ACSTJ de 07-12-2005
Matéria de facto Carta de conforto Interpretação do negócio jurídico Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
I - Excede o objecto do recurso de revista a decisão da matéria de facto baseada em meios de prova delivre valoração pelas instâncias. II - Tem o valor jurídico de uma carta de conforto a missiva escrita pela ré à autora na qual aquela declaraque “tendo inteiro conhecimento das condições do financiamento (…) concedido à X, S.A.,informamos V. Exas. [a autora] que desenvolveremos os nossos melhores esforços no sentido documprimento integral por parte da X, S.A. dos compromissos a assumir ao abrigo do referido financiamentoe que acompanharemos de perto o desenrolar dos negócios daquela empresa. Aproveitamospara confirmar que detemos 15,35% do capital social da empresa e que pretendemos manteresta posição em termos futuros. Esta sociedade tem interesse na concessão deste financiamento à X,S.A., sociedade com capacidade financeira para cumprir tempestivamente todas as obrigaçõesassumidas com este financiamento, tanto no que respeita aos juros como ao capital. Mais declaramosque a presente intenção se manterá em vigor enquanto perdurarem as responsabilidades acimareferidas, suas renovações e eventuais prorrogações a conceder por essa instituição. Esta sociedadeparticipa na administração e fiscalização da X, S.A., pelo que exercerá a sua influência junto destasociedade para que cumpra bem e pontualmente todas as obrigações decorrentes deste financiamento.A Y, SGPS [ré] compromete-se igualmente a avisar V. Exas. com a antecedência mínima desessenta dias se, eventualmente, alienar a participação na X, S.A., de modo a que V. Exas. possamdeterminar qual a forma de melhor garantir o reembolso do referido empréstimo”. III - A parte informativa das cartas de conforto deve ser fidedigna, sob pena de gerar responsabilidadenos termos do art.º 485 do CC. IV - Nas cartas de conforto do tipo fraco, o dever de apoio genérico à sociedade participada dá lugar aresponsabilidade, quando violado, por ter por base um contrato de subordinação; os deveres demeios tendentes a acautelar a posição do banco, patentes nas cartas de conforto médio, obrigam, emprincípio, a entidade emitente a desenvolver um certo grau de esforço no sentido do cumprimentoda participada, estando excluída a responsabilidade da primeira caso a mesma, tendo cumpridotodos os seus deveres para com a segunda, dotando-a do capital razoavelmente necessário, dandolhetodo o apoio e tendo preenchido convenientemente os seus cargos sociais, verificar que, nãoobstante e por ocorrências estranhas à entidade emitente, a participada não pode cumprir perante abanca; os deveres de resultado que resultam das cartas de conforto forte dão lugar a deveres deprestar, por parte da emitente, tratando-se, pois, de uma garantia pessoal, mas sempre distinta dafiança. V - No que concerne à natureza jurídica das cartas de conforto, importa considerar que: - o confortofraco é o produto de uma obrigação de informar (prévia) e de uma obrigação de prestação de facto,maxime de prestação de serviço e de diligência; - o conforto médio é uma garantia imprópria combinada,isto é, uma garantia que não se traduz num acréscimo da massa patrimonial posta ao serviçodo credor, mas antes numa teia de prestações que, em termos práticos, facilitarão o desempenho dodevedor; - o conforto forte é uma garantia eventualmente combinada com determinadas prestaçõesde serviços, podendo a garantia ser autónoma ou tipo fiança e assumir ainda diversas particularidadesem função da interpretação concreta. VI - O valor e a eficácia jurídica das cartas de conforto dependem do sentido das declarações concretamentefeitas por quem as subscreve, pelo que a sua determinação reconduz-se a um problema deinterpretação. VII - Não obstante a limitação legal de sindicância da matéria de facto fixada pela Relação, o STJ podeoperá-la se estiver em causa o apuramento do sentido juridicamente relevante da declaração emitida. VIII - A carta emitida pela ré, referida em II, é de qualificar como de conforto médio.
Revista n.º 3558/05 - 7.ª Secção Ferreira de Sousa (Relator)Armindo LuísPires da Rosa
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