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  Dec. Reglm. n.º 3/2021, de 25 de Junho
  PROVEDOR DO ANIMAL(versão actualizada)
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SUMÁRIO
Institui o Provedor do Animal com a missão de garantir a defesa e a promoção do bem-estar animal
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Decreto Regulamentar n.º 3/2021, de 25 de junho
Nas sociedades contemporâneas é já consensual o reconhecimento da natureza dos animais enquanto seres vivos sensíveis, bem como o imperativo ético de medidas vocacionadas para a sua proteção. Também na sociedade portuguesa, a necessidade de medidas vocacionadas para a proteção dos animais face a atos de crueldade e maus-tratos tem vindo a recolher um consenso cada vez mais alargado.
A evolução do paradigma da proteção animal tem acompanhado os avanços da ciência, nomeadamente da neurociência, sendo de destacar, neste domínio, a Declaração de Cambridge de 2012, na qual reconhecidos neurocientistas declararam que animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e aves e outros animais, como os polvos, possuem os substratos neurológicos que geram a consciência e a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Reconhecendo-se, assim, que muitos animais experimentam sensações e estados afetivos.
Também o artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia reconhece a natureza dos animais enquanto seres sensíveis, afirmando a necessidade de ter em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, respeitando, simultaneamente, a legislação e os costumes dos Estados-Membros.
No plano nacional, a legislação atinente ao bem-estar animal tem-se densificado, sobretudo, através da transposição de diretivas da União Europeia relativas ao transporte de animais para abate, explorações pecuárias, experimentação animal, parques zoológicos e da Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia.
Em 1995, foi aprovada a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, conhecida como Lei de Proteção aos Animais, proibindo todas as violências injustificadas contra animais, considerando como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal. Esta lei, resultante de uma iniciativa de todos os grupos parlamentares e aprovada por unanimidade, foi a primeira a debruçar-se de forma sistemática sobre a temática do bem-estar animal. No entanto, não prevê sanções para a violação das suas disposições.
O Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, na sua redação atual, estabelece, por seu turno, as normas tendentes a pôr em aplicação em Portugal a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos. Esta Convenção tem como génese o reconhecimento, pelos Estados-Membros, da obrigação moral de respeito que impende sobre o homem em relação a todas as criaturas vivas e dos laços particulares existentes entre o homem e os animais de companhia, bem como a contribuição destes para a qualidade de vida e, por conseguinte, do seu valor para a sociedade. Para além de elencar um conjunto de princípios fundamentais para o bem-estar dos animais, a Convenção refere, como sentimento que acresce à dor e ao sofrimento, a angústia, que se relaciona com a antecipação psicológica daqueles.
É, ainda, de salientar a aprovação da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, cujo regime sancionatório foi alterado pela Lei n.º 39/2020, de 18 de agosto, e que incluiu expressamente no Código Penal a proteção do bem-estar animal, criminalizando os maus tratos e o abandono dos animais de companhia, representando um marco significativo na evolução da proteção penal destes animais e dando cumprimento, ao fim de quase duas décadas, ao plano inicial do legislador português, traçado em 1995, no primeiro diploma de proteção animal.
Já em 2016, a Lei n.º 27/2016, de 23 de agosto, também aprovada por unanimidade, veio prever medidas para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais e proibir o abate de animais errantes como forma de controlo populacional, adequando as políticas públicas de controlo de animais errantes que estavam, até então, mais concentradas no combate à disseminação de doenças e aos acidentes provocados pelos animais, às conclusões da Organização Mundial de Saúde e da Organização Mundial da Saúde Animal de que a presença de animais nas ruas se origina principalmente do excesso de nascimentos e que as políticas de captura e abate não produziam efeitos positivos na redução da densidade populacional canina. Por conseguinte, decidiu o Estado Português dirigir as suas preocupações para a questão da superpopulação e consequente abandono, atuando de forma preventiva.
Outro incontornável marco no nosso ordenamento jurídico nesta matéria foi a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que veio estabelecer um estatuto jurídico dos animais, alterando o Código Civil, e reconhecendo-os enquanto seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza, de forma a responder ao consenso alargado em relação à necessidade de dotar os animais não-humanos de um estatuto jurídico que reconheça as suas diferenças e natureza, quer face aos humanos, quer face às coisas inanimadas, que se revelou consensual também no quadro parlamentar, dando resposta ao ativismo cívico de muitos milhares de portugueses.
É neste quadro de evolução legislativa, através do qual se foi procurando dar resposta às crescentes exigências da sociedade na sua relação com os animais, e também na convicção da necessária convergência da atuação da Administração Pública com as melhores práticas internacionais neste domínio, que o XXII Governo Constitucional inscreveu no seu programa a criação da figura do provedor do animal.
A Lei do Orçamento do Estado para 2021, aprovada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na sua redação atual, veio, por seu turno, prever que o Governo deve criar o regime jurídico deste órgão singular e desprovido de competências executivas, com a missão de garantir a defesa e a promoção do bem-estar animal.
Nestes termos, consagram-se requisitos que visam um alto nível de isenção e imparcialidade do provedor do animal, ainda que permitindo a acumulação de funções com outras atividades compatíveis, considerando a natureza não executiva deste órgão.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Comissão Nacional de Proteção de Dados, a Confederação dos Agricultores de Portugal, a Confederação Nacional da Agricultura, a Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, o Conselho Nacional de Juventude e a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal.
Foi promovida a audição da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal.
Assim:
Nos termos da alínea c) do artigo 199.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, na sua redação atual, o Governo decreta o seguinte:
  Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto regulamentar institui o Provedor do Animal, enquanto órgão singular, dotado de autonomia administrativa e que prossegue a sua missão de forma isenta, autónoma e imparcial.

  Artigo 2.º
Missão e âmbito
1 - O Provedor do Animal tem por missão a defesa e a promoção do bem-estar animal, promovendo uma atuação mais eficaz e coordenada do Estado neste domínio, nomeadamente através do acompanhamento da atuação dos poderes públicos no cumprimento da legislação aplicável, no sentido de contribuir para a boa administração.
2 - O Provedor do Animal exerce a sua atividade em relação à atuação dos serviços integrados na esfera da Administração Pública no exercício de competências em matéria de bem-estar animal.
3 - O Provedor do Animal prossegue a sua missão em colaboração com os organismos da Administração Pública, provedores municipais dos animais, associações, instituições ou outras entidades cujo objeto seja a promoção do bem-estar animal, sempre que tal seja profícuo para o cabal cumprimento da sua missão.

  Artigo 3.º
Competências
1 - Compete ao Provedor do Animal:
a) Receber queixas e sugestões relativamente à atuação dos poderes públicos em matéria de bem-estar animal;
b) Encaminhar às entidades competentes informação que receba sobre situações que coloquem em risco o bem-estar animal, indicando a legislação aplicável e observando o disposto no Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, e na Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto;
c) Emitir pareceres e recomendações, no quadro da sua missão e competências, por iniciativa própria, na sequência de queixas e sugestões recebidas ou a pedido dos membros do Governo responsáveis pela área do bem-estar dos animais, no âmbito das respetivas competências e observando o disposto no Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, e na Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto;
d) Contribuir para que o bem-estar animal seja considerado na definição e na execução das políticas do Governo e das autarquias locais;
e) Assinalar as deficiências de legislação que identificar, emitindo recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação, ou sugestões para a elaboração de nova legislação;
f) Informar os cidadãos, os operadores económicos e as associações representativas de proteção animal sobre a legislação aplicável em matéria de bem-estar animal;
g) Desenvolver estudos em matéria do bem-estar animal com base nos dados recolhidos junto das entidades competentes para a sua produção;
h) Propor ao Governo medidas necessárias à prevenção de riscos suscetíveis de pôr em causa o bem-estar animal;
i) Elaborar um relatório anual sobre a sua atividade e sobre a situação do bem-estar animal a nível nacional;
j) Promover e colaborar em ações de formação, em seminários e eventos similares, em ações de demonstração, informação e sensibilização e em publicações sobre a temática do bem-estar animal.
2 - O Provedor do Animal, no desenvolvimento da sua atividade, deve ter em consideração os contributos das organizações da sociedade civil, em especial dos operadores económicos e das associações representativas de proteção animal.
3 - A aprovação de atos legislativos ou regulamentares em matéria do bem-estar animal deve ser precedida de audição do Provedor do Animal, que se pronuncia no prazo de 10 dias úteis.
4 - Previamente à emissão de recomendações no âmbito da sua missão e competências, o Provedor do Animal deve ouvir as entidades visadas, permitindo-lhes que prestem todos os esclarecimentos necessários.

  Artigo 4.º
Cooperação
1 - O Provedor do Animal, no desenvolvimento da sua atividade, colabora com as entidades competentes em matéria do bem-estar animal visadas por queixas ou sugestões, procurando alcançar as soluções mais adequadas nas situações a corrigir.
2 - As entidades competentes em matéria de bem-estar animal devem prestar toda a colaboração que lhes seja solicitada pelo Provedor do Animal no desempenho da sua missão e competências.
3 - As entidades visadas devem dar resposta às recomendações do Provedor do Animal, emanadas no quadro da sua missão e competências, no prazo de 90 dias, através de um parecer circunstanciado com especial incidência sobre as medidas adotadas ou, se for caso disso, com a adequada fundamentação para a sua não adoção.

  Artigo 5.º
Designação
1 - O Provedor do Animal é designado de entre pessoas que ofereçam garantias de idoneidade, independência, experiência e competência notórias para o desempenho das funções, de reconhecido mérito académico ou profissional, credibilidade e integridade pessoal e com atividade profissional ou académica na área do bem-estar animal.
2 - A designação do Provedor do Animal é feita por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais, do ambiente e da ação climática e da agricultura.
3 - O Provedor do Animal exerce as suas funções em regime de comissão de serviço e é equiparado para efeitos remuneratórios, de incompatibilidades, impedimentos e inibições a dirigente superior de 1.º grau.
4 - Quando expressamente previsto no respetivo despacho de designação, o Provedor do Animal pode exercer outras funções em regime de acumulação, nos termos da legislação em vigor, com os limites remuneratórios e de duração de tempo aí indicados e desde que não conflituantes ou incompatíveis com as funções de Provedor do Animal, sem necessidade de mais formalidades, designadamente atividades em instituições de ensino superior.
5 - O despacho de designação é publicado no Diário da República sendo publicitado, no prazo de 10 dias após a publicação, acompanhado de nota curricular e de declaração de ausência de conflito de interesses do designado, nos sítios na Internet do Governo, do Portal Autárquico, da Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral e dos serviços com competências em bem-estar animal.

  Artigo 6.º
Duração do mandato
O mandato do Provedor do Animal é de quatro anos, renovável, por uma vez, por igual período.

  Artigo 7.º
Apoio ao funcionamento
1 - No exercício das suas funções, o Provedor do Animal é coadjuvado a nível de recursos financeiros, técnicos e logísticos assegurados pela Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente.
2 - O Provedor do Animal pode constituir uma equipa de apoio constituída por três licenciados, nomeadamente de entre as áreas das ciências jurídicas, da medicina veterinária, da biologia e do processamento estatístico de dados, e um assistente administrativo, com sede em Lisboa.
3 - As funções na equipa de apoio são exercidas em regime de mobilidade ou de cedência de interesse público.
4 - O regulamento de funcionamento da equipa de apoio é elaborado pelo Provedor do Animal e é sujeito a homologação dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ambiente e da ação climática e da agricultura.

  Artigo 8.º
Publicidade e acesso
Os meios de contacto e de apresentação de sugestões e queixas ao Provedor do Animal, bem como os pareceres, recomendações e relatórios por si produzidos são disponibilizados no respetivo sítio na Internet.

  Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente decreto regulamentar entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 25 de março de 2021. - António Luís Santos da Costa - Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão - João Pedro Soeiro de Matos Fernandes - Rui Manuel Costa Martinho.
Promulgado em 19 de junho de 2021.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 22 de junho de 2021.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.

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