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    Sumários do STJ (Boletim) -
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ACSTJ de 22-09-2004
 Concurso efectivo de infracções Concurso aparente de infracções Roubo Sequestro Consumpção Especialidade Subsidiariedade Regime penal especial para jovens Fins Omissão de pronúncia
I - No âmbito do chamado concurso efectivo de infracções, haverá concurso real sempre que à pluralidade de crimes corresponder uma pluralidade de acções e concurso ideal sempre que a mesma acção viole diferentes tipos (concurso ideal heterogéneo) ou um só tipo de crimes (concurso ideal homogéneo).
II - Do concurso efectivo de infracções se distingue o concurso aparente ou impuro, em que a conduta do agente apenas formalmente preenche vários tipos legais, mas por via da interpretação das normas conclui-se que, por vezes, essa conduta é exclusiva e totalmente absorvida por um só tipo, de modo tal que todos os demais devem ceder.
III - No concurso aparente de infracções há um feixe de normas legais em convergência, em concordância, de tal modo que em consequência de uma conexão entre elas, a aplicação de uma norma importa a exclusão de aplicação de outra, na observância das regras da especialidade, da consumpção, da subsidiariedade, do facto ulterior não punível, pois os diversos crimes podem mostrar-se conexionados por essas diversificadas relações entre si.
IV - Por força das regras da especialidade um dos tipos aplicáveis - tipo especial - abrange - já elementos essenciais de outro, também abstractamente aplicável - o tipo base -, ao qual, em vista dos interesses a proteger e da sua especialidade, se aditaram elementos suplementares ou especializadores, recriando um novo tipo, mais ajustasdo às circunstâncias do caso, mercê da regra lex specialis derogat legi generali.
V - A aplicação da regra da consumpção não abdica da consideração de que o preenchimento do tipo mais grave engloba o preenchimento de outro menos grave e, quando tal sucede as disposições legais encontram-se numa posição em que uma consome a protecção legal já conferida por outra, a lei mais ampla, a lex consumens, que é a mais eficaz e a aplicável por força do princípio ne bis in idem, do que a lei menos ampla, a lex consumpta, que não cobra aplicação.
VI - Por aplicação das regras da subsidiariedade certas normas apenas se aplicam quando o facto não é punido por outra mais grave, casos havendo em que essa é mesmo a formulação da acção típica, o ditame legal está enunciado nesses precisos moldes.
VII - Os delitos que visam garantir ou assegurar a impunidade de outros (crimes de garantia ou aproveitamento) não são punidos em concurso com o crime de fim lucrativo ou de apropriação, salvo se gerarem um novo dano ao ofendido ou se dirigirem contra um novo bem jurídico.
VIII - O crime de sequestro tem por legal escopo a protecção da liberdade de locomoção, a liberdade de deslocação física, corpórea, de mudar de lugar sem entrave, o jus ambulandi, com tradução a nível constitucional. A liberdade de uma pessoa se manter em dado lugar, de a pessoa aceder ou não a certo local, o constranger alguém a abandonar um certo local ou não aceder ou se dirigir a certo ponto, é missão tutelar do crime de coacção.
IX - A violência, tanto física como psíquica, pode presenciar-se na privação de liberdade de movimentos, base incriminatória do crime de sequestro, o que pode colocar questões delicadas ao nível de concurso de infracções, da respectiva unidade ou pluralidade.
X - Sempre que a duração da privação da liberdade de movimentos não exceda, não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime-fim (v.g. roubo) e seja incluída na acção típica e na respectiva retribuição, deve inferir-se pela constatação de um concurso aparente de infracções entre o crime-meio (v.g. sequestro) e o crime-fim, sendo o agente punido por um só deles.
XI - Tudo o que essa duração necessária exceda já se não inclui no tipo legal de crime de roubo, já é aplicação na prática de elemento de outra configuração típica, que não pode deixar de erigir e substanciar um crime autónomo.
XII - Haverá concurso real entre os crimes de roubo e de sequestro, por a privação da liberdade de movimentos dos ofendidos ir muitíssimo além da imprescindível à consumação das duas subtracções patrimoniais, se da matéria de facto provada constar que:'Os arguidos, de concerto com outras duas pessoas, não identificadas - um deles será o A - mediante a ameaça de uma pistola e de uma caçadeira, forçaram o ofendido M, a ceder ao recorrente a posição de condutor do seu carro, passando o mesmo, arguido E, a dirigi-lo sendo o seu dono obrigado a ocupar o banco de trás do carro.Depois, com a ameaça de uma pistola forçaram a entrar nele o ofendido C.No interior da viatura o A revistou o C, e o arguido J apropriou-se de diversos objectos, num clima de violência tanto física como psíquica.E sendo perguntado ao ofendido C sobre a existência de sabonetes de haxixe, logo aquele desmentiu possuí-los, sendo seu propósito dar uma 'banhada' aos arguidos, receber dinheiro, sem nenhuma droga entregar.Nessa altura por ordem do arguido-recorrente é esmurrado e socado pelo A.Ensaiando uma fuga, é agarrado por todos os arguidos e demais acompanhantes, que o pontapearam por todo o corpo e lhe desferiram murros, trazendo-o de novo para o carro, arrastando-o.E como o C persistisse em enganá-los sobre a situação da droga, informando-os erroneamente sobre um local onde inexistia, os arguidos e seus acompanhantes, reincidiram na agressão, e no arrastá-lo contra vontade para o interior do carro.Veio então, a declarar com verdade a casa onde morava, pelo que os arguidos, e um dos seus comparsas, penetraram nela, mantendo-os o A sob ameaça de uma pistola no interior do carro, apropriando-se aqueles dos bens descritos a fls. 100.De seguida levaram o C e o M para a Serra de Leceia, retirando o C para o exterior, onde o seviciaram a soco, pontapés, à coronhada de pistolas e com um cinto, nas pernas, durante cerca de 20 minutos, tendo sido o J que lhe baixou as calças.O A disparou tiros de pistola junto dos ouvidos do C.Forçando de novo, o C a entrar no veículo, conduziram-no para o Bairro da Politeira e lançaram-no para junto de uns caixotes de lixo, de novo lhe batendo, partindo-lhe um dente o A e arguido J urinou para cima daquele.'.
XIII - O regime penal especial para jovens representa a conciliação entre uma ideia de humanidade em prol de uma juventude desencaminhada e carente de repressão, em nome de um princípio da proporcionalidade das penas e da proibição do excesso (Prof. Eduardo Correia, in Direito Criminal,I, 265).
XIV - Está longe do espírito da lei consagrar um regime que, como uma esponja, apague a gravidade do facto, restituindo-o ao limbo do esquecimento, pois do que se trata é de encarar que se está em presença de personalidades em processo de maturação, havendo que estabelecer-se uma dilação no ajustamento social, sem considerar excessivamente o desvalor da acção, se tal se justificar, mas também, sem esquecer a gravidade da negação de valores, se tal for de declarar e afirmar.
XV - O direito instituído no DL 401/82, de 23-09, mais do que sancionatório, é um direito reeducador, não devendo olvidar-se os interesses fundamentais da sociedade e de exigir, sempre que se justifique pena de prisão, que esta seja especialmente atenuada, se concorrerem sérias razões de que, com tal opção, se alcança a reinserção social do agente no meio social.
XVI - Porém, o Estado, em caso algum, deverá abdicar de inegáveis interesses de defesa comunitária, de prevenção geral positiva, em favor da prevenção especial de ressocialização e de jovens que afrontando pilares da sua subsistência, ponham em crise a segurança e a tranquilidade públicas e a sua própria autoridade. Por isso que este regime não é de aplicação automática.
XVII - Sobre o não acatamento, por não pronúncia na decisão, do regime especial punitivo de jovens delinquentes, este STJ já se manifestou, de forma divergente, associando a essa omissão o vício da nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, anomalia de conhecimento oficioso, impeditiva de se proferir correcta decisão de direito, ou a uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, com a inevitável consequência do reenvio do processo para novo julgamento, nos termos dos arts. 426.º e 426.º-A do CPP.
XVIII - Actualmente, parece desenhar-se neste STJ o abandono daquela primeira posição e esboçar-se uma tendência para configurar a omissão de pronúncia, como um error in judicando, que não in procedendo, já que dispondo o tribunal de todos os elementos para tal abordagem, todavia ela lhe escapou de todo a exame, seja por visível esquecimento, seja porque da solução dada à questão resulta, implicitamente, se tomou posição sobre ela, afastando-se aquele regime.
XIX - No caso concreto, considerando os factos descritos em XIII, os sentimentos de retaliação e vingança subjacentes à actuação do arguido E, fruto da personalidade delineada, verificam-se agudizadas necessidades de prevenção especial, de correcção, de emenda, que, aliadas à ausência de reconhecimento dos factos e ao modo de vida do arguido (sem trabalho há 4 meses, dando mostras de pertencer a um grupo marginal, com algum profissionalismo nele radicado, evidenciando pelos meios de agressão usados, altamente perigosos, alguma capacidade organizativa), não permitem concluir que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção do arguido.
Proc. n.º 1795/04 - 3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Rua Dias Pires Salpico Sousa Fonte
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