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    Sumários do STJ (Boletim) - Laboral
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ACSTJ de 13-02-2008
 Contrato de trabalho Contrato de prestação de serviços Aplicação da lei no tempo Resolução pelo trabalhador Falta de pagamento da retribuição Veículo automóvel
I -Perante a regra geral de aplicação da lei no tempo que emerge do art. 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, aplica-se a uma relação jurídica iniciada em Julho de 1992 e terminada em Maio de 2004, o regime instituído por aquele compêndio normativo, na sua versão anterior à redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março.
II - Contudo, para efeitos de qualificação contratual das relações estabelecidas entre as partes e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que o Código do Trabalho só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003, pelo que à qualificação daquela relação jurídica se aplica o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo D.L. nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
III - Perante a dificuldade da prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os elementos caracterizadores da subordinação jurídica, deve proceder-se à identificação da relação laboral (para a distinguir de outras formas de negociar) através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado, por modo a poder-se concluír pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho .
IV - Os indícios têm, todavia, um valor relativo se individualmente considerados e devem ser avaliados através de um juízo global, em ordem a convencer, ou não, da existência, no caso, da subordinação jurídica pressuposta no art.º 1 da LCT.
V - Tem natureza laboral a relação estabelecida no seguinte condicionalismo: o autor exerceu funções de engenheiro civil para a ré; manteve-se disponível para o fazer no lapso de tempo indicado em I, deslocando-se diariamente às suas instalações onde partilhava um gabinete com outro engenheiro, o que fazia de 2ª a 6ª feira entre as 09h e as 13 h; recebeu uma remuneração mensal; era a ré quem determinava as tarefas a realizar pelo autor, os objectivos a atingir, as obras a realizar, acompanhar ou legalizar, salvaguardada a sua autonomia técnica como engenheiro civil; ao longo dos anos o autor recebeu ordens e instruções do engenheiro que chefiava o gabinete de instalações a que estava afecto e de outras pessoas designadamente através de “comunicações internas” e prestava contas à ré das tarefas por si executadas e dos projectos e obras por si acompanhados; o autor utilizava os equipamentos e materiais pertencentes à ré, tinha atribuído um lugar de estacionamento, tinha o seu nome incluído na lista telefónica interna que era distribuída a todos os colaboradores, foi-lhe atribuído um cartão de identificação que o identificava, interna e externamente, como colaborador do “grupo” em que a ré se inseria e beneficiava de descontos praticados pelos concessionários do “grupo” aos seus colaboradores nas oficinas e vendas de peças.
VI - O específico modo retributivo em que se traduz a atribuição de um veículo para utilização própria, incluindo férias e fins de semana, com pagamento de todos os respectivos gastos e encargos, designadamente, reparações, manutenção, gasolina e seguros, com substituição periódica, é mais característica de uma relação contratual com a proximidade e a tendencial durabilidade próprias de um contrato de trabalho do que de um contrato de prestação de serviços. VII- O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências (arts. 441.º, n.ºs 1 e 4 e 396.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho).
VIII - Integra justa causa de resolução o comportamento do empregador que deixa de pagar a retribuição devida a partir de Junho de 2003 e retira ao trabalhador o veículo de que este beneficiava em Dezembro de 2003, sem atribuição de um outro, o que traduz a violação da obrigação de pagamento da retribuição -prevista no art. 19.º, al. b) da LCT quanto às retribuições vencidas antes da entrada em vigor do Código do Trabalho e nos arts. 10.º e 249.º e ss. deste quanto às vencidas posteriormente -e do direito do autor a utilizar um veículo atribuído pela ré e periodicamente substituído.
IX - Este comportamento presume-se culposo (art. 799.º do CC) e tornou inexigível para o trabalhador a subsistência da relação de trabalho atento o tempo por que se protelou, vendo-se o autor privado do veículo de que beneficiava desde o mês antecedente e da sua retribuição há vários meses.
Recurso n.º 356/07 -4.ª Secção Mário Pereira (Relator) Sousa Peixoto Sousa Grandão
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