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  DL n.º 274/99, de 22 de Julho
  REGULA DISSECAÇÃO DE CADÁVERES(versão actualizada)
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SUMÁRIO
Regula a dissecação de cadáveres e extracção de peças, tecidos ou órgãos para fins de ensino e de investigação científica
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A utilização de cadáveres para fins de ensino e de investigação científica tem enfrentado consideráveis dificuldades decorrentes de um quase total vazio legislativo neste domínio. Com efeito, é já no ano de 1913 que se vai encontrar aquele que subsiste, ainda hoje, como o único diploma que permite enquadrar legalmente esta matéria: a Portaria n.º 40, de 22 de Agosto de 1913, que dispunha que '[...] ficam à disposição das Faculdades de Medicina, para seus estudos, os cadáveres dos falecidos nos hospitais, asilos e casas de assistência pública, os quais, dentro do prazo de doze horas, decorridas depois do falecimento, não sejam reclamados pelas famílias para procederem ao seu enterramento'.
A carência de material humano para fins de ensino e investigação constitui uma realidade preocupante cuja dimensão tem aumentado drasticamente ao longo das últimas décadas, com substanciais e inevitáveis reflexos negativos no progresso das ciências da saúde e na formação dos profissionais desta área.
A dissecação de cadáveres e a sua utilização para fins de ensino e de investigação científica assume efectivamente um papel essencial e insubstituível na didáctica das ciências da saúde, revestindo-se de incontestável importância no âmbito da formação geral e especializada dos profissionais da saúde e na evolução do conhecimento nesta área do saber. Tal prática, ao possibilitar um melhor conhecimento do organismo humano, a compreensão dos fenómenos patológicos e o aperfeiçoamento de métodos de diagnóstico e terapêutica, habilitará melhor o profissional a cuidar dos vivos, configurando-se como garantia da qualidade dos actos médicos e cirúrgicos e do seu aperfeiçoamento contínuo. Permitirá, ainda, que no estudante se desenvolva um processo educativo no âmbito de valores, de atitudes e de comportamentos essenciais para que o futuro profissional da saúde assuma na plenitude a sua missão, contribuindo em última análise para a promoção do bem-estar dos indivíduos e da sociedade em geral.
Sendo um problema que a generalidade dos cidadãos desconhece, este é, todavia, um assunto ao qual urge dar solução, solução que tem sido, aliás, viva e reiteradamente reclamada pelas mais diversas entidades e, muito particularmente, pelas faculdades de medicina e sociedades científicas médicas.
Não se pode continuar a fechar os olhos a realidades evidentes, por preconceitos ou enfeudamentos a valores desajustados.
A adopção de medidas destinadas a regulamentar a utilização de cadáveres para fins de ensino e de investigação científica deve ser efectuada na plena defesa da dignidade da pessoa humana e do valor de solidariedade que essa dádiva traduz, na observação escrupulosa dos sentimentos de veneração e respeito dentro da praxis cívica e religiosa, bem como salvaguardando intransigentemente qualquer possível instrumentalização indiscriminada ou desvios relativamente à sua finalidade essencial.
Importa, em consequência, consagrar um conjunto de princípios e regras orientadores que, de forma eficaz, permitam clarificar as situações em que é lícita a dissecação de cadáveres, bem como a extracção de peças, tecidos ou órgãos para fins de ensino e investigação científica. A necessidade de legislação especial sobre esta matéria encontra-se, aliás, já consagrada no artigo 1.º, n.º 3, da Lei n.º 12/93, de 22 de Abril.
Nesse sentido, adopta-se como princípio que os cidadãos nacionais, apátridas e estrangeiros residentes em Portugal que venham a falecer no País possam potencialmente ser sujeitos aos actos previstos na lei, salvo se tiverem manifestado em vida, junto do Ministério da Saúde, a sua oposição, ao mesmo tempo que se explicitam os prazos para a prática destes actos. Para além dos casos em que expressamente tenha sido declarado em vida, pelo próprio, a dádiva do seu cadáver para fins de ensino e investigação científica, entende-se, todavia, que a dissecação de cadáveres só pode ter lugar se, não tendo existido manifestação de oposição, a tal não se opuserem as pessoas a quem, para tanto, é conferida legitimidade.
Em todo o processo, os procedimentos adoptados jamais colocam em causa a dignidade pessoal e social do falecido e dos seus familiares, garantindo também que não sejam comprometidas cerimónias fúnebres, ritos de sufrágio ou homenagens de carácter cívico eventualmente a prestar. Por forma a não criar um ónus de dor acrescido às famílias, a dissecação do cadáver, que poderá implicar a retenção do corpo pelas entidades públicas já referidas até 15 dias, só é permitida se a pessoa não tiver manifestado em vida a sua oposição e o corpo não reclamado no prazo de vinte e quatro horas, após a tomada de conhecimento do óbito, pelos familiares com legitimidade para o efeito.
De igual modo, se entende fundamental assegurar o pleno aproveitamento dos recursos já existentes ao nível do Ministério da Saúde, por forma que, respeitando-se o imperativo legal, se introduzam as mínimas perturbações num sistema já instituído e com provas dadas.
Por forma a assegurar a identificação e controlo rigorosos de todos os actos que venham a ser realizados ao abrigo deste diploma, prevê-se a criação de um sistema de documentação em cada um dos serviços autorizados por lei a realizar tais actos, em pleno respeito pelas regras de protecção do tratamento dos dados pessoais, consagradas na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro. Nesta medida, estabelece-se a criação de um registo fotográfico e a recolha de amostras para estudos genéticos do cadáver de que se desconheçam os elementos de identificação.
O espírito de solidariedade já anteriormente referido na perspectiva do indivíduo dador surge igualmente patente no facto de as entidades que beneficiam cientificamente do estudo e investigação no cadáver serem as responsáveis por assegurar o transporte do cadáver do local em que se encontre depositado para as respectivas instalações e pela sua posterior devolução, sempre no respeito que aos restos mortais humanos é devido, e pela inumação ou cremação dos despojos de cadáveres dissecados que não aproveitem à sua reconstituição, e das peças, tecidos ou órgãos extraídos que não sejam conservados para fins de ensino e de investigação científica.
Por fim, consagra-se uma sanção penal autónoma para os actos de comércio de cadáver ou de peças, tecidos ou órgãos, para fins de ensino e investigação científica. Trata-se de uma matéria que, em virtude dos bens jurídicos envolvidos, justifica a intervenção do direito penal, em conformidade, aliás, com as preocupações que têm vindo a ser demonstradas ao nível das diversas instâncias internacionais face a novas formas de criminalidade organizada envolvendo o tráfico de órgãos.
Foram ouvidos a Comissão Nacional de Protecção de Dados, o Conselho Superior de Medicina Legal, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.
Assim:
No uso da autorização concedida pela Lei n.º 12/99, de 15 de Março, e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:
  Artigo 1.º
Âmbito
O presente diploma visa regular as situações em que é lícita a dissecação de cadáveres, ou de partes deles, de cidadãos nacionais, apátridas ou estrangeiros residentes em Portugal, bem como a extracção de peças, tecidos ou órgãos, para fins de ensino e de investigação científica.

  Artigo 2.º
Entidades autorizadas
Os actos a que se refere o artigo anterior só podem ser realizados após a verificação do óbito efectuada por médico, nos termos da lei, nas escolas médicas das universidades, nos institutos de medicina legal, nos gabinetes médico-legais e nos serviços de anatomia patológica dos hospitais, mediante a autorização do responsável máximo do serviço.

  Artigo 3.º
Actos permitidos
1 - É permitida a realização dos actos previstos no artigo 1.º quando a pessoa falecida tenha expressamente declarado em vida a vontade de que o seu cadáver seja utilizado para fins de ensino e de investigação científica. Esta declaração de vontade é revogável, a todo o tempo, pelo próprio.
2 - Fora dos casos previstos no número anterior, é permitida a dissecação de cadáveres ou de partes deles, para os fins previstos no artigo 1.º, desde que:
a) A pessoa não tenha manifestado em vida, junto do Ministério da Saúde, a sua oposição; e
b) A entrega do corpo não seja, por qualquer forma, reclamada no prazo de vinte e quatro horas, após a tomada de conhecimento do óbito, pelas pessoas referidas no artigo 4.º, n.º 1.
3 - É, ainda, permitida a extracção de peças, tecidos ou órgãos, para os fins previstos no artigo 1.º, desde que a pessoa não tenha manifestado em vida, junto do Ministério da Saúde, a sua oposição.

  Artigo 4.º
Legitimidade
1 - Têm legitimidade para reclamar o corpo, sucessivamente:
a) O testamenteiro, em cumprimento de disposição testamentária;
b) O cônjuge sobrevivo ou pessoa que vivia com o falecido em condições análogas às dos cônjuges;
c) Os ascendentes, descendentes, adoptantes ou adoptados;
d) Os parentes até ao 2.º grau da linha colateral.
2 - Quando o corpo for reclamado por pessoas com legitimidade para o fazer fora do prazo previsto no artigo 3.º, n.º 2, alínea b), ou, independentemente do prazo, for reclamado por pessoa diferente das referidas no número anterior, a reclamação só é atendida após a eventual utilização do cadáver para fins de ensino e de investigação científica, devendo as entidades que tiverem procedido aos actos descritos no artigo 1.º atenuar, na medida do possível, os sinais decorrentes da sua prática.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o cadáver não pode ficar retido mais de 15 dias nas instalações das entidades a que se refere o artigo 2.º

  Artigo 5.º
Manifestação de oposição
1 - Os não dadores para os fins previstos no presente diploma são inscritos, em ficheiro autónomo, no Registo Nacional de não Dadores (RENNDA), aplicando-se-lhes, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.º 244/94, de 26 de Setembro.
2 - A manifestação de oposição a que se refere o artigo 3.º consta do impresso tipo previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 244/94, de 26 de Setembro, e é livremente revogável, a todo o tempo, pelo próprio.
3 - Os dados constantes do impresso a que se refere o número anterior são inseridos no ficheiro a que se refere o n.º 1, aplicando-se-lhes, com as necessárias adaptações, o disposto no Decreto-Lei n.º 244/94, de 26 de Setembro.
4 - Os não dadores inscritos no RENNDA até à entrada em vigor do presente diploma presumem-se não dadores para os fins previstos no artigo 1.º
5 - Para os efeitos previstos neste diploma, as entidades referidas no artigo 2.º têm acesso, em tempo útil, aos dados constantes do RENNDA, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 244/94, de 26 de Setembro.

  Artigo 6.º
Proibições
1 - É proibida a comercialização, para os fins previstos neste diploma, de cadáveres e de peças, tecidos ou órgãos deles extraídos.
2 - É proibida a revelação da identidade da pessoa cujo cadáver tenha sido utilizado nos termos do presente diploma.

  Artigo 7.º
Conservação e utilização
As entidades referidas no artigo 2.º devem zelar pela conservação e utilização dos cadáveres ou de partes deles, bem como de peças, tecidos ou órgãos deles extraídos, no respeito que lhes é devido e com o recurso aos meios técnico-científicos mais adequados.

  Artigo 8.º
Sistema de documentação
1 - As entidades autorizadas a proceder aos actos regulados neste diploma devem criar um sistema de documentação, procedendo ao registo em suporte próprio do serviço, de modo a permitir a rigorosa identificação:
a) Dos elementos de identificação do cadáver, quando deles houver conhecimento;
b) Da referência a todo o processo de utilização do cadáver, desde a sua proveniência até ao seu destino;
c) Do nome do responsável máximo do serviço que autorizou a realização dos actos referidos no artigo 1.º;
d) Dos actos realizados, nomeadamente das peças, tecidos e órgãos extraídos;
e) Dos actos a que se refere o artigo 18.º
2 - Nos termos da alínea a) do número anterior, são recolhidos os seguintes elementos de identificação:
a) Nome;
b) Sexo;
c) Data de nascimento;
d) Naturalidade;
e) Residência;
f) Número do bilhete de identidade.
3 - Nas situações em que se desconheçam os elementos de identificação referidos no número anterior, o serviço procede ao arquivo de um registo fotográfico do cadáver, bem como à recolha de amostras para estudos genéticos, tendo em vista a sua identificação futura.
4 - Os dados podem ser utilizados para fins de ensino, elaboração de trabalhos de investigação científica e recolha de dados estatísticos, desde que não sejam identificáveis as pessoas a que respeitam.

  Artigo 9.º
Recolha e actualização dos dados
Os dados pessoais constantes do sistema de documentação são recolhidos e actualizados mediante a informação constante do certificado de óbito.

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