1. INTRODUÇÃO
É de elementar justiça referir que participaram na feitura deste trabalho os colegas Procuradores da República Gaspar Júnior , João Marques Vidal, João Monteiro, João Rato, Paulo de Carvalho, Sousa Mendes, Viriato Reis e nós, cabendo-nos ainda a tarefa de coordenador, cargo de que me incumbiram os referidos colegas.
A exposição que se segue é fruto de um trabalho de equipa, feito sem prejuízo das responsabilidades profissionais de cada um. Como é normal, nem todos partilhamos das mesmas opiniões. Esperamos, no entanto, que esta comunicação reflicta o trabalho de cada um e que o seu resultado concretize o anseio de todos de contribuir para a melhoria do estado da justiça, em favor da comunidade e não de meros interesses corporativos.
Considerando a escassez de tempo, a dispersão geográfica de cada um dos elementos do grupo e as absorventes tarefas profissionais de cada um, esta comunicação está longe de ser um trabalho acabado, mas é seguramente o início de uma reflexão, que se quer mais aprofundada, mais sintetizada e melhor redigida.
A exposição decompõe-se em três partes. Na primeira procuramos fazer o retrato possível do desempenho das funções do Ministério Público na área laboral, com destaque para o patrocínio judiciário - contratos de trabalho por conta de outrém e acidentes de trabalho -, para as contra-ordenações, para as condições em que os sinistrados são atendidos e para as condições em que os magistrados exercem as suas funções. Na segunda parte adiantamos algumas propostas que consideramos necessárias à melhoria da justiça nesses domínios. E, por fim, abordamos a temática da feitura das leis.
2. MINISTÉRIO PÚBLICO NA JURISDIÇÃO LABORAL:
2.1. O patrocínio judiciário do MP como garantia acrescida dos trabalhadores no acesso ao direito e à Justiça
Em Outubro de 1997, decorreu em Paris um colóquio sobre “ A Justiça de Proximidade na Europa” 1, nele tendo participado magistrados de praticamente todos os países membros da União Europeia, Portugal incluído.
Na fase preparatória do encontro, os organizadores solicitaram às instituições envolvidas a resposta a um inquérito tendente a apurar, na organização judiciária dos respectivos Estados e nos modos de actuação de cada uma das suas jurisdições, a existência ou inexistência de mecanismos de proximidade 2 entre os sistemas de justiça neles vigentes e os cidadãos deles beneficiários e destinatários, em nome de quem, aliás, supostamente são concebidos e exercitados.
A jurisdição laboral foi a escolhida e a pedido da organização, foi apresentada uma comunicação subordinada ao tema “Ministério Público e Jurisdição do Trabalho” 3, a única que, sintomaticamente ou não, a delegação portuguesa pôde apresentar.
Da citada comunicação ressalta que as funções do Ministério Público na jurisdição laboral situam indiscutivelmente o Ministério Público no interior do “Poder Judicial” e aí lhe reservando um papel de privilegiada intermediação entre os cidadãos e a função jurisdicional em nome deles exercida, contribuem decisivamente para o significado social desta magistratura e para que ela seja «considerada pela opinião pública jurídica e, sobretudo, pela comunidade dos cidadãos como instância, acima de qualquer suspeita, de defesa e protecção dos seus direitos»”.
É certo que o patrocínio dos trabalhadores e seus familiares pelo Ministério Público, iniciado há mais de 60 anos, surgiu como criação do “ Estado Corporativo”, mas também não e´ menos certo que, apesar das profundas modificações políticas operadas em Portugal com a “revolução” de Abril de 1974, aquelas atribuições do Ministério Público se mantiveram e reforçaram até aos nossos dias, merecendo consagração expressa em todas as suas leis estatutárias posteriores à Constituição da República de 1976, bem como nos Códigos de Processo do Trabalho aprovados depois dela. 4
Contudo, a questão do patrocínio dos trabalhadores pelo Ministério Público é de primordial importância porque num passado recente e pela primeira vez têm-se erguido vozes no sentido de ser retirado ao Ministério Público o patrocínio judiciário dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares, por interesses de ordem social e laboral, no que concerne às acções emergentes de contrato individual de trabalho.
De entre os defensores de tal posição alguns alicerçam os seus argumentos na necessidade de resolver o problema do excesso de licenciados em direito, uma vez que, segundo eles, confiar apenas na auto-regulação do mercado não é seguro, não se preocupando minimamente se esta solução é a que melhor satisfaz os interesses dos trabalhadores. 5
De facto, o excesso de oferta de cursos Direito, por serem dos mais baratos, é a causa do excesso de licenciados em direito. E se o mal/doença é esta, o remédio para a cura não pode ser à custa dos direitos dos trabalhadores, passando a ter menos e não mais acesso à justiça.Outros defensores da retirada do patrocínio do MºPº radicam a sua posição, no essencial, em evidenciar pretensas inconstitucionalidades decorrentes da concessão desse patrocínio, mormente, por violação do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da C.R.P., bem como em evidenciar o pretenso "desajustamento" de tal patrocínio num Estado de Direito.
Assim sendo, mais do que discorrer sobre a natureza desse patrocínio e divagar sobre o modo como é ou deve ser exercido 6, importará sobretudo tentar compreender as motivações legais subjacentes à sua manutenção e reforço, o que faremos adiante.
2.2. A actuação do MP como órgão de Justiça na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho
Como é sabido o Ministério Público tem, no nosso ordenamento jurídico, um campo muito vasto de actuação nas diversas áreas do direito.
Daí que se venha afirmando que as funções que exerce são heterogéneas e caracterizadas por poliformismo.
Talvez, por isso, ainda subsista algum desconhecimento sobre a verdadeira natureza do Ministério Público e das suas atribuições constitucionais e legais.
Apesar disso, a evolução que o Ministério Público sofreu ao longo dos anos, nomeadamente após o 25 de Abril de 1974, tem contribuído decisivamente para uma maior projecção e um melhor conhecimento desta magistratura, a que não é alheia a consagração constitucional de autonomia orgânica e funcional, bem como a independência face à magistratura judicial, de que era, até meados dos anos 70, carreira vestibular.
O Ministério Público deixou, assim, de ser um mero representante do Governo, como acontecia no Liberalismo, para passar a assumir as vestes de mandatário do Estado Comunidade, o prossecutor do interesse social.
Mas, se a heterogeneidade percorre toda a sua actividade, a expressão mais significativa e diversificada da sua actuação ocorre nos tribunais do trabalho, onde intervém na área cível e na área penal em sentido amplo (contravenções e contra-ordenações), exercendo ainda funções de extrema relevância social, como é o caso do patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias, que é exclusivo da área laboral.
Para além desta, exerce ainda uma função extremamente importante, que é a de órgão de justiça, na fase onciliatória do processo de acidente de trabalho.
Nesta fase processual, o Ministério Público administra directamente a justiça, actuando segundo princípios e finalidades do poder judicial, muito embora não constitua um órgão jurisdicional.
No desenvolvimento da sua actuação, o Ministério Público não representa ou patrocina qualquer das partes, estando colocado acima destas, numa posição de supra-partes, intervindo no exercício de um poder extraordinário, mas que está limitado por critérios de objectividade e de legalidade.
De facto, estamos num domínio em que a natureza pública das normas imperativas impede a validade de quaisquer acordos ou contratos que visem a renúncia aos direitos conferidos pela lei e em que os acordos a obter estão vinculados à impenhorabilidade e inalienabilidade dos créditos.
Apesar disto, a actuação do Ministério Público nesta fase processual não é meramente passiva, cabendo-lhe antes um papel activo, de intervenção e de promoção, que tem subjacente a defesa da legalidade democrática e a realização do interesse social.
Aliás, pode mesmo afirmar-se que a ligação ao direito social é quase umbilical e que a promoção deste interesse constitui o paradigma das suas atribuições.
Ora, é na tentativa de conciliação que o Ministério Público assume o papel fundamental de órgão de justiça, agindo como um verdadeiro mediador, na busca de uma solução justa, através de uma composição amigável dos interesses de natureza e ordem pública envolvidos, promovendo o acordo de harmonia com a lei.
De acordo com a informação contida na base de dados do GPLP para as acções de acidentes de trabalho, os sinistrados e os seus beneficiários legais foram, na esmagadora maioria dos processos, mais de 90% entre 1989 e 2001 patrocinados pelo Ministério Público (cf.gráfico que se segue).
É importante realçar o papel desempenhado pelo Ministério Público, assumindo na sua dupla função de, simultaneamente, representar o sinistrado e presidir à fase conciliatória do processo. Deste modo, assume o papel de órgão do Estado e conjuntamente defensor do interesse público.
Consequentemente, o Ministério Público é obrigado a desempenhar um importante trabalho legal no domínio da sinistralidade laboral.” 7
Gráfico
O patrocínio judiciário do autor
Fonte: GPLP in Ferreira (2003)
Se deve ou não o Ministério Público continuar a desempenhar esta função responderemos adiante.
2.3. Intervenção do MP no processo de contra-ordenação e seu relacionamento com a IGT
Conforme já foi dito, a pluralidade de formas sob as quais se processa a intervenção do Ministério Público nos tribunais do trabalho tem expressão também no âmbito da obrigação geral de fiscalização e controlo da legalidade democrática.
Esta última vertente, que justamente, porque perpassa por toda a actividade do Ministério Público, se pode considerar como o seu fundamento último, tem concretização na justiça do trabalho, particularmente, na direcção da fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho e na participação na fase judicial dos processos de contra-ordenação, domínios em que essa actividade é desenvolvida na qualidade de órgão de justiça.
É sabido que o direito do trabalho em Portugal padece de um sério déficit de efectividade, essencialmente resultante de uma incorrecta gestão ao nível das condições trabalho, com tradução, muitas vezes, na falta de respeito das normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, que redundam nas elevadíssimas taxas de sinistralidade laboral em geral e, particularmente, nos acidentes de trabalho que são causa de morte, bem como de incumprimentos muito significativos em matéria de relações de trabalho, com especial enfoque nos fenómenos do trabalho clandestino, do falso trabalho autónomo e da imposição da prestação de trabalho suplementar de forma sistemática e do seu não pagamento.
Ao que acresce a fraude e a evasão contributiva em matéria de Segurança Social, para além da vertente fiscal, normalmente associadas àqueles fenómenos de incumprimento, o que, podendo não ser percepcionado de forma imediata como tão grave quer pelos trabalhadores quer pela sociedade, tem efeitos extremamente negativos ao nível da protecção social dos trabalhadores e das suas famílias, no que decorre dos direitos que dependem das contribuições recebidas pelo sistema de Segurança Social, e da sustentabilidade financeira deste sistema público. É, aliás, a relevância ético-social dos interesses que se visam proteger que levou a que desde há alguns anos o legislador tenha optado por criminalizar esse tipo de condutas, podendo, no entanto, constatar-se que só nos últimos anos parece começar a assumir significado a investigação desses crimes e a condenação dos seus responsáveis.
O novo regime jurídico das contra-ordenações laborais, em vigor desde 1 de Novembro de 1999, bem como aquele que lhe virá a suceder, plasmado no futuro Código do Trabalho, é um importante instrumento de regulação das relações de trabalho e, por essa via, de garantia dos direitos laborais dos trabalhadores. De facto, a natureza das sanções correspondentes a esses ilícitos tem, ao lado do seu carácter repressivo, uma clara componente de prevenção. Com efeito, os valores muito significativos que as coimas podem atingir, bem como a gravidade de algumas sanções acessórias, que podendo levar a que o benefício económico normalmente associado à conduta ilícita seja anulado e, até, superado pelo montante de coima a pagar, pode ter um forte efeito dissuasor do cometimento de outras infracções e induzir nas organizações empresariais a assunção de uma cultura e de comportamentos que garantam o respeito pelos direitos sócio-laborais dos trabalhadores.
Ora, o processamento e a aplicação das sanções no âmbito das contra-ordenações laborais é da competência da Inspecção-Geral do Trabalho, não tendo o Ministério Público qualquer intervenção na fase administrativa do processo. Esta intervenção só virá a ocorrer se o processo for remetido ao tribunal para execução da coima ou se tiver sido interposto recurso da decisão de aplicação de uma sanção.
Nesta fase judicial de impugnação da decisão a autoridade administrativa perde a disponibilidade do processo, cabendo ao Ministério Público o impulso processual e a defesa da legalidade e do interesse público.
Assim, independentemente do exacto alcance relativamente aos poderes do MP aquando do recebimento do processo com o recurso de impugnação, particularmente sobre se pode, obtida a concordância do arguido, ou não optar por não apresentar o processo ao juiz, procedendo ao seu arquivamento caso considere a condenação ilegal, assim exercendo uma acção fiscalizadora sobre a actividade sancionatória da administração do trabalho, certo é que todo o processamento posterior à remessa do processo que lhe é feita pela IGT exige ao MP uma intervenção particularmente activa.
De facto, a lei impõe a participação do MP em todos os actos processuais e a sua audição pelo juiz, de um modo geral, antes de este proferir despachos decisórios sobre o destino do processo, cabendo-lhe, também, a promoção da prova e proceder à retirada da acusação, com a concordância do arguido.
Bem elucidativa dessa exigência de actuação empenhada que ao MP é pedida neste fase do processo é a alteração legislativa ocorrida em 1995 operada no Regime Geral das Contra-Ordenações, impondo a participação obrigatória do MP na audiência de julgamento, a qual até então se revestia de carácter facultativo.
Adiante diremos o que propomos neste domínio, no sentido de melhorar o desempenho do MP e, consequentemente, a acção da justiça.
2.4. Em que condições de trabalho desenvolve o MP a sua actividade
Na abordagem deste sub-tema foram contactados magistrados e a Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho.
A crónica falta de condições
nos tribunais do trabalho, são indiciadoras de uma menor
atenção dada, pelo poder político, a esta área
de jurisdição.
2.4.1.Quanto aos sinistrados de acidentes de trabalho
Os sinistrados do trabalho são indiscutivelmente, de entre os utentes dos tribunais do trabalho os que, mais do que ninguém, justificam a existência destes tribunais especializados, como forma de compensar a sua vulnerabilidade física, psicológica e económica.
É a situação dos sinistrados, principalmente os que são vítimas de acidentes de trabalho graves, resultantes, muitas vezes, da violação de normas de segurança e sem estarem abrangidos por seguro obrigatório, que mais fere a sensibilidade dos magistrados nos tribunais do trabalho, no desempenho das suas funções. De facto, ninguém pode ficar indiferente a que estes sinistrados, devido a entidades patronais sem escrúpulos, fiquem privados da adequada assistência médica e indemnizações que a Companhia de Seguros proporcionaria de imediato se houvesse seguro. O resultado de tudo isto é depararmo-nos com o drama de sinistrados angustiados e deprimidos em que alguns pensam mesmo no suicídio como remédio para os seus males.
Trata-se de pessoas a quem a comunidade muito deve. E, ironia do destino, como se tal não bastasse, são estes sinistrados os que, de entre todos os utentes dos tribunais do trabalho, menos condições têm nas instalações destes tribunais, criados para acautelar os seus direitos, em flagrante violação do artº 71º (Deficientes) da CRP, do qual resulta que “...comete ao Estado a obrigação de tornar efectiva a realização dos direitos dos cidadãos com deficiência, impondo, assim, acções por parte do estado de que este se não pode eximir” ( do preâmbulo do DL 123/97 de 22 de Maio).
E porque a justiça se realiza quando proporciona os direitos àqueles que social e economicamente mais deles carecem, só assim se respeitando o princípio constitucional da igualdade, optamos por dar especial destaque à flagrante falta de condições de mobilidade dos sinistrados nas instalações dos tribunais do trabalho. Estas devem estar preparadas para os receber e não lembrar-lhes a toda a hora as suas limitações.
De facto, uma das formas mais cruéis de segregação das pessoas com deficiência, principalmente daqueles que têm a sua mobilidade condicionada, é sem dúvida a existência de barreiras arquitectónicas nos edifícios públicos, impeditivas de uma plena participação e usufruto dos direitos de cidadania.
Em Portugal, as pessoas com deficiência e os seus familiares confrontaram-se sempre com a falta de vontade política para a concretização dos seus mais elementares direitos, como de resto se comprovou, neste aspecto em particular, pela não aplicação do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado em 1982, por nunca ter sido regulamentado.
No caso concreto dos sinistrados no trabalho, é intolerável que as entidades competentes não diligenciem no sentido de adoptar medidas para a eliminação das barreiras físicas existentes em muitos dos Tribunais de Trabalho. A realidade mostra-nos que muito pouco ou nada se tem feito, para que os actos judiciais, como tentativas de conciliação, exames médicos, ou simples pedidos de informação, sejam feitos com dignidade, que é suposto ser um direito de todo ou qualquer cidadão.
Apesar da publicação do Decreto-Lei n.º 123/97 de 22 de Maio, que determina a eliminação das barreiras arquitectónicas nos edifícios públicos, cuja concretização deverá ocorrer até 2004, constata-se que os Tribunais do Trabalho, na sua maior parte, continuam inacessíveis, não beneficiando das medidas correctivas que a lei citada impõe, para a sua acessibilidade aos sinistrados. O Tribunal do Trabalho de Lisboa é paradigmático do que afirmamos, pois faltam rampas de acesso, elevadores, WCs adaptados, em suma, falta tudo o que diga respeito a acessibilidades para os sinistrados, sendo a situação mais grave quando não se vislumbra a efectivação da prometida transferência para novas instalações (Parque das Nações ?) nem, tanto quanto se sabe, estão previstas obras de adaptação nos edifícios existentes.
De facto, na maior parte dos tribunais, as conciliações, em que intervêm pessoas com mobilidade reduzida, são feitas à porta do Tribunal ou no interior do transporte utilizado pelo sinistrado, o que constitui uma grosseira ofensa à dignidade da pessoa com deficiência.
2.4.2. Quanto aos magistrados, funcionários, advogados e demais utentes
A falta de condições de trabalho nos tribunais do trabalho são, regra geral, uma evidência que, infelizmente, não carece de demonstração. O brio profissional, o sentido de serviço da comunidade e a noção de que os problemas não se resolvem por mero toque da varinha de condão, são as razões que nos impelem a trabalhar em condições adversas.
Já não se admite, porém, que as entidades competentes, quando confrontadas com denúncias de anomalias que põem em causa a saúde, a segurança ou a dignidade de magistrados, advogados, funcionários e demais utentes, se remetam a um insuportável silêncio, criando nas pessoas que são vítimas das más condições de trabalho, de situações de insegurança ou que são afectadas na sua dignidade uma ideia de desconsideração e de abandono à sua sorte.
É de todo incompreensível que as entidades competentes só respondam após inúmeras insistências.
Em qualquer situação e muito menos numa em que os recursos escasseiam, não se pode ignorar os custos sociais que esse comportamento omissivo pode acarretar nos funcionários afectados, ccausando, por exemplo, sentimentos de desconsideração, diminuição do brio profissional e da produtividade, porquanto enquanto se preocupam com estes problemas, não trabalham como o fariam em condições normais. A tudo isto acresce a falta de uma manutenção regular do estado dos edifícios, o que acaba por acarretar custos mais elevados “a posteriori”.
Por outro lado, a frequente acumulação de funções impostas aos magistrados que exercem a sua actividade nos tribunais do trabalho, decorrente do não preenchimento do quadro ou de acumulação com outros tribunais, aliada à falta de assessorias e ao já de si excessivo volume de trabalho que, em circunstâncias normais, lhe está distribuído, contribuem para que, com muita frequência, não sejam tidos em conta os direitos dos magistrados à preservação da sua vida particular, mormente da conciliação da sua vida profissional e extraprofissional.
Perante este quadro nada abonatório da imagem da justiça propomos adiante algumas possíveis soluções.
3. O QUE PROPÕE O MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A MELHORIA DO ESTADO DA JUSTIÇA NA ÁREA LABORAL:
3.1. A democracia, a igualdade dos cidadãos, a mediação, a representação social e o MP
Mesmo sem levar em linha de conta os inúmeros instrumentos de direito internacional vinculantes para o Estado Português, talvez seja bom recordar que, no âmbito dos princípios fundamentais, a nossa Constituição estabelece, respectivamente, nos artigos 1º, 2º e 9º que:
Artº 1º - “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”
Artº 2º - “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”
Artº 9º - “São tarefas fundamentais do Estado:
(...)
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;
(...)
d) Promover o bem – estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais (...)”.
Depois, no núcleo essencial da chamada “Constituição Laboral”, designadamente no Capítulo III do Título II (Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores) e no Capítulo I do Título III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), consagra um vasto leque de direitos dos trabalhadores, assim erigidos em grupo social especialmente carenciado de protecção, direitos que assumem natureza análoga à dos direitos fundamentais e, por conseguinte, beneficiam do correspondente regime e força jurídica, conforme resulta da aplicação conjugada dos seus artigos 16º a 18º.
É ainda a Constituição que, ao definir as funções do Ministério Público, no artigo 219º, nº 1, lhe comete como atribuições fundamentais, entre outras, a defesa dos interesses que a lei determinar e da legalidade democrática.
Não obstante o carácter aberto dessa norma constitucional e a natureza relativamente indeterminada dos conceitos nela plasmados, afigura-se-nos que ao legislador ordinário não restava outra alternativa que não fosse a de expressamente incumbir o Ministério Público da defesa daqueles direitos dos trabalhadores, no contexto das formas processuais concebidas para os exercitar.
O patrocínio pelo Ministério Público dos trabalhadores e seus familiares nas questões de cariz social/laboral assenta, não num estatuto de menoridade deste grupo de cidadãos, mas só e apenas na própria natureza dos interesses em jogo 8 – recorde-se que é de direitos fundamentais ou análogos que se trata -, cuja salvaguarda surge, assim, como pressuposto necessário da concretização dos enunciados princípios democráticos, em suma, do próprio Estado de Direito.
Contra tal constatação não colhe o argumento de que, através da concessão desse patrocínio aos trabalhadores e já não às entidades patronais, se viola frontalmente o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no artigo 13º da Constituição, nomeadamente na vertente, ultimamente quase deificada entre nós, da igualdade de armas na litigação.
Não sendo necessário nem oportuno dissecar aqui a abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre aquele princípio, limitar-nos-emos a registar o apreço pelo trabalho do Ministério Público nesta área implícito naquele tipo de argumentação e a citar um pequeno, mas elucidativo, excerto de uma decisão daquele Alto Tribunal sobre o aludido princípio: «o princípio da igualdade exige que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.
Tal princípio analisa-se, pois, numa proibição do arbítrio e da discriminação e numa obrigação de diferenciação: por um lado, são inadmissíveis diferenciações de tratamento irrazoáveis, sem fundamento material, ou tendo por base meras categorias subjectivas; por outro lado, impõe-se tratar diferentemente o que é desigual». 9
Com efeito, é inequívoco que entre os outorgantes de um contrato individual de trabalho não há igualdade material, encontrando-se o trabalhador em situação desvantajosa, atenta a sua dependência económica relativamente ao trabalho.
No contrato individual de trabalho é manifesto o desequilíbrio entre os poderes patronais e os direitos dos trabalhadores, que tende a agravar-se de forma incomensurável, atenta a “globalização” da economia.
Impõe-se, assim, ao Estado, no domínio das relações individuais de trabalho, a necessidade de adopção de medidas de discriminação positiva tendentes a alcançar a igualdade substancial entre as partes.
Tal igualdade substancial é a afirmação do direito fundamental de cidadania, que implica para todas as pessoas, a mesma capacidade de participar, de forma plena e activa, na vida socioeconómica da comunidade.
Um dos garantes do exercício desse direito de cidadania por parte dos trabalhadores é o Ministério Público, uma vez que lhes confere através do patrocínio judiciário a possibilidade de acesso ao direito e à justiça numa situação de igualdade com as respectivas entidades empregadoras.
Não sendo exclusivo e não gozando de qualquer privilégio face ao mandato judicial ou ao regime geral do apoio judiciário ao qual os trabalhadores podem aceder segundo a sua livre opção e desde que se verifiquem os respectivos pressupostos, é inquestionável que o patrocínio pelo Ministério Público constitui "tão só" uma "mais valia" e uma garantia acrescida dos trabalhadores no acesso ao direito e à justiça.
Negar, hoje, sem mais, aos trabalhadores essa "mais valia" constituiria sem dúvida um retrocesso nos seus direitos, mormente, no acesso ao direito e à justiça, e uma desresponsabilização do Estado que se pretende seja de Direito e Democrático.
Deve, pois, ser atribuído ao MP um papel de representação e mediação social, com vista a alcançar a cidadania plena de uma dada categoria social, enfim, a realização da democracia.
Reafirmamos a importância social dos papéis exercidos pelo Ministério Público no que toca ao patrocínio dos trabalhadores e seus familiares por questões de índole social/laboral, à condução dos processos por acidente de trabalho na respectiva fase conciliatória e ao serviço de atendimento para informação jurídica, assim contribuindo para aproximar e comprometer os cidadãos no exercício da função jurisdicional em seu nome exercida e, desse modo, para a concretização dos princípios enformadores do Estado de Direito Democrático. 10
De facto, no âmbito da jurisdição laboral, o que se verifica é que o Ministério Público, dentro dessa ideia de serviço à comunidade que é transversal ao seu estatuto e atribuições, não só tem cumprido, de forma positiva, essa sua função de promoção e defesa de interesses sociais, como continua a ser interpelado, no seu quotidiano labor, a cumprir essa sua função.
Ilustra o que afirmamos, o facto de desde 2000, ter vindo a crescer o número de pedidos de patrocínio apresentados por trabalhadores e seus familiares nos Serviços do Ministério Público junto dos tribunais de trabalho e dos tribunais judiciais ainda com competência em matéria laboral: 6.850 em 2000, 7.099 em 2001 e 8.106 em 2002.
Não pode ser ignorada a importância e relevo que o atendimento assume no acesso ao direito e à justiça. Esse serviço que funciona, junto de todos os Serviços do Ministério Público e de acordo com horários que são divulgados publicamente, contribui assim para aproximar os cidadãos da Justiça, permitindo pois que o Ministério Público, nesse seu papel de intermediação, possa depois tomar iniciativas tidas por adequadas bem como, se for caso disso, intervir no uso das suas competências legais.
Apraz-nos registar que esta realidade é constatada também pelo Dr. António Casimiro na sua Dissertação de Doutoramento – Coimbra 2003 - , ainda não apresentada, subordinada ao tema “ Trabalho Procura Justiça A Resolução dos Conflitos Laborias na Sociedade Portuguesa “ quando diz : “...O patrocínio judiciário na área laboral evidencia a importância do Ministério Público na propositura de acções de contrato individual de trabalho e de acidentes de trabalho. Sem prejuízo de se reconhecer o papel de relevo desempenhado pelos advogados ligados ou não a associações sindicais, a estrutura do patrocínio judiciário em Portugal, ilustra a relevância do Ministério Público na facilitação do acesso ao direito e justiça laborais.
Naturalmente que, no actual momento da vida judicial portuguesa, esta é uma matéria controvertida, atendendo às posições assumidas pela Ordem dos Advogados e pelo Sindicato de Magistrados do Ministério Público. Esta está dependente das soluções futuras a serem encontradas em matéria de acesso ao direito, nas vertentes da informação, consulta e patrocínio judiciários.
Considerando-se o actual sistema, em meu entender, o Ministério Público, nos litígios envolvendo trabalhadores não sindicalizados, desempenha um papel crucial.
O estudo partiu da hipótese geral de que o acesso ao direito depende do funcionamento da sociedade e do Estado. Assim, garantir o acesso ao direito é assegurar que os cidadãos, em especial os socialmente mais vulneráveis, conheçam os seus direitos, não se resignem face à sua lesão e tenham condições para vencer os custos de oportunidade e as barreiras económicas, sociais e culturais a este acesso.
A actividade do Ministério Público desempenha um importante papel como facilitadora do acesso ao direito e à justiça. Assim, nas acções de contratos individuais de trabalho verifica-se, através dos verbetes das acções findas, que o MP em 1998, 1999, 2000 e 2001 patrocinou 29,3 %, 29,5%, 25,2%, e 19,8% das acções de contratos individuais de trabalho, que terminaram nesses anos.
Os dados do serviço de atendimento ao público, relativo a contratos individuais de trabalho e a acidentes de trabalho, prestado pelo MP no Tribunal de Trabalho de Coimbra, assumem algum relevo. Na verdade, foram atendidos nos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001, respectivamente, 1475, 2168, 13151 e 927 trabalhadores. Assim, podemos afirmar que, em primeiro lugar, o MP desempenha um relevante papel como “conciliador informal”, nas situações em que o conflito terminou com um acordo entre as partes, e, em segundo lugar, que o serviço de atendimento representa uma percentagem importante do total de acções laborais (CIT e AT) entradas no Tribunal do Trabalho de Coimbra.
A questão do patrocínio judiciário, da informação e consulta jurídica prestada pelo MP aos trabalhadores constitui um dos pontos mais controverso entre os vários operadores judiciais. No painel efectuado onde se abordou o tema, esgrimiram-se argumentos a favor de que o MP deixe de dar informação jurídica e de representar os trabalhadores, invocou-se a actual falta de recursos do MP, a necessidade de recentrar o MP nas suas funções de magistrado e a desigualdade entre o MP e um advogado na representação dos trabalhadores, já que este assume uma dupla função de advogado e autoridade judicial, o que simbolicamente influencia os litigantes.
A favor da manutenção do actual modelo argumentou-se essencialmente com o potencial de prevenção e conciliação de litígios existentes na acção do MP, a falta de alternativas credíveis a quem os trabalhadores carenciados economicamente e não sindicalizados pudessem recorrer, o bom desempenho do actual sistema e a necessidade que o MP continue nos tribunais de trabalho a desempenhar todas as suas outras funções, designadamente nos acidentes de trabalho e no processo executivo”.
De qualquer modo, não obstante o entendimento atrás exposto, não excluímos a necessidade de serem encontradas com urgência soluções alternativas e inovadoras para a resolução dos conflitos laborais, uma vez que o actual modelo denota já sinais de incapacidade para dar resposta pronta às importantes alterações ocorridas no âmbito das relações de trabalho.
É também nosso entendimento que o modelo a criar deve privilegiar a mediação e resolução extrajudicial dos conflitos laborais mas sempre sob a tutela do Estado e através da criação de organismos a esse fim destinados.
É uma realidade indesmentível que o Ministério Público tem assumido a iniciativa de resolução dos conflitos laborais, através da realização de uma tentativa prévia de conciliação, realizada na fase de pré-patrocínio.
Na verdade o número de acordos extrajudiciais promovidos pelo Ministério Público em representação desses mesmos trabalhadores ou familiares têm vindo a subir. Assim, e considerados apenas os últimos três anos, constata-se que 2.857 acordos dessa na natureza promovidos pelo Ministério Público em 2000, se passou, em 2001, 3.096 , tendo em 2002 sido atingido os 3.155 acordos.
Logo, nesse domínio, como magistratura que é ( vide artº 219º da CRP), parece-nos que poder-se-ia encarregar o MP da mediação pré-contenciosa, por ser evidente e reconhecido o papel de conciliador que, na prática, tem assumido na área laboral.
É que ao contrário da maioria dos restantes países da União Europeia, a mediação e os processos alternativos de resolução de conflitos não têm tradição entre nós.
De facto, a condução destes procedimentos requer experiência e preparação, o que, sem dúvida, não falta à magistratura do Ministério Público.
A tradição e práticas adquiridas pelo Ministério Público na jurisdição laboral, tradição e práticas essas ligadas aos seus poderes de iniciativa, imediação e intervenção não devem nem podem ser desbaratados sob pena de se estar a promover a inefectividade dos direitos laborais bem como, com isso, a permitir a eventual prática de comportamentos ilegais e oportunistas.
Perante esta situação e tendo presente uma concepção do Ministério Público em que a especialização deve ser permanente enquadrada pela generalidade ou, melhor, pela transdisciplinaridade – e, a nosso ver, esta transdisciplinariedade constitui não só uma exigência da dinâmica e eficácia de actuação do Ministério Público no seio da sociedade como reforça a sua legitimidade de actuação – entendemos que a intervenção dos magistrados do Ministério Público, no âmbito da jurisdição laboral, deve ser aprofundada, de acordo com um sistema coordenado, numa direcção ligada precisamente à ideia de mediação.
Mediação essa que passará não apenas pela divulgação e desenvolvimento do serviço de atendimento do Ministério Público para informação jurídica a todos os cidadãos que procuram tal serviço como pela organização e coordenação de um sistema, no âmbito dos serviços do Ministério Público, que contribua não só para a formação dos magistrados nessa matéria como para a melhoria das actuais práticas de conciliação informal promovidas pelo Ministério Público entre trabalhadores e seus familiares e respectivas entidades patronais.
A «mediação», como forma de composição e resolução de litígios laborais, está ligada à prática de uma justiça em parceria e de proximidade que, a nosso ver, deve ser perseguida, sendo certo que o Ministério Público - porque sensível à plasticidade da vida e das relações sociais, porque submisso à lei e porque, ainda, aberto à mudança – têm todas as condições, a par da motivação e tradição do nosso direito, para promover a realização dessa justiça de proximidade.
Como há dias dizia numa entrevista a um órgão de comunicação social português, Juan Carlos Vezzuela, presidente do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, a «mediação» enquanto método utilizado na resolução de conflitos na área judicial, é algo de fundamental porque tem a ver com a «humanização da Justiça» em que «o que é considerado não é a causa mas as pessoas» e onde, porque precisamente tem a ver com uma questão de humanização, «não há culpados e vítimas» mas sim «responsáveis» o que constitui «uma valorização do judiciário».
O Ministério Público deve, por isso, ver alargado o seu campo de actuação às várias formas alternativas de resolução de conflitos laborais, institucionalizando-se, assim, uma prática de muitos anos, que vem sendo exercida na prossecução dos direitos e interesses sociais, e concretamente na defesa dos direitos dos menores, dos sinistrados, dos trabalhadores e dos doentes profissionais.
Tal não invalida, obviamente, que neste processo de acesso ao direito devam também ser envolvidos os advogados ( artº 208º da CRP) os quais constituem hoje uma classe profissional motivada não apenas para os ramos de direito tradicionalmente apetecíveis mas também, e cada vez mais, para o direito laboral, com qualidade não inferior à qualidade tradicional dos magistrados. Isto tudo no âmbito do novo sistema de acesso ao direito (gabinetes de apoio + lei do apoio judiciário).
Aliás, “...a principal forma de patrocínio judiciário é assegurada por advogados, com 73,7%, sendo secundada pelo Ministério Público com 25,9%, enquanto a variável "outro" tem um valor espúrio de 0,4%. Relativamente ao patrocínio judiciário dos réus, os advogados representam 79,4%, o Ministério Público 1,1% e a variável "outros" 19,6%. 11
Os dados evidenciam a grande importância dos advogados na representação dos interesses de réus e autores nos conflitos individuais de trabalho.” , cujo gráfico que se segue melhor ilustra 12
Gráfico 1
O patrocínio judiciário do autor
Fonte: GPLP
3.2. Nos acidentes de trabalho: a actuação do MP como órgão de Justiça na fase conciliatória do processo
Com já foi referido, é na tentativa de conciliação que o Ministério Público assume o papel fundamental de órgão de justiça, agindo como um verdadeiro mediador, na busca de uma solução justa, através de uma composição amigável dos interesses de natureza e ordem pública envolvidos, promovendo o acordo de harmonia com a lei.
E, de facto, a actuação do Ministério Público neste domínio, atrás referida, tem revelado extrema eficácia, já que mais de 80% dos processos de acidente de trabalho terminam na fase conciliatória, o que permite concluir que o sistema vigente é o mais adequado a satisfazer os anseios dos respectivos destinatários e, enquanto assim for, deve naturalmente ser mantido.
Esta actuação do Ministério Público não
pode ser pura e simplesmente ignorada em qualquer solução
alternativa que venha a ser adoptada com o propósito sério
de melhorar a justiça laboral.
3.3. Nas contra-ordenações: optimização do relacionamento do MP com a Inspecção-Geral do Trabalho
Como é sabido, o processamento e a aplicação das sanções no âmbito das contra-ordenações laborais é da competência da Inspecção-Geral do Trabalho, não tendo o Ministério Público qualquer intervenção na fase administrativa do processo. Esta intervenção só virá a ocorrer se o processo for remetido ao tribunal para execução da coima ou se tiver sido interposto recurso da decisão de aplicação de uma sanção.
Nesta fase judicial de impugnação da decisão a autoridade administrativa perde a disponibilidade do processo, cabendo ao Ministério Público o impulso processual e a defesa da legalidade e do interesse público.
Assim, independentemente do exacto alcance relativamente aos poderes do MP aquando do recebimento do processo com o recurso de impugnação, certo é que todo o processamento posterior à remessa do processo que lhe é feita pela IGT exige ao MP uma intervenção particularmente activa.
De facto, a lei impõe a participação do MP em todos os actos processuais e a sua audição pelo juiz, de um modo geral, antes de este proferir despachos decisórios sobre o destino do processo.
Cabe-lhe, também, a promoção da prova e proceder à retirada da acusação, com a concordância do arguido.
Daí que a melhoria da acção da justiça neste domínio tem de passar por uma adequada articulação entre o Ministério Publico e a IGT. Não só nos aspectos e na medida em que a mesma resulta de uma imposição legal, mas, sobretudo, porque essa é a via para se conseguir a realização de um trabalho mais profícuo, possibilitando ao MP prestar um melhor contributo para a realização do direito.
Aliás, é o que sucede, de forma evidente, quanto à produção da prova, designadamente na audiência de julgamento, dado que, por um lado, incumbe ao MP a promoção da prova a produzir e, por outro lado, pode a autoridade administrativa também apresentar provas e fazer-se representar nessa audiência, o que desde logo parece aconselhar um diálogo prévio entre o MP e a IGT sobre os meios de prova a produzir, em função dos concretos aspectos impugnados no recurso, evitando-se redundâncias relativamente à fase administrativa e avaliando-se a necessidade de fazer comparecer no julgamento o inspector autuante. Deve salientar-se que cada vez com mais frequência a matéria de facto versa sobre aspectos técnicos relativos à organização do trabalho, com enfoque especial nos atinentes à segurança, higiene e saúde, relativamente aos quais os inspectores do trabalho detêm conhecimentos específicos mais aprofundados do que os magistrados, em virtude da formação recebida e do seu contacto regular com essas matérias no âmbito da sua actividade inspectiva.
Acresce que, também, no que respeita à decisão do MP de não interpor recurso das decisões do tribunal que não mantenham a decisão tomada na fase administrativa, pese embora o facto de a lei não permitir qualquer tomada de posição da autoridade administrativa sobre essa matéria, afigura-se conveniente que informalmente o MP ausculte a IGT e lhe dê conta das razões da sua decisão de não interpor recurso, evitando-se que se crie nos responsáveis pela fase administrativa a convicção subjectiva de haver uma deficiente compreensão do seu trabalho ou uma desvalorização do mesmo por parte do MP.
Por seu lado, a IGT deverá, também, prestar colaboração ao MP, fornecendo-lhe informações relevantes na fase da execução da coima, particularmente quanto à identificação e localização de bem penhoráveis, atendendo à crescente mobilidade das empresas. Ainda, tendo em vista a garantia do efectivo pagamento da coima, condição indispensável para se alcançar o efeito dissuasor das sanções, deverá a IGT de forma sistemática proceder à identificação dos administradores, gerentes ou directores das pessoas colectivas, conforme a lei impõe, com vista à sua responsabilização solidária pelo pagamento da coima, pelo que, também, neste aspecto se mostra vantajoso o estabelecimento de um diálogo regular entre as duas autoridades, podendo/devendo os magistrados do MP sensibilizar os responsáveis nas delegações da IGT para um melhor cumprimento dessa e de outras determinações legais.
Propõe-se, em síntese, que tendo-se presente e respeitando-se o posicionamento institucional do MP e da IGT e salvaguardando-se a sua respectiva autonomia própria, a institucionalização de mecanismos de contacto regular e o estabelecimento de um diálogo aberto e sem preconceitos entre essas autoridades só poderá redundar em benefício da protecção e garantia dos direitos de cidadania dos trabalhadores e na promoção de uma cultura de cumprimento e de respeito por esses direitos.
3.4. Da melhoria das condições de trabalho
Quanto aos sinistrados, como já foi referido, na maior parte dos tribunais, as conciliações, em que intervêm pessoas com mobilidade reduzida, são feitas à porta do Tribunal ou no interior do transporte utilizado pelo sinistrado, o que constitui uma grosseira ofensa à dignidade da pessoa com deficiência.
Ora, o ano de 2003 foi proclamado pela Comissão Europeia, “Ano Europeu da Pessoa com Deficiência”.
Na abertura oficial das comemorações do Ano Europeu, em Portugal, o Governo, através do Sr. Primeiro Ministro, assumiu o compromisso de adoptar medidas que conduzam à dignificação, pela integração, das pessoas com deficiência.
Pelas razões atrás referidas, propõe-se, pois, que seja dada prioridade à adaptação dos tribunais do trabalho de modo a permitir a mobilidade dos sinistrados nas respectivas instalações.
A nossa experiência e a realidade existente no nosso País, mostra que não é por falta de dispositivos legais, ou declarações intencionais do poder político que não se concretizam os direitos fundamentais de que gozam as pessoas com deficiência. O problema situa-se na efectivação dos respectivos direitos. Deve assim ser posta a necessária ênfase nesta prioridade para que tudo não passe de meras intenções.
A sociedade inclusiva porque todos ansiamos, não será uma realidade se se continuar a marginalizar, por omissão, as pessoas com deficiência e, no caso, os sinistrados do trabalho.
É que uma sociedade para todos, só se concretizará, quando o poder político tomar medidas efectivas para o cumprimento integral das leis aprovadas.
Em suma, propõe-se o cumprimento do DL 123/97 de 22 de Maio nos tribunais do trabalho até ao prazo limite -Agosto de 2004-, assegurando as acessibilidades aos sinistrados, pois só assim são respeitados os princípios constitucionais da igualdade e do direito à qualidade de vida, sendo dado um passo muito significativo no sentido da efectiva cidadania dos sinistrados do trabalho.
Por outro lado, constata-se uma manifesta falta de apoio clínico aos sinistrados para os esclarecer, aconselhar e, em sede de Juntas Médicas, defender os seus legítimos direitos, fazendo constar dos respectivos laudos a sua posição, eventualmente divergente dos demais peritos médicos, mas que pode servir de fundamento à sentença do magistrado judicial, que não está vinculado à posição – maioritária ou minoritária - da Junta Médica.
Cremos que a contratação em regime de avença de médicos junto dos tribunais de trabalho, seria uma possível solução para assegurar os direitos dos sinistrados, sendo certo que do resultado das perícias dependem os montantes das indemnizações e pensões, o que igualmente se propõe.
Por último, há que ponderar sobre a forma de melhorar ainda mais, tanto a tramitação como a «transparência» do desenrolar dos processos, especialmente, dos processos de acidente de trabalho e ser rapidamente adoptado nos tribunais de trabalho um sistema (ou aplicação) informático(a) que permita não só uma localização rápida de todos os processos como uma rápida informação sobre o seu estado aos respectivos interessados.
Importa registar que no Brasil - e apenas, no que temos conhecimento, nos (ou nalguns) tribunais do trabalho - existe um sistema informático que permite aos interessados saberem, sem terem de ali se deslocar, o estado do seu processo quer por via on-line quer por via telefónica, funcionando o telefone com um código numérico que faz disparar informação sobre o processo. Para além disso, esse mesmo sistema funciona, no próprio tribunal, numa máquina acessível ao público e em tudo semelhante às do multibanco.
Em resumo, torna-se necessaria a implementação de aplicação informática específica para os tribunais do trabalho por forma a melhorar não só a sua performance em termos da eficácia da tramitação processual como em termos da pesquisa e da interconexão (revisões, remições, actualizações, outros incidentes, conexão com outros processo anteriores relativos ao mesmo sinistrado, etc.)de processos, como ainda em termos de tornar mais acessível a informação a que os cidadãos têm direito sobre os processos que lhe dizem respeito..
No que aos magistrados, funcionários, advogados e utentes, diz respeito propomos:
que todos os tribunais gozem da mesma atenção e dignidade, não podendo os tribunais do trabalho continuar a ser objecto de discriminação negativa.
Que, perante as queixas apresentadas, as entidades competentes verifiquem o que se passa e resolvam os problemas de imediato ou, se não for possível, expliquem aos participantes as dificuldades existentes, pois são estes os procedimentos elementares, próprios de uma gestão moderna e eficaz e que, por isso, se reclamam.
- propomos, por fim, a melhoria das condições de trabalho dos magistrados, através de instalações dignas, mediante o preenchimento o quadro de funcionários e de magistrados e a criação de assessorias, daí advindo os inerentes benefícios para a justiça e para a sociedade em geral, sem esquecer, como se tem verificado até aqui, que os magistrados são cidadãos que também têm direito a dispor do seu tempo para se valorizar profissionalmente e dedicar a outras tarefas para além do trabalho.
3.5. Na feitura das leis
De qualquer modo, quer se acolham estas propostas ou outras propomos que as alterações sejam efectuadas na perspectiva do cidadão – que todos somos – auxiliado pela experiência colhida no exercício da sua profissão (mas quantas vezes, também limitado por essa experiência – hipótese que merece ser reconhecida expressamente).
O corolário da prevalência da perspectiva do cidadão sobre a do profissional é a de que não deve o Sindicato do Ministério Público procurar forçar consensos para obter uma posição do Sindicato, não se coibindo por isso de apresentar propostas divergentes desde que formuladas na perspectiva do interesse da comunidade.
E porque queremos ser coerentes com o que afirmamos e porque da discussão podem resultar mais e melhores ideias juntamos em anexo a participação de um colega cuja posição é em parte divergente da dos demais colegas que constituiram este grupo, não permitindo a sua inserção neste trabalho síntese. Esperamos que o contributo do colega sirva de trabalho de reflexão e possível desenvolvimento das suas ideias ou reforço das posições agora apresentadas com eventual repercussão na versão final a apresentar no Congresso da Justiça (ANEXO 1).
Quando se fala de feitura das leis o que empiricamente se quer referir é o problema resultante da incessante proliferação de leis, decreto-lei, regulamentos, portarias, efeito por muitos já designado como “diarreia legislativa”, a que acresce encontrarem-se as leis eivadas de contradições quer entre as suas próprias normas quer com o conjunto do sistema jurídico, serem mal redigidas e não serem acompanhadas de qualquer esforço, ou pelo menos previsão do esforço necessário à sua efectiva aplicação.
O que um cidadão pede das leis é que:
- quase não as precise de ler para as cumprir e que as compreenda quando as precise de ler;
- que as leis sejam exequíveis e, se necessário, impostas coercivamente de forma célere e económica;
Dir-se-á que o primeiro objectivo é impossível face à complexidade actual da vida social e em especial à dimensão da intervenção do Estado nas sociedades modernas.
Um Estado verdadeiramente democrático não pode prescindir de ser constituído por cidadãos informados sobre o sentido da lei e capazes de a cumprir, pelo que o específico problema da feitura das leis é cada vez mais um problema central da cidadania e do Estado democrático de Direito.
Impõe-se que se reduza substancialmente o número de leis publicadas, o que necessariamente exige a realização de estudos que permitam reduzir o âmbito das matérias susceptíveis de serem objecto de lei, estudos que devem desde logo avaliar a necessidade de lei, parecendo evidente que toda a organização interna do Estado deve ser deslegalizada, reservando-se para a lei o papel de regular os direitos dos cidadãos perante o Estado e as recíprocas obrigações.
Todas as leis, em especial as procedimentais ou processuais, devem ser avaliadas numa perspectiva de custo-benefício, conter previsão dos impactos esperados (económicos e sociais), do processo de avaliação da sua execução e do esforço necessário à sua efectiva aplicação (orçamentais, meios humanos e físicos, formação, divulgação e informação ao cidadão, fiscalização e aplicação coerciva).
No que concerne concretamente à elaboração dos textos legais, em especial na área do direito, todos temos a ideia de que as leis são feitas com absoluto amadorismo (o que não será de todo verdade mas é certamente a imagem dominante), normalmente por comissões compostas por quotas variáveis de académicos, profissionais e burocratas dos ministérios, muitas vezes sem orientação política (que é substituída pela escolha dos membros da comissão), que elaboram textos e soluções de qualidade muito diversa, que posteriormente são sujeitos a uma discussão pública muitas vezes mal planeada, quando não é suscitada por carta ou circular, desconhecendo-se se os resultados da discussão são avaliados. Quanto à avaliação do custo-benefício, critérios e fases de avaliação da execução e previsão do esforço necessário à efectiva aplicação, são matérias de que nem se houve falar, pelo que se tais estudos existem devem ser quase segredos de Estado (ou, o que é pior, ninguém lhes liga).
Aqui, como noutras actividades, exige-se que o Estado actue duma forma mais profissional, contratando e/ou formando especialistas na redacção de textos legais – do facto de se ser professor catedrático e excelente no encontrar de soluções legais não decorre especial habilitação para a redacção de leis – habilitando as comissões com os necessários estudos de impacto orçamental, social e de esforço de aplicação de cada uma das soluções encontradas (os estudos finais relativos a cada lei deviam ser publicados), o que necessariamente implica o recurso a especialistas em Finanças, economia, sociologia, gestão e administração.
Note-se que só a ausência ou o desprezo pelas conclusões de tais estudos – quando existam – explicam que possam sobreviver até à actualidade normas como as que impõem a elaboração duma conta por processo, com vista a magistrado e notificação às partes, ou a da entrega de duplicados para a secretaria, acarretando custos muito significativos.
No que concerne à colheita do saber dos membros das profissões judiciárias (audição dos práticos) também a acção do Estado tem primado pelo que muitas vezes se assemelha a um deliberado amadorismo.
Com efeito, não basta promover uns colóquios, solicitar o parecer das associações profissionais, ou contactar 2 ou 3 profissionais mais atreitos a dar opinião, para obter uma reacção dos práticos que realmente se revele enriquecedora, pelo que é necessário que também essa colheita da informação proveniente da prática seja efectuada duma forma profissional, através de entrevistas, inquéritos, sessões de trabalho (a decorrer no tempo e local de trabalho), simulações de aplicação da lei, etc..
As leis, por mais bem feitas que sejam, apresentarão sempre problemas de interpretação e lacunas que apenas poderão ser detectadas quando da sua aplicação.
A recolha da informação sobre a aplicação das leis e propostas de melhoria é hoje efectuada de forma avulsa pelas instituições académicas, associações profissionais, instituições da magistratura (Conselhos, PGR) e por instituições do Ministério da Justiça.
Era de todo conveniente que a actividade de recolha de sugestões para a melhoria das leis fosse efectuada de forma permanente, continuada, informal (até via internet) e abrangente.
A forma mais adequada de concretizar a recolha de informações e sugestões para a melhoria das leis é a criação de unidades orgânicas destinadas especificamente a esse fim.
A Procuradoria-Geral da República tem competências específicas nesta área que nos termos das alíneas f) e g) do artigo 10.º da Lei 60/98 – Estatuto do Ministério Público – que a seguir se transcrevem:
f) Propor ao Ministro da Justiça providências legislativas com vista à eficiência do Ministério Público e ao aperfeiçoamento das instituições judiciárias;
g) Informar, por intermédio do Ministro da Justiça, a Assembleia da República e o Governo acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais;
Seria de toda a conveniência que se criasse na P.G.R. uma unidade orgânica (mesmo que não formalizada) dedicada à recolha de informação sobre a aplicação das leis, sugestões para a sua melhoria, dirigida a todas as profissões judiciárias e em especial ao Ministério Público, agindo proactivamente quando necessário (propondo temas como, por exemplo, o do segredo de justiça), elaborando relatórios que apoiassem o exercício pela P.G.R. das referidas competências.
O que, aliás, vai suceder com o novo Código do Trabalho, em que o C.M.S.P. deliberou nomear um grupo de trabalho com o objectivo de acompanhar a aplicação do referido código e simultaneamente colaborar com o CEJ em acções de formação relacionadas com esse diploma.
4. CONCLUSÕES
Face ao exposto, essencialmente apoiados na experiência decorrente do exercício de funções nos tribunais do trabalho e no sentido da realidade:
propomos a manutenção do patrocínio dos trabalhadores e seus familiares no domínio do contrato individual do trabalho e dos acidentes de trabalho;
propomos a institucionalização da mediação pré-contenciosa já praticada pelo Ministério Público, com muitos resultados positivos, aproveitando a experiência do Ministério Público neste domínio;
propomos a manutenção do papel fundamental do Ministério Público, como orgão de justiça, na tentativa de conciliação emergente de acidentes de trabalho e no subsequente patrocínio de sinistrados e familiares na fase contenciosa, justificado pelos resultados verificados;
propomos a institucionalização de mecanismos de contacto regular e o estabelecimento de um diálogo aberto e sem preconceitos entre o Ministério Público e a Inspecção Geral do Trabalho, em especial na área das contra-ordenações;
propomos o cumprimento do DL 123/97 de 22 de Maio, assegurando as acessibilidades aos sinistrados nos tribunais do trabalho;
propomos a contratação em regime de avença de médicos junto dos tribunais de trabalho, como possível solução para assegurar os direitos dos sinistrados, sendo certo que do resultado das perícias depende o apuramento dos montantes das indemnizações e pensões.
propomos a implementação de aplicação informática específica para os tribunais do trabalho por forma a melhorar não só a sua performance em termos da eficácia da tramitação processual como em termos da pesquisa e da interconexão (revisões, remições, actualizações, outros incidentes, conexão com outros processo anteriores relativos ao mesmo sinistrado, etc.) de processos, como ainda em termos de tornar mais acessível a informação a que os cidadãos têm direito sobre os processos que lhe dizem respeito;
propomos que as entidades competentes adoptem procedimentos próprios de uma gestão moderna e eficaz e atendam as reclamações dos utentes dos tribunais, resolvam o problemas ou, não sendo possível, exponham de forma transparente as dificuldades;
propomos às entidades competentes a melhoria das condições de trabalho dos magistrados, criando assessorias, preenchendo os quadros, melhorando as instalações de trabalho etc., e lembrando que estes como cidadãos também têm direito a dispor do seu tempo para se valorizarem profissionalmente e dedicarem a outras relevante tarefas para além do trabalho;
propomos que, previamente à feitura das leis, haja uma avaliação do custo-benefício, critérios e fases de avaliação da execução e previsão do esforço necessário à efectiva aplicação, acabando com a profusão de leis que depois se não aplicam, desacreditando o Estado e frustrando as expectativas dos cidadãos.
Que o tempo gasto e esforço do grupo contribua para a melhoria efectiva do estado da justiça, pois será essa a melhor recompensa.
Lisboa, 27 de Março de 2003
Os Procuradores da República
Gaspar Júnior
João Marques Vidal
João Monteiro
João Rato
Paulo de Carvalho
Sousa Mendes
Viriato Reis
André Vaz (Coordenador)
1 A organização do evento, que teve o patrocínio da União Europeia, no âmbito do programa “Grotius”, esteve a cargo da Ecole Nationale de la Magistrature, da Association Nationale des Juges D’Instance e da Union Royale Belge des Juges de Paix et de Police.
2 Proximidade entendida sob as mais diversas perspectivas: geográfica, económica, psicológica, etc..
3 A comunicação “Ministério Público e Jurisdição laboral” é da autoria de João Rato e encontra-se publicada in Questões Laborais, Ano V – 1998 p.36 e sgs.
4 O patrocínio dos trabalhadores subordinados e seus familiares pelo Ministério Público por questões de cariz social está hoje expressamente previsto e regulado, como sua competência especial, no artigo 3º, nº 1, al. d), do respectivo Estatuto, aprovado pela Lei nº 47/86, de 15/10, com as alterações introduzidas pela Lei nº 60/98, de 27/8, e nos artigos 8º, al. a), 9º e 10º do CPT, aprovado pelo DL nº 272-A/81, de 30/9.
Não sendo este o local e o momento apropriados para discutir o problema, não posso deixar de equacionar a questão de saber se, por força daquela previsão estatutária, não será legítimo sustentar que o aludido patrocínio não se esgota nos tribunais do trabalho, como até agora tem sido prática, mas se estende a todas as jurisdições, sempre que interesses daquela natureza estejam em jogo.
5 Vide José Miguel Júdice, in Relatório sobre saídas profissionais para juristas, Dez 1999/Jan 2000.
6 Registe-se, no entanto, que tal patrocínio, embora próximo, não se confunde nem é incompatível com o exercido pelos advogados, constituídos ou nomeados ao abrigo do regime do apoio judiciário, revestindo características e obedecendo a limites particulares, para além dos que, em geral, condicionam o exercício de qualquer patrocínio, conforme resulta inequívoco das normas que o estabelecem e das que regulam toda a actuação do Ministério Público, em particular o artigo 2º, nº 2, do respectivo Estatuto, conjugado com o artigo 9º do CPT.
A propósito da coexistência e compatibilidade entre o patrocínio judiciário dos trabalhadores pelo Ministério Público e o que lhes pode ser concedido pela via do “apoio judiciário”, veja-se o AC. do T.C., nº 190/92, de 21/5, publicado no D.R., II série, de 18/8/92, único modo, afirma-se nesse aresto, de ssegurar a conformidade constitucional da norma do artigo 8º, al. a), do CPT.
7 TRABALHO PROCURA JUSTIÇA – A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS LABORIAS NA SOCIEDADE PORTUGUESA - Dissertação de Doutoramento- Coimbra 2003, de António Casimiro Ferreira
8 Essa natureza implicará, como seu corolário lógico, que o mesmo patrocínio se estenda a qualquer trabalhador, independentemente da sua condição económica e social, credo, raça, nacionalidade, etc., por força da aplicação conjugada dos artigos 9º, 12º, 13º, 15º a 18º, 20º e 53º e segs. da CRP, constituindo seu único limite o de a pretensão poder ser apreciada pelos tribunais portugueses.
A mesma natureza, leva-nos a ponderar a questão de saber se tal patrocínio não deverá ser igualmente extensivo aos trabalhadores da função pública, quando, nessa qualidade, deduzam qualquer pretensão contra o Estado Português, sua entidade patronal, aqui, obviamente, na jurisdição administrativa. Nem se esgrima o fantasma da incompatibilidade de interesses que ao Ministério nessa situação caberia defender, visto que o próprio Estatuto prevê os mecanismos de resolução desses eventuais conflitos, sendo certo que o problema já se colocou relativamente aos trabalhadores do Estado vinculados por contrato de trabalho de direito privado, sem que tais conflitos tivessem constituído óbice à assunção do patrocínio dos trabalhadores pelo Ministério Público.
9 Extraído do Ac. nº 313/89, de 9/3, Procº nº 265/88.
10 O contributo do Ministério Público para o menos mau desempenho dos tribunais do trabalho (recorde-se que é na sua jurisdição que actualmente se verifica o menor tempo médio de duração dos processos judiciais em Portugal, cerca de dez meses) torna-se evidente da leitura cruzada das estatísticas elaboradas pela Procuradoria – Geral da República e pelo Ministério da Justiça. Delas resulta, por exemplo, que no ano de 1996 o Ministério Público recebeu 15 934 pedidos de patrocínio por questões emergentes de contrato de trabalho, tendo entrado naqueles tribunais, no mesmo período, um total de 26 422 acções declarativas, não contando os processos por acidente de trabalho e doença profissional, nos quais, como se sabe, o Ministério Público tem intervenção obrigatória e decisiva.
11 Os valores referidos constituem a percentagem da média dos anos de 1989 a 1996, respectivamente para o Patrocínio Judiciário do Autor e para o Patrocínio do Réu nas acções de contrato individual de trabalho, calculada a partir da informação contida na base de dados do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça.
12 TRABALHO PROCURA JUSTIÇA – A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS LABORIAS NA SOCIEDADE PORTUGUESA – COIMBRA 2003 de António Casimiro Ferreira
ANEXO
CIDADÃO FACE À JUSTIÇA
ACESSO AO DIREITO
ÁREA LABORAL
O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PATROCÍNIO DOS TRABALHADORES NO DIREITO LABORAL
Entre um discurso de conveniência, seja na perspectiva filosófica seja na perspectiva corporativista, e uma posição sincera e útil, seja ou não adoptada, preferimos esta última na perspectiva que temos do que é ser magistrado no nosso enquadramento legal.
Importa situar a origem do papel de advogado dos trabalhadores no direito laboral para melhor entender as vozes críticas ao actual sistema que começaram a emergir entre alguns profissionais do foro. Aquele papel remonta ao período do Estado Novo e visou proporcionar aos trabalhadores uma garantia da sua protecção. Situou-se numa visão paternalista no Direito Corporativo que permitiu, sem ingenuidade, melhor controlar eventuais posições politico-laborais nada convenientes ao regime. Era o tempo de uma magistratura vestibular, dependente e da confiança do Governo, sem qualquer autonomia ou sentido de verdadeiro órgão de Estado.
Com a inversão do quadro político, em Abril de 1974, por razões não menos partidárias e sectárias manteve-se aquele encargo do Ministério Público, inédito em todo o mundo, especialmente democrático, o que redundou numa progressiva desindicalização, cujo papel residual ficou remetido para a contratação colectiva.
Ora, volvidos 28 anos sobre a revolução de Abril e mais de 50 sobre o famoso Estatuto Judiciário, na versão Estado Novo, faz sentido pugnar intransigentemente por aquele papel de advogado público dos trabalhadores, em especial quando o que está em causa são direitos disponíveis?
O trabalhador do Século XXI é –felizmente!- o cidadão crítico, mais culto, com capacidade de tomar opções, sobretudo quando –também felizmente! – existe uma panóplia de fontes de informação, quer institucional quer particular.
Os advogados constituem hoje uma classe profissional motivada não apenas para os ramos de direito tradicionalmente apetecíveis mas também, e cada vez mais, para o direito laboral, com qualidade não inferior à qualidade tradicional dos magistrados.
Isto tudo compaginado, como é óbvio, com o novo sistema de acesso ao direito (gabinetes de apoio + lei do apoio judiciário).
Segundo a Constituição a advocacia e respectivo patrocínio competem aos advogados – artigo 208º.
Ao Estado compete garantir a efectiva defesa dos direito fundamentais, como os da família, habitação, saúde, trabalho, ambiente, etc.
Mas o Estado não se impõe constitucionalmente patrocinar, através dos seus agentes públicos, a defesa de qualquer daqueles direitos fundamentais, mas apenas garantir o seu exercício.
Onde o Estado incumbiu fazê-lo na regulamentação ordinária foi no direito penal e laboral. Ali já hoje sem conteúdo (veja-se o artigo 76º nº 3 do CPP), reservando-o aos advogados ou, quando possível, aos próprios lesados. Aqui mantendo ainda aquele sistema vindo do Estado Novo, hoje mais mitigado,.
Temos sérias dúvidas que seja a melhor solução, quer na perspectiva dos próprios beneficiários directos quer sobretudo à luz do ordenamento jurídico vigente:
De acordo com a Constituição (artº219º) ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como...exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática. E o MP goza de estatuto próprio e de autonomia.
Tal definição foi reproduzida no artigo 1º do Estatuto do MP, cujo artigo 2º define o que é a autonomia: vinculação a critério de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do MP às directivas, ordens e instruções previstas nesta lei.
Este é, quanto a nós, o núcleo legal que sustenta a defesa de que o MP é uma verdadeira magistratura!
Será ele compatível com o papel de advogado ao serviço de interesses particulares, sobretudo quanto a direitos disponíveis?
Apesar de o próprio Estatuto continuar a fazer competir ao MP o patrocínio dos trabalhadores, entendemos esse segmento legislativo (como também o do CPT) um resquício do passado, cuja previsão legal aparece, de resto, descontextualizado com as demais atribuições elencadas no artigo 3º do Estatuto, todas elas de carácter societário, abrangente, contrário aos ineteresses particulares.
A manter-se aquele papel de advogado de particulares, tenham eles a qualidade de trabalhadores por conta de outrém, de inquilinos ou lesados civil ou criminalmente, apenas se compreenderia quando na defesa de direitos indisponíveis (vg. Créditos emergentes de Acidentes de Trabalho, de relações laborais ainda em vigor, de menores ou incapazes, etc.).
Isto pela simples razão de que, tratando-se de direitos indisponíveis, o MP não se confronta com a sua característica de magistrado, com os deveres de objectividade e legalidade, antes os reforça, evitando conflitos funcionais e pessoais, na vida prática forense, com interesses meramente particulares e na disponibilidade das partes, quantas vezes sonegando a verdade dos factos e não colaborando com a verdade...
Ou seja, e falamos na vida prática forense e não no limbo das meras teorias pretensamente sociológicas, o magistrado do MP não careceria de se sentir travestido de advogado em situações que estão na fronteira do mero oportunismo ou até da má fé, para além, quantas vezes, da falta da necessária confiança na relação cliente/advogado, o que pode traduzir incompreensões dos actores na lide processual puramente civilistica.
No nosso modesto ver, entendendo a função do MP como um corpo de magistrados que pautam a sua actuação por critérios de objectividade e legalidade, ou seja, e sem medo das palavras, com postura de independência, ao MP, para além da representação do Estado, de interesses colectivos e do exercício da acção penal, apenas pode caber o exercício de patrocínio a cidadãos individualmente considerados (em princípio reservado aos advogados e solicitadores), quando em causa estejam direitos indisponíveis (vg. Interesses de menores e incapazes, sinistrados e seus beneficiários legais, trabalhadores quanto a contratos vigentes).
Só assim se compreende o posicionamento do magistrado, mesmo protagonizando a defesa de interesses individuais, desde que irrenunciáveis, sem constrangimento da sua veste de actor objectivo e defensor da lei (independente).
Mesmo assim, com vista a salvaguardar tais valores, sempre se imporia redefinir os fundamentos da recusa desse patrocínio de modo também a abranger as situações de prescrição, de inviabilidade probatória, de capacidade económica e de falta manifesta de confiança.
E reforçando esse papel essencial do MP, como magistratura, parece-nos que poder-se-ia encarregar o MP da mediação pré-contenciosa, por ser evidente e reconhecido o papel de conciliador que, na prática, tem assumido na área laboral.
Diminuindo a sua intervenção como advogado de particulares, melhor justificação teria a institucionalização de uma fase pré contenciosa, desburocratizada ao máximo, mas sem diminuição de garantias de objectividade e legalidade, presidida pelo magistrado do MP, fosse essa fase de índole obrigatória ou facultativa.
Ainda assim, não seria incompaginável essa novel tarefa com a manutenção do patrocínio, desde que restrito a pretensões sobre direitos irrenunciáveis e na perspectiva de um reequacionamento dos fundamentos da renúncia àquele patrocínio nos termos acima já referidos.
Este o meu modesto contributo à intervenção do Sindicato no “Congresso da Justiça”.
Gaspar