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Processo n.º 468/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., o primeiro vem interpor recurso, para si obrigatório, ao abrigo do n.º 3 do artigo 280º da Constituição e da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, da decisão proferida pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alenquer, em 26 de Janeiro de 2010 (fls. 75 a 93) que recusou a aplicação da norma extraída a partir da conjugação dos artigos 152º, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2, todos do Código da Estrada, de acordo com a redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, já que aquela “padece de inconstitucionalidade orgânica – pois que, reitera-se, para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, já que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do art. 165.º da CRP” (fls. 91).
2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais se extraem os seguintes trechos:
«2. Eventual inutilidade do conhecimento do recurso
2.1. Embora não de uma forma absolutamente clara e evidente, parece resultar da decisão que aí também se entendeu que se estava perante um meio ilegal de prova porque o arguido não fora previamente informado que a colheita de sangue se destinava a medir o grau de alcoolémia e só conhecendo a finalidade é que poderia conscientemente recusar ou consentir.
Assim sendo, poderá colocar-se a questão da inutilidade do presente recurso, face à existência de outro fundamento, para além do da inconstitucionalidade, que levaria a que o arguido fosse absolvido.
Vejamos: se a norma que constitui objecto do recurso, for considerada inconstitucional, a decisão recorrida manter-se-á inalterada; se a norma não for julgada inconstitucional, permitindo ao arguido recusar a recolha de sangue, subsistiria o outro fundamento.
Ou seja, podia recusar mas não tendo sido informado do fim a que se destinava a amostra, sempre se estaria perante uma prova ilegal, mantendo-se integralmente a absolvição.
Haverá, no entanto, uma terceira hipótese que leva a que o recurso mantenha a utilidade e que é a seguinte: se o Tribunal entender que a norma em causa não permite a recusa e que apesar disso não é inconstitucional, não tendo o condutor a possibilidade de recusar, poderá perder alguma relevância a exigência de informação prévia do fim a que se destina a recolha do sangue.
2.2. Por outro lado, cabendo recurso ordinário da decisão, o fundamento, que não o de inconstitucionalidade, não está consolidado na ordem dos tribunais judiciais.
Um Tribunal Superior pode revogar a decisão de 1.ª instância enquanto considerou a prova ilegal, dessa forma podendo emergir a questão da inconstitucionalidade como a única e a fundamental para a decisão.
Estando nós perante um recurso interposto ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, entendemos que, se se vislumbrar alguma utilidade ainda que apenas eventual ou remotamente, não poderá o Tribunal deixar de se conhecer do recurso.
3. Apreciação do mérito do recurso
3.1. Estão em causa normas, na interpretação que não permite a recusa de recolha de sangue para avaliação do grau de alcoolemia.
Poderão estar envolvidos direitos como o direito à integridade física e moral, em casos de recusa fundada em razões religiosas ou filosóficas (Acórdão n.º 275/2009).
Dessa forma esta matéria estará abrangida pela reserva de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição).
Uma vez que se está perante factos que constituem crime (artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal) também tal matéria poderá estar incluída na prova em processo penal e a sua validade, matéria também incluída naquela reserva de competência (artigo 165.º, n.º 1. alínea c) da Constituição) como ainda recentemente o Tribunal entendeu nos Acórdãos n.ºs 488/2009 e 24/2010 que julgaram inconstitucional a norma do artigo 153.º, n.º 6, do Código da Estrada, na parte em que a contraprova respeitava o crime de condução em estado de embriaguez e fosse consubstanciada em exame de pesquisa de álcool no sangue.
Portanto, o Governo só poderia legislar se para tal estivesse habilitado pela Assembleia da República.
Ora, a Lei 53/2004, de 4 de Novembro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto-Lei n.º 44/2005, é omissa nesta matéria.
Quanto ao Decreto-Lei n.º 265-A/2001, o Governo editou-o no uso da sua competência própria (artigo 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição.
(…)
3.3. Passemos, pois, a analisar a questão do eventual carácter inovatório do regime em vigor.
Começaremos por referir que, mesmo em caso de acidente, o método que deve ser utilizado para a realização de exame da pesquisa de álcool é através de ar expirado seguindo-se as regras prescritas e a tramitação prevista para esses casos no artigo 153º (artigo 156º, nº 1).
Exactamente o mesmo regime que vigorava anteriormente (nº 1 do artigo 162º).
Só quando não for possível a utilização desse método e os intervenientes forem conduzidos a um estabelecimento oficial de saúde é que se coloca o problema do exame através da colheita de sangue.
No entanto, como se deduz do que já anteriormente dissemos, o regime estabelecido no artigo 153º só é aplicável quando se está perante a situação prevista no nº 1 do artigo 156º. Fora dessa situação, como é a que se verifica nos presentes autos, aplica-se o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 156º. É um regime próprio, aplicável exclusivamente em caso de acidente, o que é perfeitamente natural, atendendo às circunstâncias concretas e especificas que rodeiam, ou podem rodear, um acidente de viação e ás consequências, não raramente trágicas, que dele podem advir.
No caso dos autos, até foi dado como provado que, já estando o condutor no estabelecimento de saúde, o soldado da Guarda Nacional Republicana foi informado pelo clínico que prestou assistência, que o estado de saúde daquele não permitia que fosse submetido a exame de pesquisa do álcool através do ar expirado.
3.4. Segundo o nº 2 do artigo 156º, uma vez o interveniente no estabelecimento de saúde, deve proceder-se à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
Já o nº 2 do artigo 162º prescrevia que se devia proceder aos exames necessários para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. Ora, evidentemente que entre esses exames está aquele que deve ser feito por análise ao sangue e é este mesmo que logo deve ser feito como resulta do afirmado no nº 3.
Portanto até aqui os regimes são em tudo idênticos: o exame através da análise de sangue é o exame-regra,
Nos termos do artigo 162º, nº 3, o exame para pesquisa de álcool no sangue só não podia ser realizado se se verificasse qualquer uma das seguintes situações:
- o interveniente recusar;
- tal exame revelar-se prejudicial para a saúde do interveniente.
Nestes casos, deveriam ser realizados exames médicos necessários para apurar o grau de alcoolemia.
Por sua vez, o actual nº 3 do artigo 156º vem estabelecer que o exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool deve ser realizada se não puder ser feito o exame de pesquisa de álcool no sangue.
Ora, poderá haver outras, mas seguramente que entre as circunstâncias que levam a que aquele exame não se possa fazer, estão a recusa do interveniente e razões médicas.
Aliás, se fossem apenas razões médicas a impossibilitar a realização do exame, não se empregaria a expressão “puder ser” mas sim “ser possível” que é a utilizada nestes casos, como pode se pode ver pelo nº 8 do artigo 153º.
Portanto, os regimes são em tudo idêntico: em ambos o exame de pesquisa de álcool no sangue não se faz se o interveniente no acidente recusar fazê-lo.
Parece-nos também claro que, não sendo o exame feito sub-repticiamente, apercebendo-se pessoa de sua realização, se não se opuser é porque consente, isto, obviamente, em qualquer dos regimes.
A situação poderá ser eventualmente diferente se a pessoa estiver inconsciente, ou em estado que não permita expressar a sua vontade livre. Mas a questão, mesmo nesta situação, poderia ter alguma pertinência ao nível de inconstitucionalidade material e não da orgânica. A questão de inconstitucionalidade material colocar-se-ia em ambos os regimes que agora apreciamos de forma em tudo idêntica.
De qualquer maneira nada nos autos nem na decisão recorrida indicia que foi essa a situação que se verificou nos presentes autos, não tendo sido nessa dimensão que a norma foi desaplicada.
3.5. A Senhora Juíza, na decisão recorrida, recusou aplicar as normas do nº 3 do artigo 152º, do n.º 8, do artigo 153.º e do n.º 2, do artigo 156.º, do Código da Estrada, no entanto os argumentos que explana referem-se, essencialmente, ao artigo 153.º, n.º 8, que, pela razões já adiantadas, entendemos que não é aplicável.
Se fosse a constitucionalidade do artigo 153.º, nº 8, que estivesse em causa, a solução pela inconstitucionalidade poderia ser facilmente adoptada face ao que o Tribunal já disse no Acórdão n.º 275/2009, que julgou organicamente inconstitucional a norma extraída a partir da conjugação do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e dos artigos 152.º, n.º 3 e 153.º, n.º 8, ambos do Código da Estrada na redacção fixada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, na interpretação segundo a qual constituía crime de desobediência a recusa injustificada a ser-se submetido a colheita de sangue para análise, para apuramento da taxa de alcoolemia.
Embora a temática seja idêntica a norma cuja inconstitucionalidade agora nos compete apreciar é outra e o dito naquele aresto em nada altera a conclusão a que anteriormente chegámos sobre o carácter não inovatório da norma.
Efectivamente, no Acórdão, após se referir a evolução legislativa, extraem-se as seguintes conclusões:
“(…)
O crime específico de recusa de submissão a exames para controlo do álcool no sangue (artigo 12º) encontra-se previsto no ordenamento jurídico português, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, adoptado ao abrigo de autorização legislativa;
A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, adoptado ao abrigo de autorização legislativa, passou a prever-se no ordenamento jurídico português o crime de desobediência simples, salvo quando fosse necessário o consentimento do examinando, por exemplo, nos casos de contraprova [artigo 158º, n.º 3, do Código da Estrada então vigente];
Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, adoptado sem prévia autorização legislativa, reconhece-se ao examinando o direito a recusar colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação, nos casos em que seja impossível proceder a pesquisa de álcool em ar expirado;
Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, adoptado sem prévia autorização legislativa, retira-se ao examinando o direito a recusar colheita de sangue, independentemente do motivo, nos casos em que seja impossível proceder a pesquisa de álcool em ar expirado, apenas sendo realizado exame médico no caso da colheita de sangue não ser possível por razões médicas.”
Como se vê, com o Decreto-Lei n.º 265-A/2001, reconhece-se ao examinado o direito de recusar a colheita de sangue.
Foi este diploma que introduziu as alterações relevantes no artigo 162.º (exame em caso de acidente), a que já atrás fizemos referência.
Embora a consagração do direito de recusar fosse a que vinha referida expressamente no artigo 159.º, n.º 7, do Código da Estrada, não teria muito sentido, tendo em atenção a coerência do sistema, que o legislador consagrasse aquele direito no artigo 159.º, n.º 7 e o retirasse no artigo 162.º
Neste aspecto, o sistema saído das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001 era um sistema coerente, coerência que o Decreto-Lei n.º 44/2005 veio pôr em causa, com as alterações que introduziu no artigo 153.º do Código da Estrada, uma vez que o artigo 156.º se manteve praticamente inalterado.
Portanto, se o afirmado no Acórdão n.º 275/2005 alguma influência pode ter na conclusão de que a norma aplicada e aplicável não tem carácter inovatório, ela só pode ser no sentido do reforço dessa conclusão.
3.6. Não sendo a norma em causa inovadora, não se pode falar em inconstitucionalidade orgânica, mesmo entendendo-se que ela versa sobre matéria da competência legislativa própria da Assembleia da República.
Na verdade, como o Tribunal Constitucional tem entendido, o facto de o Governo aprovar actos normativos sobre matérias incluídas no âmbito de reserva de competência da Assembleia não determina, “por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica, desde que se demonstre que as normas postas em observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente” (Acórdão nº 114/2008).
Resta-nos informar que sobre a questão de inconstitucionalidade que constitui objecto do presente recurso, se encontram pendentes neste Tribunal os seguintes processos: Proc. nº 311/10, da 1ª Secção, Proc. nº 366/10, da 3ª Secção e Proc. 471/10, da 2ª Secção.
4. Conclusão
1. Quer segundo o artigo 162º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, quer segundo o artigo 156º do mesmo Código na actual redacção (saída das alterações operadas pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001, de 28 de Setembro e pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro), em caso de acidente trânsito, quando não for possível realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, deve ser realizado, no estabelecimento de saúde para onde os intervenientes forem conduzidos, exame de pesquisa de álcool no sangue.
2. Como resulta da análise conjugada dos nº 2 e 3 do artigo 156º da Código da Estrada, na actual redacção, com o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 162º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/98, em qualquer dos regimes, o interveniente em acidente pode recusar submeter-se àquele exame, caso em que se procederá à realização de outros exames médicos para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
3. Esta conclusão também se extrai do Acórdão nº 275/2009 do Tribunal Constitucional que julgou organicamente inconstitucional a norma do nº 8 do artigo 153º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 44/2005, uma vez que se considerou que a alteração introduzida por aquele diploma legal retirara ao condutor o direito de recusar a recolha de sangue, direito que a redacção anterior (dada pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001), lhe concedia.
4. Ora, o Decreto-Lei nº 44/2005 não introduziu qualquer alteração relevante ao artigo onde se inclui a norma do nº 2 do artigo 156º do Código da Estrada, mantendo-se, no essencial, a redacção anterior, conferida pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001 (artigo 162º).
5. Deste modo, não tendo a actual redacção do artigo 156º do Código da Estrada qualquer carácter inovatório em relação ao estabelecido no artigo 162º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/98, a norma do nº 2 daquele artigo 156º não é organicamente inconstitucional, mesmo entendendo que se está perante matéria cujo tratamento legislativo cabe na competência exclusiva da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e c) da Constituição).
6. Pelo exposto, deve conceder-se provimento ao recurso.» (fls. 104 a 117)
3. Notificado para tal, o recorrido deixou esgotar o prazo legal sem que viesse aos autos apresentar as suas contra-alegações.
4. Na medida em que o Ministério Público fez alusão à possibilidade de não conhecimento do objecto do recurso, a Relatora proferiu despacho, em 10 de Dezembro de 2010 (fls. 119), para que o recorrido fosse ouvido quanto a esta questão. Correspondendo a este convite, o recorrido veio aos autos apenas pronunciar-se quanto à questão de fundo, prescindindo de se pronunciar sobre a questão relativa ao não conhecimento do objecto do recurso, conforme se extrai das respectivas conclusões:
“(…)
A - A recolha de sangue nos termos previstos nos artigos art. 152°, nº 3, 153° nº 8 do Código da Estrada (com a redacção dada pelo D L nº 44/2005 de 23 de Fevereiro) e 156° nº 2 cio Código da Estrada (na redacção dada pelo DL. 265ª/2001, de 28 Setembro), sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica, além de estar, igualmente ferida de ilegalidade.
B - Nos termos expostos, decidiu bem a Mma. Juiz do Tribunal de Alenquer, ao inaplicar os art. 152°, nº 3, 153° nº 8 e 156° nº 2 do Código da Estrada (na actual redacção), pois os mesmos estão feridos de inconstitucionalidade orgânica, por violação da lei constitucional - art. 165° nº 1 al. c) da C R P.” (fls. 124)
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Importa, desde logo, averiguar se existem razões que obstem ao conhecimento do objecto do presente recurso ou se, pelo contrário – conforme defendido pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional –, o conhecimento da questão de constitucionalidade ainda revela um interesse minimamente relevante, por estarmos perante um recurso obrigatório, interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Com efeito, a decisão recorrida acabou por fundar o seu juízo, não só na inconstitucionalidade orgânica das normas que permitem a recolha de sangue não consentida pelo sinistrado, mas igualmente na própria ilegalidade da prova recolhida, por violação de uma específica norma processual penal. É este o sentido daquela decisão:
“De tudo quanto fica exposto, impõe-se, em nosso modesto entendimento, concluir que a colheita de sangue efectuada à pessoa do arguido e que serviu para o apuramento do grau de alcoolemia que o mesmo patenteava à data dos factos em referência nos autos (cfr. relatório de exame de fls. 9), constituiu uma prova ilegal e inválida, a qual não pode produzir efeitos em juízo – art. 126.º do Código de Processo Penal.
Desconsiderou-se, pois, tal meio de prova.
Por que assim é, impôs-se a este Tribunal julgar como não demonstrados os factos constantes dos pontos 1. a 3. da matéria de facto não provada” (fls. 91).
Aparentemente, tenderia a afirmar-se que nem um juízo de conformidade, nem um antagónico juízo de desconformidade entre as normas extraídas a partir da conjugação dos artigos 152º, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2, todos do Código da Estrada, de acordo com a redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 d Fevereiro, e a Constituição da República Portuguesa poderiam influenciar a decisão jurisdicional proferida ora sob recurso. Contudo, não pode negligenciar-se a circunstância de a decisão acerca da ilegalidade da prova se fundar na própria (alegada) inconstitucionalidade orgânica da norma relevante. Ora, conforme já decidido, relativamente a situação exactamente idêntica, pelo Acórdão n.º 485/2010, desta Secção:
“Sucede que, como recorrente também acaba por admitir, a questão nuclear do consentimento do examinando para a realização do exame de sangue, para o efeito de determinação do grau de alcoolemia, condicionará necessariamente a própria apreciação da questão da validade da correspondente prova, que é aparentemente autónoma, pois que, caso o Tribunal venha a concluir pela não inconstitucionalidade da norma, fixando interpretação no sentido de que esta não permite a recusa, perderá relevância «a exigência de informação prévia do fim a que se destina a recolha de sangue», para efeitos da validação da prova.
Nada obsta, por conseguinte, ao prosseguimento do recurso para conhecimento do seu objecto.”
Atento o manifesto paralelismo de situações, mais não resta, portanto, que afastar a impossibilidade de conhecimento do objecto do presente recurso.
5. Quanto à questão de fundo – ou seja, quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica da interpretação da norma extraída a partir da conjugação dos artigos 152º, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2, todos do Código da Estrada, de acordo com a redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro – o Tribunal decidiu, recentemente, no acórdão nº 397/2011, nos termos do artigo 79º D da LTC, não julgar inconstitucional a norma extraída a partir da conjugação dos artigos 152º, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2, todos do Código da Estrada, de acordo com a redacção aprovada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
Conceder provimento ao presente recurso, determinando a reforma da decisão recorrida, nos termos do n.º 2 do artigo 80º da LTC, em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 27 de Setembro de 2011. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.
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