III - A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
E) As fundações.
A fundação apresenta-se como uma pessoa colectiva de
natureza privada e utilidade social, dotada de património próprio, específica e
autonomamente afectado por um ou vários instituidores, pessoas singulares ou
colectivas
visando a realização de uma ou
várias finalidades de interesse social (caridade, educação, desenvolvimento
científico, das artes ou letras) possuindo, para tanto uma direcção ou
administração própria.
A fundação integra dois elementos constitutivos, o substrato e o reconhecimento:
1 - O substrato.
a) O elemento patrimonial.
Consiste no conjunto de bens que o fundador afectou ao prosseguimento do fim da fundação.
Essa massa de bens designa-se habitualmente por dotação.
De facto, nos termos do art. 186º nº 1 do C.Civil, deve o instituidor no acto de instituição, além de indicar o fim da fundação “...
especificar os bens que lhe são destinados”, sendo mesmo indispensável
para que se constitua como pessoa jurídica.
b) O elemento teleológico.
O fim prosseguido pela fundação deve satisfazer dois requisitos:
1 - Ser determinável, física ou legalmente possível, não contrário à lei e ordem
pública, nem ofensivo dos bons costumes (art. 280º do C.Civil).
2 - Ser comum ou colectivo.
Do teor dos art. 157º e 188º do C.Civil resulta a necessidade do escopo da fundação ser de interesse social, já que, “
Não será reconhecida a fundação cujo fim não for considerado de interesse social
pela entidade competente”, constituindo causa da sua extinção o esgotamento do seu fim (art. 192º nº 2 al. a) do C.Civil). Estão afastadas, assim, as
fundações que visem fins privados dos fundadores, por outro, a actividade da fundação estará limitada pelo princípio da especialidade
previsto no art. 160º do C.Civil.
c) O elemento intencional.
A intenção de constituir uma nova pessoa jurídica autónoma e distinta do fundador
e dos beneficiários. Esta exigência relaciona-se com o facto da constituição da
fundação (art. 186º C.Civil), já que, os efeitos dos negócios jurídicos
determinados pela lei dependem da existência e de um conteúdo duma vontade
correspondente.
d) O elemento organizatório.
A fundação integra uma organização destinada a gerir as pessoas e bens que a
integram. Essa organização traduz-se na definição de uma lei interna (estatuto)
e na existência de órgãos para que a fundação possa funcionar como entidade
jurídica autónoma.
O art. 162º do C.Civil impõe como obrigatório um órgão colegial de administração
e um conselho fiscal, ambos constituídos por um número impar de titulares, dos
quais um será o presidente, uma vez que não existe substrato pessoal, inexiste
qualquer assembleia geral. A expressão “entre os quais” indicia que podem
existir outros órgãos além do conselho de administração e conselho fiscal,
sendo que estes são obrigatórios.
De acordo com o art. 186º nº 2 do C.Civil o instituidor pode providenciar sobre “...
a sede, organização e funcionamento da fundação...”, assim, a elaboração dos estatutos
pertence em primeiro lugar ao fundador. Caso os não tenha criado e a
instituição for por acto entre vivos, a sua elaboração pertence à autoridade
competente para o reconhecimento (art. 187º nº 2 do C.Civil), a qual deverá ter
“...
em conta, na medida do possível, a
vontade real ou presumível do fundador” (art. 187º nº 3 C.Civil).
Constando a instituição de testamento, é aos executores deste que compete elaborá-los ou
completá-los (art. 187º nº 1 C.Civil).
A alteração dos estatutos pertence, a todo o tempo, exclusivamente à autoridade
competente, contando que não haja alteração essencial do fim da instituição e
não se contrarie a vontade do fundador (art. 189º C.Civil).
A lei não estabeleceu limites quanto aos termos em que serão designados os
titulares dos órgãos sociais, resultará da vontade do fundador ou de quem
elabore os estatutos, com respeito pela vontade real ou presumível daquele, às
regras da boa fé, ordem pública e bons costumes, não se mostrem contrários à
lei, nem ser de objecto indeterminável ou legalmente impossível. Também quanto
à instituição de cargos vitalícios a lei não estabelece restrições.
O estatuto está sempre sujeito aos formalismos de publicidade exigidos para o
acto constitutivo (art. 185º nº 5 C.Civil).
São aplicáveis as regras gerais relativas à composição e funções da administração
contidas no art. 162º do C.Civil, sendo válidas as considerações efectuadas a
propósito das associações.
No que respeita à convocação e modo de funcionamento, no silêncio da lei e dos
estatutos, é aplicável por analogia o regime do art. 171º do C.Civil, com
excepção do voto de desempate do presidente.
Relativamente ao conselho fiscal, são válidas as considerações atrás referidas.
2 - O reconhecimento.
Trata-se do elemento formal através do qual a personalidade é concedida ao substrato já
unificado pelo negócio da fundação. O art. 158º nº 2 do C.Civil dispõe que as
fundações “... adquirem personalidade
jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da
autoridade administrativa”.
Nas fundações vigora no direito português o reconhecimento por concessão, através
de acto discricionário
da autoridade competente (nos termos do art. 17º do DL 215/87 de 29/5, compete
ao Ministro da Administração Interna o reconhecimento de fundações) que, face a
um substrato específico decide da atribuição da personalidade jurídica.
De acordo com o art. 188º nº 1 e 2 C.Civil existem dois fundamentos pelos quais o
reconhecimento pode ser negado, apesar de verificados os restantes
pressupostos:
- A fundação não ser de interesse social.
- Os bens não serem suficientes.
Modificação em fundações: É à autoridade competente para o reconhecimento que cabe a
decisão (art. 189º e 190º C.Civil). As alterações estatutárias não relativas ao
fim dependem de proposta da administração da fundação e estão condicionadas por
dois limites (art. 189º C.Civil).
A extinção de fundações: para além da norma geral do art. 166º do C.Civil,
consagra-se dois tipos de causas de extinção:
- Por força da lei (art. 192º nº 1 C.Civil).
- Por decisão da autoridade competente para o reconhecimento
(art. 192º nº 2 e 190º C.Civil).
Uma questão prática que se coloca consiste em saber se o PA aberto pelo Ministério
Público para análise do acto de constituição e estatutos deve aguardar a
decisão ministerial relativa ao reconhecimento da fundação.
A “Fundação” constitui no momento em que aguarda reconhecimento um agrupamento
sem personalidade jurídica. Mas, apesar de não constituir um ente jurídico
autónomo ou uma pessoa colectiva, dada a falta de personalidade, a sua
existência não pode deixar de ter repercussões em termos do direito, pelo que,
se devem aplicar as normas dos art. 195º e seg. do C.Civil.<7div>
Efectivamente, aqueles preceitos ocupam-se das associações sem personalidade e comissões
especiais, tratando de “...
substratos
pessoais ou patrimoniais mas sem reconhecimento, com certa correspondência com
as associações e fundações .... ao primeiro caso correspondem as associações
sem personalidade e ao segundo as comissões especiais....As comissões
especiais, também chamados patrimónios de subscrição correspondem
fundamentalmente, no plano da vida real , a casos de prossecução de fins de
natureza transitória, como os enumerados no art. 199.... Embora esse preceito
coloque no mesmo plano os casos em que o reconhecimento nem sequer é pedido e
aqueles em que é negado, na grande maioria das comissões especiais não haverá
por parte dos membros a intenção de a personificar....Como antes referimos, o
regime legal destas comissões sugere uma certa proximidade com as fundações...”.
Neste sentido, parece poder concluir-se que, ao caso em análise se deverão aplicar as
disposições legais relativas às comissões especiais – as regras dos art. 199º a
201º do C.Civil.
Assim, apesar da falta de personalidade jurídica da “Fundação”, sendo admissível pelo
legislador a sua existência jurídica nos termos expostos e estando previstas
regras da sua responsabilização para garantia dos que com ela contratam,
afigura-se-nos destituída de sentido prático qualquer actuação que contrarie a
sua existência em conformidade com o exposto, não se justificando a pendência
do presente processo administrativo.
Por outro lado, não colidindo a sua existência e as regras estatutárias com nenhuma
norma imperativa do Código Civil, princípios fundamentais subjacentes ao
sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão interessados que prevaleçam
(ordem pública) ou com o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas
honestas, correctas, de boa fé (bons costumes), outra solução não resta que o
arquivamento do PA.