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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 28-02-2007
 Declarações do co-arguido Valor probatório Co-autoria Cumplicidade
I - Este STJ, ancorando-se no art. 343.º do CPP, segundo o qual o arguido pode prestar declarações em qualquer fase da audiência, desde que referidas ao objecto do processo, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo, tem firmado jurisprudência, sem hesitação, no sentido de que o co-arguido pode prestar declarações em julgamento, em favor como em desfavor do co-arguido, ilibando-o ou incriminando-o.
II - Concorre no mesmo sentido o art. 344.º do CPP, dispondo que o arguido pode confessar ou negar os factos, indicar causas que possam excluir a ilicitude ou culpa, bem como quaisquer circunstâncias que interfiram na definição da sua responsabilidade ou medida concreta da pena, nessa postura processual cabendo a prestação de declarações que desfavoreçam o co-arguido.
III - Apesar de ao arguido ser reservado, sem prejuízo individual, o direito ao silêncio, de não ser ajuramentado e de não ser obrigado a responder às perguntas que lhe são feitas, nos termos do art. 133.º do CPP, pode suceder que o mesmo queira concorrer para a descoberta da verdade, como manifestação de um sentimento de dignidade, auto-incriminando-se ou a terceiros, não vedando a lei esta postura.
IV - Na doutrina nacional é maioritário o entendimento apoiando a valoração do conhecimento probatório das declarações do arguido. Em sentido contrário, negando essa possibilidade, Rodrigo Santiago, in RPCC, Ano 4, Fasc. 1, Janeiro - Março de 1994, que vai ao ponto de considerar verificada uma situação de nulidade de julgamento, por violação dos arts. 323.º, al. f), e 327.º, n.º 2, do CPP, e Teresa Beleza, “Tão amigos que nós éramos”, in RMP, n.º74, Abril – Junho de 1998, págs. 39 e ss..
V - O pendor de uniformidade de pensamento que paira na jurisprudência tem a contrapor-se-lhe a oscilação entre doutrinadores, sem embargo de se reconhecer que, como assinala Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, Verbo, págs. 171-172, o valor deste tipo de declarações exige uma “especial ponderação por parte do julgador”, em ordem a aferir da sua própria coerência interna, corroborada com outros elementos de prova, corroboração essa que mais não é do que o esforço de percepção, através dos vários meios ao seu alcance, pelo julgador, do sentimento que as anima, se de inverdade, se pura sede de vingança, estratégia de defesa, pura conveniência, delação sem justificação ou afirmação de verdade, à margem de qualquer intuito prejudicial.
VI - Se o tribunal ancorou a convicção quanto à participação do arguido D nos factos provados, relativos ao momento A), nas declarações do co-arguido T, que confirmou a prática desses mesmos factos pelo arguido D, declarações que foram prestadas de “forma isenta e convincente”, escreveu-se na fundamentação, e que “foram confirmadas por outros meios de prova”, como também ali se escreveu [o arguido D negou a sua participação nos factos, porém da ponderação conjugada das declarações dos arguidos T e D resulta que este confirmou a sua presença no local, levou e foi buscar os demais arguidos, sabia o que aqueles iam fazer e a arma utilizada foi encontrada em sua casa], é visível, pelo cruzamento de factos, que a corresponsabilização do arguido D com origem no arguido T oferece credibilidade e esse juízo que nelas se forma, completado, corroborado, com outros elementos probatórios concernentes e incidentes sobre matéria de facto, dentro de uma ampla latitude de funcionamento do princípio do contraditório, escapa à censura deste STJ, tendo que acatar-se como fundado e fundante daquela comparticipação.
VII - O tribunal recorrido ao afirmar a sua convicção de que as declarações incriminatórias do co-arguido T lhe pareceram convincentes e isentas e o seu teor se mostra confirmado pelo recurso e em conjunção com outros meios de prova, acaba por limitar, pela negativa, o princípio da dúvida in malam partem do arguido, ou seja, por arredar qualquer estado de dúvida de que o arguido pudesse beneficiar, carecendo de fundamento a arguição da sua condenação em estado de invencível certeza, como o arguido intenta fazer crer.
VIII - E também se não alcança como podem ter sido violado regras da experiência que não desmentem em nada a susceptibilidade de os factos terem ocorrido como provado. As regras da experiência são “critérios generalizantes e tipificados de inferência factual”, “índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam caminhos de investigação e oferecem probabilidades de acontecimento” (Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, Princípios de Direito Processual Criminal, págs. 42 e ss.).
IX - Essencial à co-autoria é um acordo, expresso ou tácito, bem como a intervenção, maior ou menor, dos co-autores na fase executiva do facto, em realização de um plano comum, não sendo senão esse o sentido da locução «tomar parte na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outros», em uso no art. 26.º do CP. Esse acordo de execução tanto pode ser extremamente simples como complexo, mas abrange sempre uma divisão de tarefas; através desse acordo os co-autores atribuem-se e aceitam prestar, reciprocamente, as tarefas que lhes estão confiadas, destinadas ao plano comum a concretizar; trata-se de um encontro de vontades dos co-autores acerca do plano de execução e repartição de funções a ele inerente - Eduardo Correia, Direito Criminal, 1953, pág. 253.
X - A co-autoria não se reduz, pois, a um simples contributo atomístico, somatório material de factos executivos de diversas pessoas, sendo necessário não só o acordo, mas também o requisito “juntamente com outro ou outros” que serve de elemento de aglutinação do resultado dos demais contributos individuais. A co-autoria implica a consciência da comparticipação na acção comum; a culpa afere-se na medida da comparticipação, tanto objectiva como subjectiva.
XI - A linha de fronteira entre a cumplicidade e a co-autoria está em que a cumplicidade assume uma forma de subalternização face a esta: sem o cúmplice o crime sempre seria cometido mas em outro lugar, tempo ou circunstância.
XII - O traço distintivo entre cumplicidade e co-autoria parte da actividade prevista no plano criminoso, de tal modo que é no domínio funcional do facto que repousa a distinção, critério adoptado por Roxin, Figueiredo Dias, largo sector da jurisprudência alemã e espanhola, tendo sido também utilizado pela jurisprudência nacional. O cúmplice, podendo, é certo, participar no acordo executivo, não tem o domínio funcional do facto, como sucede na co-autoria; tem apenas o domínio do seu contributo, tanto positivo como negativo, de forma que se o omitir nem por isso o facto deixa de ser cometido.
Proc. n.º 4263/06 - 3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Sousa Fonte Santos Cabral Oliveira Mendes
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