III - A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

C) Os órgãos da associação.

De acordo com o art. 162º do C.Civil as associações deverão possuir:[38]

1 - Órgão de administração (Direcção).

Tem que ter natureza colegial e ser composto por um número impar de membros[39], no mínimo de três[40], sendo um deles o presidente.
A direcção é convocada e só pode deliberar com a presença da maioria absoluta dos respectivos membros (art. 171º C.Civil).

Em caso de silêncio dos estatutos:

a) Cabe à direcção representar a associação em juízo e fora dele (art. 163º nº 1 C.Civil).
b) A direcção terá poderes de simples administração ordinária, dependendo a sua actuação das deliberações da assembleia geral (art. 172º nº 1 e 2 C.Civil).
c) É a assembleia geral que elege a direcção (art. 170º C.Civil).
d) É da competência imperativa da assembleia geral a destituição da direcção (art. 170º nº 2 C.Civil).
e) É a direcção que convoca a assembleia geral (art. 173º C.Civil).
f) As deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos presentes, tendo o presidente voto de qualidade, não podendo haver lugar a abstenções (art. 171º nº 2 e 164º nº 2 C.Civil).

O Código Civil não estabelece um limite máximo à duração do mandato da direcção porém, existe legislação especial a fixar um prazo para certas associações:

- Instituições particulares de solidariedade social; 3 anos (art. 57º do DL 119/83 de 25/2).
- Partidos políticos; os cargos não podem ser vitalícios (art. 30º nº 1 da Lei Orgânica 2/03 de 22/8).
- Federações desportivas dotadas de utilidade pública; 4 anos (art. 23º nº 1 al. d) da Lei 30/04 de 21/7 e art. 45º do DL 144/93 de 26/4).
- Associações sindicais; 4 anos (art. 486º al. g) do Código do Trabalho).
- Associações de empregadores; 4 anos (art. 516º nº 1 al. g) do Código do Trabalho).
- Comissões de trabalhadores; 4 anos (art. 343º da Lei 35/04 de 29/7).
- Associações mutualistas; 3 anos (art. 89º nº 1 do DL 72/90 de 3/3).
- Associações de direitos de autor; 4 anos (art. 21º da Lei 83/01 de 3/8).

2 - O conselho fiscal.

Tem que ter natureza colegial e ser composto por um número impar de membros, no mínimo de três[41], sendo um deles o presidente.
Em caso de silêncio dos estatutos, tal órgão tem poderes genéricos de fiscalização e vigilância, nomeadamente na área financeira, podendo alertar a assembleia geral para qualquer irregularidade ou ilegalidade. De facto, não seria viável que cada sócio verificasse a regularidade dos actos de gestão ou que tais funções pudessem ser conhecidas em pleno pela assembleia geral.
No que respeita à eleição e funcionamento são válidas as considerações efectuadas a propósito do órgão direcção.

É relativamente frequente os estatutos preverem outros órgãos (conselho consultivo, mesa da assembleia geral), não sendo a sua existência obrigatória, excepto se existir legislação especial que preveja a sua existência.[42]
No caso da mesa da assembleia geral existe legislação especial que prevê a sua existência:

- Associações mutualistas (art. 77º nº 1 do DL 72/90 de 3/3).
- Instituições particulares de solidariedade social (art. 57º nº 3 e 60º nº 1 do DL 119/83 de 25/2).

Tem acontecido com alguma frequência a consagração nos estatutos de um fiscal único (revisor oficial de contas)[43] porém, a letra da lei (conselho fiscal constituído por um número ímpar de titulares) é clara no sentido de que o con­selho fiscal é um órgão colegial, e não pode ser constituído apenas por um elemento. Não só a palavra "conselho" pretende significar, só por si, um órgão plural, como a expressão legal "constituído por um número ímpar de titulares, dos quais um será o presidente" é reveladora de que o órgão em causa tem que ser constituído, no mínimo, por três membros, dos quais um será o presidente.
A interpretação do art. 162º do C.Civil não permite concluir que o(s) membro(s) do conselho fiscal possam fazer parte da direcção ou vice-versa. Se o objectivo do conselho fiscal é fiscalizar a direcção, a identidade de membros resultaria numa fiscalização em causa própria.

Existe diversa legislação especial prevendo expressamente a incompatibilidade de exercício de funções em mais de um órgão social:

- Código das sociedades comerciais (art. 414º nº 3 al. b) e 262º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais).
- Código cooperativo (art. 42º da Lei 51/86 de 7/9, com alterações).
- Partidos políticos (art. 28º da Lei Orgânica 2/03 de 22/8).
- Associações mutualistas (art. 94º do DL 72/90 de 3/3).
- Instituições particulares de solidariedade social (art. 15º nº 2 do DL 119/83 de 25/2).
- Federações desportivas dotadas de utilidade pública (art. 23º nº 1 al. e) da Lei 30/04 de 21/7 e art. 44º al. a) do DL 144/93 de 26/4).
- Associações de empregadores (art. 516º nº 1 al. e) do Código do Trabalho).
- Associações sindicais (art. 486º al. d) do Código do Trabalho).

3 - A assembleia geral.

É o órgão directamente representativo da vontade dos associados, incluindo na sua composição todo o universo pessoal correspondente ao substrato da pessoa colectiva.
A sua competência exclusiva (imperativa) é fixada no art. 172º nº 2 do C.Civil:[44]

- Destituição dos titulares dos órgãos da associação.
- Aprovação do balanço.
- Alteração dos estatutos.[45]
- Extinção da associação.
- Autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo.

A competência residual é fixada no art. 172º nº 1 do C.Civil, compete-lhe todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva.

Em caso de omissão dos estatutos, a competência para convocar a assembleia geral incumbe à direcção, por meio de aviso postal expedido para cada um dos associados com a antecedência mínima de 8 dias, com indicação do dia, hora e local da reunião e respectiva ordem do dia (art. 173º nº 1 e 174º nº 1 C.Civil).
É obrigatório, pelo menos, a realização de uma[46] assembleia geral para a aprovação do balanço (art. 173º nº 1 C.Civil). Se o órgão competente não convocar a assembleia nos casos em que devia, qualquer associado pode efectuar a convocação (art. 173º nº 3 C.Civil), não existindo a possibilidade de convocação judicial em casos de impedimento ilícito à sua realização e funcionamento (art. 1486º nº 1 CPC).[47] [48]
A assembleia geral será ainda convocada quando seja requerido, com um fim legítimo, por um número de associados não inferior a 1/5 da sua totalidade, podendo os estatutos prever outro número (art. 173º nº 2 C.Civil).

Existe legislação especial a prever a possibilidade da convocação ser efectuada por forma diferente do aviso postal:

- Associações mutualistas, admite também o anúncio em jornais (art. 67º nº 2 do DL 72/90 de 3/3).
- Instituições particulares de solidariedade social, admite também a convocação pessoal e através de anúncio em jornais (art. 60º nº 2 do DL 119/83 de 25/2).
- Associações de empregadores, a convocação deve ser efectuada “com ampla publicidade” e publicada com a antecedência mínima de 3 dias em jornal (art. 516º nº 1 al. i) do Código do Trabalho).
- Associações sindicais, a convocação deve ser efectuada “com ampla publicidade” e publicada com a antecedência mínima de 3 dias em jornal (art. 486º al. i) do Código do Trabalho).

Também no que respeita aos prazos de antecedência da convocação da reunião da assembleia, existe legislação especial:

- Associações sindicais; 3 dias (art. 486º al. i) do Código do Trabalho).
- Associações de empregadores; 3 dias (art. 516º nº 1 al. i) do Código do Trabalho).
- Instituições particulares de solidariedade social; 15 dias (art. 60º nº 1 do DL 119/83 de 25/2).
- Associações mutualistas; 15 dias (art. 67º nº 1 do DL 72/90 de 3/3).

O art. 174º nº 1 do C.Civil pretende assegurar a publicidade da assembleia de forma a que a noticia da convocação chegue ao conhecimento dos associados, de modo a garantir o seu direito de participação e a existência de assembleias com quorum porém, é admissível a utilização de outro meio de comunicação para convocação da assembleia, desde que ofereça a mesma ou maiores garantias para os associados, caso da notificação pessoal, via telefone, sms, fax.[49] [50]

No que respeita ao quorum constitutivo, em primeira convocação a assembleia não pode deliberar sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados (art. 175º nº 1 C.Civil).
Excepções previstas em legislação especial:

- Instituições particulares de solidariedade social, exige-se a presença de metade dos sócios (art. 60º nº 1 do DL 119/83 de 25/2).
- Associações mutualistas; (art. 70º nº 1 do DL 72/90 de 3/3).

Não é de excluir a possibilidade de se fazer juntamente a primeira e a segunda convocação para horas diferentes, sendo a segunda condicionada ao não comparecimento na primeira, do número suficiente de associados.
É muito frequente em diversas associações a existência de associados a quem os estatutos não atribuem direito a voto (sócios beneméritos, honorários), tais associados não contarão para a formação do quorum constitutivo.
No caso de subsequentes convocatórias nada diz o Código Civil relativamente ao quorum necessário, pelo que, poderá a assembleia funcionar com qualquer número de associados, excepto quando a lei exija um determinado quorum (art. 175º nº 3, 4 e 5 do C.Civil).

Quanto ao quorum deliberativo[51], se os estatutos não exigirem um número de votos superior[52] (art. 175º nº 5 C.Civil), o quorum exigido para as deliberações será:

1 - Regra geral: maioria absoluta dos associados presentes (mais de 50% - art. 175º nº 2 C.Civil).

2 - Alterações do estatutos: 3/4 do número de associados presentes (75% dos associados presentes – (art. 175º nº 3 C.Civil).
Excepções previstas em legislação especial:

- Instituições particulares de solidariedade social; 2/3 dos votos expressos(art. 62º nº 2 do DL 119/83 de 25/2).
- Associações mutualistas; 2/3 dos associados presentes ou representados na sessão (art. 71º nº 2 do DL 72/90 de 3/3).


3 - Dissolução da sociedade ou prorrogação quando constituída com duração limitada: 3/4 do número total de associados da associação (art. 175º nº 4 C.Civil), quer se trate de 1ª ou 2ª convocação.
Excepções previstas em legislação especial:

- Instituições particulares de solidariedade social; 2/3 dos votos expressos (art. 62º nº 2 do DL 119/83 de 25/2).
- Associações mutualistas; 2/3 dos associados presentes ou representados na sessão (art. 71º nº 2 do DL 72/90 de 3/3).

É usual encontrar nos estatutos das associações a previsão do exercício do direito de voto nas reuniões da assembleia geral, através de procuração.[53] [54] O art. 180º do C.Civil interdita o exercício por outrem dos seus direitos pessoais,[55] porém, tem-se entendido [56] ter o artigo natureza supletiva, admitindo-se que os estatutos disponham em sentido contrário, o que também resulta do art. 176º nº 1 C.Civil.

No entanto, existem limitações legais ao voto por procuração:

- art. 175º nº 2 C.Civil; “associados presentes”.[57]
- art. 175º nº 3 C.Civil; “associados presentes”.
- Instituições particulares de solidariedade social; apenas se permite que um associado possa representar mais um associado (art. 56º nº 2 do DL 119/83 de 25/2).
- Associações promotoras do desporto; é proibida a delegação de voto (art. 7º do DL 279/97 de 11/10.

É também muito comum o estabelecimento de direitos especiais[58] para certos sócios ou categorias de sócios (cfr art. 170º nº 2 C.Civil). Um desses direitos é a consagração do voto plural que consiste na possibilidade de certo ou certos sócios passarem a ter voto múltiplo face aos restantes sócios.
Na génese de tal atribuição podem estar variados motivos, tais como, o facto de serem sócios fundadores, a sua antiguidade, capacidade económica, contributos para a associação etc. Em legislação especial consagra-se a sua existência:

- Associações de empregadores (art. 516º nº 1 al. d) do Código do Trabalho).
- Federações desportivas dotadas de utilidade pública (art. 26º-A e 26º-B do DL 144/93 de 26/4).

A existência do voto plural apenas será inadmissível quando:

- Exista norma legal que o proíba.
- Constitua abuso de direito (art. 334º C.Civil).

As deliberações contrárias à lei ou aos estatutos são anuláveis (art. 177º C.Civil), não possuindo o MP legitimidade para intentar acções ou providências cautelares de anulação de deliberações sociais.


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[38]É de carácter imperativo o disposto nos art. 162º e 175º nº 4 – Ac.RP de 8/5/84, CJ, 1984, 3º-255.

[39]Relativamente às associações sindicais o Ac. do TC de 28/11/91 (DR I Série de 16/1/92) declarou a inconstitucionalidade do art. 162º no que respeita à exigência de que a direcção possua um número ímpar de membros.

 

[41] Relativamente às associações sindicais o Ac. do TC de 28/11/91 (DR I Série de 16/1/92) declarou a inconstitucionalidade do art. 162º no que respeita à exigência de que a direcção possua um número ímpar de membros.

[42]No caso das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva (art. 23º do DL 144/93) são previstos os seguintes órgãos: assembleia geral, presidente, direcção, conselho de arbitragem, conselho fiscal, conselho jurisdicional e conselho disciplinar

[43]É nula a cláusula que prevê que o conselho fiscal pode “ser substituído no seu todo por um Revisor Oficial de Contas” - Ac. RL de 11/7/89, BMJ 389-631.

[44]Existe legislação especial que alarga a competência imperativa da assembleia geral, pelo que, como noutros casos já referidos, importa apurar qual a natureza jurídica da associação cujos estatutos estamos a analisar para distinguir os casos de competência exclusiva e residual.
Exemplos:

-      Instituições particulares de solidariedade social (art. 58º do DL 119/83 de 25/2).

-      Federações desportivas dotadas de utilidade pública ( art. 25º do DL 144/93 de 26/4).

-      Associações mutualistas (art. 62º e 63º do DL 72/90 de 3/3).

[45]A mudança de sede por implicar a alteração dos estatutos é da competência da assembleia geral – cfr o Ac. do STJ de 29/11/89, BMJ 391-534 e Ac. da RC de 14/3/89, BMJ 385-616.

[46]Nas instituições particulares de solidariedade social o art. 59º nº 2 do DL 119/83 exige que a assembleia geral reúna obrigatoriamente duas vezes em cada ano.

[47]A convocação de assembleias gerais previstas pelo art. 1486 do CPC é meio privativo das sociedades comerciais ou das sociedades civis sob forma comercial, não aplicável às associações stricto sensu, em que aos associados é permitida a convocação, nos termos do art. 173º nº 3 do CC...” – Ac. RP de 19/2/91, Proc. 0500597, www.dgsi.pt/jrtp.

[48] Por exemplo, nas instituições particulares de solidariedade social é possível o recurso à convocação pelo tribunal, nos termos do art. 1486º do CPC (art. 63º nº 1 do DL 119/83 de 25/2).

[49]Cfr na jurisprudência o Ac. da RL de 3/3/94, BMJ 435-882 e o Ac. STJ de 10/1/95, BMJ 443-319.

[50]No sentido de que não é nula a cláusula dos estatutos de associação de estudantes que dispõe que "A Assembleia Geral será convocada por aviso público nas instalações da Faculdade", cfr Remédio, Alberto Esteves, RMP, ano 10º, nº 39, pág. 113 a 118, com a fundamentação de que está assegurada "... a publicidade da reunião em virtude de os sócios frequentarem diariamente o mesmo espaço físico (a Faculdade), além disso, a assembleia geral «só poderá deliberar validamente, em primeira convocação, com a presença de pelo menos..." e o Ac. RL de 12/10/89, BMJ 390-448. Em sentido contrário, relativamente a um clube, o Ac. RL de 11/7/89, BMJ 389-631.

[51]Por força do art. 176º nº 1 C.Civil o associado não pode votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.

[52]As percentagens fixadas no art. 185º podem ser reguladas de forma diferente no estatuto da associação, mas apenas no sentido do seu agravamento, impondo uma maioria mais qualificada, Fernandes, Luis A. Carvalho, ob. cit., pág. 485

[53]É necessário ter em atenção na análise dos estatutos que os associados podem ser pessoas singulares ou colectivas. Quando os associados são pessoas colectivas, serão necessariamente representados pelos seus administradores ou gerentes, nos termos da lei, o que requer atenção, já que, uma eventual alusão nos estatutos a “representados” pode referir-se a situações de representação orgânica ou estatutária.

[54]No sentido de que a representação do voto é admissível, Ascensão, José de Oliveira, Direito Civil Teoria Geral, I, 1997, pág. 289

[55] cargo social exercer o cargo através de representante.

[56]Lima, Pires, e Varela, Antunes, Código Civil Anotado, 3ª ed., Vol. I, pág. 176.

[57]Pelo confronto das normas do art. 175º nº 2 e 3, por um lado, e do nº 4 do mesmo artigo (e também do art. 176 C.Civil), por outro, parece ser de concluir que, quando se referem a associados presentes, aqueles nº 2 e 3 visam a presença física dos associados votantes, ao contrário do que acontece com o nº 4, em que se prescinde dessa presença, admitindo-se tacitamente a mera representação e o voto por procuração – Ac. do STJ de 6/5/02, Proc. 02B3246, www.dgsi.pt/jstj.

[58]A cláusula dos estatutos de uma associação sem fins lucrativos que atribui a um associado o direito de vetar candidaturas aos órgãos de gestão e consagra a irrevogabilidade desse direito sem acordo do próprio associado viola o direito imanente de qualquer associado a ser eleito ou designado para os órgãos de gestão mas também o poder, que é exclusivo, da assembleia geral de proceder à alteração dos estatutos (art. 172º nº 2 C.Civil) – Ac. do STJ de 1/7703, Proc. 04B571, www.dgsi.pt/jstj.