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Processo n.º 994/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. Relatório
A., S.A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, de acórdãos proferidos na
Relação de Lisboa em 30 de Junho e em 30 de Outubro de 2008, visando a
apreciação da conformidade constitucional do seguinte:
– artigo 50.º do RGCO na interpretação segundo a qual 'não é necessário a
autoridade administrativa indicar expressamente no auto de notícia ou na nota de
ilicitude a referência ao grau de culpa que considera existir no comportamento
do arguido e que não é necessário indicar os factos concretos para concretização
do elemento subjectivo da infracção';
– artigo 18.º n.ºs 1 e 2 do RGCO na interpretação segundo a qual 'não é
necessário considerar e ponderar todos os critérios indicados nessa norma para
decidir a medida concreta da pena com base em factos concretos (e não em
conclusões)';
– artigo 84.º n.º 4 do REGICOM, conjugado com a alínea bbb) do n.º 1 do artigo
113.º do mesmo diploma e com o artigo 12.º do Regulamento n.º 1/2006 na
interpretação segundo a qual, 'invocando aquele primeiro preceito legal, o
ICP-ANACOM pode criar quaisquer normas e determinar que o respectivo
incumprimento corresponde a ilícitos contra-ordenacionais, tudo por via
regulamentar e sem qualquer limite ou restrição';
– artigos 410.º n.º 2 e 428.º n.ºs 1 e 2, este último a contrario todos do CPP
(e, implicitamente, o artigo 75.º do RGCO) com o sentido de 'não conhecer todas
as questões suscitadas pela Recorrida (a A.) e de condenar a Arguida sem se
ocupar da análise de todos os elementos essenciais que têm que constar de uma
sentença condenatória nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP';
– artigo 75.º n.º 2 alínea a) do RGCO e artigo 404.º do CPP, com o sentido de
que 'é necessário ao arguido interpor recurso subordinado de decisão absolutória
proferida em primeira instância relativamente aos recursos interpostos pelo
Ministério Público e pela Autoridade Administrativa, para que sejam apreciadas
todas as questões que configuram nulidades insanáveis, de conhecimento oficioso
ou outras nulidades que tenham sido suscitadas no processo quando tais nulidades
foram sublinhadas, tendo sido, inclusivamente, requerido o respectivo
conhecimento nas respostas apresentadas pelo arguido aos recursos interpostos
pelo Ministério Público e pela Autoridade Administrativa.'
No entanto, por decisão sumária proferida nos autos, o Tribunal recusou conhecer
dos recursos, com os seguintes fundamentos:
[...] O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC cabe das
decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
levantada durante o processo, devendo o recorrente ter suscitado a questão da
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer –
n.º 2 do artigo 72º da LTC. O recurso radica-se no pressuposto de que a norma
cuja conformidade constitucional o recorrente visa apreciar tenha sido
efectivamente aplicada na decisão recorrida enquanto seu fundamento, pois só
assim a eventual procedência do recurso terá utilidade, determinando a
pretendida alteração daquela decisão.
Daqui decorre que a tarefa do Tribunal se não estende à verificação dos
pressupostos de aplicação da norma impugnada, nem visa apurar se a interpretação
com que foi aplicada ao caso é correcta e própria. Isto é: não cabe ao Tribunal
Constitucional sindicar a decisão recorrida em si mesmo considerada,
incumbindo-lhe apenas averiguar, num primeiro passo, da verificação dos
pressupostos do recurso e, depois, se a norma que o Tribunal recorrido aplicou
se mostra desconforme com a Constituição.
Ora, recordados estes princípios, torna-se imediatamente claro que o recurso não
pode ser conhecido em virtude de o Tribunal recorrido não ter aplicado as normas
impugnadas com o sentido que a recorrente identifica.
Na verdade, a Relação de Lisboa não aplicou o artigo 50.º do RGCO com o sentido
de que não é necessário que a autoridade administrativa indique expressamente no
auto de notícia ou na nota de ilicitude a referência ao grau de culpa que
considera existir no comportamento do arguido e que não é necessário que indique
os factos concretos para concretização do elemento subjectivo da infracção;
também não aplicou o artigo 18.º n.ºs 1 e 2 do RGCO com o sentido de que 'não é
necessário considerar e ponderar todos os critérios indicados nessa norma para
decidir a medida concreta da pena com base em factos concretos (e não em
conclusões)'; nem aplicou o artigo 84.º n.º 4 do REGICOM, em conjugação com a
alínea bbb) do n.º 1 do artigo 113.º do mesmo diploma e com o artigo 12.º do
Regulamento n.º 1/2006 na interpretação segundo a qual, 'invocando aquele
primeiro preceito legal, o ICP-ANACOM pode criar quaisquer normas e determinar
que o respectivo incumprimento corresponde a ilícitos contra-ordenacionais, tudo
por via regulamentar e sem qualquer limite ou restrição'; nem aplicou os artigos
410.º n.º 2 e 428.º n.ºs 1 e 2, este último a contrario, todos do CPP (e,
implicitamente, o artigo 75.º do RGCO) com o sentido de 'não conhecer todas as
questões suscitadas pela Recorrida (a A.) e de condenar a Arguida sem se ocupar
da análise de todos os elementos essenciais que têm que constar de uma sentença
condenatória nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP'; e não aplicou o
artigo 75.º n.º 2 alínea a) do RGCO e artigo 404.º do CPP, com o sentido de que
'é necessário ao arguido interpor recurso subordinado de decisão absolutória
proferida em primeira instância relativamente aos recursos interpostos pelo
Ministério Público e pela Autoridade Administrativa, para que sejam apreciadas
todas as questões que configuram nulidades insanáveis, de conhecimento oficioso
ou outras nulidades que tenham sido suscitadas no processo quando tais nulidades
foram sublinhadas, tendo sido, inclusivamente, requerido o respectivo
conhecimento nas respostas apresentadas pelo arguido aos recursos interpostos
pelo Ministério Público e pela Autoridade Administrativa.'
O que se passa é que, ao identificar, como aliás lhe compete, as normas
infraconstitucionais impugnadas, a recorrente optou por incluir na sua
formulação as razões pelas quais entende que a decisão ofendeu o conteúdo dessas
determinações normativas, visando desta forma criar, quanto a elas, a aparência
de manifesta desconformidade constitucional. Contudo, é bem certo que, com
semelhante conteúdo normativo, o Tribunal recorrido não aplicou, nas decisões
recorridas, tais disposições jurídicas. [...]
Inconformada, A., S.A. reclama para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo
78-Aº da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo, no essencial, o seguinte:
[...]
8.º Assim, em primeiro lugar, quanto à norma correspondente ao artigo 50.º do
RGCO e quanto à norma correspondente ao artigo 18.º n.ºs 1 e 2 do RGCO, como
vimos, a respectiva inconstitucionalidade foi suscitada na defesa escrita, na
petição de recurso de impugnação judicial e nas alegações da A. em resposta aos
recursos do ICP-ANACOM e do Ministério Público para o Tribunal da Relação de
Lisboa.
Ou seja, a Recorrente nunca abandonou estas questões da inconstitucionalidade
durante a pendência da causa, nem mesmo depois de ter sido absolvida em primeira
instância, sendo certo que é pacífico que tal nem lhe era exigido.
Quanto às normas correspondentes ao artigo 50.º do RGCO e ao artigo 18.º n.ºs 1
e 2 do RGCO, na Decisão indica-se que as mesmas não teriam sido aplicadas pelo
Tribunal recorrido com o conteúdo normativo questionado pela Recorrente.
Vejamos o que sucedeu à invocação pela Recorrente da inconstitucionalidade das
normas dos artigos 50.º do RGCO e 18.º n.ºs 1 e 2 do RGCO ao longo do processo.
Na Defesa Escrita, a A. formulou, desde logo e preliminarmente, o seu
entendimento quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 50.º do RGCO,
referindo entre outros que:
“(...) considerando que, na fase administrativa do processo, a imputação dos
factos relativos à contra-ordenação equivale à acusação em processo penal (cfr.
artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), faltando a transmissão dos
elementos que suportem a imputação objectiva e subjectiva dos ilícitos em causa,
deverá o presente processo ser declarado nulo desde a “Acusação” inclusive, sob
pena de preterição do direito de defesa do arguido, com consagração e assento
nos artigos 18.º , n.º 1 e 32. n.º 10 da Constituição da República Portuguesa e
sob pena de violação do disposto nos artigos 8.º, 17.º, 18.º e 50.º do RGCO”.
Em resposta a este entendimento, na sua Decisão Condenatória, o ICP-ANACOM
referiu que teriam sido “(...) escrupulosamente respeitados os seus direitos de
defesa, que utilizou como entendeu e para cujo exercício obteve o dobro do tempo
que normalmente é concedido por esta Autoridade em processos de
contra-ordenação” (ponto II. a) da Decisão Impugnada).
No recurso de impugnação – i.e., perante o Tribunal de 1.ª Instância – a A.
alegou então – com base na argumentação expendida nesse seu articulado e que
aqui se dá por reproduzido – que “[a] norma correspondente ao artigo 50.º do
RGCO na interpretação de que não é necessário a autoridade administrativa
indicar expressamente no auto de notícia ou na nota de ilicitude a referência ao
grau de culpa que considera existir no comportamento do arguido e/ou que não é
necessário indicar os factos concretos para concretização do elemento subjectivo
da infracção é inconstitucional porque viola o artigo 32.º n.º 10 da CRP”.
Quanto ao artigo 18.º do RGCO, a A. referiu no seu recurso de impugnação que,
uma vez que na Decisão Impugnada o ICP-ANACOM não tinha analisado cada um dos
critérios nele indicados para a determinação da medida da pena e não tendo
igualmente indicado factos concretos relacionados com cada um dos critérios em
causa, o ICP-ANACOM violou o direito de defesa da A..
E, nesse contexto, invocou a A.: “sendo inconstitucional a norma correspondente
ao artigo 18.º n.º 1 e 2 do RGCO na interpretação de que não é necessário
considerar e ponderar todos os critérios indicados nessas norma para decidir a
medida concreta da pena com base em factos concretos (e não em conclusões),
porque viola o artigo 32.º n.º 10 da CRP”.
Na sentença do Tribunal de 1.ª Instância, o Tribunal não conheceu as nulidades
em causa, tendo entendido conhecer estritamente do plano objectivo da
contra-ordenação, antes de entrar no plano subjectivo.
Nesse sentido, o Tribunal de 1.ª Instância menciona expressamente “(...)
abstraindo portanto das motivações, grau de conhecimento e objectivos que
nortearam a actuação da A.”.
E o Tribunal de 1.ª Instância fê-lo porque considerou – a final – que “(...) a
actuação da arguida não violou qualquer obrigação imposta no nº 1 do artigo 10º,
ou seja, não integra a infracção contra-ordenacional prevista e punida pelo
artigo 11.º n.º 1 alínea bbb) da Lei Nº5/2004”.
Ficou o Tribunal de 1.ª Instância, portanto, pela apreciação do elemento
objectivo do tipo e terminou julgando “(...) o recurso totalmente procedente
(...)“ e, em consequência, absolveu a A..
Isto é, a A. obteve ganho de causa na 1.ª Instância, mas nesse Tribunal não
foram conhecidas as questões por si suscitadas quanto à conformidade do artigo
50.º do RGCO levantadas perante esse mesmo Tribunal.
Tendo sido absolvida, não dispunha a A. de legitimidade para interpor recurso da
decisão em causa, mas, caso fosse interposto recurso – como veio a acontecer – o
Tribunal da Relação de Lisboa estava obrigado a conhecer de todas as questões
suscitadas no processo (cfr. artigo 75.º n.º 2 a) do RGCO).
No entanto, precavendo a possibilidade de o Tribunal da Relação de Lisboa – como
veio a suceder – não pretender conhecer de todas as questões suscitadas ao longo
do processo, a A., por cautela, em resposta aos recursos interpostos pelo
Ministério Público e pelo ICP-ANACOM voltou a alegar a inconstitucionalidade
quer da norma correspondente ao artigo 50.º do RGCO, quer da norma
correspondente ao artigo 18.º do RGCO, nos termos já anteriormente efectuados.
E o que sucedeu então no Tribunal da Relação relativamente à invocação da
inconstitucionalidade dessas normas?
Mais uma vez: silêncio por parte do Tribunal!
Com efeito, assumidamente, o Tribunal da Relação de Lisboa indicou que “(...) o
que está em causa neste recurso é a questão de saber qual a interpretação
correcta do artigo 10.º do Regulamento nº 1/2006, ou seja a questão dos [autos?]
resume-se a saber se a conduta da arguida integra ou não a previsão do ilícito
contra-ordenacional em causa”. Entenda-se: conduta do ponto de vista objectivo,
porque foi essa a perspectiva da sentença da 1.ª Instância, das alegações do
Ministério Público e das alegações do ICP-ANACOM.
E o que se reputa de especial gravidade é que, apesar de o Tribunal de 1.ª
Instância apenas ter analisado o elemento objectivo do tipo contra-ordenacional
em causa e de não ter sido realizada audiência de julgamento no âmbito do
recurso, o Tribunal da Relação cingindo-se à análise do elemento objectivo e
prescindindo da análise do elemento subjectivo com base em factos (como era
imposto nos autos desde a fase de defesa pelo artigo 50.º do RGCO), bem como dos
critérios de determinação da medida da pena (os do artigo 18.º do RGCO), i.e., a
culpa, a gravidade, a situação económica concreta do agente e o benefício
económico, determinou a revogação da sentença do Tribunal de 1.ª Instância e
condenou a A. numa coima de € 50.000,00.
Ora, face ao silêncio reiterado quanto à questão da nulidade por
inconstitucional aplicação dos artigos 18.º e 50.º do RGCO, suscitada em
diversos momentos e em diversas sedes pela Arguida, é forçoso concluir que a
aplicação dessa norma para efeitos de recurso junto do Tribunal Constitucional,
cai no conceito da aplicação implícita de normas.
Neste sentido, veja-se Carlos Blanco de Morais, “Justiça Constitucional”, Tomo
II, Coimbra, Coimbra Editora, Lda., 2005 p. 702, que esclarece “(...) podendo e
devendo o tribunal “a quo” conhecer de uma questão de constitucionalidade
invocada durante o processo, o não conhecimento da mesma questão equivale a
aplicação implícita da norma cuja invalidade fora suscitada”.
“Note-se, em especial (...)“ – afirma José Manuel Cardoso da Costa, “A
Jurisdição Constitucional em Portugal”, 3.ª Edição Revista e Actualizada,
Coimbra, Livraria Almedina, Lda., Setembro de 2007, p. 73 – “(...) que a
aplicação da norma, ou a sua desaplicação por inconstitucionalidade, pode ter
sido simplesmente implícita”
E tal entendimento é manifestamente o mais correcto, sendo a posição contrária
violadora do direito de acesso aos Tribunais e da tutela jurisdicional efectiva,
garantidos pelo artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, já que
bastaria aos Tribunais ordinários não conhecerem as questões para que essas
questões nunca pudessem chegar ao Tribunal Constitucional, frustrando-se o
mecanismo da fiscalização concreta da constitucionalidade.
Com efeito, tal como resulta da Jurisprudência do Tribunal Constitucional,
“(...) este Tribunal Constitucional “não pode ficar dependente de uma
eventualmente indevida omissão de pronúncia sobre a questão da
constitucionalidade, por parte dos restantes tribunais “ (cfr. Acórdãos do
Tribunal Constitucional n.ºs 176/88 e 318/90).
Em suma, face ao silêncio das diversas instâncias relativamente às questões
prévias suscitadas pela Recorrente – e suscitadas como resultando na aplicação
de normas jurídicas com conteúdo contrário à Constituição – é imperioso conhecer
a questão de constitucionalidade suscitada pela Arguida relativamente aos
artigos 50.º do RGCO e 18.º do RGCO com o conteúdo normativo que a mesma indicou
ao longo do processo e que fundou o requerimento de interposição para o Tribunal
Constitucional.
E, dado que o Tribunal da Relação de Lisboa optou por prescindir da análise com
base em factos determinados e concretos do elemento subjectivo do tipo e dos
critérios legais para a determinação da medida concreta da coima, é forçoso
concluir que:
(i) esse Tribunal não considerou a existência ou inexistência de factos
concretos para a análise do elemento subjectivo, o que equivale a dizer que tal
Tribunal considerou que “não é necessário indicar os factos concretos para a
concretização do elemento subjectivo”, como a Recorrente indicou como
correspondendo ao conteúdo normativo inconstitucional do artigo 50.º do RGCO; e
(ii) esse Tribunal não considerou nem a análise nem a análise com base em factos
concretos de cada um dos critérios legais para a determinação da medida da
coima, o que equivale a dizer que tal Tribunal entendeu que “não é necessário
considerar e ponderar todos os critérios indicados nessa norma [o artigo 18.º do
RGCO] para decidir a medida concreta da pena com base em factos concretos”, como
a Recorrente indicou como correspondendo ao conteúdo normativo inconstitucional
do artigo 18.º do RGCO.
9.º Em segundo lugar, quanto à norma correspondente ao artigo 84.º n.º 4 do
REGICOM, conjugado com a alínea bbb) do n.º 1 do artigo 113.º do mesmo diploma e
com o artigo 12.º do Regulamento n.º 1/2006, de 9 de Janeiro (“Regulamento n.º
1/2006”), a respectiva inconstitucionalidade foi também suscitada na defesa
escrita, na petição de recurso de impugnação judicial e nas alegações da A. em
resposta aos recursos do ICP-ANACOM e do Ministério Público para o Tribunal da
Relação de Lisboa.
Tal significa que, também neste caso, a Recorrente nunca abandonou esta questão
de inconstitucionalidade durante a pendência da causa, nem mesmo depois de ter
sido absolvida em primeira instância, valendo aqui as considerações já
expendidas a este respeito na presente reclamação.
Relativamente ao artigo 84.º n.º 4 do REGICOM, conjugado com a alínea bbb) do
n.º 1 do artigo 113.º do mesmo diploma e com o artigo 12.º do Regulamento n.º
1/2006, a Decisão refere igualmente que estas disposições jurídicas não teriam
sido aplicadas pelo Tribunal recorrido com o conteúdo normativo questionado pela
Recorrente.
Analisemos então o que sucedeu à invocação de inconstitucionalidade da norma em
causa ao longo do processo.
Nos momentos processuais acima indicados, a A. sublinhou que a sua actuação não
poderia subsumir-se ao tipo contra-ordenacional pelo qual estava a ser indiciada
e veio a ser acusada e condenada pelo Tribunal da Relação porque, por um lado, o
n.º 1 do artigo 84.º do REGICOM não está em causa nos autos e, por outro lado, o
tipo contra-ordenacional correspondente à violação de normas constantes do
Regulamento n.º 1/2006, que resultaria do artigo 84.º n.º 4 conjugado com a
alínea bbb) do n.º 1 do artigo 113.º, ambos do REGICOM, corresponde a uma norma
contra-ordenacional em branco.
Em concreto, no recurso de impugnação, a A. alegou que “a norma correspondente
ao artigo 84.º n.º 4 do REGICOM conjugado com a alínea bbb) do n.º 1 do artigo
113.º do mesmo diploma na interpretação de que o ICP-ANACOM pode criar ilícitos
contra-ordenacionais por via regulamentar sem qualquer limite ou restrição é
inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade (na vertente
tipicidade) e da separação de poderes, ínsitos nos artigos 29.º n.ºs 1 e 3 da
CRP e 2.º deste Texto Fundamental respectivamente”.
Na sentença do Tribunal de 1ª Instância a questão em apreço foi decidida nos
seguintes termos:
“(…) o preenchimento das normas ditas em branco por prescrições administrativas
não é senão a consequência necessária da própria natureza mutável, alterável e
específica dos novos ramos do direito, designadamente do direito das
comunicações. A norma em questão estabelece uma conexão clara com o Regulamento,
enquadrando-se assim numa técnica mais actual e consentânea com a complexidade
dos fenómenos do sector das comunicações.”
Não considerou, portanto, o Tribunal, pelas razões expostas, que a norma em
causa fosse uma norma em branco.
Ora, face a esta apreciação do Tribunal de 1.ª Instância da norma em causa, ou
se considera que a questão que foi colocada que foi a do não estabelecimento de
limites ou restrições à criação de normas punitivas por via regulamentar por
parte do ICP-ANACOM – não foi abordada pelo Tribunal, ou então é forçoso
concluir que esse Tribunal entendeu que “(...) o ICP-ANACOM pode criar ilícitos
contra-ordenacionais por via regulamentar sem qualquer limite ou restrição”, o
que é um conteúdo normativo inconstitucional e foi para esse conteúdo normativo
que a aqui Recorrente chamou a atenção deste Tribunal no seu requerimento de
interposição de recurso.
Mais uma vez, tendo a A. obtido ganho de causa na 1.ª Instância, não tinha a A.
legitimidade para interpor recurso desta decisão, mas, igualmente aqui,
cautelarmente, a A., em resposta aos recursos interpostos pelo Ministério
Público e pelo ICP-ANACOM voltou a alegar a inconstitucionalidade da norma
correspondente ao artigo 84.º n.º 4 do REGICOM, conjugado com a alínea bbb) do
n.º 1 do artigo 113.º do mesmo diploma.
O Tribunal da Relação centrou-se nas questões da interpretação extensiva e da
analogia em processo penal e em processo contra-ordenacional, mas,
efectivamente, en passant, referiu-se à questão da norma penal em branco,
suscitada pela Arguida A..
Fê-lo, porém, meramente por adesão ao decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância,
tendo reproduzido o excerto da sentença no seu Acórdão de 30 de Junho de 2008.
Ou seja, manteve-se o conteúdo normativo do Tribunal de 1.ª Instância que
corresponde ao sentido que, resumidamente, a A. indicou no seu requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal.
10.º Em terceiro lugar, quanto à norma correspondente aos artigos 410.º n.º 2 e
428.º n.ºs 1 e 2, este último a contrario todos do CPP (e, implicitamente, o
artigo 75.º do RGCO), a respectiva inconstitucionalidade foi levantada no
requerimento de interposição do 1.º Recurso para o Tribunal Constitucional e
depois também no requerimento de arguição de nulidades apresentado junto do
Tribunal da Relação de Lisboa.
No presente caso, já vimos que a Recorrente não podia ter suscitado a mencionada
questão de inconstitucionalidade em momento anterior, porquanto anteriormente
não era esperada a aplicação das normas em apreço com o sentido que o Tribunal
da Relação de Lisboa lhes conferiu.
Considerou-se na Decisão, também no presente caso, que o Tribunal da Relação de
Lisboa não teria aplicado nos seus Acórdãos de 30 de Junho de 2008 e de 30 de
Outubro de 2008 as disposições jurídicas referidas com o conteúdo normativo
indicado pela A..
Vejamos por que razões se considera que não deve manter-se a Decisão.
Importa começar por recordar aqui o conteúdo normativo que a A. indicou
relativamente à norma em análise e que foi o seguinte:
“questiona-se a interpretação normativa do Tribunal da Relação de Lisboa no
sentido de não conhecer todas as questões suscitadas pela Recorrida (a A.) e de
condenar a Arguida sem se ocupar da análise de todos os elementos essenciais que
têm que constar de uma sentença condenatória nos termos dos artigos 374.º e 375.
º CPP”.
Salvo o devido respeito, o conteúdo normativo acima indicado é aquele que
corresponde ao sentido dado aos artigos 410.º n.º 2 e 428.º n.ºs 1 e 2, este
último a contrario todos do CPP (e, implicitamente, o artigo 75.º do RGCO) pelo
Tribunal da Relação de Lisboa.
Com efeito, esse Tribunal refere, expressamente, que:
(i) “[n]o âmbito desta cognição cabe, ainda, conhecer, também oficiosamente, dos
vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do CPP, mas apenas quando os mesmos
resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da
experiência comum, em conformidade com o decidido no Ac. do STJ Nº 07/95, em
interpretação obrigatória” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30
de Junho de 2008);
(ii) seria “(...) o art. 412º do CPP, a norma, que defin[iria] o âmbito do
recurso e não os artigos 374 e seguintes do CPP” (cfr. Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 30 de Outubro de 2008); e que
(iii) “(...) as questões suscitadas pela arguida na sua resposta aos recursos
interpostos, são laterais [laterais!? Trata-se tão só de direitos fundamentais!]
e não definem o objecto do conhecimento do tribunal” (cfr. Acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa de 30 de Outubro de 2008).
11.º Por último, quanto à norma correspondente aos artigos 75.º n.º 2 alínea a)
do RGCO e 404.º do Código de Processo Penal, como vimos, esta questão foi
suscitada na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 30
de Outubro de 2008.
Refere-se na Decisão que também as normas em causa, não teriam sido aplicadas
pelo Tribunal recorrido com o conteúdo normativo questionado pela Recorrente.
Sucede que, salvo o devido respeito, tal também não corresponde à verdade.
Se não, vejamos.
Tendo a A. sido notificada do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de
Junho de 2008, veio a mesma suscitar a respectiva nulidade porquanto do mesmo
não constava qualquer apreciação das questões (que, inclusivamente, foram
suscitadas pela aqui Recorrente na sua resposta aos recursos interpostos pelo
ICP-ANACOM e pelo Ministério Público) (i) da imputação subjectiva, (ii) das
causas de exclusão da ilicitude e da culpa por si invocadas, (iii) da gravidade
da sua actuação, (iv) da indicação de factos concretos relacionados com a sua
situação económica como critério de escolha da coima e (v) da indicação de
factos concretos relacionados com o beneficio económico retirado da infracção
como critério de escolha da coima.
Em resposta ao requerimento da A., veio o Tribunal da Relação dizer que “(...)
as questões suscitadas pela arguida na sua resposta aos recursos interpostos
[pelo Ministério Público e pelo ICP-ANACOM] são laterais e não definem o objecto
de conhecimento do tribunal. Na verdade, se a requerente pretendesse que fossem
conhecidas as questões a que se refere na sua resposta teria que interpor o
respectivo recurso subordinado”.
Ou seja, antes de mais, o Tribunal da Relação de Lisboa aplicou implicitamente
os artigos 75.º n.º 2 alínea a) do RGCO e 404.º do Código de Processo Penal.
Com efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa aludiu à norma sobre o recurso
subordinado em processo penal – artigo 404.º do CPP – e à sua aplicação às
contra-ordenações – necessariamente considerando o artigo 75.º n.º 2 alínea a)
do RGCO – apesar de não ter mencionado expressamente os preceitos legais que
estava a aplicar.
Ora, apesar de a lei obrigar a que os tribunais indiquem as normas jurídicas
aplicadas, a verdade é que a Recorrente não dispõe de meios de reacção que lhe
permitam “obrigar” o Tribunal da Relação de Lisboa a indicar de forma expressa
nas suas decisões os preceitos legais que devia ter indicado, mas não indicou.
Julga, porém, a Recorrente que também não lhe pode ser negado o direito de
recurso para o Tribunal Constitucional porque o Tribunal da Relação de Lisboa
não indicou os preceitos legais a que aludiu de forma implícita porque tal
corresponderia a negar o acesso aos Tribunais.
Assim, começa aqui por concluir-se que está em causa a aplicação (ainda que
implícita) pelo Tribunal da Relação de Lisboa da norma que corresponde aos
artigos 75.º n.º 2 alínea a) do RGCO e 404.º do Código de Processo Penal.
Recordando o conteúdo normativo questionado pela aqui Recorrente, importa então
constatar que a A. indicou que era inconstitucional o conteúdo normativo dos
mencionados preceitos quando os mesmos fossem aplicados no sentido de ser “(...)
necessário interpor recurso subordinado de decisão absolutória do arguido
proferida em primeira instância relativamente aos recursos interpostos pelo
Ministério Público e pela Autoridade Administrativa para que sejam apreciadas
todas as questões que configuram nulidades insanáveis” e, salvo o devido
respeito, tal foi o conteúdo normativo que o Tribunal da Relação de forma
expressa conferiu a tais preceitos ao afirmar que “(…) as questões suscitadas
pela arguida na sua resposta aos recursos interpostos [pelo Ministério Público e
pelo ICP-ANA COM] são laterais e não definem o objecto de conhecimento do
tribunal. Na verdade, se a requerente pretendesse que fossem conhecidas as
questões a que se refere na sua resposta teria que interpor o respectivo recurso
subordinado”
Não se vislumbra, portanto, como pôde concluir-se na Decisão que o Tribunal
recorrido – o Tribunal da Relação de Lisboa – não teria aplicado na decisão
recorrida as disposições jurídicas em apreço.
E, apesar de constituir matéria de alegações, não pode deixar de se chamar a
atenção do Tribunal Constitucional sem grandes desenvolvimentos, para o facto de
a norma do artigo 404.º do CPP expressamente não admitir recursos subordinados
em processo penal se não em casos excepcionais, as quais não têm aplicação aos
recursos em processos contra-ordenacionais.
Face ao exposto, verifica-se que, igualmente neste caso, a Recorrente indicou o
conteúdo normativo das disposições jurídicas em apreço tal como entendido pelo
Tribunal recorrido.
12.º Julga a A. que lhe foi possível demonstrar que o conteúdo normativo que
indicou como sendo inconstitucional em relação a cada uma das normas por si
indicadas no requerimento de interposição de recurso correspondeu ao conteúdo
normativo conferido a essas disposições pelo Tribunal recorrido.
De qualquer forma, e ainda que assim não se entendesse – o que apenas por
cautela se admite, sem conceder – sempre se dirá que no ordenamento jurídico
português “(…) é admissível a interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição
da decisões dos tribunais que, na perspectiva do recorrente, atribuem à lei um
sentido inconstitucional” (Rui Medeiros, “A Decisão de Inconstitucionalidade Os
Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei”,
Universidade Católica Editora, 1999, p. 333).
E é certo que no presente caso ficou invocado o sentido inconstitucional que a
Recorrente entende que as decisões do Tribunal – maxime do Tribunal da Relação
de Lisboa – atribuíram às disposições jurídicas assinaladas.
O recorrido ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) respondeu à
reclamação nos seguintes termos:
[...]
1. No âmbito da fiscalização concreta cabe ao Tribunal Constitucional conhecer
os recursos das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo. E foi ao abrigo desta norma que foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional dos acórdãos acima referidos, que este
não conheceu e de que, por isso, reclama para a conferência, nos termos do n.º 3
do artigo 78-A da Lei do Tribunal Constitucional.
2. Ao Tribunal Constitucional não cabe, no entanto, conhecer da correcção da
decisão recorrida, mas unicamente decidir sobre se as normas nela aplicadas são
inconstitucionais ou não, ou, como se diz naquela decisão, “não cabe ao Tribunal
Constitucional sindicar a decisão recorrida em si mesmo considerada,
incumbindo-lhe apenas averiguar, num primeiro passo, da verificação dos
pressupostos do recurso e, depois, se a norma que o Tribunal recorrido aplicou
se mostra desconforme com a Constituição”
3. A ora reclamante, no entanto, tal como já havia feito nas alegações de
recurso, o que pretende é uma alteração da decisão o que manifestamente não é da
competência do Tribunal Constitucional, a não ser, no caso da alínea b) do
artigo 70.º da LTC, quando as normas aplicadas sejam inconstitucionais.
4. Isto mesmo foi dito na decisão sumaria tomada pelo Exmo. Conselheiro Relator
no ponto 2 da sua decisão para a qual nos remetemos.
5. Como aí se diz, “O recurso radica-se no pressuposto de que a norma cuja
conformidade constitucional o recorrente visa apreciar tenha sido efectivamente
aplicada na decisão recorrida enquanto seu fundamento (fundamento sublinhado
naquela decisão), pois só assim a eventual procedência do recurso terá
utilidade, determinando a pretendida alteração daquela decisão.”
6. Para poder justificar a interposição de recurso a ora reclamante atribui à
decisão do tribunal da Relação a aplicação das normas que invoca e com o sentido
que, segundo pretende, ofendem os princípios constitucionais.
7. Só que analisado aquele acórdão recorrido não se encontra ali qualquer
referência às normas invocadas e muito menos a sua utilização com o sentido que
a reclamante lhes atribui, tal como, muito bem, o Exmo. Conselheiro Relator
acentuou.
8. Manifestamente, como aí se diz, a fim de forçar a admissibilidade do recurso
a reclamante nas suas alegações não procurou demonstrar a inconstitucionalidade
das normas invocadas, mas aduzir razões pelas quais entende que a decisão
implicitamente ofendeu o conteúdo dessas normas e consequentemente errou na
decisão.
9. As razões agora invocadas não alteram nem impõem um juízo diferente daquele
que levou a decisão reclamada pelo que nos parece ser de manter integralmente,
indeferindo, consequentemente, tal reclamação.
Finalmente, o representante do Ministério Público neste Tribunal emitiu o
Parecer que seguidamente se transcreve:
[...]
1.º Como a entidade reclamante parece admitir, a pág. 1344, o recurso de
constitucionalidade interposto a pág. 1334 é efectivamente prematuro, já que foi
interposto sem que se mostrasse dirimido o incidente pós-decisório suscitado
simultaneamente perante a Relação – plenamente enquadrável nos meios
impugnatórios, comuns ou ordinários, ao dispor da parte.
2.º Ao contrário do que se sustenta, a pág. 1386, cabe ao recorrente o ónus de,
no próprio requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional, definir, de forma clara e cabal, as interpretações normativas
questionadas, por essa forma definindo e delimitando o objecto do recurso.
3.º Como se sustenta na decisão reclamada, parece-nos evidente que o acórdão
condenatório, proferido pela Relação, não aplicou as interpretações normativas
identificadas a pág. 1344/1345, já que tais questões procedimentais não foram,
pura e simplesmente, apreciadas, por se entender – como melhor revelou o acórdão
proferido na sequência da arguição de nulidade – que as mesmas estavam
precludidas, por a entidade reclamante as não ter colocado pela forma que se
considerou própria e adequada: a interposição de”recurso subordinado” do
decidido em 1.ª instância.
4.º Não sendo legítimo, neste circunstancialismo processual, vislumbrar em tal
fenómeno de preclusão uma implícita aplicação das normas que, na óptica do
reclamante, respeitavam a questões que deviam ser conhecidas, mas – no
entendimento do Tribunal – estavam precludidas, por não fazerem parte do objecto
do recurso.
5.º Afigura-se, todavia, que assistirá razão à reclamante no que respeita à
questão enunciada a pág. 1343, já que a “ratio” determinante da delimitação das
questões a apreciar pela Relação consistiu precisamente no entendimento de que
recairia sobre a ora reclamante o ónus de suscitar as questões procedimentais
que colocara no âmbito da contramotivação em recurso subordinado, interposto da
decisão absolutória da 1.ª instância – reportando a reclamante tal interpretação
normativa, susceptível de ser qualificada como “decisão-surpresa”, aos preceitos
legais a que razoavelmente pode ancorar-se a criação do referido ónus.
2. Fundamentos
Convém recordar o que já foi afirmado na transcrita decisão sumária
a propósito da natureza exclusivamente normativa do presente recurso.
Afirmou-se, naquela decisão, que o 'recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC cabe das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido levantada durante o processo', radicando-se 'no
pressuposto de que a norma cuja conformidade constitucional o recorrente visa
apreciar tenha sido efectivamente aplicada na decisão recorrida enquanto seu
fundamento, pois só assim a eventual procedência do recurso terá utilidade,
determinando a pretendida alteração daquela decisão. Daqui decorre que a tarefa
do Tribunal se não estende à verificação dos pressupostos de aplicação da norma
impugnada, nem visa apurar se a interpretação com que foi aplicada ao caso é
correcta e própria. Isto é: não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a
decisão recorrida em si mesmo considerada, incumbindo-lhe apenas averiguar, num
primeiro passo, da verificação dos pressupostos do recurso e, depois, se a norma
que o Tribunal recorrido aplicou se mostra desconforme com a Constituição.'
Na verdade, a principal observação que o Tribunal deve fazer ao presente caso
reside na constatação de que o recorrente visa essencialmente fazer sindicar as
ponderações jurisdicionais que fundamentam os acórdãos recorridos, em vez de
procurar isolar nesses juízos o critério normativo que, aplicado sob forma geral
e abstracta, determinou a decisão impugnada.
E facilmente se extrai da reclamação formulada a certeza de que, ao contrário do
que se reclama, a decisão sumária em análise deve ser integralmente confirmada.
Com efeito, quanto às normas que a recorrente identifica como o artigo 50.º do
RGCO (na interpretação segundo a qual 'não é necessário a autoridade
administrativa indicar expressamente no auto de notícia ou na nota de ilicitude
a referência ao grau de culpa que considera existir no comportamento do arguido
e que não é necessário indicar os factos concretos para concretização do
elemento subjectivo da infracção') e o artigo 18.º n.ºs 1 e 2 do RGCO (na
interpretação segundo a qual 'não é necessário considerar e ponderar todos os
critérios indicados nessa norma para decidir a medida concreta da pena com base
em factos concretos, e não em conclusões)', verifica-se que é a reclamante que
expressamente admite que o tribunal recorrido não as aplicou. Diz, com efeito:
E o que sucedeu então no Tribunal da Relação relativamente à invocação da
inconstitucionalidade dessas normas?
Mais uma vez: silêncio por parte do Tribunal!
Com efeito, assumidamente, o Tribunal da Relação de Lisboa indicou que “(...) o
que está em causa neste recurso é a questão de saber qual a interpretação
correcta do artigo 10.º do Regulamento nº 1/2006, ou seja a questão dos [autos?]
resume-se a saber se a conduta da arguida integra ou não a previsão do ilícito
contra-ordenacional em causa”. Entenda-se: conduta do ponto de vista objectivo,
porque foi essa a perspectiva da sentença da 1.ª Instância, das alegações do
Ministério Público e das alegações do ICP-ANACOM.
E o que se reputa de especial gravidade é que, apesar de o Tribunal de 1.ª
Instância apenas ter analisado o elemento objectivo do tipo contra-ordenacional
em causa e de não ter sido realizada audiência de julgamento no âmbito do
recurso, o Tribunal da Relação cingindo-se à análise do elemento objectivo e
prescindindo da análise do elemento subjectivo com base em factos (como era
imposto nos autos desde a fase de defesa pelo artigo 50.º do RGCO), bem como dos
critérios de determinação da medida da pena (os do artigo 18.º do RGCO), i.e., a
culpa, a gravidade, a situação económica concreta do agente e o benefício
económico, determinou a revogação da sentença do Tribunal de 1.ª Instância e
condenou a A. numa coima de € 50.000,00.
Ora, face ao silêncio reiterado quanto à questão da nulidade por
inconstitucional aplicação dos artigos 18.º e 50.º do RGCO, suscitada em
diversos momentos e em diversas sedes pela Arguida, é forçoso concluir que a
aplicação dessa norma para efeitos de recurso junto do Tribunal Constitucional,
cai no conceito da aplicação implícita de normas.
Este trecho revela, só por si, que o Tribunal não aplicou as aludidas normas.
Mas revela mais; demonstra que a reclamante tem uma noção errada da natureza do
recurso de fiscalização concreta, pois insiste em pedir ao Tribunal
Constitucional uma pronúncia sobre questões que o tribunal comum não conheceu,
visando, com isto, ver sindicadas as suas decisões, conforme inapelavelmente
resulta da configuração das proposições que a reclamante apresenta como sendo as
normas impugnadas: “não é necessário indicar os factos concretos para a
concretização do elemento subjectivo” (artigo 50.º do RGCO), e que “não é
necessário considerar e ponderar todos os critérios indicados nessa norma para
decidir a medida concreta da pena com base em factos concretos” (artigo 18.º do
RGCO), 'normas' que a reclamante extrai do texto da decisão reclamada mas que
não foram, como tal, aplicadas.
A questão seguinte assume os mesmos contornos: o tribunal terá
decidido, conforme afirma a reclamante, que “(…) o preenchimento das normas
ditas em branco por prescrições administrativas não é senão a consequência
necessária da própria natureza mutável, alterável e específica dos novos ramos
do direito, designadamente do direito das comunicações. A norma em questão
estabelece uma conexão clara com o Regulamento, enquadrando-se assim numa
técnica mais actual e consentânea com a complexidade dos fenómenos do sector das
comunicações.” Desta ponderação retira a reclamante a aplicação implícita do
artigo 84.º n.º 4 do REGICOM, conjugado com a alínea bbb) do n.º 1 do artigo
113.º do mesmo diploma e com o artigo 12.º do Regulamento n.º 1/2006 na
interpretação segundo a qual, 'invocando aquele primeiro preceito legal, o
ICP-ANACOM pode criar quaisquer normas e determinar que o respectivo
incumprimento corresponde a ilícitos contra-ordenacionais, tudo por via
regulamentar e sem qualquer limite ou restrição'. Torna-se assim evidente que,
por esta via, a reclamante pretende, essencialmente, ver sindicadas os acórdãos,
nos aludidos trechos decisórios. E, diga-se, não é por não terem sido
explicitamente aplicadas tais normas que o Tribunal não pode conhecer do
recurso, na parte correspondente, mas por estar em causa a decisão concreta da
respectiva aplicação, o que é insindicável perante este Tribunal.
E o mesmo ocorre quanto à restante matéria.
Com efeito, a reclamante pretende apreciar os artigos 410.º n.º 2 e
428.º n.ºs 1 e 2, este último a contrario, todos do Código de Processo Penal (e,
implicitamente, o artigo 75.º do RGCO) com o sentido de 'não conhecer todas as
questões suscitadas pela recorrida e de condenar a arguida sem se ocupar da
análise de todos os elementos essenciais que têm que constar de uma sentença
condenatória nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP'; e o artigo 75.º n.º 2
alínea a) do RGCO e artigo 404.º do Código de Processo Penal, com o sentido de
que 'é necessário ao arguido interpor recurso subordinado de decisão absolutória
proferida em primeira instância relativamente aos recursos interpostos pelo
Ministério Público e pela Autoridade Administrativa, para que sejam apreciadas
todas as questões que configuram nulidades insanáveis, de conhecimento oficioso
ou outras nulidades que tenham sido suscitadas no processo quando tais nulidades
foram sublinhadas, tendo sido, inclusivamente, requerido o respectivo
conhecimento nas respostas apresentadas pelo arguido aos recursos interpostos
pelo Ministério Público e pela Autoridade Administrativa.' Ora a simples leitura
destes trechos revela que não comportam uma estrutura normativa, não sendo, por
isso, 'normas aplicadas na decisão recorrida'.
É, aliás, bem patente que a Relação não aplicou o artigo 404º do
Código de Processo Penal como ratio decidendi da sua decisão: Na verdade,
referindo-se o preceito ao recurso subordinado em processo penal, é bem certo
que nenhum recurso desse género foi interposto no processo ou sequer estava em
apreciação. O que se passa é que o Tribunal recorrido retirou da configuração
legal desse recurso argumentos para decidir uma das questões que devia apreciar
num certo sentido. Ora a simples mobilização de preceitos legais na argumentação
com que os tribunais fundamentam as suas ponderações não constitui a aplicação
de uma norma como ratio decidendi da decisão para efeito da interposição do
recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade.
Nada mais é necessário afirmar para concluir pela improcedência da
reclamação.
3. Decisão
Nestes termos, o Tribunal decide indeferir a reclamação e confirmar a decisão
sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas a cargo da reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 18 de Março de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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