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Processo n.º 44/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. No processo sumário n.º 552/07.4GTBRG do Tribunal Judicial da comarca de
Guimarães, por sentença datada de 7 de Dezembro de 2007, foi o arguido A.
condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de
embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 65 dias
de multa à taxa diária de € 7,00 (num total de € 544) e na sanção acessória de 4
meses e 14 dias de proibição de condução de veículos motorizados.
O arguido, que requerera a suspensão provisória do processo e vira esse
requerimento indeferido no início da audiência, interpôs recurso, tendo
concluído, além do mais, o seguinte:
“(…)
9ª Aliás, a interpretação do disposto no artigo 281.º n.º 1 do Código de
Processo no sentido de que vindo ao arguido imputado um crime de condução em
estado de embriaguez, não tendo antecedentes criminais por crimes da mesma
natureza, nem haja sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo
anteriormente por crime de idêntica natureza e não sendo de aplicar a medida de
internamento, se pode negar a aplicação do instituto da suspensão provisória do
processo sem aquilatar e conhecer dos factos alegados pelo arguido, é
inconstitucional por violação das garantias de defesa, do princípio do
contraditório e do Estado de Direito ínsitos nos artºs. 2º, 32.º n.ºs 1 e 5 da
Constituição.
(…)
Por acórdão de 6 de Outubro de 2008, o Tribunal da Relação de Guimarães
negou provimento ao recurso com a seguinte fundamentação ( na parte que
interessa a esta questão):
“(…)
E assim se quando, como nos autos, se levantar a questão de eventual pedido de
suspensão do processo, pode e deve o juiz, face aos elementos já presentes nos
autos:
a) optar por aceitar tal sugestão ou pedido e passar de imediato a procurar
obter a(s) concordância(s) que falte(m).
b) proceder a diligência sugeridas ou requeridas mas desde que isso não brigue
com a tal simplificação processual, celeridade e mínimo indispensável para a
decisão.
c) entender que a gravidade da situação não é de molde a possibilitar a
suspensão do processo e assim, optar por, sem delongas, sujeitar o arguido a
julgamento.
De notar que um dos fins da suspensão do processo é precisamente evitar a
sujeição do arguido a julgamento, face ao estigma ou vexame que este constitui
por si mesmo, pelo que no processo sumário, optando-se pelo julgamento imediato,
fica tal desiderato prejudicado.
Nada que o legislador não tenha previsto, pois que decorre da natureza urgente e
simplificada que pretendeu dar a tal forma processual.
É na eterna procura entre os valores da celeridade e segurança, entendeu o
legislador dar aqui primazia à primeira, sem esquecer as garantias mínimas a dar
ao arguido.
No caso que ora cuidamos, foi o que se decidiu em 1ª instância de modo sintético
e simples (como é desígnio do processo sumário). O caso revelava contornos que,
sem mais, desaconselhavam à suspensão do processo, tanto mais que a
jurisprudência conhecida, em casos como o dos autos (crime de condução de
veículo em estado de embriaguez), se vai contra a suspensão da medida da pena e
da sanção acessória, por maioria de razão tem de rejeitar a suspensão de todo o
processo.
E proibindo a lei a prática de actos inúteis (artº 137º do CPC), não poderia o
tribunal a quo proceder a diligências prévias que já reputava supérfluas ou
inócuas para a decisão a tomar, e que sempre seria a mesma, independentemente da
prova que delas resultasse.
Assim e concluindo, a lei actual permite a suspensão do processo sumário em fase
do julgamento, já que a fase anterior, sob direcção do Ministério Público, por
razões de celeridade, dificilmente proporciona ao arguido a possibilidade ou
oportunidade de o requerer. Quanto ao assistente, só o será, em princípio, já
depois do processo autuado como sumário, “se assim o solicitarem, mesmo que
verbalmente, no início da audiência” (artº 389º do CPP), pelo que só em fase de
julgamento pode requerer a suspensão do processo.
No caso em apreço, dada a gravidade dos factos indiciados e pelos quais acabou
por ser condenado, bem andou o juiz ao indeferir quer as diligências, quer a
suspensão do processo.”
2. O arguido, depois de um pedido de aclaração e de uma arguição de nulidades,
interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), que foi admitido.
Convidado, neste Tribunal, a fazer as especificações exigidas pelo artigo 75.º-A
da LTC, respondeu nos termos do requerimento de fls. 200, do qual, atendendo à
decisão a proferir, sobretudo interessa a definição do objecto do recurso.
3. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade com
regras ou princípios constitucionais imputada a normas jurídicas ou a
interpretações normativas de que a decisão recorrida tenha feito efectiva
aplicação (como ratio decidendi) ou a que tenha recusada aplicação com
fundamento em inconstitucionalidade.
Não lhe cabe apreciar questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a
decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou que nisso, afinal, se
resolvam. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a
uma interpretação normativa daqueles em que não pode deixar de considerar-se
que o que está em causa, ainda que por desconformidade à Constituição, é a
decisão judicial em si mesmo, radica em que na primeira hipótese é discernível
na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual depois se
subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso,
susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está
em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às
particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
4. O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a
constitucionalidade de uma norma assim construída:
“O recurso vem interposto da interpretação do disposto no artº 281.º n.º 1 do
Código de Processo Penal no sentido de que vindo ao arguido imputado um crime de
condução em estado de embriaguez, não tendo antecedentes criminais por crimes da
mesma natureza, nem haja sido aplicado o instituto da suspensão provisória do
processo anteriormente por crime de idêntica natureza e não sendo de aplicar a
medida de internamento, se pode negar a aplicação do instituto da suspensão
provisória do processo sem aquilatar e conhecer dos factos alegados pelo
arguido, que se entende ser inconstitucional por violação das garantias de
defesa, do princípio do contraditório e do Estado de Direito ínsitos no artºs.
2º, 32º n.ºs 1 e 5 da Constituição.”
Sucede que esta interpretação normativa não corresponde à ratio decidendi do
acórdão recorrido.
A Relação decidiu duas substanciais coisas:
- Que o caso revelava contornos que, sem mais, desaconselhavam a suspensão
provisória do processo, dada a gravidade dos factos indiciados e pelos quais o
arguido acabou por ser condenado (crime de condução de veículo em estado de
embriaguez);
- Que, proibindo a lei a prática de actos inúteis, não poderia o tribunal
proceder a diligências que já reputava de supérfluas ou inócuas para a decisão a
tomar, que sempre seria a mesma independentemente da prova que delas resultasse.
São, efectivamente coisas distintas, susceptíveis de colocar problemas de
constitucionalidade autónomos e de ser confrontados com diferentes parâmetros,
saber quando se justifica a medida de suspensão provisória do processo e saber
se devem praticar-se as diligências requeridas para instrução de um pedido dessa
natureza mesmo quando se tenha concluído, em apreciação liminar, que o pedido é
manifestamente improcedente.
Ora, esta segunda vertente da questão não pode ser absorvida pela enunciação
normativa a que o recorrente procede. Designadamente, o seu suporte legal não
reside (ou não reside isoladamente) no n.º 1 do artigo 281.º do Código de
Processo Penal. Encontra base legal – aliás expressamente invocada na decisão –
no princípio da proibição de actos processuais inúteis, que o acórdão funda no
artigo 137.º do Código de Processo Civil e de que fez aplicação subsidiária.
Portanto, tendo o recorrente omitido na identificação do objecto do recurso um
aspecto essencial da ratio decidendi não pode tomar-se conhecimento do objecto
do recurso, por não versar sobre a norma efectivamente aplicada.
5. De todo o modo, há que ter presente que o acórdão recorrido chegou à
conclusão de que, face aos factos provados, nunca se justificaria a suspensão
provisória do processo, bem tendo andado o juiz de 1.ª instância em indeferir
“quer as diligências, quer a suspensão do processo”. Além disso, confirmou a
sentença condenatória julgando a pena e a sanção acessória adequadas à gravidade
do crime praticado, assim reafirmando implicitamente o juízo acerca da não
justificação da suspensão do processo. Vale por dizer que considerou a imediata
imposição de pena necessária para satisfazer as exigências de prevenção que no
caso se fazem sentir.
Ora, saber se as exigências de prevenção geral e especial toleram que se aplique
o instituto da suspensão provisória do processo, relativamente a um arguido que
não tenha antecedentes criminais nem tenha beneficiado dessa medida por crime de
idêntica natureza, é questão que respeita já à aplicação dos critérios legais ao
caso concreto. Implica uma valoração das particularidades do caso e um juízo de
prognose (alínea f) do n.º 1 do artigo 281.º do CPP) que extravaza da questão de
constitucionalidade normativa, a única para que o Tribunal detém competência.
Mas, assim sendo, sempre seria inútil averiguar agora se é inconstitucional que,
no momento em que o arguido requer a suspensão provisória do processo, o
Tribunal deixe de praticar as diligências instrutórias requeridas para esse fim
com base numa apreciação liminar da inviabilidade de aplicação do instituto.
Pelo que, também nesta perspectiva, atendendo à natureza instrumental do recurso
de constitucionalidade, não deve conhecer-se do recurso interposto.
6. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC decide-se não tomar
conhecimento do recurso interposto e condenar o recorrente nas custas, fixando a
taxa de justiça em 7 (sete) UCs.”
2. O recorrente deduziu reclamação, ao abrigo do n.º 3 do citado
artigo 78.º-A da LTC, alegando o seguinte:
“1.1. DA DESNECESSIDADE DA ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTº 137º DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Nos termos do disposto no artº 70º nº 1 al. b) da LTC cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Sendo que, nos termos do disposto no artº 72º nº 2 da LTC, a questão deve ser
suscitada de forma processualmente adequada, ou seja perante o Tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
Quanto a este último segmento do artº 72º nº 2 da LTC é jurisprudência corrente
do Tribunal Constitucional que não é admissível a invocação da questão de
constitucionalidade no requerimento de aclaração ou de arguição de nulidades.
Ora, a questão em causa foi suscitada atempadamente na motivação de recurso
apresentada, sendo que a invocação do artº 137º do Código de Processo Civil -
inusitada, aliás - consta do acórdão recorrido.
No entanto, é entendimento do recorrente que não tinha de suscitar a
inconstitucionalidade dessa norma citada pelo acórdão recorrido.
De facto, o recorrente interpôs recurso da interpretação do disposto no artº
281º n.º1 do Código de Processo Penal no sentido de que vindo ao arguido
imputado um crime de condução em estado de embriaguez, não tendo antecedentes
criminais por crimes da mesma natureza, nem haja sido aplicado o instituto da
suspensão provisória do processo anteriormente por crime de idêntica natureza e
não sendo de aplicar a medida de internamento, se pode negar a aplicação do
instituto da suspensão provisória do processo sem aquilatar e conhecer dos
factos alegados pelo arguido, que se entende ser inconstitucional por violação
das garantias de defesa, do princípio do contraditório e do Estado de Direito
ínsitos nos artºs 2º, 32º n.º 1 e 5 da Constituição.
Ora, nos termos do disposto no nº1 do artº 281º do Código de Processo Penal se o
crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção
diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do
arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a
suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de
conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a) Concordância do arguido e do assistente;
b) ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c) ausência de aplicação anterior da suspensão provisória do processo por crime
da mesma natureza;
d) não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e) ausência de um grau de culpa elevado; e
f) ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda
suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
Todos os requisitos supra expostos se verificavam no caso dos autos, sendo que
relativamente ao da al. a) não havendo assistente, bastaria a concordância do
arguido.
Mas para se aquilatar do preenchimento das alíneas e) e f) do nº1 do artº 281º
do Código de Processo Penal tem, naturalmente, de ser ouvida a prova que o
arguido requereu e, designadamente, proceder-se à sua inquirição, o que não
aconteceu.
O Tribunal não pode, sem realizar qualquer diligência, aquilatar do grau de
culpa do arguido ou saber se é de prever que o cumprimento das injunções e
regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no
caso se façam sentir.
De facto, indeferir-se liminarmente o requerido pelo arguido, independentemente
de se aplicar ou não o artº 137º do Código de Processo Civil, equivale, além de
tudo, a fazer-se um pré-juízo do elevado grau de culpabilidade por parte do
arguido, nada condizente com um Estado de Direito Democrático.
Com efeito, “O processo de aplicação do instituto no inquérito é o seguinte:
havendo indícios suficientes da prática de um crime, o M P. deve apurar in
concretu o pressupostos da suspensão do processo.
Caso não se verifiquem estes pressupostos, o M P. deduz acusação.
Caso se verifiquem os pressupostos da suspensão e, designadamente, o acordo do
arguido e do assistente sobre as injunções e regras de conduta, o M P. deve
colher a concordância do juiz de instrução para o efeito.” - cfr. Comentário do
Código de Processo Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 721 e 722.
Ora, aplicando estes ensinamentos ao processo sumário o M. P. e o juiz de
julgamento devem apurar em concreto se estão ou não preenchidos os pressupostos
de aplicação do instituto e para que esse apuramento seja feito “em concreto”,
estes não podem deixar de ouvir o arguido
Em face do que se alega, a Relação lançou apenas uma base legal para a
inexplicável decisão da 1ª instância.
E, com todo o respeito por opinião contrária, julgar-se um acto inútil a
inquirição do arguido e das testemunhas por si arroladas, em qualquer fase do
processo, ainda que em processo sumário, é inqualificável.
Assim, a invocação do artº 137º do Código de Processo Civil trata-se de um mero
fait divers que em nada altera o alegado pelo arguido e a questão de
constitucionalidade suscitada.
Dizer-se, antes de produzida a prova, que não estão preenchidos os requisitos da
suspensão provisória do processo, tendo em conta apenas a medição do “teste do
balão”, é dizer-se que o grau de culpa se afere ou mede por esse mesmo exame,
independentemente das circunstâncias que rodearam o eventual cometimento do
crime.
Quando muito, a base legal do entendimento que se sufragou enquadrar-se-ia no
artº 340º nº 4 al. a) do Código de Processo Penal, no entanto, ainda que se
citasse tal norma, sempre a mesma seria inócua para a questão de
constitucionalidade suscitada.
A questão que subjaz à do presente recurso é a de saber se o Tribunal pode ou
não concluir pelo indeferimento da suspensão provisória do processo, concluindo
que a gravidade dos factos o desaconselha, sem que confira o contraditório ao
arguido e conhecer dos factos por si alegados.
Com efeito, concluir-se como se concluiu na primeira instância e no acórdão
recorrido que o arguido, por ser portador de um determinado grau de alcoolemia,
desde logo lhe está vedada a suspensão provisória do processo, sem que este
possa contraditar tal prova e/ou alegar algo em sua defesa, é o mesmo que
afastar a possibilidade da aplicação do instituto da suspensão provisória do
processo ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
E tal conclusão é ilegal nos dizeres da própria Relação de Guimarães no Acórdão
de 20 de Fevereiro de 2006, publicado in CJ, Ano XXXI, tomo 1, pág. 235, no qual
se diz “Sendo o instituto da suspensão provisória do processo admissível quanto
a todos os crimes puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos, não
pode o julgador criar excepções onde o legislador não distinguiu, pelo que
aquela medida se aplica ao crime de condução em estado de embriaguez.”
Tendo em conta o supra exposto, deve entender-se que, atentos os princípios do
Estado de Direito, das garantias de defesa e do contraditório, não há lugar a
qualquer apreciação liminar do grau de culpa do arguido, sem que nenhuma prova
seja produzida para efeito da aplicação do instituto da suspensão provisória do
processo.
1.2 - A EVENTUAL INSTRUMENTALIDADE DA DECISÃO DO PRESENTE RECURSO
Acrescenta ainda a decisão impugnada que seria inútil averiguar agora se é
inconstitucional que, no momento em que o arguido requer a suspensão provisória
do processo, o Tribunal deixe de praticar as diligências instrutórias requeridas
para esse fim com base numa apreciação liminar da inviabilidade de aplicação do
instituto.
E diz-se isto porque no acórdão recorrido se “considerou a imediata imposição de
pena necessária para satisfazer as exigências de prevenção que, no caso, se
fazem sentir.”
Quanto à análise deste passo da decisão reclamada convém referir que o arguido
em processo sumário tem de requerer perante o juiz de julgamento a aplicação do
instituto da suspensão provisória do processo, uma vez que este tipo de processo
não conhece qualquer outra fase (inquérito ou instrução) que não seja a de
julgamento.
Assim, indeferida a requerida suspensão provisória do processo, seguir-se-á o
julgamento e a sentença, pelo que, necessariamente, se se interpuser recurso da
decisão da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, este virá
ser decidido, também necessariamente, depois da prolação da sentença.
Por outro lado, não é impeditivo do conhecimento do recurso de
constitucionalidade - nem pode ser - o facto de a sentença condenatória ter sido
confirmada pelo acórdão recorrido.
Isto porque aquele a quem possa vir a ser aplicada o instituto da suspensão
provisória do processo é, necessariamente, culpado e, portanto, em abstracto,
merecedor de uma pena.
O que está em causa na aplicação do supra aludido instituto é o grau de culpa,
ou seja, o juízo de censura que não se pode aquilatar tendo por base apenas um
mero “teste de balão”, sem que produza qualquer prova, ainda que requerida.
E já agora, como se diz na sentença recorrida (cfr. fls. 33), era média a
ilicitude da conduta...
Este juízo de censura que há-de ser de menor grau, seria sempre passível, em
abstracto, da aplicação de uma pena.
Assim, saber se as exigências de prevenção geral e, principalmente, especial,
toleram que se aplique o instituto da suspensão provisória do processo, há-de
ser sempre um juízo que se há-de fazer em momento posterior à produção da prova
por banda do arguido, se requerida.
De facto, a prevenção especial é indissociável do indivíduo, devendo entender-se
que se aquilata das exigências de prevenção especial quando se pondera se uma
pena actua sobre o condenado, quer no sentido seja segregador, afastando-o da
sociedade, quer seja educativo, adaptando-o à vida social - cfr. Dicionário de
Direito Penal e Processo Penal, Quid Juris, 2005, de Henrique Eiras e
Guilhermina Fortes, pág. 322, citando Eduardo Correia.
Por fim, dir-se-á que “o dever de privilegiar a aplicação da suspensão
provisória do processo, nos termos do art. 12º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 51/2007,
de 31/08, consubstancia uma opção democrática de política criminal do legislador
Português”, pelo que negar-se a sua aplicação sem se ouvir o arguido sobre o que
crime que lhe vem imputado, é olvidar essa directiva do legislador violando o
princípio do contraditório, das garantias de defesa e do Estado de Direito. -
cfr. itálico in Comentário do Código de Processo Penal, de Paulo Pinto de
Albuquerque, pág. 726.
Assim, não se pode sufragar também, nesta parte, a decisão reclamada, porquanto
o conhecimento dos factos alegados pelo arguido em sede de requerimento de
suspensão provisória do processo tem de ser anterior à decisão desse mesmo
requerimento e, designadamente, à verificação do preenchimento das alíneas e) e
f) do n.º 1 do art.º 281º do Código de Processo Penal.
E, assim sendo, a eventual revogação do despacho que indefere a suspensão
provisória do processo, determinaria também a revogação da sentença recorrida.
3. O Ministério Público responde que a reclamação é manifestamente improcedente,
em nada sendo os fundamentos da decisão reclamada abalados pela argumentação do
recorrente.
4. A decisão de não conhecimento do objecto do recurso assentou em
dois fundamentos:
- Não corresponder a norma identificada pelo recorrente à efectiva
ratio decidendi do acórdão recorrido (n.º 4 da “Decisão Sumária”);
- Inutilidade do recurso de constitucionalidade, atendendo à sua
natureza instrumental e a que, face ao sentido da decisão final, se tornou certo
que as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir não
se compadecem com a suspensão provisória do processo (n.º 5 da “Decisão
Sumária”).
Tratando-se de uma decisão com fundamentos alternativos, cada um
deles capaz, por si só e sem nexo de precedência necessária entre si, de
suportar a opção pelo não conhecimento do objecto do recurso, bastará que um
deles se confirme para manter o sentido da decisão e julgar a reclamação
improcedente.
Ora, a falta de razão do reclamante é manifesta quanto ao primeiro
fundamento.
Na verdade, o que está em causa não são os requisitos da suspensão
provisória do processo, mas a possibilidade de rejeição liminar do respectivo
incidente, possibilidade essa que o acórdão recorrido foi buscar à proibição da
prática de actos inúteis, como justificação determinante e não como mero “fait
divers” como pretende o arguido, ora reclamante. Com efeito, o acórdão recorrido
decidiu que não se justificava que o tribunal de 1.ª instância tivesse efectuado
quaisquer diligências em ordem a aquilatar da realidade dos factos alegados pelo
arguido para requerer a suspensão provisória do processo uma vez que “proibindo
a lei a prática de actos inúteis (artigo 137.º do CPC), não poderia o tribunal a
quo proceder a diligências prévias que já reputava supérfluas ou inócuas para a
decisão a tomar, e que sempre seria a mesma, independentemente da prova que
delas resultasse”. E é inquestionável que a norma que o recorrente pretende ver
apreciada não contempla esta dimensão normativa essencial e a respectiva base
legal, pelo que o recurso não pode prosseguir por não ter como objecto a norma
efectivamente aplicada, como é exigido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC.
Foi o que na decisão reclamada se decidiu e agora se confirma, sem
necessidade de examinar o outro fundamento da reclamação, cuja apreciação fica
prejudicada.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar a reclamação improcedente e condenar o recorrente
nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 24/3/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
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