Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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14-02-2008
CPP. Artº 215º, nº5. Constitucionalidade. Acórdão nº 2/2008 - Tribunal Constitucional.
Acórdão n.º 2/2008. do Tribunal Constitucional.
Não julga inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
Ver texto original no DR 32 SÉRIE II de 2008-02-14
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Acórdão n.º 2/2008
Processo n.º 1087/07
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
João Henrique Peste dos Santos Fernandes da Costa, preso preventivamente à ordem do processo nº 547/04, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, veio requerer, perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos artigos 31.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 222.º do Código de Processo Penal (CPP), a providência de habeas corpus, alegando, em síntese, o seguinte:
1 - Foi inicialmente detido e constituído arguido, em 17 de Janeiro de 2005, e colocado em prisão preventiva, no dia imediato, após o primeiro interrogatório judicial, encontrando-se nessa situação, ininterruptamente, desde essa data.
2 - Foi pronunciado pelo crime de adesão a associação criminosa previsto e punido pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal.
3 - Ainda na fase de inquérito, o procedimento foi considerado de excepcional complexidade, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal.
4 - Com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o prazo máximo de prisão preventiva para a situação considerada (tendo em conta que o arguido foi pronunciado por um dos crimes a que se refere o n.º 2 do artigo 215.º do Código de Processo Penal e o procedimento é de excepcional complexidade) foi reduzido para 2 anos e 6 meses, pelo que, tendo-se esgotado esse prazo no dia 18 de Julho de 2007, o requerente devia ter sido libertado em 15 de Setembro seguinte, data em que entrou em vigor a nova lei.
5 - No requerimento de abertura de instrução, o requerente arguiu, além do mais, a invalidade de um despacho proferido, em sede de inquérito, pelo magistrado do Ministério Público.
6 - Na decisão instrutória, o juiz de instrução criminal considerou essa arguição como intempestiva, por entender que devia ter sido apresentada no prazo de três dias a seguir à notificação da acusação, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, do CPP.
7 - Essa decisão foi mantida, em recurso, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que o requerente impugnou o julgado perante o Tribunal Constitucional, solicitando que fosse apreciada, designadamente, a inconstitucionalidade da norma do artigo 123.º, n.º 1, do CPP.
8 - Pelo Acórdão n.º 42/2007, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a referida norma do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição.
9 - O Tribunal da Relação de Lisboa, através do seu acórdão de 8 de Maio de 2007, veio então a reformar a decisão recorrida, considerando sanadas as irregularidades suscitadas, por entender que, não obstante a exiguidade do prazo de três dias previsto na norma do n.º 1 do artigo 123.º do CPP, tinha já decorrido, no momento da arguição, o prazo geral de 10 dias, que era suficiente para a invocação de tais irregularidades.
10 - Dessa decisão, o requerente interpôs um novo recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento em violação de caso julgado constitucional, que, pelo Acórdão n.º 650/2007, foi julgado improcedente.
11 - À data da entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não se encontrava pendente qualquer recurso no Tribunal Constitucional e as decisões por este proferidas já há muito que haviam transitado em julgado.
12 - Os recursos para o Tribunal Constitucional foram interlocutórios e não interpostos da decisão final e nenhum deles suspendeu, interrompeu ou protelou os termos do processo.
13 - Assim, não existia razão para, por efeito desses recursos, se proceder ao prolongamento do prazo de prisão preventiva pelo período de 6 meses, a que se refere o n.º 3 do artigo 215.º do CPP.
14 - Nestes termos, é inconstitucional, por violação dos artigos 27.º, 28.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da CRP, a actual norma do n.º 5 do artigo 215.º do CPP, quando interpretada no sentido de que todo o qualquer recurso interposto para o Tribunal Constitucional - interlocutório ou de decisão final - no decorrer de um processo crime à ordem do qual se encontra o arguido em situação de prisão preventiva determina necessariamente um acréscimo de 6 meses nos prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1 desse artigo, bem como nos correspondentemente previstos nos n.º 2 e 3 desse artigo, mesmo que tal recurso não tenha determinado efectivamente a suspensão ou retardamento do processo.
O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 10 de Outubro de 2007, indeferiu a petição de habeas corpus, por considerar que o prolongamento de 6 meses no prazo de prisão preventiva, se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional, previsto no actual n.º 5 do artigo 215.º do CPP, opera independentemente de se tratar de recurso interlocutório ou de decisão final, pelo que, sendo aplicável, no caso, o prazo de 2 anos e 6 meses, por efeito das disposições conjugadas do artigo 215.º, n.os 1, alínea c), 2 e 3, do CPP, esse prazo foi acrescido de 6 meses, em virtude dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, em conformidade com o n.º 5 desse artigo, e, assim, o termo da prisão preventiva só ocorre, se não houver entretanto decisão final, em 18 de Janeiro de 2008.
Desse acórdão, o arguido veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, invocando pretender ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 215.º, n.º 5, do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (correspondente à do n.º 4 desse artigo na redacção anterior), interpretada no sentido de que todo e qualquer recurso para o Tribunal Constitucional - interlocutório ou da decisão final, com efeito suspensivo do processo ou meramente efeito devolutivo - interposto no decorrer de um processo crime à ordem do qual se encontra(m) arguido(s) em situação de prisão preventiva, determina sempre e necessariamente um acréscimo de 6 meses aos prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1 do aludido artigo 215.º, mesmo que tal recurso não tenha determinado a suspensão e ou sequer, o retardamento de tal processo.
A inconstitucionalidade fora suscitada no requerimento de habeas corpus formulado perante o Supremo Tribunal de Justiça.
Admitido o recurso, o recorrente apresentou as suas alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1.ª Nos termos do nº 5 do artigo 215º do CPP, na sua actual redacção, os prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1, bem como os correspondentemente referidos nos n.os 2 e 3, são acrescentados de 6 meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial;
2.ª São três, portanto, as situações previstas na lei que podem justificar uma prorrogação por mais 6 meses, dos prazos da prisão preventiva;
3.ª Isso acontecerá, desde logo, quando o processo tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial - o que se compreende;
4.ª E acontecerá também, nos termos conjugados do n.º 5 do artigo 215º com a alínea d) do seu n.º 1, quando tenha sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, após ter sido proferida decisão de condenação em 1ª instância - o que, de igual modo, se admite. Com efeito;
5.ª Neste caso, o recurso para o Tribunal Constitucional assume natureza não extraordinária e, tendo sempre efeito suspensivo, impede o trânsito em julgado da decisão condenatória (cf. Acórdãos do TC n.os 1166/96, de 20 de Novembro de 1996, e 524/97, de 14 de Julho de 1997);
6.ª Quando, porém, o recurso para o Tribunal Constitucional é intertocutório e não da decisão final, quando, nos termos conjugados do n.º 5 do artigo 215.º e da alínea c) do n.º 1 da mesma norma legal, é interposto antes de proferida decisão de condenação em 1.ª instância, poderá ou não ter efeitos suspensivos do processo;
7.ª Sendo que, salvo devido respeito por diferente opinião, só se justificará uma prorrogação do prazo da prisão preventiva quando a sua admissão se traduza numa efectiva suspensão dos termos do mesmo;
8.ª O que não acontece quando, como no caso em apreço, o recurso para o Tribunal Constitucional é admitido e mandado subir imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo;
9.ª Nesta situação, a prorrogação do prazo da prisão preventiva por mais 6 meses constituiria (constitui), como parece evidente, uma restrição desnecessária, inadequada e desproporcional ao direito fundamental que é a liberdade. Assim;
10.ª Afigura-se materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, do disposto nos artigos 27.º, 28.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma do artigo 21.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que todo e qualquer recurso interposto para o Tribunal Constitucional - interlocutório ou da decisão final - no decorrer de um processo crime à ordem do qual se encontra(m) arguido(s) em situação de prisão preventiva determina necessariamente um acréscimo de 6 meses aos prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como aos correspondentemente referidos nos n.os 2 e 3 daquela norma, mesmo que tal recurso não tenha efectivamente determinado a suspensão e ou, sequer, o retardamento de tal processo.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
1 - Não é inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 215.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de que todo e qualquer recurso interposto para o Tribunal Constitucional é fundamento para o acréscimo de 6 meses no prazo máximo de prisão preventiva, sendo certo que tal determina necessariamente vicissitudes processuais e temporais que justificam, não inconstitucionalizando, a interpretação normativa tal como foi seguida e aplicada.
2 - Termos em que não deverá proceder o recurso.
Vem o processo à conferência sem vistos, dado o seu carácter urgente.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
O recorrente encontra-se em prisão preventiva, desde 18 de Janeiro de 2005, à ordem do processo n.º 547/04, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, no qual se encontra pronunciado pelo crime de adesão a associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal.
Ainda na fase de inquérito, o procedimento foi considerado de excepcional complexidade, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 215.º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, o recorrente interpôs, no decurso do processo, dois recursos para o Tribunal Constitucional: um, tendo por objecto a decisão instrutória, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, quando fixa um prazo de três dias para a arguição de irregularidades, independentemente da natureza da iregularidade ou complexidade dos autos; outro, na sequência da procedência desse recurso, incidindo sobre o acórdão do Tribunal da Relação que procedeu à reforma da decisão recorrida, neste caso, por alegada violação de caso julgado constitucional.
O processo ainda se encontra em fase de julgamento, que decorre desde 1 de Fevereiro de 2007, pelo que ainda não foi proferida decisão final, absolutória ou condenatória.
O artigo 215.º do CPP fixa os prazos de duração máxima da prisão preventiva, fazendo-os depender de diversos factores, que convirá desde já tomar em consideração.
Na sua redacção actual, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o preceito dispõe:
1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro (uma vez que os artigos 312.º e 315.º do Código Penal foram revogados pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, que os substituiu pelos indicados artigos 30.º, 79.º e 80.º);
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.
5 - Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos n.os 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
6 - No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.
7 - A existência de vários processos contra o arguido por crimes praticados antes de lhe ter sido aplicada a prisão preventiva não permite exceder os prazos previstos nos números anteriores.
8 - Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva são incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência na habitação.
A nova redacção reduziu os prazos de prisão preventiva para cada uma das situações elencadas no n.º 1, sendo que, para a situação considerada nos autos - aquela em que ainda não tenha havido condenação em 1.ª instância, a que se reporta a alínea c) desse número - o prazo geral passou a ser de um ano e dois meses. Manteve-se, no entanto, a possibilidade de elevação do prazo em função de três diferentes factores: a específica natureza crime pelo qual o arguido se encontra indiciado (quando se trate de qualquer dos tipos legais identificados no n.º 2); o reconhecimento da excepcional complexidade do procedimento, quando se refira a qualquer desses crimes (n.º 3); a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (n.º 5).
Por interferência de cada um dessas eventualidades, o prazo máximo de prisão preventiva, quando não tenha havido ainda condenação em 1.ª instância, passa a ser de um ano e seis meses (quando se trate de qualquer dos crimes de catálogo mencionados no n.º 2 do artigo 215.º), eleva-se para dois anos e seis meses, se cumulativamente for declarada a excepcional complexidade do procedimento, a que acrescem seis meses, se entretanto for interposto recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
O novo regime processual resultante da Lei n.º 48/2007 é imediatamente aplicável, por ser mais favorável ao arguido, pelo que o recorrente, por se encontrar abrangido pela situação prevista nas disposições conjugadas da alínea c) do n.º 1, da alínea a) do n.º 2 e dos n.os 3 e 5, do artigo 215.º, passou a encontrar-se sujeito ao prazo limite de prisão preventiva de três anos.
E foi esse o entendimento sufragado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrido, que indeferiu a petição de habeas corpus.
O recorrente sustenta, no entanto, que a prorrogação do prazo máximo de prisão preventiva, por efeito da interposição de um recurso de constitucionalidade, deve ter lugar apenas quando tal recurso tenha sido interposto de decisão condenatória proferida em 1.ª instância, ou, tratando-se de um recurso de despacho meramente interlocutório, quando este tenha um efeito suspensivo do processo. Isso porque só em qualquer desses casos é que o recurso para o Tribunal Constitucional produz um prolongamento dos termos do processo, ou porque impede o trânsito em julgado da decisão condenatória ou porque gera uma efectiva suspensão do processo, que torna justificável o acréscimo de um novo período temporal ao limite máximo da prisão preventiva.
Qualquer outra interpretação - argumenta o recorrente - é materialmente inconstitucional, por constituir uma restrição desnecessária, inadequada e desproporcional ao direito fundamental à liberdade, e acarreta uma violação do disposto nos artigos 27.º, 28.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da CRP.
É esta a questão de constitucionalidade que cabe apreciar.
Como é sabido, o direito à liberdade admite as restrições que se encontram previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição, entre as quais se conta a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a tês anos. Constituindo as restrições ao direito à liberdade restrições a um direito fundamental integrante da categoria de direitos, liberdades e garantias, estão sujeitas às regras do artigo 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, o que quer dizer que «só podem ser estabelecidas para proteger direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger» (nestes precisos termos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, i vol., Coimbra, p. 479).
Por outro lado, como decorre do artigo 28.º, n.º 4, do texto constitucional, «[a] prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei», o que significa que não pode deixar de ser temporalmente limitada de acordo com a sua natureza. Cabendo à lei a fixação dos prazos de prisão preventiva, como resulta desse preceito, dispõe o legislador ordinário, nessa matéria, de uma relativa margem de liberdade de conformação, ainda que deva respeitar o princípio da proporcionalidade (idem, p. 490; no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, i tomo, Coimbra, 2005, p. 321; entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/99).
Segundo o regime do citado artigo 215.º do Código de Processo Penal, o prazo de duração da prisão preventiva conta-se sempre do seu início e não pode exceder certos limites (acumulados) que se reportam a quatro marcos processuais:
1.º Dedução da acusação;
2.º Prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução;
3.º Condenação em 1.ª instância;
4.º Trânsito em julgado da condenação.
Aos prazos fixados para cada uma dessas fases processuais aplicam-se, consoante os casos, três diferentes regimes:
O normal (4 meses, 8 meses, 1 ano e 2 meses e 1 ano e 6 meses);
O especial, em que se atende à gravidade dos crimes (6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos); e
O excepcional, quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional complexidade do procedimento (1 ano, 1 ano e 4 meses, 2 anos e 6 meses e 3 anos e 4 meses) - n.os 1, 2 e 3 do artigo 215.º do CPP.
A ideia central do sistema é a de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a duração máxima (acumulada) de prisão preventiva com o termo das sucessivas fases processuais.
Os prazos de 4 meses, 8 meses e 1 ano de limite máximo de prisão preventiva até dedução de acusação são indicativos da duração do inquérito em cada um dos circunstancialismos definidos no artigo 215.º, n.º 1, alínea a), e nos n.os 2 e 3 [cf. artigo 276.º, n.º 1, primeira parte, e n.º 2, alíneas a) e c)]. O acréscimo de 4 meses ao limite máximo de prisão preventiva, em todas as situações, até prolação da decisão instrutória, toma em atenção os prazos máximos de 2 e 3 meses para conclusão da instrução, que só se inicia com o requerimento para abertura de instrução, a apresentar no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação e a que acresce o prazo de 10 dias para prolação do despacho de pronúncia (cf. artigos 306.º, n.os 1, 2 e 3, 287.º, n.º 1, e 307.º, n.º 3, todos do CPP). É dentro desta lógica que se fixou o prolongamento da duração máxima da prisão preventiva por mais 6 meses, 10 meses e 22 meses, tempo estimado como eventualmente necessário para conclusão do julgamento em 1.ª instância, e por mais 4 meses, 6 meses e 10 meses, tempo estimado para conclusão das fases de recursos até se atingir o trânsito em julgado (sobre estes aspectos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 404/2005).
Como se verifica, os prazos de duração máxima de prisão preventiva são pré-determinados segundo a fase processual, a gravidade do tipo legal de crime e a complexidade do procedimento.
Diferentemente, por efeito do disposto no n.º 5 do artigo 215.º do CPP, a lei não pré-determina o prazo total de prisão preventiva a considerar quando tenha sido interposto um recurso para o Tribunal Constitucional, mas estabelece um acréscimo de 6 meses, quando tenha havido esse recurso, aos prazos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 desse artigo e aos correspondentemente referidos nos n.os 2 e 3.
Note-se que a norma não distingue entre recursos de decisão condenatória ou recursos de decisão interlocutória, nem quanto ao efeito e regime de subida do recurso, limitando-se a fixar um acréscimo temporal único sempre que tenha havido recurso para o Tribunal Constitucional, o que significa que o legislador ponderou esse prazo como sendo o suficiente para resolver, em processo de fiscalização concreta, as questões de constitucionalidade, independentemente da fase processual em que se suscitem e das vicissitudes ou complexidade do processado.
Estimando a lei um prazo que, consoante as circunstâncias do caso, se entende adequado para que, em processo penal com réu preso, seja proferida decisão final e sejam apreciados os recursos admissíveis na ordem jurisdicional comum - e considerando esse como o prazo razoável para a duração da prisão preventiva - , o acréscimo de 6 meses a esse limite temporal, decorrente da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, visa suprir o retardamento processual que sempre resulta da utilização desse meio recursório, que, por vezes, tem um mero intuito dilatório.
E sublinhe-se que o prazo acrescido é único, independentemente das circunstâncias do caso e independentemente de ter sido interposto um ou vários recursos de constitucionalidade.
No caso vertente, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão instrutória, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 123.º, n.º 1, do CPP quando interpretada no sentido de consagrar um prazo de três dias para a arguição de invalidades em processos de especial complexidade, assim como a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério Público a prolação de decisão a determinar o levantamento do sigilo bancário.
Tendo sido concedido parcial provimento ao recurso e declarada a inconstitucionalidade da primeira das normas indicadas, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2007, de 23 de Janeiro de 2007, o recorrente interpôs um outro recurso de constitucionalidade agora referente ao acórdão do Tribunal da Relação de 8 de Maio de 2007, que, na sequência daquele julgamento de inconstitucionalidade, procedeu à reforma da decisão recorrida.
Este recurso, que tinha como fundamento a alegada violação de caso julgado constitucional, foi julgado improcedente por decisão sumária, que foi confirmada, em reclamação para a conferência, pelo Acórdão n.º 441/2007, de 13 de Agosto de 2007.
O presente recurso é já o terceiro recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, num momento em que não foi ainda proferida decisão final de julgamento em 1.ª instância (apesar da celeridade que o recorrente reconhece ter sido imprimida ao processo - cf. n.º 48 das alegações de recurso), e que incide agora sobre o acórdão do Supremo Tribuanl de Justiça que indeferiu um pedido de habeas corpus.
Como se viu, o acréscimo do prazo de prisão preventiva por efeito de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional tem como objectivo contrariar a dilação que decorre do simples facto de ter sido interposto um recurso desse tipo, visto que essa é uma consequência que se encontra desligada de qualquer outra específica vicissitude processual, e, designadamente, do eventual efeito suspensivo dos termos do processo.
Se se tratar de um recurso de constitucionalidade que incida sobre a decisão condenatória proferida, em sede de recurso, pelo tribunal da relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, naturalmente que esse recurso vai impedir que a condenação transite em julgado, determinando um protelamento da resolução do processo. Mas o recurso interposto de qualquer decisão interlocutória, como seja a decisão instrutória ou a decisão sobre um incidente processual, mesmo que deva subir em separado e não produza efeito suspensivo do processo (artigos 406.º e 408.º do CPP), implica sempre um retardamento processual que resulta da tramitação e expedição do recurso, da necessária prolação do despacho de admissão do recurso e da fixação do respectivo efeito e regime de subida, e que obriga, subindo o recurso em separado, a que o juiz averigue se o mesmo se mostra instruído com todos so elementos necessários à boa decisão da causa, determinando, se for caso disso, a extracção e junção de certidão das pertinentes peças processuais (artigo 414.º do CPP). Nestes termos, o recurso desencadeia sempre uma actividade processual autónoma que perturba o andamento do processo e que, em maior ou menor medida, poderá retardar a prolação da decisão final.
Mas, para além de tudo isso, o aditamento do prazo de seis meses ao limite máximo aplicável de prisão preventiva, sempre que seja introduzido em juízo um recurso de constitucionalidade, destina-se a permitir que esse recurso seja decidido no Tribunal Constitucional e que, em consequência, os tribunais de instância possam reformar, em conformidade com o juízo de constitucionalidade que tenha sido adoptado, a decisão recorrida.
Esse é o prazo que o legislador considerou, em abstracto, como sendo suficiente para a apreciação, pelo tribunal competente, da questão de constitucionalidade suscitada e para a eventual subsequente reformulação do processado ou prolação de uma nova decisão, independentemente do circunstancialismo concreto que seja aplicável ao caso. Trata-se de um prazo que é considerado normalmente adequado para solucionar todas as questões que são supervenientemente colocadas por via do recurso de constitucionalidade, independentemente das consequências práticas que ele tenha produzido no desenvolvimento do processo. Sendo, por isso, também, indiferente, do ponto de vista da finalidade da lei, que o recurso tenha ou não determinado a suspensão dos termos do processo ou um efectivo atraso na sua prossecução.
Nestes termos, o acréscimo do prazo de prisão preventiva previsto no n.º 5 do artigo 215.º do CPP mostra-se justificado, segundo a razão de ser da lei, não apenas pelo eventual protelamento do trânsito em julgado da decisão condenatória, mas também pela possível demora produzida na emissão de uma decisão em primeira instância. Ou seja, a prorrogação do prazo de prisão preventiva é legitimada pelo potencial efeito dilatório do recurso de constitucionalidade, quer porque com a interposição desse recurso se evitou que o processo chegasse ao seu termo com o trânsito em julgado da decisão condenatória, quer porque esse recurso se poderá repercutir de algum modo no julgamento da causa.
É, por outro lado, irrelevante que se não encontre já pendente o recurso para o Tribunal Constitucional quando opera a dilação ao prazo máximo de prisão preventiva aplicável por força das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 1 e dos n.os 2 e 3 do artigo 215.º Justamente porque o aumento do prazo se destina a suprir o efeito negativo que a interposição do recurso poderá vir a gerar relativamente a qualquer das fases do processo, segundo o momento processual em que o recurso seja interposto, e deverá reflectir-se necessariamente no cômputo global do prazo de prisão preventiva.
Reconhecendo-se ao legislador, como se deixou vincado, uma certa margem de conformação quanto à fixação dos prazos de prisão preventiva, por efeito do disposto no artigo 28.º, n.º 4, da Constituição, não parece que o acréscimo de seis meses ao limite máximo da prisão preventiva por via da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, tal como prevê o n.º 5 do artigo 215.º do CPP, represente uma restrição desproporcionada ou excessiva em relação aos fins que se pretendem obter. Isso porque - como se anotou - , essa prorrogação do prazo é aplicável por uma única vez, ainda que o interessado - como é o caso - tenha interposto mais do que um recurso de constitucionalidade. E também porque se traduz num acréscimo temporal que se mostra ser ajustado às possíveis incidências processuais que poderão resultar da interposição de um recurso desse tipo.
Não se verifica, pois, qualquer violação do disposto nos artigos 27.º, 28.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da CRP, por efeito da interpretação dada à referida norma do artigo 215.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
III - Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta
Lisboa, 4 de Janeiro de 2008. - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Gil Galvão.