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  DL n.º 132/93, de 23 de Abril
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     - 3ª versão (DL n.º 315/98, de 20/10)
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SUMÁRIO
Aprova o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência
- [Este diploma foi expressamente revogado pelo(a) DL n.º 53/2004, de 18/03!]
_____________________

1. O presente diploma completa uma viragem histórica, especialmente significativa sob vários aspectos, na área do processo civil executivo, com sérias e benéficas repercussões na vida económica do País.
Até há bem pouco tempo, a legislação processual civil preocupava-se apenas, no domínio das relações de crédito, em assegurar a tutela necessária dos direitos dos credores, em garantir a realização coactiva da prestação devida, quando possível, ou em proporcionar ao lesado a indemnização adequada, nos casos em que a execução específica da prestação se mostrava praticamente inviável.
Mesmo nos casos em que todo o património do devedor se revelava insuficiente para dar cobertura ao passivo do seu titular, os chamados meios preventivos ou suspensivos da falência eram concebidos e disciplinados na lei como verdadeiros instrumentos da tutela possível do crédito e não como formas de reabilitação patrimonial do insolvente.
Só quando a actividade económica produtiva das comunidades começou a concentrar-se, já em plena Revolução Industrial, em torno das grandes sociedades comerciais e à medida que a dimensão social da empresa se foi acentuando nas reacções da colectividade, as legislações se viram forçadas, pouco a pouco, a modificar o seu ângulo de visão.
O descalabro da empresa devedora passou a ser sentido a cada passo, cada vez com maior frequência, sobretudo em períodos de mais acentuada crise económica, mais como uma causa de mal-estar social que a simples perda dos capitais investidos pelos comerciantes na criação ou na aquisição de negócios.
O primeiro sinal nítido do novo estado de espírito das entidades responsáveis pelo desenvolvimento económico do País perante os devedores inadimplentes é dado pela legislação relativa às empresas em situação económica difícil (cf., especialmente, o Decreto-Lei n.º 353-H/77, de 29 de Agosto), da qual sobressai o diploma que instituiu os chamados contratos de viabilização (Decreto-Lei n.º 124/77, de 1 de Abril) e o que criou a denominada PAREMPRESA-Sociedade Parabancária para a Recuperação de Empresas, S. A. R. L. (Decreto-Lei n.º 125/79, de 10 de Maio).
O próprio nome dado à instituição que serviu de principal instrumento de intervenção do Estado na execução da nova orientação traçada pelas entidades competentes revela, desde logo, o novo espírito da lei.
Depois das providências de intervenção coactiva, de origem casuística e carácter dispersivo, aplicadas às empresas onde mais se fez sentir a perturbação económica e social dos primeiros tempos da Revolução de 25 de Abril de 1974, o Governo pretendeu disciplinar, sob a égide das instituições de crédito, o apoio financeiro requerido por muitas das empresas nacionalizadas e também por algumas das empresas mais importantes que se mantiveram no foro da economia privada.
A política de auxílio às empresas públicas ou privadas, cuja exploração se mostrava fortemente deficitária, foi útil ao País e deu às entidades intervenientes preciosos ensinamentos de diversa ordem.
Mas a curto prazo vieram à superfície os inconvenientes de um sistema inteiramente entregue aos favores da Administração Pública e desligado da participação de muitos dos credores, que figuravam entre os principais sacrificados com algumas das medidas previstas para a recuperação da devedora.
Assim se explica a publicação, em 2 de Julho de 1986, do Decreto-Lei n.º 177/86, que constitui (juntamente com o Decreto-Lei n.º 10/90, de 5 de Janeiro, destinado a suprir algumas das deficiências reveladas pela aplicação prática do primeiro), a segunda fase da luta pela recuperação das empresas em situação financeira difícil, mas consideradas economicamente viáveis.
Vários são os traços inovadores desse diploma, que rasgou novos rumos na legislaçao processual civil portuguesa.
Por um lado, procurou-se jurisdicionalizar a matéria, convertendo o processo negocial de concertação financeira entre a empresa devedora, autora do projecto contratual destinado à sua salvação económica, e as instituições de crédito suas maiores credoras, por um verdadeiro processo judicial, em que o tribunal foi incumbido de garantir a regularidade da actuação dos intervenientes e de assegurar a defesa dos legítimos interesses de cada uma das partes.
Por outro lado, em vez de se deixar entregue à iniciativa unilateral e muitas vezes despreparada da própria empresa devedora a sugestão das providências capazes de levarem à sua recuperação financeira, confiou-se a um perito qualificado a determinação das causas geradoras das dificuldades da devedora e a indicação da providência mais adequada à sua efectiva superação.
Chamou-se, além disso, a assembleia dos credores, sem qualquer discriminação injustificada, e não apenas o grupo elitista das instituições de crédito, não só a pronunciar-se em determinados termos sobre a real viabilidade financeira da empresa insolvente, mas também a eleger a providência mais aconselhável para a terapia do caso concreto.
Não desdenhando aproveitar, embora com um espírito inteiramente distinto da legislação anterior, os antigos meios preventivos da falência, o novo diploma procurou inseri-los, com as convenientes adaptações, na galeria dos meios de recuperação da empresa financeiramente enferma. Mas cuidou sobretudo de tirar todo o rendimento possível dos novos instrumentos de intervenção no mercado de capitais, que a aplicação prática dos ensinamentos da ciência económica revelara, e que o legislador se esforçou por sistematizar e enquadrar em planos de acção a que deu o nome de gestão controlada da empresa.
Foi principalmente através dos planos de gestão controlada, confiante na actuação técnica especializada dos novos interventores (diplomados em Gestão) na administração das empresas, que a lei diligenciou assegurar o êxito das verdadeiras intervenções cirúrgicas necessárias à ablação dos órgãos doentes, que insidiosamente dificultavam a vida de muitas empresas capazes de recuperação.
2. A breve trecho, no entanto, as duras realidades da salutar competição aberta no seio da comunidade do mercado europeu chamou vivamente a atenção do Estado para um aspecto de importância capital na orientação política da protecção económica às empresas em situação financeira deficitária.
É que a intervenção dos poderes públicos para aplicação de providências de recuperação económica de empresas insolventes, que envolvem sempre sacrifícios mais ou menos pesados para muitas das empresas credoras, só tem justificação plena, ao nível da própria economia nacional globalmente considerada, quando e enquanto o comerciante ou a sociedade comercial devedora se possam realmente considerar como unidades económicas viáveis.
Se a expectativa de recuperação financeira da devedora claudica, cessa toda a legitimidade dos sacrifícios impostos, em nome da solidariedade nacional, às múltiplas entidades suas credoras.
Os programas de recuperação económica da empresa insolvente não são planos de caridade evangélica aplicados aos que dela dependem, porque não é nessa vertente da vida social que a caridade encontra o seu lugar próprio. Só a real viabilidade económica da empresa em dificuldade pode legitimar, sobretudo numa economia de mercado como a que hoje vigora no espaço comunitário europeu, o cerceamento da reacção legal daqueles cujos direitos foram violados.
Esta imperiosa necessidade de distinguir, a propósito de cada empresa cuja insolvência seja reconhecida em juízo, entre as que podem e as que não podem, na prática, ser consideradas economicamente viáveis, obrigou o legislador a aproximar o processo especial de falência, onde fatalmente hão-de cair as devedoras que nenhuma expectativa séria de salvação oferecem aos seus credores.
E, além da aproximação entre os dois processos especiais, estreitamente ligados entre si pela função capital de cada um deles, sentiu-se ainda a necessidade de rever alguns dos pontos mais importantes do actual processo de falência, à luz das realidades da política económica comunitária.
Esses são, de facto, os dois objectivos fundamentais do diploma legislativo no qual se consagra a nova disciplina dos dois processos especiais estreitamente ligados entre si.
Trata-se, por um lado, de retirar do Código de Processo Civil, onde se regulam os meios de tutela coerciva dos credores contra o comum dos devedores, a matéria específica da falência, para a reunir ao processo afim de recuperação das empresas economicamente viáveis. Já no diploma de 1986 se estabeleciam algumas das testas-de-ponte entre a tentativa de saneamento e a queda da falência, quando, depois de requerido o auxílio à empresa, se malogravam todas as expectativas da sua salvação. Mas não são menos importantes, dentro dos critérios prioritários abraçados na lei, as testas-de-ponte destinadas a garantir a passagem do processo de falência para o regime de recuperação da empresa, facultada pelas circunstâncias.
E é essa dupla circulação, mais adequada às rápidas e imprevistas oscilações da economia contemporânea, que o novo decreto-lei procura criteriosamente facilitar.
Mas trata-se ainda, por outro lado, de rever a antiquada legislação das falências, quase inteiramente desligada da sorte do devedor falido, à luz decantadora de uma época especialmente empenhada em garantir a sobrevivência dos empreendimentos rentáveis e em que é outra a dinâmica negocial exigida dos agentes económicos.
Assim se explica, alias, que, não contente com a reunião no mesmo diploma dos dois processos funcionalmente afins e com a fácil circulação estabelecida entre uma e outra das providências executivas, o presente diploma afirme, em termos categóricos, a prioridade do regime de recuperação sobre o processo de falência conducente à extinção definitiva da empresa devedora.
E assim se justificam também as modificações mais salientes introduzidas no regime anterior da falência, que importa realçar no preâmbulo do diploma.
3. Um dos pontos mais destacados do novo regime jurídico da falência, que a lei assumiu por uma questão não apenas de clareza de pensamento, mas também de coerência de acção, é o da eliminação da concordata e do acordo de credores como meios preventivos da falência.
Estando, a partir de agora, a recuperação e a falência da empresa sujeitas a uma fase processual introdutória comum, porque ambas as providências assentam sobre o pressuposto básico da insolvência do devedor, e afirmando o novo diploma, por óbvias razões, o primado da recuperação sobre a falência da empresa, não faria realmente nenhum sentido que a concordata e o acordo de credores, mantidos como meios de saneamento da devedora com determinado espírito, fossem simultaneamente consagrados com a mesma designação nominal, mas com um espírito inteiramente distinto, como meios preventivos da pura liquidação da empresa.
É evidente, no entanto, que a opção feita pelo novo sistema não obsta a que, uma vez decretada a falência, os credores e a devedora decidam pôr termo ao processo, com os olhos postos na pura liquidação da empresa, ao abrigo do acordo extraordinário previsto e regulado no novo diploma.
Por outro lado, desde que a falência não só parte do reconhecimento da insolvência do devedor, mas assenta ainda sobre o pressuposto da inviabilidade económica da empresa, tornou-se possível imprimir ao processo um novo ritmo e definir com maior transparência alguns trechos do seu regime.
Prevê-se assim a possibilidade de o juiz declarar imediatamente a falência logo no despacho que, dentro da fase inicial do processo, comum à falência, mande prosseguir a acção (artigo 25.º), desde que não haja oposição à declaração requerida.
Prevê-se, além disso, a imediata extinção do processo, quer no caso de manifesta insuficiência do activo para satisfazer as custas e demais despesas do processo (artigo 187.º), quer no de nenhuns bens penhoráveis serem encontrados no património do falido (manifesta inutilidade da lide).
4. No que respeita à estrutura geral do processo, merecem referência especial, sem dúvida, quer a inserção temporal da operação capital que é a liquidação do activo, quer o regime estabelecido para os recursos das decisões proferidas ao longo da acção. Mas a inovação de mais profundo alcance introduzida na nova disciplina da falência, e em todo o articulado do diploma aliás, é a que se refere ao tratamento jurídico dos créditos munidos de privilégio, depois de decretada a falência do devedor.
Quanto à liquidação do activo e à sua articulação cronológica com a verificação do passivo, a lei mantém a opção já efectuada através da nova redacção, que o Decreto-Lei n.º 177/86 (artigo 50.º) em boa hora deu ao texto do artigo 1245.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
A liquidação imediata do activo, sem dependência do apuramento exacto do passivo, sujeito a frequentes e morosas controvérsias entre os interessados, permite na prática alcançar duas grandes vantagens: por um lado, evita a degradação e a não rara delapidação do património da devedora que a demorada averiguação contenciosa do passivo arrasta geralmente consigo; por outro, facilita a imediata transmissão dos bens da empresa a entidades que, soltas da paralisação e dos embaraços criados pelo processamento da falência, maior aproveitamento podem extrair deles durante a pendência da acção.
Procurou-se, além disso, acelerar as operações de liquidação, para cuja realização se estabeleceu o prazo normal de seis meses (artigo 180.º, n.º 2), sem nenhum atropelo dos legítimos interesses do falido, atenta a averiguação prévia a que está sempre sujeita a declaração de insolvência, em geral, e a de falência, em especial.
5. São também bastante significativas as alterações introduzidas na matéria dos recursos das decisões judiciais proferidas ao longo da acção.
Por um lado, a sentença declaratória da falência, por uma questão de justificada simplificação, deixa de estar simultaneamente sujeita, como sucede no direito vigente (artigo 1183.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), à dedução de embargo e à interposição de recurso. Passa a estar apenas sujeita à dedução de embargos, com fundamento tanto em circunstâncias de facto, como em razões de direito, regime que tem a vantagem de, além do mais, propiciar ao tribunal a possibilidade de repensar a decisão.
Da decisão dos embargos cabe recurso, seja qual for o seu sentido. Recurso que sobe imediatamente e em separado, e com efeito meramente devolutivo, salvo quando a decisão dos embargos seja no sentido de manter a declaração de falência. Neste caso, à semelhança do que sucede com a simples dedução de embargos, a interposição do recurso suspende a liquidação (sem prejuízo dos casos de venda urgente de bens), bem como os termos do processo subsequentes à verificação e graduação de créditos (artigos 228.º, n.º 1, e 129.º, n.º 3).
Também por uma razão de simplificação, especialmente adequada ao espírito da época, se prescreve (artigo 228.º, n.º 3) que, quando não haja sido oferecida prova ou esta tenha sido rejeitada sem impugnação do recorrente, estando a causa fora da alçada da Relação, o recurso interposto das decisões proferidas sobre embargos pelo tribunal de 1.ª instância suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça.
Da sentença que denegue a declaração de falência continua a caber recurso de apelação, mas a lei passa a determinar com toda a clareza a sua subida imediata nos próprios autos e o seu efeito meramente devolutivo.
Digna de menção especial é também, no que concerne à simplificação do processo, a disposição que estabelece um único prazo para as alegações de todos os recorrentes e fixa, em seguida, também um único prazo de alegações para todos os recorridos, procurando-se desse modo pôr termo a uma das várias causas da estagnação das falências;
6. Mas a novidade de maior tomo de todo o diploma, pelo poderoso estímulo que pode trazer para o auxílio eficaz às empresas devedoras em situação difícil, mas realmente viáveis, é a relativa ao tratamento a que passam a ficar sujeitos, com a declaração de falência, os titulares de créditos privilegiados (artigo 152.º).
A declaração de falência não tinha até agora a menor influência sobre a situação de preferência que a lei substantiva atribuía, na satisfação do passivo do falido, aos credores munidos de privilégio.
E da manutenção imperturbada dessa posição de supremacia, na própria fase mais crítica de derrocada da empresa devedora, resultavam dois efeitos perversos, para os quais a realidade dos factos chamava continuamente a atenção dos observadores.
Por um lado, como a decretação da falência nenhum prejuízo causava afinal, quer à titularidade teórica, quer à própria consistência prática dos seus direitos, os credores privilegiados não se sentiam grandemente motivados, nas deliberações da assembleia de credores, em promover a recuperação económica da empresa devedora e em impedir que ela caísse nas garras da acção falimentar.
Por outro lado, nas situações de falência iminente, também os credores comuns, sabendo de antemão que o património do falido não dava, as mais das vezes, para solver os créditos do Estado e da chamada segurança social, munidos de privilégios, a breve trecho se desinteressavam da sorte das operações.
A situação não era a mais conveniente do ponto de vista económico-social, e nem sequer se considerava a mais justa, depois de uma época em que tanto se abusou da concessão de privilégios creditórios, sobretudo na área da segurança social, e num período em que, perante a dureza da competição externa, a recuperação de toda a empresa nacional economicamente viável assume foros de imperativo esclarecido.
Não faria realmente grande sentido que o legislador, a braços com a tutela necessária das empresas em situação financeira difícil desde 1977 até hoje, continuasse a apelar vivamente para os deveres de solidariedade económica e social que recaem sobre os credores e mantivesse inteiramente fora das exigências desse dever de cooperação quer o Estado, quer as instituições de segurança social, que deveriam ser as primeiras a dar exemplo da participação no sacrifício comum.
A esta luz se compreende a doutrina verdadeiramente revolucionária do artigo 152.º do presente decreto-lei, por força do qual «com a declaração de falência extinguem-se imediatamente os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigíveis apenas como créditos comuns».
É uma solução que, antes mesmo da necessária revisão da legislação vigente sobre os privilégios creditórios, só pode robustecer a autoridade das pessoas colectivas públicas e facilitar o esforço colectivo dos credores realmente interessados na cura económica da empresa financeiramente enferma.
7. Ao mesmo tempo que modifica o regime substantivo e adjectivo da falência, insuflando nas suas normas o novo espírito que melhor se coaduna com o pensamento prioritário da recuperação das empresas devedoras, o presente diploma renova tambem os órgãos especialmente incumbidos de assegurar a execução prática do sistema.
Tanto o processo de recuperação da empresa como o processo de falência correm seus termos apenas perante o tribunal, sem qualquer intervenção das antigas e anquilosadas câmaras de falências.
Embora se preveja, como solução ideal, a criação a médio prazo de tribunais dotados de competência especializada em matéria comercial, a nova lei não interfere, por enquanto, com as regras de competência dos tribunais judiciais em razão da matéria.
São, entretanto, extintas as Câmaras de Falências de Lisboa e do Porto e desaparecem, consequentemente, as figuras do síndico e do administrador de falências, sem excepção dos processos pendentes à data do início da vigência do novo Código.
Dignos de referência especial são ainda quer o papel decisivo atribuído à generalidade dos credores, atraves da comissão de credores, sobretudo nas grandes opções abertas à intervenção na situação patrimonial da devedora, quer a acção importante que continua a confiar-se ao gestor judicial (designação que passa a dar-se ao administrador judicial), no processo de recuperação, e que no novo regime se atribui ao liquidatário judicial, no processo de falência.
Assim se explica, aliás, o especial poder que cabe ainda aos credores na escolha tanto do gestor judicial, como do administrador judicial.
Prevê-se, é certo, a existência de listas oficiais de pessoas aptas e disponíveis para o exercício de tais funções. Mas nada impede a escolha de outras pessoas, cabendo salientar que, além disso, compete aos credores assistir o gestor judicial, na complexa actividade que a lei lhe confia, e supervisionar o liquidatário, na delicada tarefa que lhe cabe levar a cabo.
8. Algumas das modificações operadas na área do direito privado e nos pontos correspondentes do processo civil obrigaram a rever os termos da incriminação da falência contida no Código Penal de 1982.
A incriminação do favorecimento de credores abrangerá doravante não apenas os actos ilícitos praticados pelo devedor que conhecia a sua situação de insolvência, mas também os actos da mesma natureza da iniciativa ou da autoria de quem prevê a iminência dessa situação quando os pratica.
9. Mas não é apenas no instituto da falência que o novo Código traz sérias inovações. Há também modificações importantes, algumas delas bastante significativas, no regime do processo especial de recuperação.
Uma das mais importantes foi, sem dúvida, a de subordinar a aprovação da medida de recuperação proposta (e votada por uma maioria de pelo menos 75% dos créditos aprovados) à não rejeição dela por credores que representem três quartos ou mais dos créditos directamente atingidos pela providência.
A equidade da solução é flagrante, para quem atenta em que a providência pode ser aprovada não apenas pelos credores comuns, mas também pelos credores preferentes, que podem não sofrer com ela o menor prejuízo.
Inseriu-se na galeria dos instrumentos com que pode ensaiar-se a recuperação da empresa devedora um novo tipo de intervenção, a que o Código dá a designação genérica de reestruturação financeira.
Há, efectivamente, entre os meios de auxílio utilizáveis na salvação financeira das empresas deficitárias, alguns que, afastando-se manifestamente do perfil clássico da concordata e do acordo de credores, também se não integram no modelo da gestão controlada.
A gestão controlada, como o próprio nome indica, pressupõe a existência de um plano concertado de actuação empresarial mais ou menos demorado, cuja execução é entregue a uma nova administração.
E há, ao lado dela, operações muito simples, de execução imediata ou de realização a curto prazo, que, sem necessidade de recurso a qualquer nova administração ou de elaboração de qualquer plano global de actividade, podem contribuir eficazmente para o saneamento financeiro da empresa.
É precisamente a este novo tipo de intervenção auxiliar que o artigo 87.º do novo Código se quer referir quando prescreve que «a reestruturação financeira é o meio de recuperação da empresa insolvente, que consiste na adopção pelos credores de uma ou mais providências destinadas a modificar a situação do passivo da empresa ou a alterar o seu capital, em termos que assegurem, só por si, a superioridade do activo sobre o passivo e a existência de um fundo de maneio positivo».
No que respeita à própria concordata, algumas alterações de alcance não despiciendo importa também registar.
Afastada definitivamente a sua configuração como meio preventivo ou suspensivo da liquidação de patrimónios, e consagrado abertamente o seu exclusivo papel de instrumento jurídico de recuperação da devedora, consolidou-se naturalmente a ideia de que a sua preparação deve ser precedida da fase de estudo e observação da empresa, confiada ao gestor judicial, como qualquer outro meio de recuperação, e sujeita à votação e aprovação dos credores.
E desde que passou deliberadamente a considerá-la não como um simples meio suspensivo ou preventivo da liquidação do patrimonio da devedora, mas como um instrumento de recuperação da empresa economicamente viável, a lei passou, por uma questão de coerência, a presumir incluída no seu texto a cláusula «salvo regresso de melhor fortuna», cuja eficácia alongou, em princípio, pelo prazo de 10 anos.
10. Além de um tratamento bastante favorecido dos dois processos abrangidos pelo diploma no domínio das custas judiciais, adopta-se ainda neste decreto-lei um conjunto de incentivos de natureza fiscal, através dos quais se procura especialmente evitar penalizações indevidas ou graves inconvenientes para as operações jurídicas, económicas ou financeiras em que pode desdobrar-se o processo de recuperação.
Afastaram-se com essa intenção alguns encargos de carácter fiscal ou parafiscal relacionados com os negócios jurídicos susceptíveis de constituírem o meio de recuperação aprovado pelos credores, tendo nomeadamente em vista o imposto do selo, a contribuição autárquica, o imposto municipal da sisa e os próprios emolumentos devidos pelos actos.
Por outro lado, preveniu-se a hipótese de serem indevidamente qualificados como mais-valias os benefícios patrimoniais auferidos pela empresa devedora no processo de recuperação e assegurou-se a possibilidade de serem registados como perdas efectivas os sacrifícios de carácter patrimonial suportados pelos credores em prol da recuperação da empresa, dentro do mesmo contexto processual.
11. Com todos os requisitos que acabam de ser sumariamente descritos e com a autoridade que resulta de na sua definição ter deliberadamente sacrificado muitos dos interesses do Estado tutelados pela antiga legislação, julga o Governo ter encontrado neste diploma o instrumento jurídico capaz de auxiliar eficazmente as empresas nacionais em dificuldades financeiras, mas economicamente viáveis, na fase histórica de salutar competição empresarial que o aprofundamento da comunidade europeia vai exigir de todas as nações nela consagradas.
Assim, os empresários, credores e devedores, que serão os utentes do novo sistema, saibam corresponder, no domínio da sua aplicação prática, ao espírito de cooperação, no sentido de entreajuda, e ao sentimento de solidariedade nacional de que o diploma se encontra generosamente impregnado.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 16/92, de 6 de Agosto, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º
Aprovação do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência
É aprovado o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que faz parte integrante do presente decreto-lei.

Artigo 2.º
Entidades não sujeitas aos processos de recuperação da empresa e de falência
Os regimes de recuperação da empresa e de falência não são aplicáveis às pessoas colectivas públicas, nem prejudicam a legislação especial relativa às empresas públicas, às instituições de crédito ou financeiras e às sociedades seguradoras.

Artigo 3.º
Alterações ao Código Penal
Os artigos 325.º, 326.º e 327.º do Código Penal passam a ter seguinte redacção:
Artigo 325.º
Insolvência dolosa
1 - O devedor que, com intenção de prejudicar os credores:
a) Destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património;
b) Diminuir ficticiamente o seu activo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexacta, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilização, apesar de devida;
c) Criar ou agravar artificialmente prejuízos ou reduzir lucros; ou
d) Para retardar a declaração de falência, comprar mercadorias a crédito com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente ou angariar fundos em condições ruinosas;
é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Se a falência vier a ser declarada em consequência da prática de qualquer dos factos descritos no número anterior, o devedor é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
3 - O terceiro que praticar algum dos factos descritos no n.º 1 deste artigo com o conhecimento do devedor ou em benefício deste é punido com a pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, especialmente atenuada.
4 - O devedor sujeito a concordata que não justifique a regular aplicação dada aos valores do activo existentes à data da providência é punido com a pena prevista no n.º 1 deste artigo.
Artigo 326.º
Falência não intencional
1 - O devedor que, por grave incúria ou imprudência, prodigalidade ou despesas manifestamente exageradas, especulações ruinosas ou graves negligências no exercício da sua actividade, criar um estado de insolvência é punido, se a falência vier a ser declarada, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - Aos factos indicados no número anterior é equiparado o caso do devedor que vier a ser declarado falido, quando tenha deixado de cumprir as disposições que a lei estabelece para regularidade da escrituração e das transacções comerciais, salvo se a exiguidade do comércio e as rudimentares habilitações literárias do falido o relevarem do não cumprimento dessas disposições, ou quando, tendo conhecimento da situação de insolvência, não se apresentar à falência nem requerer qualquer providência de recuperação.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
Artigo 327.º
Favorecimento de credores
O devedor que, conhecendo a sua situação de insolvência ou prevendo a sua iminência e com intenção de favorecer certos credores em prejuízo de outros, pagar dívidas ainda não vencidas ou as solver de maneira diferente do pagamento em dinheiro ou valores usuais, ou der garantias para suas dívidas a que não era obrigado, é punido:
a) Com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se for declarada a falência;
b) Com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se for reconhecida judicialmente a insolvência.

Consultar o Decreto-Lei n.º 400/82, 23 Setembro (actualizado face ao diploma em epígrafe)

Artigo 4.º
Alterações ao Código de Processo Tributário
Os artigos 14.º, 264.º e 300.º do Código de Processo Tributário passam a ter a seguinte redacção:
Artigo 14.º
Responsabilidade dos liquidatários das sociedades
1 - Na liquidação de qualquer sociedade, devem os liquidatários começar por satisfazer as dívidas fiscais, sob pena de ficarem pessoal e solidariamente responsáveis pelas importâncias respectivas.
2 - A responsabilidade prevista no número anterior fica excluída em caso de dívidas da sociedade que gozem de preferência sobre os débitos fiscais.
3 - Quando a liquidação ocorra em processo de falência, devem os liquidatários satisfazer os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença de verificação e graduação dos créditos nele proferida.
Artigo 264.º
Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal
1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada a falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos logo que cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.
5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
Artigo 300.º
Impenhorabilidade de bens penhorados em execução fiscal
1 - Penhorados quaisquer bens pelas repartições de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por qualquer tribunal, salvo se no processo de recuperação da empresa o juiz levantar a penhora a requerimento do gestor judicial, fundamentado nos interesses da recuperação, com parecer favorável da comissão de credores, bem como no processo de falência.
2 - Salvo o disposto no artigo 264.º, podem ser penhorados pelas repartições de finanças os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada.

Artigo 5.º
Extinção das câmaras de falências
1 - São extintas as Câmaras de Falências de Lisboa e do Porto com a entrada em vigor do Código dos Processo Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
2 - As câmaras de falências extintas mantêm-se na situação de liquidatárias, enquanto por diploma legal não for definida a transferência de atribuições que devam caber a outros serviços e a situação dos respectivos funcionários e não estiverem concluídas as auditorias de gestão que para o efeito forem determinadas.
3 - Toda a documentação relativa a acções pendentes deve ser conservada à ordem do respectivo tribunal e dos administradores de falências nomeados para cada acção.
4 - As funções atribuídas aos síndicos das câmaras de falências extintas são transferidas, nas acções pendentes, para o representante do Ministério Público junto do respectivo tribunal.
5 - Sem prejuízo da remuneração que lhe seja devida, os administradores de falências em exercício junto das câmaras extintas devem ser substituídos em cada processo pendente, no prazo máximo de 60 dias a contar da data da entrada em vigor do Código aprovado pelo presente diploma, salvo se o juiz, ouvidos os cinco maiores credores, os confirmar no exercício das anteriores funções.
6 - Cabe ao Ministro da Justiça definir por despacho o destino das instalações, dos equipamentos, dos fundos, dos livros e dos processos pertencentes às câmaras extintas.

Artigo 6.º
Remissão para preceitos revogados
Sempre que, em disposições legais, cláusulas contratuais ou providências de recuperação homologadas, se faça remissão para preceitos legais revogados pelo presente diploma, entende-se que a remissão vale para as correspondentes disposições do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.

Artigo 7.º
Alterações legislativas
As alterações que, de futuro, se façam sobre matéria regulada no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência serão inseridas no lugar próprio dele, devendo ser sempre efectuadas por meio de substituição dos artigos alterados, supressão dos revogados ou aditamento dos novos preceitos.

Artigo 8.º
Entrada em vigor e aplicação no tempo
1 - O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência entrará em vigor 90 dias após a data da sua publicação.
2 - Na mesma data entrarão em vigor as alterações introduzidas pelo presente diploma ao Código Penal, às quais será aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 2.º deste Código.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º para a extinção das câmaras de falências, o novo Código não se aplica às acções pendentes à data da sua entrada em vigor.
4 - Enquanto não existirem as listas oficiais de gestores e de liquidatários judiciais a que se referem os artigos 32.º e 132.º do Código aprovado pelo presente diploma, podem ser nomeadas para o exercício das respectivas funções as pessoas constantes da lista nacional prevista no Decreto-Lei n.º 276/86, de 4 de Setembro.

Artigo 9.º
Norma revogatória
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, são revogados, com a entrada em vigor do novo Código, os Decretos-Leis n.os 177/86, de 2 de Julho, 276/86, de 4 de Setembro, e 10/90, de 5 de Janeiro, o artigo 324.º do Código Penal, os artigos 1135.º a 1325.º do Código de Processo Civil, os artigos 71.º a 87.º do Estatuto Judiciário, as alíneas m) e n) do n.º 1 do artigo 8.º, a alínea d) do artigo 17.º e os artigos 20.º, 21.º e 30.º do Código das Custas Judiciais, bem como a demais legislação que contrarie o disposto no mesmo Código.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 7 de Janeiro de 1993. - Aníbal António Cavaco Silva - Jorge Braga de Macedo - Álvaro José Brilhante Laborinho Lúcio - Luís Fernando Mira Amaral - José Albino da Silva Peneda - Fernando Manuel Barbosa Faria de Oliveira.
Promulgado em 2 de Abril de 1993.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 6 de Abril de 1993.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de FalênciaTÍTULO IDisposições introdutórias comuns
  Artigo 1.º
Campo de aplicação
1 - Toda a empresa em situação de insolvência pode ser objecto de uma ou mais providências de recuperação ou ser declarada em regime de falência.
2 - Só deve ser decretada a falência da empresa insolvente quando ela se mostre economicamente inviável ou se não considere possível, em face das circunstâncias, a sua recuperação financeira.

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