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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 10-07-2008
 Tráfico de estupefacientes Tráfico de menor gravidade Ilicitude Ilicitude consideravelmente diminuída Imagem global do facto Medida concreta da pena Crimes de perigo Crime de resultado
I -O art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, contém um tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes, que coloca o acento tónico na diminuição acentuada da ilicitude, em relação àquela ilicitude que está pressuposta no tipo-base descrito no art. 21.º.
II - Essa diminuição acentuada depende, nos termos da referida norma, da verificação de determinados pressupostos, que ali são descritos de forma exemplificativa, que não taxativa, como é inculcado pelo advérbio nomeadamente («tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações…»).
III - A diminuição considerável da ilicitude deverá resultar da consideração e apreciação conjunta das circunstâncias, factores ou parâmetros aí enunciados, bem como eventualmente de outros com tal potencialidade, dado que a enumeração a que ali se procede não é taxativa.
IV - A apreciação a que há que proceder tem de ter em vista uma ponderação global das circunstâncias que relevem do ponto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada ou desajustada a punição do agente, naquele caso concreto, pelo art. 21.º do referido DL, já que o art. 25.º é justamente para situações de tráfico de estupefacientes, mas em que esse tráfico se não enquadra nos casos de grande e média escala, a que corresponde a grave punição expressa na respectiva moldura penal, que vai de um mínimo de 4 a um máximo de 12 anos de prisão.
V - Em primeiro lugar, as circunstâncias relevantes têm de o ser, desde logo, no âmbito da ilicitude e, em segundo lugar, têm de ser vistas no seu efeito global e substancial, e não de per si, de um ponto de vista formal, principalmente se coincidem com alguma das enumeradas na lei, de forma a que, havendo coincidência entre uma das aí previstas e uma das circunstâncias provadas, se pudesse afirmar, quase como uma consequência automática, a diminuição acentuada da ilicitude.
VI - Assim, não é o facto de se ter provado uma determinada qualidade de droga, nomeadamente uma das ditas «leves», que deve conduzir o tribunal ao julgamento de «considerável diminuição da ilicitude», para efeitos de enquadramento da conduta no tipo privilegiado. Como também não é o facto de estar em causa uma certa quantidade pressupostamente pouco significativa, ou uma determinada modalidade de acção, que é determinante para tal efeito. É necessário analisar a conduta globalmente, na interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude.
VII - No caso presente, em que: -não obstante se tratar de uma das drogas mais leves – haxixe –, a verdade é que a quantidade com que o arguido foi surpreendido [à saída do Aeroporto das Lajes, na Ilha Terceira] – mais de 9 kg e meio – é considerável, resultando da matéria de facto provada que o produto se destinava a ser comercializado e que cada “sabonete” é adquirido no Continente por cerca de € 200 e vendido no arquipélago dos Açores por cerca de 4 ou 5 vezes mais, sendo vendido a retalho por um preço muito superior; -o arguido não se pode considerar um mero «correio», não tendo tal facto ficado provado; apenas se pôde apurar que a droga era para ser comercializada, não se sabendo, contudo, se pelo arguido, se por terceiro; -acresce que o arguido tem uma sociedade na área da construção civil e vivia numa situação de confortável desafogo económico; vista a conduta do recorrente na sua globalidade, não se pode afirmar uma considerável diminuição da ilicitude, para efeitos de enquadramento de tal conduta no tipo privilegiado de tráfico p. e p. pelo art. 25.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01.
VIII - Atendendo à factualidade provada, temos que: -a ilicitude do facto, traduzida na sua gravidade, é de grau médio, pois o arguido transportava consigo uma quantidade de mais de 9 kg e meio de haxixe que, sendo uma das substâncias de menor nocividade, dentro da panóplia dos produtos estupefacientes e substâncias psicotrópicas proibidas, envolve uma soma considerável de dinheiro, pelo que diz respeito à aquisição, e réditos de vulto, quando se considere a sua comercialização, com a inevitável difusão em termos de consumo por largas camadas de consumidores; -por outro lado, o recorrente não era um vulgar «correio» que, por razões fundamentalmente económicas, aceitasse efectuar o transporte da droga a troco de uma simples compensação; pelo contrário, resulta da factualidade provada que ele vivia com certo desafogo económico, não era toxicodependente, destinando-se a droga a ser comercializada; -do ponto de vista da culpa, acentua-se o carácter doloso da conduta, sabendo o arguido o produto que transportava e aceitando os inerentes riscos, apesar de não ser compelido por circunstâncias económicas; -é certo que a droga acabou por ser apreendida, mas tal facto, tendo algum relevo em termos de ilicitude, também não deve ser enfatizado, dado que o crime de tráfico de droga é um crime de perigo abstracto, não sendo necessário que ocorra um dano-violação, como é característico dos crimes de resultado, nem sequer um perigo-violação, como é norma nos crimes de perigo concreto, em que o perigo é elemento do tipo legal de crime; -o arguido já foi condenado anteriormente por outros crimes, nomeadamente vários crimes de desobediência, detenção ilegal de arma e violação de proibições ou interdições; -quanto à confissão dos factos, não tem praticamente relevo, face ao arguido ter sido surpreendido em flagrante delito; -o facto de ter emprego garantido, se, por um lado, o beneficia em termos de prevenção especial, também o prejudica, em termos de gravidade da conduta; -o apoio e inserção familiar têm algum relevo também a nível da prevenção, mas não ao ponto de merecerem maior consideração no doseamento da pena, do que a que ficou reflectiva na pena imposta; a pena de 5 anos e 4 meses de prisão aplicada ao arguido não merece intervenção correctiva deste Tribunal, por não se revelar desajustada, desproporcionada ou violadora das regras gerais da experiência comum, sendo certo que não podia fixar-se no mínimo da moldura penal, dadas as circunstâncias de recorte negativo que ficaram assinaladas.
Proc. n.º 4563/07 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor
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