IV - PEÇAS PROCESSUAIS


8 - Despacho de arquivamento. Destituição de órgãos de IPSS.

PA ....

De acordo com o art. 35º nº 1 do DL 119/83 de 25/2 “Quando se verifique a prática reiterada pelos corpos gerentes de actos de gestão prejudiciais aos interesses das instituições, os órgãos de tutela poderão pedir judicialmente a destituição dos corpos gerentes”.
Do teor do art. 35º nº 1 resulta que apenas a prática reiterada, isto é, a prossecução repetida e continuada pelo órgão de gestão (administração) de actos de gestão danosa para a instituição (Ex: desvio de dinheiro, falta de pagamentos de impostos, salários, aplicações financeiras de alto risco, falta de manutenção e reparações de instalações, etc), em suma, actos prejudiciais de índole patrimonial, pode conferir legitimidade ao Ministério Público para instaurar a acção ou a providência cautelar prevista no art. 36º do DL 119/83.
É que, situações de perigo concreto ou potencial para a saúde física ou moral de utentes ou beneficiários da instituição, apuradas em inquérito, sindicância ou inspecção (art. 34º do DL 119/83), para além de poderem constituir violações de acordos de cooperação com o Estado, podem conduzir ao encerramento do estabelecimento ou serviço da instituição (art. 37º do DL 119/83), mas não conferem ao Ministério Público legitimidade para intervir no foro cível através de acção especial ou providência cautelar de destituição de corpos gerentes da instituição.
Por outro lado, importa ter presente que, nos termos das disposições conjugadas dos art. 3º e 4º nº 4 do DL 119/83, as instituições prosseguem autonomamente a sua acção, estabelecem livremente a sua organização interna e a tutela não pode constituir limitações ao seu livre direito de actuação.
O presente PA foi autuado em 9/10/03, com vista à destituição dos corpos gerentes da associação (fls 255). O motivo de tal pedido consiste no incumprimento da notificação datada de 15/11/02 (fls 233) no sentido de “... retirar as competências que até à data a encarregada geral vem desempenhando e que não se encontram minimamente no âmbito das suas competências, cumprindo apenas as funções correspondentes à sua categoria” (fls 232). O presidente da associação foi inquirido e afirmou (fls 277) que a encarregada, desde o início deste mês já não dorme na instituição nem aí passa as folgas, férias, cumprindo um horário normal de trabalho.
Na sequência das declarações do presidente da associação foi solicitada nova informação à Segurança Social que confirmou tal facto e levanta novas questões de organização interna da “........”(fls 280 e 281), objecto de resposta pela associação a fls 283 a 291.
Acontece que, a eleição de novos corpos gerentes da associação vai ocorrer no próximo mês de Dezembro de 2003. Ora, se a direcção cumpriu, ainda que com demora as recomendações, o objectivo principal que é o bem-estar das crianças, neste aspecto mostra-se já acautelado. Por outro lado, estando próxima a data das eleições e uma vez que houvesse novos corpos gerentes a acção ou providência seriam extintas por inutilidade superveniente da lide, o que questiona o efeito prático de, nesta data ser requerida tal providência judicial, senão vejamos: No âmbito de eventual acção a instaurar o pedido consistiria em decretar-se a destituição dos corpos gerentes da Associação, actualmente integrados pelos RR.....
O pedido de destituição teria que ser formulado contra todos os órgãos sociais representados pelos respectivos titulares. Tendo ocorrido eleição de novos órgãos sociais, ainda que nos novos órgãos existissem pessoas comuns ao(s) anterior(es), não se trataria de facto e de direito dos mesmos órgãos sociais. Acresce que, o eventual exercício danoso de um cargo no período X não implica necessariamente o exercício danoso de outro ou do mesmo cargo no período Y.
Uma vez que existam nos novos órgãos sociais pessoas comuns ao(s) anterior(es) será de intentar a acção por haver interesse em impedir a reeleição ou que sejam novamente designados para qualquer cargo no órgão (art. 21 nº1 DL 119/833) ? Parece que não, a impossibilidade resultante de uma condenação judicial é uma simples consequência legal da destituição decretada e não um pedido autónomo formulado na acção.
Com interesse para a questão vide os Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/4/02 proferido em processo que corre termos na 6ª Vara Cível (Proc. 30/01-A) e a posição que tomei no PA 753/02.

É verdade que da leitura dos autos resulta a existência de problemas a nível de relacionamento entre funcionários e funcionários/utentes, bem como das habilitações e número de funcionários existentes, disciplina e organização interna da “......”. Porém, importa não esquecer que se trata de uma associação de solidariedade social que, como muitas outras em Portugal, padece de dificuldades financeiras e que vive do voluntariado dos corpos gerentes, não lhe sendo exigível um elevado grau de profissionalização, sob pena de fechar dados os altos custos de uma gestão profissionalizada.
Pelo exposto, entendo não existirem fundamentos para propor acção especial ou providência cautelar de destituição de corpos gerentes da instituição e que, ainda que assim não se entendesse, a cerca de um mês das eleições da associação, a acção estaria condenada ao fracasso atenta a sua posterior inutilidade superveniente, razão pela qual proponho o arquivamento do PA.

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Remeta à Srª Procuradora-Coordenadora para conhecimento e apreciação.

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Após apreciação, notifiquei a Segurança Social (fls. 280) e a instituição(fls. 283).


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