Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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10-10-2003   Temáticas específicas
O MP NA JURISDIÇÃO LABORAL - ALGUMAS REFLEXÕES E PROPOSTAS
O patrocínio judiciário do MP como garantia acrescida dos trabalhadores no acesso ao Direito e à Justiça.
1. Introdução
2. O MP na jurisdição laboral
2.1. O patrocínio judiciário do MP como garantia acrescida
dos trabalhadores no acesso ao Direito e à Justiça
2.2. A actuação do MP como órgão da Justiça na fase conciliatória
do processo de acidente de trabalho
2.3. Intervenção do MP no processo de contra-ordenação
e seu relacionamento com a IGT
2.4. Em que condições de trabalho desenvolve o MP a sua actividade
2.4.1. Quanto aos sinistrados de acidentes de trabalho
2.4.2. Quanto aos magistrados, funcionários, advogados e demais utentes
3. O que propõe o MP para a melhoria do estado da Justiça na área laboral
3.1. A democracia, a igualdade dos cidadãos, a mediação, a representação social e o MP
3.2. Nos acidentes de trabalho: a actuação do MP como órgão de Justiça
na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho
3.3. Nas contra-ordenações: optimização do relacionamento do MP
com a Inspeção Geral do Trabalho
3.4. Da melhoria das condições de trabalho
3.5. Na feitura das leis
4. Conclusões
5. Anexo



1. INTRODUÇÃO


É de elementar justiça referir que participaram na feitura deste trabalho os colegas Procuradores da República Gaspar Júnior , João Marques Vidal, João Monteiro, João Rato, Paulo de Carvalho, Sousa Mendes, Viriato Reis e nós, cabendo-nos ainda a tarefa de coordenador, cargo de que me incumbiram os referidos colegas.


A exposição que se segue é fruto de um trabalho de equipa, feito sem prejuízo das responsabilidades profissionais de cada um. Como é normal, nem todos partilhamos das mesmas opiniões. Esperamos, no entanto, que esta comunicação reflicta o trabalho de cada um e que o seu resultado concretize o anseio de todos de contribuir para a melhoria do estado da justiça, em favor da comunidade e não de meros interesses corporativos.

Considerando a escassez de tempo, a dispersão geográfica de cada um dos elementos do grupo e as absorventes tarefas profissionais de cada um, esta comunicação está longe de ser um trabalho acabado, mas é seguramente o início de uma reflexão, que se quer mais aprofundada, mais sintetizada e melhor redigida.

A exposição decompõe-se em três partes. Na primeira procuramos fazer o retrato possível do desempenho das funções do Ministério Público na área laboral, com destaque para o patrocínio judiciário - contratos de trabalho por conta de outrém e acidentes de trabalho -, para as contra-ordenações, para as condições em que os sinistrados são atendidos e para as condições em que os magistrados exercem as suas funções. Na segunda parte adiantamos algumas propostas que consideramos necessárias à melhoria da justiça nesses domínios. E, por fim, abordamos a temática da feitura das leis.




Topo 2. MINISTÉRIO PÚBLICO NA JURISDIÇÃO LABORAL:

2.1. O patrocínio judiciário do MP como garantia acrescida dos trabalhadores no acesso ao direito e à Justiça

Em Outubro de 1997, decorreu em Paris um colóquio sobre “ A Justiça de Proximidade na Europa”1, nele tendo participado magistrados de praticamente todos os países membros da União Europeia, Portugal incluído.

Na fase preparatória do encontro, os organizadores solicitaram às instituições envolvidas a resposta a um inquérito tendente a apurar, na organização judiciária dos respectivos Estados e nos modos de actuação de cada uma das suas jurisdições, a existência ou inexistência de mecanismos de proximidade2 entre os sistemas de justiça neles vigentes e os cidadãos deles beneficiários e destinatários, em nome de quem, aliás, supostamente são concebidos e exercitados.

A jurisdição laboral foi a escolhida e a pedido da organização, foi apresentada uma comunicação subordinada ao tema “Ministério Público e Jurisdição do Trabalho”3, a única que, sintomaticamente ou não, a delegação portuguesa pôde apresentar.

Da citada comunicação ressalta que as funções do Ministério Público na jurisdição laboral situam indiscutivelmente o Ministério Público no interior do “Poder Judicial” e aí lhe reservando um papel de privilegiada intermediação entre os cidadãos e a função jurisdicional em nome deles exercida, contribuem decisivamente para o significado social desta magistratura e para que ela seja «considerada pela opinião pública jurídica e, sobretudo, pela comunidade dos cidadãos como instância, acima de qualquer suspeita, de defesa e protecção dos seus direitos»”.

É certo que o patrocínio dos trabalhadores e seus familiares pelo Ministério Público, iniciado há mais de 60 anos, surgiu como criação do “ Estado Corporativo”, mas também não e´ menos certo que, apesar das profundas modificações políticas operadas em Portugal com a “revolução” de Abril de 1974, aquelas atribuições do Ministério Público se mantiveram e reforçaram até aos nossos dias, merecendo consagração expressa em todas as suas leis estatutárias posteriores à Constituição da República de 1976, bem como nos Códigos de Processo do Trabalho aprovados depois dela.4

Contudo, a questão do patrocínio dos trabalhadores pelo Ministério Público é de primordial importância porque num passado recente e pela primeira vez têm-se erguido vozes no sentido de ser retirado ao Ministério Público o patrocínio judiciário dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares, por interesses de ordem social e laboral, no que concerne às acções emergentes de contrato individual de trabalho.

De entre os defensores de tal posição alguns alicerçam os seus argumentos na necessidade de resolver o problema do excesso de licenciados em direito, uma vez que, segundo eles, confiar apenas na auto-regulação do mercado não é seguro, não se preocupando minimamente se esta solução é a que melhor satisfaz os interesses dos trabalhadores 5

De facto, o excesso de oferta de cursos Direito, por serem dos mais baratos, é a causa do excesso de licenciados em direito. E se o mal/doença é esta, o remédio para a cura não pode ser à custa dos direitos dos trabalhadores, passando a ter menos e não mais acesso à justiça.

Outros defensores da retirada do patrocínio do MºPº radicam a sua posição, no essencial, em evidenciar pretensas inconstitucionalidades decorrentes da concessão desse patrocínio, mormente, por violação do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da C.R.P., bem como em evidenciar o pretenso 'desajustamento' de tal patrocínio num Estado de Direito.

Assim sendo, mais do que discorrer sobre a natureza desse patrocínio e divagar sobre o modo como é ou deve ser exercido6, importará sobretudo tentar compreender as motivações legais subjacentes à sua manutenção e reforço, o que faremos adiante.




Topo 2.2. A actuação do MP como órgão de Justiça na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho

Como é sabido o Ministério Público tem, no nosso ordenamento jurídico, um campo muito vasto de actuação nas diversas áreas do direito.

Daí que se venha afirmando que as funções que exerce são heterogéneas e caracterizadas por poliformismo.

Talvez, por isso, ainda subsista algum desconhecimento sobre a verdadeira natureza do Ministério Público e das suas atribuições constitucionais e legais.

Apesar disso, a evolução que o Ministério Público sofreu ao longo dos anos, nomeadamente após o 25 de Abril de 1974, tem contribuído decisivamente para uma maior projecção e um melhor conhecimento desta magistratura, a que não é alheia a consagração constitucional de autonomia orgânica e funcional, bem como a independência face à magistratura judicial, de que era, até meados dos anos 70, carreira vestibular.

O Ministério Público deixou, assim, de ser um mero representante do Governo, como acontecia no Liberalismo, para passar a assumir as vestes de mandatário do Estado Comunidade, o prossecutor do interesse social.

Mas, se a heterogeneidade percorre toda a sua actividade, a expressão mais significativa e diversificada da sua actuação ocorre nos tribunais do trabalho, onde intervém na área cível e na área penal em sentido amplo (contravenções e contra-ordenações), exercendo ainda funções de extrema relevância social, como é o caso do patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias, que é exclusivo da área laboral.

Para além desta, exerce ainda uma função extremamente importante, que é a de órgão de justiça, na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho.

Nesta fase processual, o Ministério Público administra directamente a justiça, actuando segundo princípios e finalidades do poder judicial, muito embora não constitua um órgão jurisdicional.

No desenvolvimento da sua actuação, o Ministério Público não representa ou patrocina qualquer das partes, estando colocado acima destas, numa posição de supra-partes, intervindo no exercício de um poder extraordinário, mas que está limitado por critérios de objectividade e de legalidade.

De facto, estamos num domínio em que a natureza pública das normas imperativas impede a validade de quaisquer acordos ou contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos pela lei e em que os acordos a obter estão vinculados à impenhorabilidade e inalienabilidade dos créditos.

Apesar disto, a actuação do Ministério Público nesta fase processual não é meramente passiva, cabendo-lhe antes um papel activo, de intervenção e de promoção, que tem subjacente a defesa da legalidade democrática e a realização do interesse social.

Aliás, pode mesmo afirmar-se que a ligação ao direito social é quase umbilical e que a promoção deste interesse constitui o paradigma das suas atribuições.

Ora, é na tentativa de conciliação que o Ministério Público assume o papel fundamental de órgão de justiça, agindo como um verdadeiro mediador, na busca de uma solução justa, através de uma composição amigável dos interesses de natureza e ordem pública envolvidos, promovendo o acordo de harmonia com a lei.

De acordo com a informação contida na base de dados do GPLP para as acções de acidentes de trabalho, os sinistrados e os seus beneficiários legais foram, na esmagadora maioria dos processos, mais de 90% entre 1989 e 2001 patrocinados pelo Ministério Público (cf.gráfico que se segue).

É importante realçar o papel desempenhado pelo Ministério Público, assumindo na sua dupla função de, simultaneamente, representar o sinistrado e presidir à fase conciliatória do processo. Deste modo, assume o papel de órgão do Estado e conjuntamente defensor do interesse público.

Consequentemente, o Ministério Público é obrigado a desempenhar um importante trabalho legal no domínio da sinistralidade laboral.”7

Gráfico

O patrocínio judiciário do autor



Fonte: GPLP in Ferreira (2003)

Se deve ou não o Ministério Público continuar a desempenhar esta função responderemos adiante.




Topo 2.3. Intervenção do MP no processo de contra-ordenação e seu relacionamento com a IGT

Conforme já foi dito, a pluralidade de formas sob as quais se processa a intervenção do Ministério Público nos tribunais do trabalho tem expressão também no âmbito da obrigação geral de fiscalização e controlo da legalidade democrática.

Esta última vertente, que justamente, porque perpassa por toda a actividade do Ministério Público, se pode considerar como o seu fundamento último, tem concretização na justiça do trabalho, particularmente, na direcção da fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho e na participação na fase judicial dos processos de contra-ordenação, domínios em que essa actividade é desenvolvida na qualidade de órgão de justiça.

É sabido que o direito do trabalho em Portugal padece de um sério déficit de efectividade, essencialmente resultante de uma incorrecta gestão ao nível das condições trabalho, com tradução, muitas vezes, na falta de respeito das normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, que redundam nas elevadíssimas taxas de sinistralidade laboral em geral e, particularmente, nos acidentes de trabalho que são causa de morte, bem como de incumprimentos muito significativos em matéria de relações de trabalho, com especial enfoque nos fenómenos do trabalho clandestino, do falso trabalho autónomo e da imposição da prestação de trabalho suplementar de forma sistemática e do seu não pagamento.

Ao que acresce a fraude e a evasão contributiva em matéria de Segurança Social, para além da vertente fiscal, normalmente associadas àqueles fenómenos de incumprimento, o que, podendo não ser percepcionado de forma imediata como tão grave quer pelos trabalhadores quer pela sociedade, tem efeitos extremamente negativos ao nível da protecção social dos trabalhadores e das suas famílias, no que decorre dos direitos que dependem das contribuições recebidas pelo sistema de Segurança Social, e da sustentabilidade financeira deste sistema público. É, aliás, a relevância ético-social dos interesses que se visam proteger que levou a que desde há alguns anos o legislador tenha optado por criminalizar esse tipo de condutas, podendo, no entanto, constatar-se que só nos últimos anos parece começar a assumir significado a investigação desses crimes e a condenação dos seus responsáveis.

O novo regime jurídico das contra-ordenações laborais, em vigor desde 1 de Novembro de 1999, bem como aquele que lhe virá a suceder, plasmado no futuro Código do Trabalho, é um importante instrumento de regulação das relações de trabalho e, por essa via, de garantia dos direitos laborais dos trabalhadores. De facto, a natureza das sanções correspondentes a esses ilícitos tem, ao lado do seu carácter repressivo, uma clara componente de prevenção. Com efeito, os valores muito significativos que as coimas podem atingir, bem como a gravidade de algumas sanções acessórias, que podendo levar a que o benefício económico normalmente associado à conduta ilícita seja anulado e, até, superado pelo montante de coima a pagar, pode ter um forte efeito dissuasor do cometimento de outras infracções e induzir nas organizações empresariais a assunção de uma cultura e de comportamentos que garantam o respeito pelos direitos sócio-laborais dos trabalhadores.

Ora, o processamento e a aplicação das sanções no âmbito das contra-ordenações laborais é da competência da Inspecção-Geral do Trabalho, não tendo o Ministério Público qualquer intervenção na fase administrativa do processo. Esta intervenção só virá a ocorrer se o processo for remetido ao tribunal para execução da coima ou se tiver sido interposto recurso da decisão de aplicação de uma sanção.

Nesta fase judicial de impugnação da decisão a autoridade administrativa perde a disponibilidade do processo, cabendo ao Ministério Público o impulso processual e a defesa da legalidade e do interesse público.

Assim, independentemente do exacto alcance relativamente aos poderes do MP aquando do recebimento do processo com o recurso de impugnação, particularmente sobre se pode, obtida a concordância do arguido, ou não optar por não apresentar o processo ao juiz, procedendo ao seu arquivamento caso considere a condenação ilegal, assim exercendo uma acção fiscalizadora sobre a actividade sancionatória da administração do trabalho, certo é que todo o processamento posterior à remessa do processo que lhe é feita pela IGT exige ao MP uma intervenção particularmente activa.

De facto, a lei impõe a participação do MP em todos os actos processuais e a sua audição pelo juiz, de um modo geral, antes de este proferir despachos decisórios sobre o destino do processo, cabendo-lhe, também, a promoção da prova e proceder à retirada da acusação, com a concordância do arguido.

Bem elucidativa dessa exigência de actuação empenhada que ao MP é pedida neste fase do processo é a alteração legislativa ocorrida em 1995 operada no Regime Geral das Contra-Ordenações, impondo a participação obrigatória do MP na audiência de julgamento, a qual até então se revestia de carácter facultativo.

Adiante diremos o que propomos neste domínio, no sentido de melhorar o desempenho do MP e, consequentemente, a acção da justiça.




Topo 2.4. Em que condições de trabalho desenvolve o MP a sua actividade




Na abordagem deste sub-tema foram contactados magistrados e a Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho.




A crónica falta de condições nos tribunais do trabalho, são indiciadoras de uma menor atenção dada, pelo poder político, a esta área de jurisdição.

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2.4.1.Quanto aos sinistrados de acidentes de trabalho



Os sinistrados do trabalho são indiscutivelmente, de entre os utentes dos tribunais do trabalho os que, mais do que ninguém, justificam a existência destes tribunais especializados, como forma de compensar a sua vulnerabilidade física, psicológica e económica.

É a situação dos sinistrados, principalmente os que são vítimas de acidentes de trabalho graves, resultantes, muitas vezes, da violação de normas de segurança e sem estarem abrangidos por seguro obrigatório, que mais fere a sensibilidade dos magistrados nos tribunais do trabalho, no desempenho das suas funções. De facto, ninguém pode ficar indiferente a que estes sinistrados, devido a entidades patronais sem escrúpulos, fiquem privados da adequada assistência médica e indemnizações que a Companhia de Seguros proporcionaria de imediato se houvesse seguro. O resultado de tudo isto é depararmo-nos com o drama de sinistrados angustiados e deprimidos em que alguns pensam mesmo no suicídio como remédio para os seus males.

Trata-se de pessoas a quem a comunidade muito deve. E, ironia do destino, como se tal não bastasse, são estes sinistrados os que, de entre todos os utentes dos tribunais do trabalho, menos condições têm nas instalações destes tribunais, criados para acautelar os seus direitos, em flagrante violação do artº 71º (Deficientes) da CRP, do qual resulta que “...comete ao Estado a obrigação de tornar efectiva a realização dos direitos dos cidadãos com deficiência, impondo, assim, acções por parte do estado de que este se não pode eximir” ( do preâmbulo do DL 123/97 de 22 de Maio).

E porque a justiça se realiza quando proporciona os direitos àqueles que social e economicamente mais deles carecem, só assim se respeitando o princípio constitucional da igualdade, optamos por dar especial destaque à flagrante falta de condições de mobilidade dos sinistrados nas instalações dos tribunais do trabalho. Estas devem estar preparadas para os receber e não lembrar-lhes a toda a hora as suas limitações.

De facto, uma das formas mais cruéis de segregação das pessoas com deficiência, principalmente daqueles que têm a sua mobilidade condicionada, é sem dúvida a existência de barreiras arquitectónicas nos edifícios públicos, impeditivas de uma plena participação e usufruto dos direitos de cidadania.




Em Portugal, as pessoas com deficiência e os seus familiares confrontaram-se sempre com a falta de vontade política para a concretização dos seus mais elementares direitos, como de resto se comprovou, neste aspecto em particular, pela não aplicação do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado em 1982, por nunca ter sido regulamentado.




No caso concreto dos sinistrados no trabalho, é intolerável que as entidades competentes não diligenciem no sentido de adoptar medidas para a eliminação das barreiras físicas existentes em muitos dos Tribunais de Trabalho. A realidade mostra-nos que muito pouco ou nada se tem feito, para que os actos judiciais, como tentativas de conciliação, exames médicos, ou simples pedidos de informação, sejam feitos com dignidade, que é suposto ser um direito de todo ou qualquer cidadão.




Apesar da publicação do Decreto-Lei n.º 123/97 de 22 de Maio, que determina a eliminação das barreiras arquitectónicas nos edifícios públicos, cuja concretização deverá ocorrer até 2004, constata-se que os Tribunais do Trabalho, na sua maior parte, continuam inacessíveis, não beneficiando das medidas correctivas que a lei citada impõe, para a sua acessibilidade aos sinistrados. O Tribunal do Trabalho de Lisboa é paradigmático do que afirmamos, pois faltam rampas de acesso, elevadores, WCs adaptados, em suma, falta tudo o que diga respeito a acessibilidades para os sinistrados, sendo a situação mais grave quando não se vislumbra a efectivação da prometida transferência para novas instalações (Parque das Nações ?) nem, tanto quanto se sabe, estão previstas obras de adaptação nos edifícios existentes .

De facto, na maior parte dos tribunais, as conciliações, em que intervêm pessoas com mobilidade reduzida, são feitas à porta do Tribunal ou no interior do transporte utilizado pelo sinistrado, o que constitui uma grosseira ofensa à dignidade da pessoa com deficiência.




Topo 2.4.2. Quanto aos magistrados, funcionários, advogados e demais utentes




A falta de condições de trabalho nos tribunais do trabalho são, regra geral, uma evidência que, infelizmente, não carece de demonstração. O brio profissional, o sentido de serviço da comunidade e a noção de que os problemas não se resolvem por mero toque da varinha de condão, são as razões que nos impelem a trabalhar em condições adversas.

Já não se admite, porém, que as entidades competentes, quando confrontadas com denúncias de anomalias que põem em causa a saúde, a segurança ou a dignidade de magistrados, advogados, funcionários e demais utentes, se remetam a um insuportável silêncio, criando nas pessoas que são vítimas das más condições de trabalho, de situações de insegurança ou que são afectadas na sua dignidade uma ideia de desconsideração e de abandono à sua sorte.

É de todo incompreensível que as entidades competentes só respondam após inúmeras insistências.

Em qualquer situação e muito menos numa em que os recursos escasseiam, não se pode ignorar os custos sociais que esse comportamento omissivo pode acarretar nos funcionários afectados, ccausando, por exemplo, sentimentos de desconsideração, diminuição do brio profissional e da produtividade, porquanto enquanto se preocupam com estes problemas, não trabalham como o fariam em condições normais. A tudo isto acresce a falta de uma manutenção regular do estado dos edifícios, o que acaba por acarretar custos mais elevados “a posteriori”.




Por outro lado, a frequente acumulação de funções impostas aos magistrados que exercem a sua actividade nos tribunais do trabalho, decorrente do não preenchimento do quadro ou de acumulação com outros tribunais, aliada à falta de assessorias e ao já de si excessivo volume de trabalho que, em circunstâncias normais, lhe está distribuído, contribuem para que, com muita frequência, não sejam tidos em conta os direitos dos magistrados à preservação da sua vida particular, mormente da conciliação da sua vida profissional e extraprofissional.

Perante este quadro nada abonatório da imagem da justiça propomos adiante algumas possíveis soluções.




Topo 3. O QUE PROPÕE O MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A MELHORIA DO ESTADO DA JUSTIÇA NA ÁREA LABORAL:




Topo 3.1. A democracia, a igualdade dos cidadãos, a mediação, a representação social e o MP




Mesmo sem levar em linha de conta os inúmeros instrumentos de direito internacional vinculantes para o Estado Português, talvez seja bom recordar que, no âmbito dos princípios fundamentais, a nossa Constituição estabelece, respectivamente, nos artigos 1º, 2º e 9º que:

Artº 1º - “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”

Artº 2º - “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”

Artº 9º - “São tarefas fundamentais do Estado:

(...)

b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;

(...)

d) Promover o bem – estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais (...)”.

Depois, no núcleo essencial da chamada “Constituição Laboral”, designadamente no Capítulo III do Título II (Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores) e no Capítulo I do Título III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), consagra um vasto leque de direitos dos trabalhadores, assim erigidos em grupo social especialmente carenciado de protecção, direitos que assumem natureza análoga à dos direitos fundamentais e, por conseguinte, beneficiam do correspondente regime e força jurídica, conforme resulta da aplicação conjugada dos seus artigos 16º a 18º.

É ainda a Constituição que, ao definir as funções do Ministério Público, no artigo 219º, nº 1, lhe comete como atribuições fundamentais, entre outras, a defesa dos interesses que a lei determinar e da legalidade democrática.

Não obstante o carácter aberto dessa norma constitucional e a natureza relativamente indeterminada dos conceitos nela plasmados, afigura-se-nos que ao legislador ordinário não restava outra alternativa que não fosse a de expressamente incumbir o Ministério Público da defesa daqueles direitos dos trabalhadores, no contexto das formas processuais concebidas para os exercitar.

O patrocínio pelo Ministério Público dos trabalhadores e seus familiares nas questões de cariz social/laboral assenta, não num estatuto de menoridade deste grupo de cidadãos, mas só e apenas na própria natureza dos interesses em jogo8 – recorde-se que é de direitos fundamentais ou análogos que se trata -, cuja salvaguarda surge, assim, como pressuposto necessário da concretização dos enunciados princípios democráticos, em suma, do próprio Estado de Direito.

Contra tal constatação não colhe o argumento de que, através da concessão desse patrocínio aos trabalhadores e já não às entidades patronais, se viola frontalmente o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no artigo 13º da Constituição, nomeadamente na vertente, ultimamente quase deificada entre nós, da igualdade de armas na litigação.

Não sendo necessário nem oportuno dissecar aqui a abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre aquele princípio, limitar-nos-emos a registar o apreço pelo trabalho do Ministério Público nesta área implícito naquele tipo de argumentação e a citar um pequeno, mas elucidativo, excerto de uma decisão daquele Alto Tribunal sobre o aludido princípio: «o princípio da igualdade exige que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

Tal princípio analisa-se, pois, numa proibição do arbítrio e da discriminação e numa obrigação de diferenciação: por um lado, são inadmissíveis diferenciações de tratamento irrazoáveis, sem fundamento material, ou tendo por base meras categorias subjectivas; por outro lado, impõe-se tratar diferentemente o que é desigual».9

Com efeito, é inequívoco que entre os outorgantes de um contrato individual de trabalho não há igualdade material, encontrando-se o trabalhador em situação desvantajosa, atenta a sua dependência económica relativamente ao trabalho.

No contrato individual de trabalho é manifesto o desequilíbrio entre os poderes patronais e os direitos dos trabalhadores, que tende a agravar-se de forma incomensurável, atenta a “globalização” da economia.

Impõe-se, assim, ao Estado, no domínio das relações individuais de trabalho, a necessidade de adopção de medidas de discriminação positiva tendentes a alcançar a igualdade substancial entre as partes.


Tal igualdade substancial é a afirmação do direito fundamental de cidadania, que implica para todas as pessoas, a mesma capacidade de participar, de forma plena e activa, na vida socioeconómica da comunidade.

Um dos garantes do exercício desse direito de cidadania por parte dos trabalhadores é o Ministério Público, uma vez que lhes confere através do patrocínio judiciário a possibilidade de acesso ao direito e à justiça numa situação de igualdade com as respectivas entidades empregadoras.

Não sendo exclusivo e não gozando de qualquer privilégio face ao mandato judicial ou ao regime geral do apoio judiciário ao qual os trabalhadores podem aceder segundo a sua livre opção e desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, é inquestionável que o patrocínio pelo Ministério Público constitui 'tão só' uma 'mais valia' e uma garantia acrescida dos trabalhadores no acesso ao direito e à justiça.

Negar, hoje, sem mais, aos trabalhadores essa 'mais valia' constituiria sem dúvida um retrocesso nos seus direitos, mormente, no acesso ao direito e à justiça, e uma desresponsabilização do Estado que se pretende seja de Direito e Democrático.

Deve, pois, ser atribuído ao MP um papel de representação e mediação social, com vista a alcançar a cidadania plena de uma dada categoria social, enfim, a realização da democracia.

Reafirmamos a importância social dos papéis exercidos pelo Ministério Público no que toca ao patrocínio dos trabalhadores e seus familiares por questões de índole social/laboral, à condução dos processos por acidente de trabalho na respectiva fase conciliatória e ao serviço de atendimento para informação jurídica, assim contribuindo para aproximar e comprometer os cidadãos no exercício da função jurisdicional em seu nome e
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