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Processo n.º 906/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Por sentença de 18 de Maio de 1972 do Tribunal do
Trabalho do Porto foi homologado o acordo celebrado entre o sinistrado A.,
nascido em 16 de Maio de 1952, e a Companhia de Seguros B., e esta condenada a
pagar àquele, além do mais, a pensão anual e vitalícia de 3672$53, em
consequência de acidente de trabalho ocorrido em 21 de Maio de 1971, de que
lhe resultou 32% de incapacidade parcial permanente. O acidente resultou de,
quando o sinistrado, que exercia as funções de pré‑oficial chapeiro da empresa
C., SARL, batia com um martelo numa chapa, lhe ter saltado uma porção de aço
para o olho esquerdo, provocando‑lhe as lesões descritas no auto de fls. 14.
Em 30 de Março de 1995, o sinistrado, patrocinado pelo
Ministério Público, referindo ter obtido informação, por parte de um médico
especialista em oftalmologia, da possibilidade de, mediante intervenção
cirúrgica, com colocação de lente intra‑ocular, recuperar a visão do olho
esquerdo, veio requerer que pela seguradora fosse custeada tal intervenção, já
que, apesar de já ter decorrido o prazo estabelecido no n.º 2 da Base XXII da
Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, para poder ser requerida a revisão da
incapacidade, a pretensão deduzida se fundava na Base IX da mesma Lei, que
prevê, como uma das formas de reparação dos acidentes de trabalho, prestações em
espécie tendo por finalidade restabelecer o estado de saúde e a capacidade de
trabalho e de ganho dos sinistrados e que se mostrem necessárias à sua
recuperação para a vida activa, não estando legalmente prevista qualquer fixação
de prazo preclusivo no que concerne a estas prestações.
Tendo a seguradora, na sua resposta, invocado o decurso
do prazo de 10 anos fixado na aludida Base XXII, n.º 2, o que determinaria a
falta de fundamento da pretensão, por despacho judicial de 8 de Maio de 1995,
entendendo‑se não se tratar de situação de revisão da incapacidade ou pensão do
sinistrado, prevista nessa Base, mas antes de situação enquadrável na previsão
da Base IX da aludida Lei e no artigo 25.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de
Agosto, foi determinada a audição do perito médico do Tribunal para se apurar,
com segurança e isenção, da possibilidade de recuperação da visão do olho
esquerdo.
No relatório do perito médico, datado de 21 de Junho de
1995, refere‑se que a situação de incapacidade do sinistrado “é susceptível de
ser modificada”, dado que, “graças aos avanços das técnicas cirúrgicas, é hoje
possível a introdução de uma lente na câmara anterior do globo ocular, com a
dupla vantagem de lhe melhorar a visão e de lhe possibilitar a recuperação da
visão binocular”, acrescentando‑se que “esta técnica era impraticável à data do
acidente e hoje é prática corrente nos sinistrados com traumatismos oculares,
conseguindo‑se obter um grande número de totais recuperações para o trabalho”.
Tendo a seguradora acabado por aceitar dar satisfação à
pretensão do sinistrado, através dos seus serviços, “com a reserva de,
subsequentemente e em função dos resultados da intervenção cirúrgica, requerer a
revisão da pensão” (comunicação de 9 de Novembro de 1995), uma primeira
intervenção cirúrgica teve lugar em 31 de Janeiro de 1996, mas, por indicação
médica, o sinistrado teve de ser reoperado, em 8 de Maio de 1996; no entanto,
após a alta, em 3 de Setembro de 1996, o mesmo manteve a anterior desvalorização
de 32% (comunicações da seguradora de 27 de Março de 1996, 13 de Junho de 1996 e
30 de Outubro de 1996).
Mediante promoção do Ministério Público, foi, por
despacho judicial de 9 de Julho de 2003, determinada a remição obrigatória da
pensão, tendo a entrega do capital de remição ao sinistrado ocorrido em 29 de
Outubro de 2003.
Em 14 de Dezembro de 2007, o sinistrado endereçou ao
representante do Ministério Público no Tribunal do Trabalho do Porto exposição
em que dava conta de novo agravamento do seu estado de saúde a partir do início
desse ano, devido a diversas infecções provocadas pela rejeição do enxerto
efectuado em 1996, e que lhe fora referido por um dos médicos que o assistiu que
só uma nova cirurgia de enxerto poderia evitar a perda completa da visão, tendo
aquele magistrado promovido a audição da seguradora face a tal pretensão.
Na sequência de diversas diligências, a seguradora, em
11 de Setembro de 2008, informou que o sinistrado iria ser submetido a
transplante da córnea logo que lhe fosse fornecida córnea de dador compatível.
Entretanto, em 12 de Março de 2008, o sinistrado
requerera exame de revisão, “uma vez que se sente pior no que às lesões sofridas
diz respeito”.
Relativamente a este requerimento, foi proferido, em 13
de Outubro de 2008, o seguinte despacho judicial:
“O sinistrado veio requerer exame de revisão.
A seguradora opôs‑se a tal requerimento, por já terem passado mais
de dez anos sobre a fixação da pensão, como consta a fls. 153.
O Ministério Público pronunciou‑se no sentido do deferimento do
requerido, conforme douta promoção de fls. 159 a 160.
Importa decidir.
Como resulta da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,
aplicável nos autos, o exame de revisão só poderá ser requerido dentro dos dez
anos posteriores à data da fixação da pensão.
Porém, o Tribunal Constitucional julgou já inconstitucional tal
normativo, por violação do direito à justa reparação, consagrado no artigo
59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (v. Diário da República, II
Série, de 3 de Maio de 2006).
Na verdade, considerar a impossibilidade de rever a pensão obsta a
que o sinistrado seja, em concreto, reparado de forma justa, caso se venha a
demonstrar o agravamento da situação clínica por ele invocado.
Acresce que, não obstante tenham decorrido mais de vinte anos desde
a fixação da pensão, apesar de notificada, a seguradora não veio invocar a
prescrição.
Em conformidade, entendemos que, não obstante não sejam
coincidentes a situação dos autos e aquela avaliada no referido Acórdão do
Tribunal Constitucional, os fundamentos neste aduzidos têm de igual modo
aplicação na situação dos autos, sob pena de resultar violado o aludido preceito
constitucional (v. neste sentido, Acórdão da Relação do Porto, de 19 de
Novembro de 2007, in www.dgsi.pt/jtrp).
Nestes termos, decide‑se recusar, por inconstitucional, a aplicação
daquele normativo da Lei n.º 2127 e, em consequência, deferir o requerido exame
de revisão.”
É contra este despacho que, pelo representante do
Ministério Público no Tribunal do Trabalho do Porto, vem interposto o presente
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver
apreciada a inconstitucionalidade, por violação do direito à justa reparação
consagrado no artigo 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP),
da norma contida na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Neste Tribunal, o representante do Ministério Público
apresentou alegações, concluindo:
“1.º – Face ao decidido nos Acórdãos n.ºs 155/2003, 147/2006 e 612/2008, a norma
constante do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, ao consagrar um prazo
preclusivo de 10 anos, contados da fixação originária da pensão, para a revisão
da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, com fundamento em invocado
agravamento superveniente das lesões sofridas, num caso em que não ocorreu
qualquer actualização intercalar do grau de incapacidade e já se mostram
decorridos mais de 20 anos sobre a data da fixação originária da pensão, não
afronta o princípio da igualdade ou o direito do sinistrado à justa reparação,
previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República
Portuguesa.
2.º – Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. A possibilidade de revisão das prestações devidas
por acidentes de trabalho quando o estado de saúde do sinistrado conheça
evolução, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, com consequente
alteração da sua capacidade de ganho, foi prevista, pela primeira vez, no
artigo 33.º do Decreto n.º 4288, de 22 de Maio de 1918, que não continha
expressa estatuição de qualquer prazo para o exercício do correspondente
direito.
O artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936,
introduziu a exigência de o requerimento da revisão das pensões por
incapacidade permanente, com fundamento em modificação na capacidade geral de
ganho da vítima do acidente, ser formulado “durante o prazo de cinco anos, a
contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença”
e “desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, t[ivessem]
decorrido seis meses, pelo menos”.
Por seu turno, a Lei n.º 2127, na sua Base XXII, veio
dispor:
“1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da
vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou
doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese
ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou
extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores
à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos
dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo,
designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior,
podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos,
só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.”
Constata‑se, assim, que, comparativamente ao regime
legal precedente, a Lei n.º 2127 veio permitir a revisão das várias
“prestações” (incluindo, assim, as reparações em espécie) e não apenas das
“pensões por incapacidade permanente”, alargou de cinco para dez anos o prazo
durante o qual a revisão podia ser requerida e possibilitou a sua formulação
“uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos
imediatos”.
O regime dessa Lei, com adaptações de pormenor, foi
reproduzido no novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças
profissionais, constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cujo artigo 25.º
dispõe:
“1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do
sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão
ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de
prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as
prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de
harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores
à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos,
e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é
aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em
qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no
fim de cada ano.”
Os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º
2127 e mantidos na Lei n.º 100/97 surgiram da “verificação da experiência
médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior
incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível
requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o
legislador fixou generosamente em dez anos)”(cf. Carlos Alegre, Regime Jurídico
dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2.ª edição, Coimbra,
2000, pág. 128).
Consigne‑se, por último, que a Proposta de Lei n.º 88/X
(Diário da Assembleia da República, X Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, II
Série‑A, n.º 1, de 16 de Setembro de 2006, pp. 15‑51), que tinha por objecto a
regulamentação dos artigos 281.º a 312.º do Código do Trabalho, aprovado pela
Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, relativos aos acidentes de trabalho e doenças
profissionais, apresentava como uma das suas novidades o abandono da “regra de
que a pensão por acidente de trabalho só pode ser revista nos 10 anos
posteriores à sua fixação, uniformizando‑se o regime já presentemente aplicável
às doenças profissionais, permitindo‑se a sua revisão a todo o tempo, salvo nos
dois primeiros anos subsequentes à fixação da pensão, em que só pode ser
requerida uma vez no fim de cada ano” (da “Exposição de motivos”). Do proposto
artigo 58.º constava: “1 – Quando se verifique uma modificação na capacidade de
trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva,
recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de
intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos
técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e
reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser
alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada. 2 – A revisão
pode ser efectuada oficiosamente, a requerimento do sinistrado ou do responsável
pelo pagamento. 3 – A revisão pode ser requerida a qualquer momento, salvo nos
dois primeiros anos subsequentes à fixação da pensão, em que só pode ser
requerida uma vez no fim de cada ano.” Essa Proposta de Lei foi aprovada na
generalidade em 1 de Fevereiro de 2007, tendo baixado de imediato, para
apreciação na especialidade, à Comissão de Trabalho e Segurança Social, mas não
se encontra registo, no site da Assembleia da República, de qualquer evolução
posterior.
2.2. Na primeira pronúncia do Tribunal Constitucional
sobre a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, o Acórdão n.º 155/2003
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 55.º vol., p. 701) julgou improcedentes
as arguições de inconstitucionalidade sustentadas pelo respectivo recorrente com
base em violação do princípio da igualdade, numa dupla perspectiva: (i) em
comparação com os sinistrados que, tendo requerido uma primeira revisão dentro
dos primeiros dez anos, ficariam habilitados, segundo certo entendimento
jurisprudencial, a requerer indefinidamente sucessivas revisões, desde que
formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente
revisão; e (ii) ao não conferir tratamento diferenciado aos casos em que a
pensão é fixada na menoridade do sinistrado, em situações em que não é possível
aferir, com exactidão, quais as sequelas futuras da incapacidade.
Quanto à primeira perspectiva, considerou‑se nesse
Acórdão que: “não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do
legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da
pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente
que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução
justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada”,
acrescentando‑se que “diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem
ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da
efectiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente
modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que
indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada”, para se
concluir pela não violação do princípio da igualdade na primeira perspectiva
assinalada, já que se verificava, nas situações em que ocorrera revisão da
incapacidade dentro dos primeiros dez anos posteriores à data da fixação da
pensão, um factor de instabilidade que não ocorria nas situações em que
decorrera por completo esse prazo sem que tivesse sido requerida qualquer
revisão, “o que não permitiria considerar como constitucionalmente ilegítima a
apontada diferenciação de regimes”.
Reconhecendo que “mereceria melhor ponderação a
questionada violação do princípio da igualdade na segunda perspectiva apontada”,
uma vez que “se o prazo de dez anos sem formulação de pedidos de revisão pode
ser considerado como suficiente para reputar como consolidado o juízo sobre o
grau de incapacidade permanente, quando este juízo respeita a um sinistrado
adulto, já seria questionável se esse prazo continuaria a ser suficiente nos
casos em que o acidente e a fixação da incapacidade respeitam a um menor, ainda
na adolescência (…), em plena fase de crescimento físico, isto é, com formação
corporal longe de estar completa e em que, por isso, são mais plausíveis
alterações no grau de incapacidade”, entendeu‑se, porém, que, no caso em
apreço, em que o recorrente não apenas não apresentara o pedido de revisão da
pensão no prazo de dez anos posterior à data da fixação da pensão, como nem
sequer o fizera nos dez anos posteriores à data em que atingira a maioridade,
só o formulando quando já tinha 39 anos de idade, “nunca um hipotético juízo de
inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, que este Tribunal
Constitucional pudesse emitir relativamente ao prazo do pedido de revisão de
pensões fixadas na menoridade do sinistrado poderia ter o alcance de fazer
dilatar aquele prazo até à idade em que o recorrente a formulou, pelo que,
atento o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, não há
interesse em apreciar a existência de fundamento para a eventual prolação desse
juízo”.
2.3. Foi no Acórdão n.º 147/2006 (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 64.º vol., p. 669) que o Tribunal Constitucional se confrontou
directamente com a compatibilidade da norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º
2127 com o direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de
acidente de trabalho ou de doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º
1, alínea f), da CRP, tendo julgado inconstitucional, por violação deste
direito, aquela norma quando “interpretada no sentido de consagrar um prazo
absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação
inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de
trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos
casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos
tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o
agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado”.
A delimitação do juízo de inconstitucionalidade emitido
resultou da concreta dimensão da norma questionada no recurso então em apreço,
tendo o Tribunal Constitucional salientado que “na averiguação da conformidade
constitucional da solução limitativa, actualmente consagrada na interpretação
normativa em apreço, o que está em questão não é qualquer imposição
constitucional de uma ilimitada possibilidade de revisão das pensões devidas por
acidente de trabalho”, ou seja, não estava “em causa a apreciação de uma
eventual tese segundo a qual qualquer regime de caducidade ou de
prescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por acidente
de trabalho seria inconstitucional”.
Após salientar que “o instituto da revisão das pensões
justifica‑se, quer nos casos de pensões por acidentes de trabalho, quer nos
casos de pensões por doenças profissionais, pela necessidade de adaptar tais
pensões à evolução do estado de saúde do titular da pensão, quando este se
repercuta na sua capacidade de ganho”, desenvolveu o aludido Acórdão a seguinte
argumentação:
“Assegura‑se assim o direito constitucional do trabalhador à justa
reparação – direito previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição
–, pois que a revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados
no momento da fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se
anteciparam, reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se
produziram.
Justificando‑se a revisão, quanto a ambas as categorias de pensões,
em atenção à referida necessidade de adaptação à evolução do estado de saúde do
seu titular, o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar
algum fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse
concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses
dez anos.
Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente –
como, aliás, realça o Ministério Público nas alegações – que nada impede a
progressão da lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a
fixação da pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer
seja uma doença profissional.
Sendo possível essa progressão em ambos os casos, só uma concepção
que considerasse a vítima de doença profissional digna de maior tutela do que o
sinistrado por acidente de trabalho permitiria entender a existência de um prazo
preclusivo apenas no caso da revisão da pensão deste último.
Esta concepção é, porém, de rejeitar liminarmente. Para além de não
assentar, tal como aquela a que anteriormente se fez referência, em qualquer
fundamento racional, ela sempre esqueceria que a norma constitucional que prevê
o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de
acidente de trabalho ou de doença profissional (o referido artigo 59.º, n.º 1,
alínea f), da Constituição), não distingue a vítima de acidente de trabalho face
à vítima de doença profissional, no que se refere à reparação.
Poderia porventura aventar‑se a hipótese de à norma ora em análise
estar subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema
português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta – ou, pelo
menos, assentava durante a vigência dessa norma – «numa óptica de
responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras»
(sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças
profissionais, veja‑se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas
práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, pp. 157‑160).
Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia também qualquer
fundamento racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do
direito do trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério
de contenção de custos apenas no caso de acidente de trabalho.
Alguma doutrina que se pronunciou a propósito do prazo preclusivo
ora em análise chegou a sustentar que «seria de todo justo e vantajoso que, em
futura alteração da lei, se eliminasse qualquer prazo limite para a
possibilidade de revisão» (Carlos Alegre, ob. cit., p. 105). Também a propósito
de preceito similar da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, actualmente em vigor,
se defendeu não existirem «razões para limitar o prazo de revisão nos acidentes
de trabalho» (Paulo Morgado de Carvalho, «Um olhar sobre o actual regime
jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais: Benefícios e
Desvantagens», in Questões Laborais, ano X, n.º 21, 2003, p. 74 e ss., p. 89).
Impõe‑se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em
apreço – ao considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10
anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da
pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em
agravamento superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum,
a revisão de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o
termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se
ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não
tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo
59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental
dos trabalhadores à «assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente
de trabalho ou de doença profissional», não é constitucionalmente aceitável,
como refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha
«fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral,
inviabilizando‑lhe a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos
futuros que – causalmente ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação
à data fixada na norma objecto do presente recurso», desde que, naturalmente,
não se mostre excedido o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por
acidente de trabalho ou doença profissional.”
Juízos de inconstitucionalidade idênticos ao formulado
no Acórdão n.º 147/2006, e com adesão à fundamentação neste desenvolvida, foram
proferidos no Acórdão n.º 59/2007 e nas Decisões Sumárias n.ºs 390/2008,
470/2008 e 36/2009, em casos em que, no decurso do prazo de 10 anos após a
fixação da pensão inicial, também tinham ocorrido actualizações da pensão
inicialmente fixada, na sequência de revisões que demonstraram o agravamento
da incapacidade dos sinistrados seus titulares.
2.4. No presente caso, porém, nenhuma actualização da
pensão ocorreu, em consequência do reconhecimento judicial do agravamento da
incapacidade do sinistrado, no período de 10 anos posterior à fixação inicial da
pensão, tendo o pedido de revisão sido formulado (em 12 de Março de 2008) quase
36 anos após a fixação da pensão (em 18 de Maio de 1972).
Num caso em que não havia ocorrido qualquer revisão da
pensão no prazo inicial de 10 anos, o recente Acórdão n.º 612/2008, da 3.ª
Secção deste Tribunal, proferido em recurso interposto de acórdão do Tribunal da
Relação do Porto – que desaplicara a norma da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127,
por inconstitucionalidade, no ponto em que fixa um prazo preclusivo de dez anos
para a formulação do pedido de revisão, baseando‑se para tanto na fundamentação
constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2006 –, começou
justamente por salientar a diferença da situação com que se confrontava e
daquela sobre que versara o Acórdão n.º 147/2006, quanto à inexistência de
revisão da pensão no período inicial de 10 anos, aproximando‑a da tratada no
Acórdão n.º 155/2003, cuja fundamentação parcialmente reproduziu.
Empreendeu então o Acórdão n.º 612/2008, para despistar
possíveis violações do princípio da igualdade, o cotejo do regime decorrente do
n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 para os sinistrados de acidente de trabalho,
primeiro, com o estabelecido no subsequente n.º 3, relativamente aos
beneficiários de pensão por doença profissional, e, depois, com o previsto no
artigo 567.º, n.º 2, do Código Civil, no tocante à modificação, por alteração de
circunstâncias, da indemnização cível que deva ser fixada sob a forma de renda,
tendo concluído, em ambos os casos, pelo não desrespeito daquele princípio.
Quanto à primeira comparação (com os beneficiários de
pensão por doença profissional), e sendo dado como incontestável que “o direito
à justa reparação por danos derivados do risco profissional, consagrado
constitucionalmente (artigo 59.º, n.º 1, alínea f)), e entendido como um direito
análogo aos direitos, liberdades e garantias (Gomes Canotilho/Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, pág. 770),
abrange com o mesmo grau de intensidade quer as vítimas de acidente de trabalho
quer as de doença profissional”, o Acórdão demonstrou que “não se detecta
qualquer diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de
acidente de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no
Acórdão n.º 147/2006 quer no Acórdão n.º 155/2003, e aquele que resulta do n.º 3
da Base XXII para a revisão de pensões por doença profissional”, pois “a
possibilidade de a revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última
hipótese, circunscreve‑se aos casos de doenças profissionais de carácter
evolutivo, de que são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por
conseguinte, a doenças que, segundo um critério médico, são susceptíveis, por
sua natureza, de implicarem um agravamento do quadro clínico com o decurso do
tempo, que é, por si, justificativo da actualização da pensão por diminuição da
capacidade de ganho; por outro lado, o n.º 2 dessa mesma Base limita a revisão
de pensões por acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação
da pensão inicial, mas não exclui que a actualização possa ser requerida mesmo
para além desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da
lesão no primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão
possa ser efectuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação
da capacidade de ganho”. Na verdade, “o critério jurisprudencial radica,
portanto, em qualquer dos casos, no carácter evolutivo ou não evolutivo da
lesão, que é indiciado, no que diz respeito às pensões por acidente de
trabalho, pela verificação do agravamento da lesão (e da correspondente
actualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa ocorrência que
torna justificável, na perspectiva do legislador, a admissão de ulteriores
pedidos de revisão”, situação que “não é (…) diversa da prevista para as
pensões por doença profissional, mudando apenas o critério normativo com base no
qual é possível qualificar a doença como evolutiva: no caso dos acidentes de
trabalho, a possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de
uma incidência factual – a verificação de um agravamento da lesão no decurso do
primeiro decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização
legal quanto ao que se entende por doença profissional de carácter evolutivo, é
a avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar
se opera ou não o limite temporal relativo à actualização de pensões”.
Concluiu‑se, assim, não haver, “no essencial, mesmo do ponto de vista da posição
processual do beneficiário da pensão, uma diferenciação relevante entre os
regimes do n.º 2 e do n.º 3 da Base XXII que permita considerar verificada a
violação do princípio da igualdade”.
À mesma conclusão se chegou tomando como termo
comparativo, em relação ao disposto na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, o que
estatui, em geral, o artigo 567.º do Código Civil, no que concerne à
indemnização cível sob a forma de renda. Após salientar que a possibilidade de
modificação do montante indemnizatório em que se traduz a renda vitalícia, em
resultado da alteração sensível das circunstâncias (que pode consistir num
agravamento das sequelas da lesão), como prevê esse n.º 2, “está, desde logo,
condicionado a um juízo de prognose do julgador, que tem por base a natureza
continuada dos danos e a sua futura evolução”, pelo que, “neste ponto, não há
essencialmente distinção entre o regime do artigo 567.º, n.º 2, do Código Civil
e o da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127”, o Acórdão reconhece que “o ponto de
dissídio reside no estabelecimento de um prazo para o pedido de revisão de
pensões por acidente de trabalho (que pode justificar‑se por simples razões de
segurança jurídica) e que não tem correspondência na norma de direito civil”.
Considerou, porém, o Acórdão n.º 612/2008, que, “considerado globalmente, o
regime de efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho não se
apresenta objectivamente mais desfavorável que o de responsabilidade civil por
facto ilícito”, com base nos seguintes argumentos: (i) “o direito de
indemnização cível está sujeito a um prazo prescricional curto, nos termos do
artigo 498.º do Código Civil, e segue as regras processuais comuns, ao passo que
o direito à reparação por acidente de trabalho segue o processo especial
regulado nos artigos 99.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, com
patrocínio oficioso do Ministério Público e sem sujeição a prazo de caducidade,
com diversos outros mecanismos de garantia de efectivação dos direitos, como
seja a existência de uma fase conciliatória preliminar”; (ii) “mesmo no domínio
da Lei n.º 2127, (…) a disciplina relativa à obrigação de indemnizar está
fortemente orientada para assegurar o efectivo ressarcimento do trabalhador,
quer por via de prestações em espécie que se destinam a restaurar a capacidade
de trabalho, quer através de prestações em dinheiro que visam a compensação
pecuniária por perda ou redução da capacidade de ganho da vítima (Bases IX a
XIXI), e que incluem, como garantia do pagamento das indemnizações devidas, um
sistema de obrigatoriedade de seguro (Base XLIII), bem como uma forma de
responsabilidade subsidiária através do Fundo de Acidentes de Trabalho (Base
XLV)”; (iii) “o dever de indemnizar assenta numa responsabilidade civil
objectiva, mas que não obsta ao agravamento da indemnização e à ressarciblidade
de danos não patrimoniais quando se conclua pela existência de culpa por parte
do empregador (Base XVII)”; e (iv) “em todo o caso, verificando‑se os
pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, não está vedado ao
trabalhador optar pelo ressarcimento segundo o regime de direito civil, e fazer
funcionar os mecanismos de responsabilidade aquiliana que pudessem reputar‑se,
em concreto, como mais favoráveis aos interesses do trabalhador, e,
designadamente, o mencionado regime de fixação da indemnização em renda, com
possibilidade de revisão a todo o tempo do montante indemnizatório em função da
alteração de circunstâncias (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, II
vol., 2.º tomo, 3.ª edição, Lisboa, pág. 190)”. O que tudo leva a concluir que,
“também neste plano de consideração, não é evidente que o regime definido no
n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 represente uma violação do princípio da
igualdade”.
Confrontado, por último, com o argumento, utilizado nas
alegações do Ministério Público, de que “um sistema jurídico de revisão de
pensões está sempre dependente da demonstração do nexo causal entre o acidente e
o agravamento da lesão, pelo que a possibilidade de invocação de danos futuros
adicionais resultantes do acidente, independentemente de qualquer prazo de
caducidade, apenas agravaria o ónus processual do lesado, que teria mais
dificuldade em estabelecer a correlação do dano superveniente com o acidente” e,
assim, poderia “não haver nenhum motivo para o estabelecimento de um prazo
limite, quando o lesado tem sempre o ónus de provar que o agravamento posterior
do dano está ainda relacionado com o acidente”, respondeu o Acórdão n.º
612/2008 que, dispondo o legislador “de alguma margem de livre conformação na
concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças
profissionais constitucionalmente consagrado”, “no caso concreto, a lei fixa um
prazo suficientemente dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá
considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do
sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança
jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de
efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na
protecção dos trabalhadores sinistrados”, pelo que, “nesse condicionalismo, é de
entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de
poder considerar‑se que afronta o princípio da proporcionalidade”.
2.5. Recordadas a evolução legislativa no domínio da
revisão de pensões por acidentes de trabalho (supra, 2.1.) e a anterior
jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria (supra, 2.2., 2.3. e
2.4.), é tempo de enfrentar directamente a específica questão de
constitucionalidade que integra o objecto do presente recurso.
Anote‑se, preliminarmente, que a circunstância de, no
caso, ter ocorrido remição da pensão previamente à apresentação do pedido de
revisão se mostra irrelevante. É que, embora, no domínio da Lei n.º 1942, a
jurisprudência se tenha dividido quanto à admissibilidade de revisão de
pensões já remidas (cf. José Augusto Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e
Doenças Profissionais, 2.ª edição, Lisboa, 1983, pp. 118‑119), quer na vigência
da Lei n.º 2127, quer na vigência da Lei n.º 100/97, o legislador explicitamente
consagrou, nos diplomas regulamentares dessas Leis, a solução de que a remição
não prejudica o direito do sinistrado às prestações em espécie, nem o direito a
requerer a revisão da sua pensão (artigos 67.º, n.º 1, do Decreto n.º 360/71, de
21 de Agosto, e 58.º, alíneas a) e b), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de
Abril).
2.5.1. Na alegação do recorrente, salienta‑se que o
presente caso apresenta a peculariedade de entre a data da fixação da pensão
(18 de Maio de 1972) e a formulação do pedido de revisão (12 de Março de 2008)
ter decorrido prazo muito superior a 20 anos (diferentemente do considerado no
Acórdão n.º 612/2008, em que, datando o acórdão então recorrido de 19 de
Novembro de 2007 e tendo a pensão sido fixada em 7 de Junho de 1996, o pedido de
revisão cuja tempestividade estava em causa terá sido formulado não muito tempo
após o completamento do período inicial de 10 anos).
Se, neste último caso, segundo o recorrente, “poderia
suscitar dúvidas, no confronto com o direito fundamental outorgado pelo n.º 1
do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, (…) a sujeição do lesado
por acidente laboral a um prazo de efectivação do seu direito ao ressarcimento
de danos futuros mais curto do que o vigente em direito civil (sendo óbvio que a
norma especial, constante da lei dos acidentes do trabalho, sempre impediria a
aplicação, nesta sede, do prazo prescricional curto de 3 anos, previsto em geral
na lei civil para a responsabilidade extracontratual)”, o certo é que, no
presente caso – e “mesmo que se admita que o julgamento de inconstitucionalidade
não devesse ser condicionado decisivamente pela circunstância «fáctica» de
terem ou não ocorrido actualizações intercalares da pensão (vistas como
indiciadoras de um processo patológico evolutivo), tendo em conta o «lugar
paralelo» que ocorre em direito civil, no caso de ocorrência de danos futuros”
– “sempre funcionaria, como limite absoluto à ressarcibilidade destes danos
supervenientes «tardios», a consumação do prazo de prescrição ordinária de 20
anos (como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil)”. Por
isso, “estando afastado, no caso dos autos, esse regime mais desfavorável para
o trabalhador sinistrado, a sujeição deste ao limite absoluto, consubstanciado
na decorrência do prazo da prescrição ordinária, não afronta qualquer preceito
ou princípio constitucional”, pelo que concluiu propugnando que se emitisse
juízo de não inconstitucionalidade, face ao princípio da igualdade ou ao direito
do sinistrado à justa reparação, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da
CRP, da “norma constante do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, ao consagrar um
prazo preclusivo de 10 anos, contados da fixação originária da pensão, para a
revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, com fundamento em
invocado agravamento superveniente das lesões sofridas, num caso em que não
ocorreu qualquer actualização intercalar do grau de incapacidade e já se mostram
decorridos mais de 20 anos sobre a data da fixação originária da pensão”
(sublinhado acrescentado).
Esta posição do Ministério Público, apesar de, no
presente caso, conduzir a resultado oposto (juízo de não inconstitucionalidade)
ao por ele preconizado nas alegações apresentadas nos processos em que foram
proferidos os Acórdãos n.ºs 147/2006 e 612/2008, insere‑se coerentemente na
linha argumentativa aí desenvolvida em termos de demonstrar o tratamento mais
desfavorável do sinistrado do trabalho, relativamente ao que ocorre com a
possibilidade de ressarcimento dos danos futuros em qualquer situação de comum
responsabilidade civil. Na verdade, nessas peças, considerando que, segundo a
melhor doutrina, a regra do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil de que o
direito de indemnização prescreve em três anos, a contar da data em que o lesado
teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da
pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da
prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto
danoso – que “obriga” o lesado a exercer o seu direito mesmo num momento em que
não esteja perfeitamente estabilizada e sedimentada a situação danosa – “não
impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a
prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização
correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos
três anos anteriores” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª
edição, Coimbra, 2004, p. 627). Daí que, “estabelecendo a Constituição, no
artigo 59.º, n.º 1, alínea f) – como direito fundamental dos trabalhadores – a
assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de
doença profissional, não pode o direito infraconstitucional fragilizar a posição
jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando‑lhe a obtenção de
ressarcimento justo e adequado por danos futuros que – causalmente ligados ao
sinistro – sejam supervenientes em relação à data fixada na norma objecto do
presente recurso – sendo certo que qualquer lesado teria a possibilidade de
ainda vir a obter o ressarcimento de danos supervenientes, face ao regime comum
da responsabilidade civil, desde que se não mostrasse excedido o prazo «normal»
da prescrição da obrigação de indemnizar” (sublinhado acrescentado),
entendimento este que veio a ser assumido no Acórdão n.º 147/2006, em caso em
que ocorrera revisão da pensão no decénio inicial.
Em suma: segundo o recorrente, a inconstitucionalidade
(por ele defendida nos recursos em que foram proferidos os Acórdãos n.ºs
147/2006 e 612/2008) que derivaria da injustificada diferenciação de tratamento
dos sinistrados do trabalho em caso de alteração do grau de incapacidade (mesmo
em situações em que não ocorrera qualquer revisão da incapacidade no primeiro
decénio) em comparação com o regime de prescrição dos “danos futuros” no regime
comum da responsabilidade civil, já não ocorreria em situações – como seria a do
presente recurso – em que já tivesse decorrido o prazo de 20 anos de prescrição
ordinária do direito à indemnização por acidente de trabalho, pois então já não
existiria, neste aspecto, diferenciação entre o regime infortunístico laboral e
o regime de responsabilidade civil comum.
Salvo o devido respeito, não se afigura que o decurso do
prazo de 20 anos sobre a data do acidente (ou sobre a data da fixação da pensão)
seja, por si só, suficiente para conduzir a sentidos opostos no juízo de
constitucionalidade a formular.
Não se ignora que o regime dos prazos de exercício de
direitos emergentes de acidentes de trabalho tem sido considerado
injustificadamente mais gravoso para o lesado do que aquele que resulta do
disposto no Direito Civil (cf. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho,
Lisboa, 2000, pp. 791‑793). Como assinala este autor, enquanto na
responsabilidade civil extracontratual comum, tanto subjectiva como objectiva
(ex vi artigo 499.º do Código Civil), o artigo 498.º determina que o prazo de
prescrição é de três anos a contar da data em que o lesado tenha conhecimento do
direito que lhe assiste, e, depois de determinado o direito à indemnização,
começa a correr, a partir do vencimento da correspondente prestação, novo prazo
de prescrição, que pode ser de vinte anos (regra geral do artigo 309.º) ou de
cinco anos se a prestação for periódica, por exemplo em renda (artigo 310.º,
alínea a), todos do Código Civil), já para os acidentes de trabalho o legislador
estabeleceu para o exercício judicial dos direitos do trabalhador sinistrado um
prazo de caducidade de um ano a contar da cura clínica ou da morte do lesado
(Base XXXVIII, n.º 1, da Lei n.º 2127, e artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97,
que fala em “alta clínica”, em vez de “cura clínica”), e, uma vez proferida
decisão a condenar no pagamento da reparação, a partir do vencimento de cada
prestação inicia‑se um prazo de prescrição de um ano (Base XXXVIII, n.º 3, da
Lei n.º 2127, prazo que foi alargado para cinco anos pelo artigo 32.º, n.º 2, da
Lei n.º 100/97, que, se corresponde ao regime de prescrição dos créditos de
vencimento periódico, já não é aplicável a outras prestações, em particular nas
indemnizações em capital).
No entanto, o que está em causa no presente recurso não
é a constitucionalidade da globalidade do regime de prazos de exercício de
direitos emergentes de acidentes de trabalho, mas apenas do estabelecimento de
limites temporais ao exercício do direito à revisão da incapacidade, com
consequente revisão da pensão arbitrada.
A lei não estabelece expressamente qualquer prazo de
prescrição específico, a partir do conhecimento da alteração da incapacidade,
para ser requerida a sua revisão. O que estatuiu foi condicionalismos temporais
ao exercício desse direito, quer fixando um prazo preclusivo de dez anos
posteriores à data da fixação da pensão, quer limitando a periodicidade dos
pedidos de revisão: uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez
por ano, nos anos imediatos.
A circunstância de, desde a data do acidente, terem
decorrido mais de vinte anos não faz funcionar, sem mais, o prazo ordinário de
prescrição, pois a prescrição, quer em direito civil, quer em direito
infortunístico laboral, pressupõe sempre o não exercício do direito pelo seu
titular durante o lapso de tempo estabelecido na lei (artigo 298.º, n.º 1, do
Código Civil). Assim, o entendimento doutrinal, invocado pelo recorrente, de
que, quanto ao direito de indemnização por responsabilidade extracontratual, a
circunstância de o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil impor ao lesado o
exercício do direito mesmo com desconhecimento da extensão integral dos danos,
implica que se lhe reconheça o direito de reclamar a indemnização por “danos
novos”, desde que o faça no prazo de três anos a contar do conhecimento destes
danos, “sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo
prazo a contar do facto danoso”, não significa, no que a esta última ressalva
concerne, que basta o decurso do prazo de vinte anos a partir da data do facto
para precludir a possibilidade de reclamar indemnização por “danos novos”, mesmo
que conhecidos há menos de três anos. O que significa é que, mesmo relativamente
a danos só conhecidos há menos de três anos, não é admissível a formulação de
pedido indemnizatório se o direito de indemnização, globalmente considerado, já
tiver prescrito pelo decurso do prazo de vinte anos sem ter sido exercitado.
Mas se o lesado exerceu tempestivamente o seu direito à indemnização e tem, por
exemplo, recebido regularmente as correspondentes prestações, ele pode reclamar
a reparação dos “danos novos”, desde que a reclame no prazo de três anos desde o
seu conhecimento, independentemente do número de anos decorridos desde a data do
facto danoso.
Similarmente, no presente caso, não é possível falar‑se
em prescrição ordinária do direito à reparação do acidente do trabalho pela mera
circunstância de o mesmo ter ocorrido há mais de vinte anos (ou de há mais de
vinte anos ter sido proferida decisão judicial de fixação das prestações
devidas), relativamente à data em que foi formulado o pedido de revisão da
pensão, pois o sinistrado exercitou tempestivamente aquele seu direito, o que
determinou a interrupção da correspondente prescrição, interrupção que se
manteve por força da regular percepção da pensão que lhe foi arbitrada, aliás
objecto de sucessivas actualizações, até à sua remição, e, mesmo após esta, à
formulação de pedido de prestações traduzidas em intervenções cirúrgicas a
cargo da seguradora.
Não se acompanha, assim, o fundamento com base no qual o
recorrente alicerçara a emissão de um juízo de não inconstitucionalidade.
2.5.2. Aqui chegados, há que reconhecer que a situação
dos presentes autos se apresenta com características especiais, que a
diferenciam das precedentemente apreciadas por este Tribunal.
A inexistência de qualquer revisão da incapacidade nos
primeiros dez anos subsequentes à fixação da pensão inviabiliza a directa
extensão ao presente caso do critério que foi seguido nos Acórdãos n.ºs 147/2006
e 59/2007 e nas Decisões Sumárias n.ºs 390/2008, 470/2008 e 36/2009, nos quais a
existência de revisão nesse período de tempo foi assumida como indício seguro da
não estabilização da situação de incapacidade resultante do acidente de
trabalho, equiparável à situação das doenças profissionais evolutivas, o que
tornava desrazoável a aplicação rígida da regra da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º
2127.
Mas o presente caso também se diferencia das situações
apreciadas, quer no Acórdão n.º 155/2003, quer no Acórdão n.º 612/2008, na
medida em que surgiu, na situação clínica do sinistrado, um elemento singular,
que afasta, de modo irrecusável, a presunção de estabilização dessa situação,
que esteve na base dessas decisões anteriores.
Na verdade, no presente caso, o tribunal, com a
concordância dos intervenientes processuais, reconheceu que, apesar de já ter
decorrido mais de um decénio sobre a data da fixação da pensão, era
juridicamente exigível, ao abrigo da Base IX da Lei n.º 2127, como meio de
reparação dos danos sofridos pelo sinistrado, uma prestação de natureza
cirúrgica, a cargo da seguradora, cuja possibilidade de execução derivou da
evolução das técnicas médicas, inexistentes à data do acidente.
O surgimento da possibilidade dessa intervenção
cirúrgica e a decisão judicial que determinou a sua prestação tornaram,
naturalmente, insubsistente a “presunção” de estabilização da situação clínica
que as anteriores decisões deste Tribunal associaram à inexistência de qualquer
revisão da incapacidade durante o referido período de dez anos. Assim, deixa de
ter base de sustentação a tese da não inconstitucionalidade associada à
consideração de que, decorrido esse prazo, era normal que se tivesse por
estabilizada a situação clínica do sinistrado, justificando‑se a solução legal
questionada pela protecção da segurança da posição jurídica dos responsáveis
pela reparação dos danos derivados do acidente de trabalho.
Como se assinalou no relatório inicial, a seguradora, na
sua comunicação de 9 de Novembro de 1995, quando se disponibilizou a custear a
intervenção cirúrgica, logo salientou que se reservava o direito de,
“subsequentemente e em função dos resultados da intervenção cirúrgica, requerer
a revisão da pensão”. Sendo indiscutivelmente atendível esta reserva, para a
hipótese, em caso de sucesso da intervenção, de o sinistrado recuperar por
inteiro a visão, o que poderia levar, não apenas à redução, mas à própria
extinção do direito à pensão, não pode deixar de se considerar igualmente
atendível a pretensão de, com base em alegado agravamento da situação
determinado pelas complicações derivadas do insucesso de uma segunda
intervenção, se proceder à revisão da incapacidade, apesar de há muito
decorrido o prazo inicial de dez anos.
A situação, a partir da decisão da prestação de
intervenção cirúrgica, assumiu um carácter de não estabilidade, que afasta a
razão de ser do entendimento, subjacente ao Acórdão n.º 612/2008, da
razoabilidade da solução legal questionada, que afastaria a sua
inconstitucionalidade, e acaba por a aproximar mais das situações, atrás
descritas, em que a não estabilização da situação derivava da ocorrência de
revisões da pensão por reconhecidas alterações do grau de incapacidade do
sinistrado.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º,
n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma da Base
XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, enquanto consagra um prazo
preclusivo de 10 anos, contados da fixação originária da pensão, para a revisão
da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, nos casos em que, tendo
sido, ao abrigo da Base IX da mesma Lei, judicialmente determinada à entidade
responsável a prestação de uma intervenção cirúrgica para além daquele prazo, o
sinistrado invoque agravamento da situação clínica derivado dessa intervenção;
e, em consequência,
b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Março de 2009.
Mário José de Araújo Torres
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
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