ACSTJ de 04-10-2006
Insuficiência da matéria de facto Direito ao recurso Rejeição de recurso Constitucionalidade Recurso da matéria de facto Convite ao aperfeiçoamento Motivação do recurso Conclusões da motivação Medida da pena Competência do Supremo Tribunal de Justiça
I - O vício de «insuficiência para a decisão» relevante para integração do normativo do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP não pode ser confundido, como frequentemente sucede, com erro de julgamento, que resultaria de errada apreciação da prova ou insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida. II - É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena. III - O STJ tem vindo a considerar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo e do próprio direito ao recurso, as normas dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, na interpretação segundo a qual o incumprimento dos ónus aí fixados conduz à rejeição do recurso, sem a possibilidade de aperfeiçoamento. IV - Assim se decidiu que se o recorrente não deu cabal cumprimento às exigências do n.º 3 e especialmente do n.º 4 do art. 412.º do CPP, a Relação não pode sem mais rejeitar o recurso em matéria de facto, nem deixar de o conhecer, por ter por imodificável a matéria de facto, nos termos do art. 431.º do CPP. Entendendo a Relação que o recorrente não forneceu os elementos legais necessários para reapreciar a decisão de facto nos pontos que questiona, a solução não é a «improcedência», por imodificabilidade da decisão de facto, mas o convite para a correcção das conclusões. V - O TC já teve por aplicável às especificações referidas nos n.ºs 3 e 4 do mesmo art. 412.º a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do art. 412.º, n.º 2, do CPP (cf. Acs. n.ºs 259/03, DR, II Série, de 13-02-2002, e 140/04, DR, II Série, de 17-04-2004), distinguindo este último acórdão a deficiência resultante da omissão na motivação dessas especificações, caso em que o vício seria insanável, da omissão de levar as especificações constantes do texto da motivação às conclusões, situação que impõe o convite à correcção, aliás na senda do que tem sido o entendimento deste STJ de que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação. VI - Se em relação aos factos integrantes dos tipos legais pelos quais foi condenado o recorrente se limita a negar a sua prática, sem concretizar quaisquer provas que imponham decisão diversa, é de concluir que em sede de motivação o recorrente não cumpre o ónus que sobre si impendia, o que sufraga a decisão de rejeição proferida pelo Tribunal da Relação. VII - Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. VIII - Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim e aquela tradução será controlável mesmo em revista, se, v. g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Esta última posição é a defendida por Figueiredo Dias e aquela que tem sido sustentada em diversas decisões deste Supremo Tribunal. IX - Se na decisão recorrida se equaciona devidamente a determinação do fim das penas no caso vertente e na sua tríplice dimensão de justa retribuição da culpa, de contribuição para a reinserção social do arguido em sede de prevenção especial, e de neutralizar os efeitos negativos da prática do crime em sede de prevenção; se mostram elencados os elementos fácticos relevantes para individualização penal; e se torna patente, de forma razoável, consciente e suficiente, a conexão intelectual entre aqueles elementos de facto e os fins das penas, encontram-se correctamente definidos os parâmetros dentro dos quais tem lugar a fixação da medida concreta da pena, não se vislumbrando razão para colocar em causa a decisão no respeitante às penas parcelares e à pena conjunta.
Proc. n.º 2678/06 - 3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
Pires Salpico
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