 – A da LTC a recorrente ser convidada a corrigir ou a aperfeiçoar a motivação apresentada”.
6º
A reclamante não tem, porém, razão.
Com efeito, o problema da sua motivação de recurso não é, ao contrário do que pretende fazer crer, apenas de forma – a que, então, se poderia reportar o art. 75º- A da LTC, por ela invocado -, mas, sim, de fundo.
É, com efeito, a própria questão de constitucionalidade normativa que não foi apresentada pela recorrente, impossibilitando, assim, a sua ulterior apreciação por este Tribunal Constitucional.
7º
Ora, sendo assim, mesmo que a questão pudesse ser, agora, (melhor) explicitada, continuaria a faltar o requisito de fundo, devidamente sublinhado pelo Ilustre Conselheiro Relator, de o tribunal recorrido – no caso presente, o Supremo Tribunal de Justiça – não ter sido confrontado com a questão de constitucionalidade (devidamente apresentada pela recorrente), em termos de estar obrigado a dela conhecer.
8º
Pelo exposto ao longo do presente parecer, crê-se que a presente reclamação para a conferência não pode deixar de ser desatendida por este Tribunal Constitucional. (…)»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento na não suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
A reclamação agora apresentada em nada afasta esta conclusão.
Na verdade, a reclamante confunde a omissão de elementos no requerimento de interposição do recurso e a falta de pressupostos do recurso de constitucionalidade. Só no primeiro caso há lugar a convite a aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC.
Ora, a razão apontada para o não conhecimento do objecto do recurso é distinta, pois prende-se com a falta de um pressuposto indispensável ao conhecimento do recurso, no caso, por não suscitação de uma questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido. E, quanto à falta deste pressuposto, é de manter na íntegra o decidido, pelas razões que já constam da decisão sumária reclamada e que nos prescindimos de repetir.
Deve, por isso, ser indeferida a reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Setembro de 2011. – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.
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