Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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  DL n.º 496/77, de 25 de Novembro
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SUMÁRIO
Introduz alterações ao Código Civil

_____________________

1. Pelo presente diploma se dá cumprimento ao imperativo constitucional dimanante do disposto no n.º 3 do artigo 293.º da Constituição.
Não obstante, ao programar o trabalho a executar nesta 1.ª fase, não se limitou o Governo ao mínimo exigido pela Constituição.
Esse mínimo teria sido a adaptação à Constituição das normas do Código Civil atinentes ao exercício dos direitos, liberdades e garantias.
No outro extremo situava-se uma tarefa de âmbito inabarcável até ao termo da 1.ª sessão legislativa: a adequação global do Código Civil à filosofia e à doutrina político-social dimanante da Constituição, e não apenas às exigências directamente decorrentes do n.º 1 do seu artigo 293.º
Entre estas duas posições extremas situava-se razoavelmente a que veio a ser adoptada. Cumprido o mínimo constitucionalmente exigido e posta de parte, por razões óbvias, a ambição do máximo, foi-se até onde se pôde.
Para uma 2.ª fase dos trabalhos da comissão de revisão ficará reservado o preenchimento global daquele desígnio mais amplo, na parte em que não fica, por antecipação, desde já cumprido.
2. A necessidade de ajustar o Código Civil à Constituição em matéria de direitos, liberdades e garantias importava, só por si, uma tarefa que, sobre ser complexa, se revelou muito mais vasta do que à primeira vista poderia afigurar-se a um observador desatento ou menos familiarizado com a Constituição e o Código Civil.
É que, para dar satisfação aos princípios constitucionais que impõem a plena igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e a não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, houve que rever em extensão e profundidade o regime do casamento e da filiação.
Feito isto, impunha-se a adaptação e o reequilíbrio de institutos que não podiam manter-se alheios às inovações introduzidas: caso da adopção e, em certa medida, do capítulo das sucessões.
Por outro lado, o princípio da liberdade de associação não permitiria que se mantivesse sem alteração o capítulo do Código sobre as pessoas colectivas.
De igual modo, a outorga pela Constituição da capacidade eleitoral activa e passiva a maiores de dezoito anos levava à revisão das soluções acolhidas no Código Civil sobre menoridade, revisão de que haveriam de decorrer múltiplas consequências.
3. No que respeita ao direito das coisas, não se introduz de imediato qualquer alteração no Código Civil.
Consagra a Constituição, no título II da sua parte II, dedicada à organização económica, uma nova distribuição dos sectores de propriedade de meios de produção, dos solos e recursos naturais, definidos em função da sua titularidade e do modo de gestão social: o sector público, o sector cooperativo e o sector privado (artigo 89.º).
Sabe-se também que a Constituição aponta para a predominância da propriedade social (artigo 90.º), e nessa perspectiva ganham particular relevo as novas figuras de direitos reais e de modos de gestão que a lei fundamental consagra, como a da posse útil e gestão dos colectivos de trabalhadores e das comunidades locais e a autogestão.
Apesar de a comissão revisora se ter debruçado sobre estes preceitos constitucionais na tentativa de perspectivá-los no domínio do direito das coisas, considerou-se que era cedo para tentar uma definição daqueles novos institutos antes que resultem clarificados pela própria experiência vivida e por legislação especial que vá concretizando o seu conteúdo.
Só então será possível consagrar no Código Civil os princípios gerais capazes de abarcar essas novas figuras de direitos reais e nele fazer reflectir a visão constitucional das estruturas de propriedade dos meios de produção.
A execução desta tarefa não era, em todo o caso, imposta pelo n.º 3 do artigo 293.º da Constituição.
4. Na revisão do Código Civil a que se procedeu, em ordem a compatibilizá-lo com a Constituição, não houve a preocupação de alinhar por soluções já consagradas em sistemas jurídicos estrangeiros. Mas a cada momento se foi buscar experiência aos direitos mais evoluídos, atendendo nomeadamente às alterações recentes por muitos deles registadas, em especial no direito da família.
Em tempos que apontam para a sobrevalorização do estudo do direito comparado - se não como disciplina autónoma, ao menos como método de investigação jurídica - não se há-de estranhar essa permanente preocupação comparatística. Ou não tivesse Portugal sido admitido no Conselho da Europa e batido, com disposição de entrar, à porta da Comunidade Europeia.
5. Assim delimitado o âmbito geral da revisão efectuada, referem-se de seguida os pontos mais salientes por ela abrangidos e sublinha-se o significado das principais opções.
Não são muito numerosas as modificações previstas quanto à parte geral do Código.
No que respeita ao seu título I, as alterações restringem-se ao domínio do direito internacional privado, mais precisamente, às normas de conflitos de leis sobre relações entre cônjuges, convenções antenupciais e regime de bens, constituição da filiação, relações entre pais e filhos e adopção (artigos 52.º, 53.º, n.º 2, e 56.º a 61.º).
Tais alterações visam fazer desaparecer, na escolha das conexões em que assenta a determinação da lei aplicável a relações privadas internacionais, qualquer discriminação entre marido e mulher e, bem assim, qualquer discriminação relativamente aos filhos nascidos fora do casamento.
Algumas das soluções acolhidas - como a da escolha da lei em mais estreita conexão com a relação - fogem à linha até agora legislativamente consagrada entre nós, mas correspondem a orientação que hoje tende a ganhar o favor da melhor doutrina e das legislações e projectos mais recentes.
Em fase ulterior haverá que ir mais longe no ajustamento à Constituição das disposições contidas neste título do Código Civil.
6. No que respeita ao título II da parte geral, destaca-se a antecipação da maioridade para os dezoito anos (artigos 122.º e seguintes).
Esta solução decorre indirectamente da própria Constituição, na medida em que reflecte o alinhamento com a idade fixada pela lei fundamental para a aquisição da capacidade eleitoral activa e passiva: podendo-se ser deputado com dezoito anos, mal pareceria que continuasse a entender-se que só depois dessa idade se adquiria plena capacidade para reger a própria pessoa e dispor dos próprios bens.
Mas não é apenas o preceito constitucional que justifica esta modificação: o direito comparado aponta decididamente no mesmo sentido.
Na verdade, assiste-se hoje em toda a Europa - e mesmo fora dela - a um movimento que defende a redução da idade da maioridade civil, tendendo as legislações e projectos mais recentes para a situar nos dezoito anos.
Foi a solução consagrada pela lei francesa de 1974, pela lei da República Federal da Alemanha do mesmo ano, pela lei italiana de 1975, como já o fora pela lei inglesa em 1969. É a solução também acolhida nas leis sueca e dinamarquesa, e a que vigora na generalidade dos países do Leste europeu.
O Conselho da Europa recomendou recentemente aos países membros a fixação dos dezoito anos como início da maioridade.
Na base desta opção, está o reconhecimento de que os jovens se acham hoje sujeitos a um mais rápido processo de desenvolvimento psíquico e cultural. Reivindicaram - e obtiveram já, em alguns sectores - uma autonomia a que deve corresponder a inerente responsabilidade.
A solução proposta não será, por certo, isenta de inconvenientes. Mas estes ficam minimizados em confronto com as vantagens.
7. A fixação da maioridade aos dezoito anos colocou o problema de saber se deveria manter-se o instituto da emancipação por concessão (dos pais ou do conselho de família) ou por decisão do tribunal, a partir de uma idade inferior - por exemplo, a partir dos dezasseis anos.
Admitiu-o recentemente a lei francesa, embora dentro de um condicionalismo apertado.
Pareceu, porém, preferível afastar esta solução em termos gerais - assim o fizeram também a República Federal da Alemanha e a Itália - por não se afigurar razoável atribuir ao menor, abaixo dos dezoito anos, a capacidade de agir que a emancipação envolve.
Mas reconheceu-se que, fixada a idade núbil nos dezasseis anos, conviria manter a emancipação resultante do casamento, aliás de acordo com a tradição portuguesa, que é também a de muitos outros países, com base na consideração, entre outras, de que à situação de casado convém a vários títulos a plena capacidade de exercício de direitos decorrentes da emancipação.
8. Ainda no que respeita às pessoas singulares, a nova disciplina do poder paternal, com o reconhecimento da igualdade dos pais relativamente aos direitos e deveres para com os filhos, determinou a alteração do regime do domicílio legal dos menores (artigo 85.º).
Do mesmo passo, o princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges levou à revogação do preceito segundo o qual a mulher casada tem por domicílio legal o do marido (artigo 86.º), na linha geralmente adoptada pelas recentes legislações estrangeiras que consagram aquele princípio.
9. Já antes da entrada em vigor da Constituição de 1976 o Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, reconhecendo a liberdade de associação, revogara os preceitos contidos no Código Civil sobre a constituição de associações, determinando que elas adquiriam a personalidade pelo depósito de um exemplar do acto de constituição e dos estatutos no governo civil da área da respectiva sede (artigo 4.º).
Introduz-se agora no Código Civil a regra segundo a qual as associações adquirem personalidade jurídica pela sua constituição por escritura pública, nos termos legais, independentemente de qualquer autorização ou reconhecimento pela autoridade administrativa (artigos 158.º e 158.º-A).
10. A parte geral do direito das obrigações - e o mesmo vale para a disciplina do negócio jurídico - é um dos sectores menos directamente afectados pela filosofia política em cada momento dominante.
A comissão revisora tem em curso o reexame de vários problemas neste domínio, mas considerou-se que as alterações a introduzir deveriam ser relegadas para uma fase ulterior.
Por agora, no que respeita aos contratos, eliminou-se a revogabilidade das doações por superveniência de filhos legítimos (artigos 970.º e seguintes).
Não se ajusta este instituto, na sua actual configuração, à lei fundamental. Para além disso, ponderou-se que tão-pouco se justifica o alargamento do seu domínio de aplicação: a solução que se perfilhou foi, pois, a de suprimir a possibilidade de revogar doações com fundamento na superveniência de filhos, na linha de orientação seguida pelas legislações europeias mais recentes.
Pelo que toca ao arrendamento, entendeu-se que se trata de matéria que, pela sua especialidade e particular importância, tenderá a reclamar tratamento autónomo. Não pareceu por isto conveniente abarcar na actual revisão do Código Civil os princípios, em renovada mutação, que dominam a disciplina deste contrato.
11. Foi no domínio do direito da família que os novos princípios proclamados pela Constituição impuseram alterações mais vastas e profundas.
A igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, nomeadamente no que toca à manutenção e educação dos filhos (artigo 36.º, n.º 3, da Constituição) e o princípio de que os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação (artigo 36.º, n.º 4) desde logo importavam a revisão de largos sectores da disciplina do casamento e de praticamente toda a disciplina da filiação.
Deve, de resto, notar-se que na última década se tem assistido em quase todos os países europeus a profundas alterações do direito da família, determinadas pelo triunfo do princípio da igualdade entre os cônjuges e pela revisão de muitas das soluções tradicionais em matéria de filiação.
As soluções agora adoptadas puderam assim basear-se em larga e recente experiência de sistemas jurídicos próximos do nosso.
12. No que respeita ao regime do acto do casamento, há que sublinhar que a idade núbil é fixada nos dezasseis anos para o homem como para a mulher (artigo 1601.º).
Tanto quanto a aplicação do princípio da igualdade formal dos sexos, importava vedar o casamento a quem não atingiu ainda a maturidade psíquica exigida para um acto de tal gravidade. Para além disto, impunha-se obstar a que, por um casamento celebrado em idade muito baixa, a mulher viesse a comprometer as possibilidades da sua ulterior formação profissional, sabido como é ser essa uma causa frequente de futuras discriminações.
Não pareceu possível, no estádio actual da sociedade portuguesa, elevar para além dos dezasseis anos a idade mínima do casamento, apesar do recente exemplo da lei italiana, que fixou essa idade nos dezoito anos. Mas sujeitou-se ao consentimento de ambos os pais a autorização para o casamento de menores, condicionando-se o suprimento judicial desse consentimento não só à existência de razões ponderosas que justifiquem a celebração do acto, mas também à verificação da necessária maturidade física e psíquica dos nubentes [artigos 1604.º, alínea a), e 1612.º].
13. No que respeita à disciplina da falta ou vícios da vontade no casamento, substituiu-se o actual sistema de tipicidade das causas de erro vício por uma cláusula geral (artigo 1636.º) e admitiu-se a possibilidade de os cônjuges arguirem a simulação como causa de anulação do casamento (artigo 1640.º, n.º 1).
14. É no domínio dos efeitos do casamento que as alterações são mais significativas.
Em obediência ao imperativo constitucional, consagra-se o princípio de que o casamento assenta na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (artigo 1671.º, n.º 1).
Entre os deveres a que os cônjuges se acham reciprocamente vinculados, para além dos de fidelidade, coabitação e assistência, que o Código Civil já reconhecia, enunciam-se agora também os de respeito e cooperação (artigo 1672.º).
Os novos princípios assim consagrados determinam alterações profundas na disciplina vigente no que toca aos efeitos do casamento relativamente às pessoas dos cônjuges.
Desaparecido o poder marital, a orientação da vida familiar é atribuída a ambos os cônjuges (artigo 1671.º, n.º 2). A escolha da residência da família deve também resultar de acordo entre eles, só excepcionalmente suprível por decisão judicial (artigo 1673.º). O dever de contribuir para os encargos da vida familiar continua a incumbir a ambos os cônjuges; mas especificam-se agora as modalidades por que pode ser cumprido por qualquer deles (artigo 1676.º).
O direito ao uso dos apelidos do outro cônjuge na constância do matrimónio é regulado numa base não discriminatória e o direito ao uso dos apelidos dos ex-cônjuges ou do cônjuge judicialmente separado de pessoas e bens é objecto de nova disciplina (artigos 1677.º a 1677.º-C).
A cada um dos cônjuges é reconhecida a liberdade de exercício de qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do outro cônjuge (artigo 1677.º-D).
15. No que toca aos efeitos do casamento quanto aos bens dos cônjuges, são também de muito alcance as alterações aprovadas.
A aplicação do princípio da igualdade dos cônjuges no domínio da administração e alienação de bens traz necessariamente dificuldades sempre que o regime matrimonial é um regime de comunhão. Houve que tentar reduzir ao mínimo tais dificuldades.
A solução acolhida assenta no alargamento do círculo de bens de que ceda um dos cônjuges tem a administração exclusiva. Assim, para além dos seus bens próprios e dos proventos do seu trabalho, cada um dos cônjuges administrará ainda, entre outros, aqueles bens que por seu intermédio entraram na comunhão (artigo 1678.º, n.os 1 e 2).
Relativamente aos bens cuja administração pertence a ambos os cônjuges, a regra passa a ser a de que qualquer deles tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária; só quanto aos restantes actos de administração se exige o consentimento de ambos (artigo 1678.º, n.º 3).
No seguimento da orientação consagrada no Código - mas partindo agora de bases muito diferentes -, procurou-se fazer coincidir, em regra, a legitimidade para a prática de actos de alienação ou oneração de móveis com a legitimidade para administrar esses bens (artigo 1682.º, n.os 1 e 2); mas introduziu-se uma limitação importante à possibilidade de arguir a anulabilidade resultante da violação desse princípio determinada pela necessidade de tutelar a segurança do tráfego jurídico (artigo 1687.º, n.º 3).
Relativamente à alienação ou oneração de imóveis, submeteram-se ao consentimento de ambos os cônjuges, ainda que casados em regime de separação de bens, os actos relativos à casa de morada da família (artigo 1682.º-A), bem como a disposição do direito ao arrendamento sobre a residência familiar (artigo 1682.º-B).
16. Não houve a possibilidade de estudar a fundo a necessária revisão do regime de dívidas do casal.
Limitam-se, por isso, as alterações neste domínio a uma modificação da alínea d) do n.º 1 do artigo 1691.º em consonância com a nova redacção adoptada para o artigo 15.º do Código Comercial, e bem assim a outros pequenos ajustamentos dos artigos 1691.º e 1692.º
Na definição do elenco dos bens que respondem pelas dívidas próprias de cada um dos cônjuges (artigo 1696.º), a alteração proposta decorre das modificações introduzidas quanto às regras sobre administração dos bens do casal.
17. Não foi tão-pouco possível completar os estudos empreendidos com vista à reformulação do regime das convenções antenupciais.
As alterações agora introduzidas neste domínio, e bem assim no que toca aos regimes de bens, limitam-se, por isso, às que estritamente decorrem da necessidade de adaptar o Código Civil às exigências constitucionais.
Entre essas alterações destaca-se a supressão do regime dotal (artigos 1738.º a 1752.º). Trata-se de um regime incompatível, na sua estrutura, com o princípio da igualdade dos cônjuges.
Do seu desajustamento às actuais condições da vida social falam as estatísticas: no ano de 1975, de entre os 103125 casamentos celebrados, apenas 49 o foram segundo o regime total.
Por outro lado, sujeita-se imperativamente ao regime de separação o casamento celebrado por quem tenha completado sessenta anos de idade, quer se trate de homem, quer se trate de mulher [artigo 1720.º, n.º 1, alínea b)].
Relativamente ao casamento de quem já tenha filhos, apenas se proíbe a estipulação do regime de comunhão geral de bens ou a estipulação da comunicabilidade dos bens que são próprios no regime de comunhão de adquiridos (artigo 1699.º, n.º 2); a aplicação do regime de comunhão de adquiridos não parece lesar por forma injusta os filhos anteriores ao casamento.
18. O instituto da simples separação judicial de bens mantém-se sem alterações de fundo, para além dos ajustamentos resultantes dos novos princípios sobre as relações entre cônjuges (artigos 1767.º e seguintes). Mas é dissociado do instituto da separação judicial de pessoas e bens, que passa a integrar, juntamente com o divórcio, o último dos capítulos do título relativo ao casamento.
19. Não são muitas as inovações introduzidas no regime do divórcio e da separação judicial de pessoas e bens, já alterado significativamente por legislação posterior a 25 de Abril de 1974.
Tendo passado a admitir-se em qualquer caso, por força dessa legislação, a conversão em divórcio da separação judicial de pessoas e bens, julgou-se preferível que a regulamentação do divórcio precedesse no Código a da separação e fosse mais minuciosa do que esta. Por outro lado, pareceu melhor regular o divórcio por mútuo consentimento antes do divórcio litigioso, para marcar o empenho da lei em que o divórcio seja decretado por via consensual; com esta preocupação, impôs-se ao juiz o dever de procurar o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento e continuou a permitir-se a opção por essa modalidade do divórcio em qualquer altura do processo (artigo 1774.º, n.º 2).
20. Introduzem-se pequenas alterações no regime do divórcio por mútuo consentimento, tanto no que se refere aos seus requisitos como no processo aplicável.
Quanto ao primeiro ponto, eliminou-se a exigência, que apenas parece ser feita no direito belga, de uma idade mínima dos cônjuges; em contrapartida, elevou-se para três anos o período de duração do casamento. Prescreveu-se, por outro lado, que deve o juiz indeferir o pedido de divórcio se os acordos estabelecidos pelos cônjuges sobre os pontos relativamente aos quais a lei exige o seu consenso não acautelarem suficientemente os interesses de um deles ou dos filhos (artigo 1778.º).
O processo do divórcio por mútuo consentimento foi também ligeiramente modificado. Prevê-se agora um período de reflexão de três meses, que os cônjuges devem obrigatoriamente observar após a primeira conferência, devendo os próprios cônjuges renovar o pedido de divórcio, se o desejarem, dentro do ano subsequente à data em que aquela conferência se realizar (artigo 1776.º, n.º 1).
21. Relativamente ao divórcio litigioso, marca-se a distinção entre os casos em que o fundamento do divórcio é a violação culposa dos deveres conjugais (artigo 1779.º) e as hipóteses em que o divórcio se baseia na ruptura da vida em comum (artigo 1781.º).
Quanto aos primeiros julgou-se preferível substituir a técnica da tipicidade das causas do divórcio, adoptada no Código de 1966 e já na Lei de 1910, por uma cláusula geral, autorizando-se qualquer dos cônjuges a requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade de vida em comum (artigo 1779.º, n.º 1).
As situações em que a ruptura da vida em comum pode fundamentar o pedido de divórcio são as três referidas no artigo 1781.º À separação de facto por seis anos consecutivos, já admitida na alínea h) do artigo 1778.º do Código actual, na redacção que lhe deu o Decreto-Lei n.º 561/76, juntam-se agora a ausência sem notícias por tempo não inferior a quatro anos e a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de seis anos e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum.
Define-se no artigo 1782.º, n.º 1, a separação de facto, integrada por um elemento objectivo, a falta de comunhão de vida entre os cônjuges e, por um elemento subjectivo, o propósito, da parte de ambos os cônjuges ou só de um deles, de não restabelecer aquela comunhão de vida. E o n.º 2 do artigo 1782.º abre a possibilidade de, na acção de divórcio com fundamento em separação de facto, o juiz declarar a culpa dos cônjuges, quando a haja, com os efeitos patrimoniais daí decorrentes, nomeadamente quanto à partilha a efectuar.
A alteração das faculdades mentais já havia sido causa de divórcio no direito português entre 1910 e 1967; no regime agora adoptado, inspirado no direito francês, o pedido formulado com esse fundamento deve ser indeferido quando seja de presumir que o divórcio agrave consideravelmente o estado mental do réu (artigo 1784.º).
22. No que se refere aos efeitos do divórcio, são poucas as alterações introduzidas.
Quanto à data em que esses efeitos se produzem, dispõe-se que retrotraem à data da propositura da acção e, até, se qualquer dos cônjuges o requerer, à data em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro (artigo 1789.º, n.os 1 e 2). Além disso, impõe-se ao cônjuge declarado único ou principal culpado, e bem assim ao cônjuge que pediu o divórcio com fundamento em alteração das faculdades mentais, a obrigação de reparar ao outro cônjuge os danos não patrimoniais que a dissolução do casamento lhe causar (artigo 1792.º), e permite-se ao juiz dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum, quer própria do outro (artigo 1793.º).
23. São também em pequeno número as inovações introduzidas no regime da separação judicial de pessoas e bens.
Realça-se, no entanto, que volta a exigir-se o decurso de dois anos sobre o trânsito em julgado da sentença que decretou a separação judicial de pessoas e bens para que a separação possa converter-se em divórcio, salvo se a conversão for requerida por ambos os cônjuges (artigo 1795.º-D, n.os 1 e 2).
24. O título III do livro IV do Código Civil, relativo à filiação, é aquele que sofre mais funda modificação.
Tão funda que houve que substituir integralmente os seus três primeiros capítulos, e bem assim as duas primeiras secções do seu capítulo IV, mantendo-se apenas, embora com modificações, a secção III deste último capítulo, relativa aos meios de suprir o poder paternal (tutela e administração de bens).
A razão está em que o Código assentava a disciplina da constituição da filiação e a dos efeitos desta na distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Afastada, por imposição constitucional, tal distinção, impunha-se alterar radicalmente a estrutura geral do Código neste domínio.
Os novos artigos 1796.º a 1920.º-C repartem-se agora por dois capítulos. O primeiro regula o estabelecimento da filiação (artigos 1796.º a 1873.º); o segundo disciplina os seus efeitos (artigos 1874.º a 1920.º-C). Os artigos 1921.º a 1972.º integram a última secção deste capítulo.
A novidade das soluções contidas neste título justifica uma descrição um pouco mais pormenorizada do sistema nele consagrado.
25. Na disciplina do estabelecimento da filiação, depois de se definirem alguns princípios gerais (artigos 1796.º a 1802.º), regula-se sucessivamente a filiação em relação à mãe (artigos 1803.º a 1825.º) e em relação ao pai (artigos 1826.º a 1873.º).
Relativamente à mãe, preceitua-se que a filiação resulta do facto do nascimento (artigo 1796.º, n.º 1). E isto vale quer a mãe seja casada quer não seja.
O estabelecimento da relação de filiação quanto à mãe, de que depende a atendibilidade dos poderes e deveres fundados nessa relação, conforme preceitua o artigo 1797.º, assenta em princípio na declaração da maternidade no registo de nascimento.
No caso de declaração de nascimento ocorrido há menos de um ano, a maternidade indicada pela pessoa com legitimidade para fazer a declaração considera-se estabelecida (artigo 1804.º, n.º 1).
Se se tratar de registo de nascimento ocorrido há um ano ou mais, a maternidade indicada apenas se considera desde logo estabelecida se o declarante for a mãe ou um seu representante ou se ela estiver presente no acto do registo (artigo 1805.º, n.º 1). Se assim não acontecer, a mãe pode negar a maternidade indicada pelo declarante, ficando tal declaração sem efeito (artigo 1805.º, n.os 2 a 4).
Pode ainda a mãe, a todo o tempo, fazer a declaração de maternidade se o registo for omisso quanto a esta, salvo se, tratando-se de filho nascido ou concebido na constância do matrimónio, existir perfilhação por pessoa diferente do marido (artigo 1806.º, n.º 1).
A maternidade estabelecida nos termos que ficam referidos é passível, a todo o tempo, de impugnação em juízo, se não corresponder à verdade (artigo 1807.º).
Para o caso de a maternidade não estar mencionada no registo, prevê-se a averiguação oficiosa em termos semelhantes aos que actualmente vigoram; a averiguação oficiosa poderá conduzir a uma declaração de maternidade ou à propositura de uma acção de investigação.
Se a maternidade não resultar de declaração, abre-se a possibilidade de ser judicialmente reconhecida.
26. Este sistema representa um compromisso entre o sistema germano-suíço e o sistema latino tradicional, no que toca à constituição da filiação materna.
Do primeiro retém o princípio de que a filiação relativamente à mãe se funda no nascimento, sem distinguir consoante o filho provém ou não do matrimónio dos pais. Com isto se afasta a solução tradicional dos direitos latinos, que exige o reconhecimento - por perfilhação ou decisão judicial - relativamente ao que nasce fora do casamento.
Mas, para o caso de a maternidade não resultar de declaração no registo, mantém-se a necessidade de recorrer a uma acção de investigação regulada em moldes semelhantes aos tradicionalmente consagrados nos direitos latinos para a filiação fora do casamento.
Sem distinguir consoante o filho provém ou não do casamento dos pais, o sistema adoptado afigura-se capaz de harmonizar os interesses em presença: garantindo, quanto possível, o fácil estabelecimento do vínculo relativamente à mãe, através da simples declaração no registo, possibilita também o afastamento de uma declaração que não corresponda à verdade. Recorde-se, de resto, que a veracidade das declarações prestadas no registo está assistida de tutela penal.
27. No que respeita à filiação relativamente ao pai, prevê-se que ela resulte de presunção, que aponta para o marido da mãe, no caso de se tratar de filho de mulher casada. Nos outros casos, o estabelecimento da filiação decorrerá de perfilhação ou de reconhecimento judicial (artigo 1796.º, n.º 2).
Seguiu-se nesta matéria o sistema comum àquelas legislações europeias - do Ocidente, como do Leste - que não conhecem a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
28. As regras sobre a presunção de paternidade (artigos 1826.º e seguintes) seguem de perto os preceitos que regulavam no Código a presunção de legitimidade: de facto, nos sistemas latinos tradicionais, a chamada presunção de legitimidade é já, em substância, uma presunção de paternidade relativamente ao marido da mãe casada.
Entre as inovações mais significativas acolhidas neste domínio destaca-se a que consagra a possibilidade de a mulher casada indicar no acto do registo que o filho não é do marido. A presunção de paternidade não é, só com isto, afastada. Mas sê-lo-á se neste caso a mãe obtiver a declaração judicial de inexistência de posse de estado do filho, quanto a ambos os cônjuges, no momento do nascimento (artigos 1832.º e 1833.º).
A inovação tem como precedente próximo a lei francesa de 1972. São bem conhecidas as exigências práticas a que visa dar resposta adequada. Trata-se, fundamentalmente, de afastar o funcionamento da presunção, nos casos em que ela perdeu toda a sua verosimilhança, como acontece, designadamente, se os cônjuges estão desde há muito separados de facto, dispensando o recurso a uma acção clássica de impugnação da paternidade.
Procurou-se rodear o novo sistema de garantias adequadas - daí a intervenção do tribunal, que deverá processar-se por via expedita - e previu-se a possibilidade de se fazer renascer a presunção, em acção em que se prove a verosimilhança da paternidade (artigo 1832.º, n.º 6).
29. De realçar ainda a nova regulamentação relativa à cessação da presunção de paternidade e ao seu reinício (artigos 1829.º e 1830.º). Aqui, como em muitos outros pontos da disciplina da filiação, houve a preocupação de captar quanto possível a realidade, afastando soluções legais em contradição com essa realidade.
30. Relativamente ao filho concebido durante o matrimónio, a impugnação da paternidade é facultada ao marido, à mãe e ao filho; a requerimento de quem se declara pai de filho, pode ainda intentar a acção o Ministério Público (artigos 1839.º a 1841.º).
Na acção deve o autor provar que, de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável (artigo 1839.º, n.º 2).
Afasta-se, por esta forma, o condicionalismo estrito a que estava sujeita a impugnação de paternidade, em homenagem, uma vez mais, à preocupação de fazer assentar o vínculo de filiação na verdade biológica.
Esta solução, que tende a dominar nos países europeus, foi recentemente adoptada pela lei francesa de 1972.
31. Na investigação judicial de paternidade desaparecem os pressupostos de admissibilidade da acção: passa a poder provar-se em qualquer caso a paternidade do investigado.
Os pressupostos da investigação tal como o Código Civil os delimitava no seu artigo 1860.º reaparecem, todavia, em boa parte, como presunções de paternidade. A prova que deles resulta pode, no entanto, ser afastada por dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado (artigo 1871.º).
32. Uma palavra ainda acerca do desaparecimento da categoria legal de filhos incestuosos.
Não se afigurou compatível com o espírito da Constituição a manutenção do regime consagrado no Código a este respeito. Mas, relativamente aos filhos de parentes ou afins em linha recta, e bem assim quanto aos filhos de irmãos, uma vez estabelecida a filiação relativamente a um dos progenitores, entendeu-se que deve ser afastada a possibilidade de vir a estabelecer-se a filiação em relação ao outro progenitor, por via de averiguação oficiosa: daí a limitação constante dos artigos 1809.º, alínea a), e 1866.º, alínea a).
33. Na disciplina dos efeitos da filiação (artigos 1874.º e seguintes) inserem-se alterações importantes.
No plano das disposições gerais cabe citar a inclusão dos deveres de respeito, auxílio e assistência entre os deveres mútuos de pais e filhos. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar (artigo 1874.º).
O uso dos apelidos dos pais é regulado em termos de não favorecer qualquer das linhas de parentesco (artigo 1875.º, n.º 1). Aos pais pertence a escolha do nome próprio e dos apelidos do filho menor; na falta de acordo decidirá o juiz, de harmonia com o interesse do filho (artigo 1875.º, n.º 2).
Institui-se, por outro lado, a possibilidade de atribuir ao filho menor, cuja paternidade se não encontra estabelecida, apelidos do marido da mãe (artigo 1876.º). Esta medida, inspirada no direito alemão e adoptada pelo legislador francês em 1972, tende a facilitar a integração do menor no lar constituído pela mãe, que mais tarde se poderá completar pela adopção.
34. A regulamentação do poder paternal regista inovações significativas do novo espírito que se pretende ver instaurado nas relações entre pais e filhos.
De um ponto de vista sistemático, deve notar-se que esse poder começa por ser objectivamente regulado antes de se determinar em que termos os progenitores participam no seu exercício.
Pelo que toca à nova disciplina do conteúdo do poder paternal, merece referência o preceito segundo o qual devem os pais, de acordo com a maturidade dos filhos, ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida (artigo 1878.º, n.º 2). De mencionar também a disposição que impõe aos pais o dever de assegurarem, mesmo depois de o filho ter atingido a maioridade ou de ser emancipado, a possibilidade de este completar a sua formação profissional, sempre que o cumprimento de tal dever lhes possa ser razoavelmente exigido.
Deve ainda notar-se que desaparece o usufruto legal que assistia aos pais relativamente aos bens dos filhos legítimos. Em contrapartida, surge a faculdade de os progenitores utilizarem os rendimentos dos bens dos filhos para satisfazerem não só as despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação, como também, dentro dos justos limites, outras necessidades da vida familiar (artigo 1896.º, n.º 1).
35. A disciplina do exercício do poder paternal é informada pelo princípio constitucional da igualdade dos cônjuges quanto aos poderes e deveres relativamente aos filhos.
Assim, na constância do matrimónio, o exercício do poder paternal pertence a ambos os cônjuges, que devem acordar nesse exercício.
Na falta de acordo, cabe recurso ao tribunal, em questões de particular importância (artigo 1901.º).
Salvo quando a lei exija explicitamente o consentimento de ambos os cônjuges, ou se trate de acto de particular importância, o acto que integra o poder paternal, praticado por um só dos cônjuges, presume-se celebrado de acordo com o outro progenitor, mas a falta de acordo não é oponível a terceiro de boa fé (artigo 1902.º).
Em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os cônjuges decidirão, por acordo, do destino dos filhos e dos alimentos que a estes são devidos.
O acordo está sujeito a homologação do tribunal, que deverá recusá-la se o interesse do menor assim o exigir.
Na falta de acordo entre os pais, decidirá o tribunal, ainda de harmonia com o interesse do menor.
A orientação fundamental que nesta matéria se impõe é a de que o poder paternal será exercido pelo progenitor a quem o filho for confiado (artigo 1906.º, n.º 1).
Em casos especiais, poderá o tribunal entregar a guarda do menor a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência (artigo 1905.º, n.º 2). O exercício do poder paternal nestas hipóteses é objecto de disciplina especial (artigo 1907.º).
36. Relativamente ao menor nascido fora do casamento, se a filiação se encontrar estabelecida apenas relativamente a um dos progenitores, a este caberá o poder paternal (artigo 1910.º).
Se a filiação se achar estabelecida quanto a ambos, o exercício do poder paternal pertencerá àquele dos progenitores que tiver a guarda do filho, mas presume-se que é a mãe quem tem essa guarda (artigo 1911.º, n.os 1 e 2).
No caso de os progenitores conviverem maritalmente, ser-lhes-á aplicado o regime do exercício de poder paternal que vigora na constância do matrimónio, se declararem ser essa a sua vontade (artigo 1911.º, n.º 3).
37. Para além da inibição do poder paternal, regulam-se também as limitações ao exercício desse poder, quando a segurança, a saúde, a formação moral e a educação do filho estiverem em perigo e não for caso de decretar a inibição (artigo 1918.º).
38. Relativamente à revisão do regime da tutela, a reforma limitou-se, nesta fase, a eliminar do sistema do Código as disposições inconciliáveis com a Constituição, designadamente as que assentavam na distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
Esse objectivo determinou, designadamente, a supressão da tutela legítima, nos termos actualmente consagrados (artigo 1930.º), e a adopção de novas regras sobre a escolha dos vogais do conselho de família (artigo 1952.º).
39. A revisão do instituto da adopção impôs-se por força do preceito constitucional que proscreveu a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Logo se deu conta de que havia que levar a cabo, neste domínio, uma renovação mais profunda, que tentasse dar resposta às solicitações surgidas de muitos lados.
Fundamentalmente, reclamava-se o alargamento do campo de aplicação da adopção plena: os pressupostos que actualmente a condicionam retiram ao instituto quase todo o significado prático.
As alterações adoptadas vão exactamente no sentido de possibilitar a adopção plena para além dos limites em que ela é hoje admitida.
Ao lado da adopção plena manteve-se, todavia, a adopção restrita, que guarda o seu significado e vantagens próprios.
Dado o volume das modificações introduzidas, pareceu tecnicamente preferível a substituição integral do título relativo à adopção por um novo texto.
40. Entre os requisitos gerais exigidos para a constituição da adopção, em qualquer das suas modalidades, passam a figurar, além do interesse do adoptando e da legítima motivação do adoptante, a ausência de sacrifício injusto para outros filhos do adoptante e ainda a suposição fundada de que entre adoptante e adoptado venha a estabelecer-se um vínculo semelhante ao da filiação (artigo 1974.º, n.º 1).
A constituição do vínculo continuará a resultar de sentença judicial, mas insere-se agora no Código a necessidade de a decisão ser precedida de um inquérito, que permitirá ao tribunal ajuizar da verificação dos requisitos gerais exigidos para a adopção e, mais genericamente, fundamentar a sua convicção sobre o mérito do pedido (artigo 1973.º, n.º 2).
41. A adopção plena passa a ser facultada aos casados há mais de cinco anos, não separados judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambos os cônjuges tiverem mais de vinte e cinco anos (recorde-se que o Código Civil exigia em regra dez anos de casamento e trinta e cinco anos de idade aos adoptantes.)
A adopção plena é ainda tornada possível ao maior de trinta e cinco anos ou ao maior de vinte e cinco, se o adoptando for filho do seu cônjuge.
Estabelece-se também um limite de idade máximo para os adoptantes, que terão de ter menos de sessenta anos (artigo 1979.º).
A adopção é tornada possível aos adoptantes que tenham descendentes, contrariamente ao que sucedia face ao Código vigente. Os filhos do adoptante deverão, no entanto, ser ouvidos, se maiores de catorze anos (artigo 1984.º).
O artigo 1980.º indica. as pessoas que podem ser adoptadas plenamente: os menores filhos do cônjuge do adoptante ou de pais incógnitos ou falecidos, os menores judicialmente declarados abandonados e ainda os que há mais de um ano residam com o adoptante e estejam a seu cargo.
A declaração judicial de abandono em vista de futura adopção é objecto de disposição especial (artigo 1978.º).
O adoptando deve ter em regra menos de catorze anos. O n.º 2 do artigo 1980.º traça as excepções consentidas a este princípio.
42. Regula-se também pormenorizadamente a matéria do consentimento requerido para a adopção plena.
Esse consentimento é exigido do adoptando maior de catorze anos, dos seus pais, ainda que não exerçam o poder paternal, e de outros parentes que, na falta dos progenitores, tenham a seu cargo o adoptando e com ele vivam. É também exigido para a adopção plena o consentimento do cônjuge do adoptante (artigo 1981.º).
O novo texto disciplina ainda a forma e o momento em que deve ser prestado o consentimento exigido para a adopção (artigo 1982.º), os casos em que o tribunal poderá dispensá-lo (artigo 1981.º, n.os 3 e 4), bem como a revogação e caducidade do consentimento prestado (artigo 1983.º).
43. Mantém-se o princípio de que pela adopção plena o adoptado adquire a situação de filho do adoptante. Mas prescreve-se agora a sua integração total, bem como a dos seus descendentes, na família do adoptante (artigo 1986.º).
44. A revisão da sentença que tiver decretado a adopção é pormenorizadamente regulada. Por este meio se visa, nomeadamente, tutelar a exigência do consentimento esclarecido e livre daqueles de cuja vontade a lei faz depender a constituição do vínculo (artigo 1990.º).
45. No regime da adopção restrita são de menor monta as alterações introduzidas. De anotar aqui que ela passa a ser permitida a quem tiver mais de vinte e cinco anos, mas menos de sessenta (artigo 1992.º).
46. São três, fundamentalmente, as alterações introduzidas no regime dos alimentos.
Em primeiro lugar, prolonga-se durante toda a menoridade do alimentando a obrigação de alimentos dos tios em relação aos sobrinhos e impõe-se ao padrasto e madrasta a obrigação de alimentarem o enteado menor que esteja ou tenha estado no momento da morte do cônjuge a cargo deste [artigo 2009.º, n.º 1, alíneas e) e f)].
Em segundo lugar, no caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, permite-se ao tribunal conceder alimentos, excepcionalmente e por motivos de equidade, ao cônjuge que a eles em princípio não teria direito (por ter sido declarado único ou principal culpado na sentença ou por ter pedido o divórcio ou separação com fundamento em alteração das faculdades mentais do outro), considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à economia do casal (artigo 2016.º, n.º 2).
Finalmente, concede-se àquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges o direito de exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter do seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos.
Não se foi além de um esboço de protecção, julgado ética e socialmente justificado, ao companheiro que resta de uma união de facto que tenha revelado um mínimo de durabilidade, estabilidade e aparência conjugal. Foi-se intencionalmente pouco arrojado. Havia que não estimular as uniões de facto.
47. O direito das sucessões mereceu particular atenção da comissão revisora, expressa em significativas alterações.
Neste domínio, para além da supressão de contradições existentes com a lei fundamental, procurou-se adaptar o regime contido no Código Civil às novas orientações sócio-jurídicas que animam e permeiam toda a Constituição, reflectindo uma nova visão da família e da sua inserção na sociedade.
48. Começando por referir os ajustamentos directamente impostos pela Constituição, e designadamente pelo seu artigo 36.º, apontar-se-á que se baniu do regime da sucessão legítima e da sucessão legitimária, bem como do regime da sucessão testamentária, no que ao direito de representação se refere, toda a discriminação entre parentes legítimos e ilegítimos.
Igualmente se cuidou de corrigir a discriminação em favor do sexo masculino que persistia nas regras de atribuição da administração da herança (artigo 2080.º).
49. Para além disto, introduziram-se modificações de relevo no que respeita ao âmbito da sucessão legítima e à posição sucessória do cônjuge sobrevivo.
Pelo que toca ao primeiro ponto, pareceu não se justificar actualmente o chamamento à sucessão de todos os colaterais até ao sexto grau, a menos que se trate de descendentes de irmãos do falecido.
A família tende hoje a concentrar-se no núcleo constituído pelos cônjuges e pelos filhos; para além deste núcleo, só os que conservam a possibilidade de efectivas relações pessoais com o de cuius devem ser chamados a suceder-lhe.
Entre eles se contam, por certo, os parentes em linha recta, bem como os irmãos e seus descendentes. Quanto aos restantes colaterais, afigura-se que, para além do quarto grau, não existirão em regra aquelas efectivas relações familiares que justificam a atribuição de direitos sucessórios.
50. No domínio do direito das sucessões, a definição da posição do cônjuge sobrevivo foi seguramente o problema que justificou mais demorada atenção.
A situação que o direito vigente atribui ao cônjuge sobrevivo na escala dos sucessíveis legítimos, bem como a sua exclusão da sucessão legitimária, está longe de ajustar-se àquela concepção de família nuclear ou família conjugal já referida, que é a concepção dominante no tipo de sociedade a que se reconduz a actual sociedade portuguesa.
Dessa concepção decorre que ao cônjuge, entrado na família pelo casamento, deve caber um título sucessório semelhante em dignidade ao dos descendentes que na família entraram pela geração.
Por isso se justifica não só que ele prefira aos irmãos e restantes colaterais do de cuius, mas também que seja chamado a concorrer à herança com os descendentes e ascendentes.
Neste sentido, consagra-se agora que na sucessão legítima o cônjuge integre a primeira classe sucessória se à herança vierem descendentes do falecido; que ele integre a segunda classe se concorrer com ascendentes, na falta de descendentes, e, finalmente, que lhe caiba toda a herança, a não existirem descendentes nem ascendentes.
51. Altamente controvertida tem sido a questão de saber em que termos deve o cônjuge sobrevivo ser chamado a concorrer à herança com os parentes em linha recta do falecido, e designadamente com os descendentes.
Há quem sustente que lhe deverá ser atribuído apenas o usufruto da herança (ou de uma parte dela), como há quem defenda que ele deverá concorrer com os herdeiros em linha recta na propriedade da herança.
A favor da primeira solução, alega-se fundamentalmente que ela assegura ao cônjuge sobrevivo a manutenção do ambiente e do nível de vida em que estava inserido, ao mesmo tempo que torna possível conservar os bens na família (entendida esta como família-linhagem, formada pela cadeia de gerações). Além de que a concessão do usufruto é susceptível de favorecer o cônjuge nas pequenas heranças, em que uma quota da propriedade pode não produzir o rendimento de que carece para se manter.
Em defesa da segunda solução, observa-se ser a que melhor se adapta à moderna noção de família, em que o vínculo conjugal se equipara em dignidade ao do parentesco fundado no sangue.
Pondera-se, por outro lado, que a consagração de um legado de usufruto dificulta a gestão dos bens da herança, afecta a sua livre circulação e cria possibilidades de conflito entre o beneficiário do usufruto e o beneficiário da raiz.
Alega-se também que o estabelecimento dos filhos pode ser mais afectado pela concessão de um longo usufruto ao cônjuge sobrevivo do que pela atribuição de uma quota em propriedade. E não deixa de notar-se que o usufruto pode levar os filhos em dependência económica a vender a sua quota de raiz, com a consequente saída dos bens da família-linhagem.
Pelo que toca à preocupação de assegurar ao cônjuge sobrevivo a possibilidade de continuar vivendo no ambiente que era o seu, observa-se que tal preocupação encontrará resposta adequada na atribuição preferencial de certos direitos sobre a residência da família e o seu recheio, conforme adiante se dirá.
Tudo ponderado, foi à segunda das teses em presença que o Governo deu a sua preferência, no sentido de que ao cônjuge sobrevivo, quando concorra com descendentes, seja atribuída uma parte de filho, mas nunca inferior a um quarto da herança; e que, em caso de concurso com ascendentes, ele seja chamado a recolher dois terços da herança, cabendo aos ascendentes o restante.
52. A revalorização da posição sucessória do cônjuge sobrevivo leva também a incluí-lo entre os herdeiros legitimários.
No caso de concorrerem à sucessão o cônjuge sobrevivo e um ou mais descendentes, e bem assim na hipótese de o cônjuge sobrevivo concorrer com um ou mais ascendentes, perfilha-se a fixação da legítima em dois terços da herança.

Se o cônjuge sobrevivo vier à herança como único herdeiro legitimário, a legítima será de metade da herança.
Para o caso de concorrerem apenas descendentes ou ascendentes, não se descobriu razão para alterar as regras em vigor.
53. A tutela sucessória do cônjuge sobrevivo projecta-se ainda de outro modo: reconhecendo-lhe o direito de exigir, em partilhas, que lhe seja atribuído o direito de habitação da casa de morada da família e, bem assim, o direito de uso do respectivo recheio (artigos 2103.º-A a 2103.º-C).
Se o valor destes direitos exceder o da sua parte sucessória, acrescida da meação, se a houver, terão os restantes herdeiros direito a tornas.
54. Ficam deste modo sumariamente referidas as principais alterações do Código Civil que o presente diploma incorpora e apontadas, em breve síntese, as razões que as nortearam, todas elas dominadas pelo propósito de impregnar o Código do espírito da Constituição.
Resta apontar que pareceu conveniente fixar a este decreto-lei uma vacatio legis prolongada, dada a extensão e a profundidade das alterações nele contidas: por isso se determina que entrará em vigor em 1 de Abril de 1978 (artigo 176.º).
O artigo 177.º, que exclui a aplicação do presente diploma às acções pendentes naquela data não faz referência expressa à aplicabilidade imediata dos preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias que decorre do artigo 18.º da Constituição, por ter parecido inútil tal ressalva.
Assim:
Usando da autorização conferida pela Lei n.º 53/77, de 26 de Julho, o Governo decreta, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
  Artigo 1.º
O n.º 2 do artigo 52.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 52.º
(Relações entre os cônjuges)
2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum e, na falta desta, a lei do país com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.

  Artigo 2.º
O n.º 2 do artigo 53.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 53.º
(Convenções antenupciais e regime de bens)
2. Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira residência conjugal.

  Artigo 3.º
O artigo 56.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 56.º
(Constituição da filiação)
1. À constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação.
2. Tratando-se de filho de mulher casada, a constituição da filiação relativamente ao pai é regulada pela lei nacional comum da mãe e do marido; na falta desta, é aplicável a lei da residência habitual comum dos cônjuges e, se esta também faltar, a lei pessoal do filho.
3. Para os efeitos do número anterior, atender-se-á ao momento do nascimento do filho ou ao momento da dissolução do casamento, se for anterior ao nascimento.

  Artigo 4.º
O artigo 57.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 57.º
(Relações entre pais e filhos)
1. As relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos pais e, na falta desta, pela lei da sua residência habitual comum; se os pais residirem habitualmente em Estados diferentes, é aplicável a lei pessoal do filho.
2. Se a filiação apenas se achar estabelecida relativamente a um dos progenitores, aplica-se a lei pessoal deste; se um dos progenitores tiver falecido, é competente a lei pessoal do sobrevivo.

  Artigo 5.º
São revogados os artigos 58.º e 59.º do Código Civil.

  Artigo 6.º
O artigo 60.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 60.º
(Filiação adoptiva)
1. À constituição da filiação adoptiva é aplicável a lei pessoal do adoptante, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. Se a adopção for realizada por marido e mulher ou o adoptando for filho do cônjuge do adoptante, é competente a lei nacional comum dos cônjuges e, na falta desta, a lei da sua residência habitual comum; se também esta faltar, será aplicável a lei do país com o qual a vida familiar dos adoptantes se ache mais estreitamente conexa.
3. As relações entre adoptante e adoptado, e entre este e a família de origem, estão sujeitas à lei pessoal do adoptante; no caso previsto no número anterior é aplicável o disposto no artigo 57.º

4. Se a lei competente para regular as relações entre o adoptando e os seus progenitores não conhecer o instituto da adopção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do adoptando, a adopção não é permitida.

  Artigo 7.º
O n.º 1 do artigo 61.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 61.º
(Requisitos especiais da perfilhação ou adopção)
1. Se, como requisito da perfilhação ou adopção, a lei pessoal do perfilhando ou adoptando exigir o consentimento deste, será a exigência respeitada.

  Artigo 8.º
O artigo 85.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 85.º
(Domicílio legal dos menores e interditos)
1. O menor tem domicílio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.
2. O domicílio do menor que em virtude de decisão judicial foi confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência é o do progenitor que exerce o poder paternal.
3. O domicílio do menor sujeito a tutela e o do interdito é o do respectivo tutor.
4. Quando tenha sido instituído o regime de administração de bens, o domicílio do menor ou do interdito é o do administrador, nas relações a que essa administração se refere.
5. Não são aplicáveis as regras dos números anteriores se delas resultar que o menor ou interdito não tem domicílio em território nacional.

  Artigo 9.º
É revogado o artigo 86.º do Código Civil.

  Artigo 10.º
O artigo 115.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 115.º

(Efeitos)
A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

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