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  Lei n.º 98/2021, de 31 de Dezembro
  LEI DE BASES DO CLIMA(versão actualizada)
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SUMÁRIO
Lei de Bases do Clima
_____________________

Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro

Lei de Bases do Clima
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I
Princípios gerais
  Artigo 1.º
Objeto
A presente lei define as bases da política do clima.

  Artigo 2.º
Emergência climática
1 - É reconhecida a situação de emergência climática.
2 - O disposto no número anterior não constitui uma declaração de estado de emergência ao abrigo do artigo 19.º da Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo de este vir a ser declarado por motivos relacionados com o clima.

  Artigo 3.º
Objetivos da política do clima
As políticas públicas do clima visam o equilíbrio ecológico, combatendo as alterações climáticas, e prosseguem os seguintes objetivos:
a) Promover uma transição rápida e socialmente equilibrada para uma economia sustentável e uma sociedade neutras em gases de efeito de estufa;
b) Garantir justiça climática, assegurando a proteção das comunidades mais vulneráveis à crise climática, o respeito pelos direitos humanos, a igualdade e os direitos coletivos sobre os bens comuns;
c) Assegurar uma trajetória sustentável e irreversível de redução das emissões de gases de efeito de estufa;
d) Promover o aproveitamento das energias de fonte renovável e a sua integração no sistema energético nacional;
e) Promover a economia circular, melhorando a eficiência energética e dos recursos;
f) Desenvolver e reforçar os atuais sumidouros e demais serviços de sequestro de carbono;
g) Reforçar a resiliência e a capacidade nacional de adaptação às alterações climáticas;
h) Promover a segurança climática;
i) Estimular a educação, a inovação, a investigação, o conhecimento e o desenvolvimento e adotar e difundir tecnologias que contribuam para estes fins;
j) Combater a pobreza energética, nomeadamente através da melhoria das condições de habitabilidade e do acesso justo dos cidadãos ao uso de energia;
k) Fomentar a prosperidade, o crescimento verde e a justiça social, combatendo as desigualdades e gerando mais riqueza e emprego;
l) Proteger e dinamizar a regeneração da biodiversidade, dos ecossistemas e dos serviços;
m) Dinamizar o financiamento sustentável e promover a informação relativa aos riscos climáticos por parte dos agentes económicos e financeiros;
n) Assegurar uma participação empenhada, ambiciosa e liderante nas negociações internacionais e na cooperação internacional;
o) Estabelecer uma base rigorosa e ambiciosa de definição e cumprimento de objetivos, metas e políticas climáticas; e
p) Reforçar a transparência, a acessibilidade e a eficácia da informação, do quadro jurídico e dos sistemas de informação, reporte e monitorização;
q) Garantir que todas as medidas legislativas e investimentos públicos de maior envergadura sejam avaliados estrategicamente em relação ao seu contributo para cumprir os pressupostos enunciados, integrando os riscos associados às alterações climáticas nas decisões de planeamento e de investimento económico nacional e setorial.

  Artigo 4.º
Princípios da política do clima
As políticas públicas do clima estão subordinadas aos seguintes princípios:
a) Desenvolvimento sustentável, aproveitando os recursos naturais e humanos de forma equilibrada, em consideração pelos deveres de solidariedade e respeito pelas gerações futuras e pelas demais espécies que coabitam no planeta;
b) Transversalidade, garantindo que a mitigação e a adaptação às alterações climáticas são consideradas nas demais políticas globais e setoriais;
c) Especial articulação com a lei de bases do ambiente, prevenindo e mitigando riscos ambientais conexos;
d) Integração, considerando os impactes das alterações climáticas nos investimentos e atividades económicas, tanto públicos como privados;
e) Cooperação internacional, tendo em vista as mais-valias para o desenvolvimento de práticas e tecnologias e para a descarbonização global;
f) Valorização do conhecimento e da ciência, assentando nestes a tomada de decisões;
g) Subsidiariedade, assegurando uma administração multinível integrada e eficiente, integrando as regiões autónomas e as autarquias nos processos de planeamento, tomada de decisão e avaliação das políticas públicas;
h) Informação, impondo uma cultura de transparência e responsabilidade;
i) Participação, incluindo os cidadãos e as associações ambientais no planeamento, tomada de decisões e avaliação das políticas públicas;
j) Prevenção e precaução, obviando ou minorando, prioritariamente na fonte, os impactes adversos no clima, tanto em face de perigos imediatos e concretos como de riscos futuros e incertos, e podendo estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recai sobre a parte que alegue a ausência de perigos ou riscos;
k) Responsabilização, recuperação e reparação, devendo cada agente interveniente responder pelas suas ações e omissões, diretas e indiretas, estando obrigado a corrigir ou recuperar as perdas e danos que tenha originado, suportando os encargos daí resultantes e as compensações aplicáveis a terceiros.


CAPÍTULO II
Direitos e deveres climáticos
  Artigo 5.º
Direito ao equilíbrio climático
1 - Todos têm direito ao equilíbrio climático, nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos.
2 - O direito ao equilíbrio climático consiste no direito de defesa contra os impactes das alterações climáticas, bem como no poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações a que se encontram vinculadas em matéria climática.

  Artigo 6.º
Direitos em matéria climática
1 - Todos gozam dos direitos de intervenção e participação nos procedimentos administrativos relativos à política climática, nos termos da lei.
2 - É ainda garantida a tutela plena e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria climática, incluindo, nomeadamente:
a) O direito de ação para defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos e para o exercício do direito de ação pública e de ação popular;
b) O direito a promover a prevenção, a cessação e a reparação de riscos para o equilíbrio climático;
c) O direito a pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano ao equilíbrio climático.

  Artigo 7.º
Deveres em matéria climática
1 - Todos têm o dever de proteger, preservar, respeitar e assegurar a salvaguarda do equilíbrio climático, contribuindo para mitigar as alterações climáticas.
2 - A cidadania climática consiste no dever de contribuir para a salvaguarda do equilíbrio climático, cabendo ao Estado promovê-la nos planos político, técnico, cultural, educativo, económico e jurídico.

  Artigo 8.º
Sujeitos
São sujeitos da ação climática:
a) O Estado;
b) Os institutos públicos;
c) As empresas públicas;
d) As regiões autónomas;
e) As autarquias locais e respetivas associações públicas;
f) O Conselho para a Ação Climática, nos termos a definir em diploma próprio;
g) As entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica;
h) As organizações não governamentais de ambiente (ONGA), centros e grupos de investigação e reflexão, e outras organizações não governamentais, associações ou entidades da sociedade civil;
i) Os cidadãos, as empresas privadas e outras entidades de direito privado.

  Artigo 9.º
Participação dos cidadãos
1 - Os cidadãos têm o direito de participar nos processos de elaboração e revisão dos instrumentos da política climática.
2 - Para além das consultas públicas, sob a forma tradicional de contributo escrito, devem ser organizadas sessões de esclarecimento e debate entre os cidadãos e os responsáveis pela decisão relativa à política climática, quer por iniciativa da Administração quer por solicitação de, no mínimo, 30 cidadãos.
3 - Para efeitos dos números anteriores, é disponibilizada informação, de forma clara, sistematizada e de consulta fácil, a todos os cidadãos que pretendam a ela ter acesso.

  Artigo 10.º
Portal da ação climática
1 - O Governo cria e disponibiliza uma ferramenta digital pública, gratuita e acessível através da Internet para, seguindo o princípio da transparência, permitir aos cidadãos e à sociedade civil participar na ação climática e monitorizar informação sistemática e nacional sobre:
a) As emissões de gases de efeito de estufa e os setores que mais contribuem para essas emissões;
b) O progresso das metas referidas na secção ii do capítulo iv;
c) As fontes de financiamento disponíveis, a nível nacional, europeu e internacional, para ações de mitigação e adaptação às alterações climáticas, para os setores público e privado, e respetivo estado de execução;
d) As metas e compromissos internacionais a que o Estado Português está vinculado;
e) Estudos e projetos de investigação e desenvolvimento elaborados no âmbito das alterações climáticas; e
f) Projetos de cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas.
2 - O portal e as bases de dados referidas no presente artigo são aprovados por portaria e devem estar disponíveis ao público e operacionais no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei.


CAPÍTULO III
Governação da política do clima
  Artigo 11.º
Coordenação de políticas
1 - A mitigação das alterações climáticas e a adaptação às mesmas devem ser consideradas no planeamento, execução e avaliação das diversas políticas setoriais e no desenvolvimento das atividades económicas, sociais e políticas, assegurando a sua integração, coerência e complementaridade.
2 - Compete ao Estado a realização da política climática, através dos seus órgãos e da mobilização dos cidadãos e agentes sociais e económicos.
3 - Compete ao Governo a coordenação, supervisão e superintendência global da política climática, podendo delegar competências em uma ou mais entidades públicas.
4 - O Governo promove a coordenação interministerial da política climática, a sua articulação e coordenação nos planos locais e regionais, e a nível europeu e internacional.
5 - Cabe ao Estado garantir o acesso à informação e incentivar a participação ativa dos cidadãos e do tecido empresarial no planeamento, tomada de decisões e avaliação da política climática, promovendo, nomeadamente, para o efeito, a criação de uma ferramenta digital acessível através da Internet.

  Artigo 12.º
Conselho para a Ação Climática
1 - É criado o Conselho para a Ação Climática, doravante designado por CAC.
2 - O CAC é um órgão especializado, composto por personalidades de reconhecido mérito, com conhecimento e experiência nos diferentes domínios afetados pelas alterações climáticas, incluindo gestão de risco e políticas públicas, e atua com estrita isenção e objetividade, em obediência a critérios técnicos devidamente explicitados, não podendo ser sujeito a direção, superintendência ou tutela governamental.
3 - O CAC é suportado por uma estrutura de apoio técnico, que integra os serviços da Assembleia da República.
4 - A composição, a organização, o funcionamento e o estatuto do CAC e da estrutura de apoio técnico são definidos em resolução da Assembleia da República, considerando os seguintes parâmetros:
a) O Presidente do CAC é o coordenador da estrutura de apoio técnico, sendo designado pela Assembleia da República;
b) O CAC integra obrigatoriamente o presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, um representante das ONGA e, pelo menos, um cidadão jovem residente em Portugal.

  Artigo 13.º
Competências do Conselho para a Ação Climática
1 - O CAC colabora com a Assembleia da República e com o Governo, nomeadamente na elaboração de estudos, avaliações e pareceres sobre a ação climática e legislação relacionada.
2 - Compete ao CAC pronunciar-se, a título consultivo, sobre o planeamento, a execução e a eficácia da política climática e contribuir para a discussão pública sobre a condução da mesma, tendo em conta as experiências internacionais.
3 - Compete ainda ao CAC:
a) Pronunciar-se regularmente sobre cenários de descarbonização da economia, de acordo com os indicadores de custo e de desenvolvimento de tecnologia mais recentes e com as opções das políticas de apoio à conversão dos setores e agentes económicos envolvidos;
b) Apresentar bienalmente recomendações sobre o desenvolvimento das infraestruturas de energia e transportes;
c) Pronunciar-se em consultas solicitadas pelo Governo e pela Assembleia da República sobre a elaboração, discussão e aprovação de atos legislativos, relatórios e instrumentos de política pública em matéria de ação climática;
d) Emitir parecer sobre o Orçamento do Estado e sobre a Conta Geral do Estado, em matéria de ação climática;
e) Emitir pareceres sobre a evolução da estratégia climática de descarbonização e dos desafios relacionados com os demais gases com efeito de estufa, a médio, longo e muito longo prazos;
f) Apresentar recomendações sobre a aplicação de recursos públicos, investigação e desenvolvimento em áreas relacionadas com o combate às alterações climáticas.
4 - As entidades responsáveis pelo planeamento das redes de distribuição e transporte de eletricidade e gás, das redes de abastecimento de água, de saneamento e tratamento de águas residuais, das redes rodoviárias e ferroviárias nacionais, das infraestruturas de transportes aéreos e marítimos e dos sistemas de transportes públicos das autoridades metropolitanas e das comunidades intermunicipais devem colaborar com o CAC na prossecução das atividades inerentes às suas competências.

  Artigo 14.º
Políticas climáticas regionais e locais
1 - As regiões autónomas e as autarquias locais programam e executam políticas climáticas no âmbito das suas atribuições e competências, assegurando a sua coerência com os instrumentos de gestão territorial.
2 - Os municípios aprovam, em assembleia municipal, no prazo de 24 meses a partir da entrada em vigor da presente lei, um plano municipal de ação climática.
3 - As comissões de coordenação e desenvolvimento regional elaboram, no prazo de 24 meses a partir da entrada em vigor da presente lei, um plano regional de ação climática, a aprovar em conselho regional.
4 - As comunidades intermunicipais e as áreas metropolitanas definem políticas climáticas comuns para os respetivos territórios.
5 - As entidades referidas nos números anteriores cooperam para assegurar a complementaridade das políticas e dos investimentos para a mitigação e a adaptação às alterações climáticas.
6 - O Estado assegura os meios necessários para garantir o desenvolvimento das políticas regionais e locais em matéria climática.
7 - As empresas do setor empresarial do Estado têm um especial dever de cooperação na concretização das políticas em matéria climática nos territórios em que se inserem e onde desenvolvem a sua atividade.
8 - As entidades referidas no presente artigo são objeto de uma avaliação de desempenho das respetivas políticas públicas em matéria climática, em termos a definir em diploma próprio.

  Artigo 15.º
Política externa climática
1 - O Governo adota uma visão global e integrada da prossecução dos objetivos climáticos, respeitando o limite do uso sustentável dos recursos naturais do planeta e os percursos de desenvolvimento de cada país, defendendo ativamente, em matéria de política externa no quadro da diplomacia climática:
a) O reforço, a antecipação e o cumprimento das metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa, de modo suficiente a não ultrapassar o limite de 1,5ºC de aquecimento global, face aos níveis pré-industriais;
b) Os compromissos internacionais vinculativos e efetivos que digam respeito ao clima e à preservação do ambiente e da biodiversidade;
c) A densificação da tutela penal internacional do ambiente;
d) A definição do conceito de refugiado climático, do seu estatuto e o seu reconhecimento pelo Estado Português;
e) A cooperação e a solidariedade internacional com os países do sul global, prestando apoio à implementação das medidas previstas no Quadro de Sendai para a Redução do Risco de Catástrofes 2015-2030;
f) O reconhecimento pela Organização das Nações Unidas do clima estável como Património Comum da Humanidade.
2 - A política externa promove o combate à fuga de carbono e ao dumping climático, designadamente através da convergência internacional das normas ambientais em acordos comerciais e da abrangência dos preços de carbono, assegurando a sua repercussão nas importações.
3 - O Estado promove a adoção e implementação de normas de sustentabilidade nos acordos internacionais, em particular nos acordos comerciais.
4 - O Estado tem em conta os riscos climáticos como fontes e multiplicadores de instabilidade global, designadamente na sua política de vizinhança.
5 - O Estado colabora e participa, no quadro das relações internacionais, em mecanismos de auxílio a países e cidadãos assolados por fenómenos climáticos extremos e pelas suas consequências.

  Artigo 16.º
Saúde pública e saúde ambiental
O Estado promove a avaliação dos riscos globais e nacionais e a elaboração de planos de atuação, prevenção e contingência perante fenómenos climáticos extremos, o surgimento de novas doenças ou o agravamento da incidência de doenças em resultado das alterações climáticas.

  Artigo 17.º
Segurança climática e defesa nacional
1 - Compete ao Governo, no quadro das suas competências em matéria climática, de segurança interna, de proteção civil, de defesa nacional, de habitação, de obras públicas e de ordenamento do território, promover a segurança climática, devendo identificar os riscos e agir para prevenir e mitigar as consequências das alterações climáticas na ordem, segurança e tranquilidade públicas, na integridade de pessoas e bens e no regular exercício dos direitos, liberdades e garantias.
2 - Integram-se na conceção de segurança climática a segurança energética, a segurança sanitária e a segurança alimentar e nutricional.
3 - Os recursos do Estado são organizados com vista a reforçar a resiliência nacional em relação aos impactes das alterações climáticas, em território nacional e junto das diásporas e missões internacionais que Portugal integra.
4 - O Governo identifica e declara como zonas críticas todas aquelas em que os parâmetros que permitem avaliar a qualidade do ambiente atinjam, ou se preveja que venham a atingir, valores que possam pôr em causa a saúde ou segurança humanas, ficando sujeitas a medidas especiais de proteção civil.
5 - A segurança climática desenvolve-se em todo o espaço sujeito à jurisdição portuguesa, devendo o Estado cooperar com organizações internacionais e outros Estados na implementação de medidas de segurança climática comuns, fora deste espaço.
6 - O planeamento estratégico de defesa nacional e o desenvolvimento de capacidades, nomeadamente no âmbito da Lei de Programação Militar, da participação nacional na Cooperação Estruturada Permanente da União Europeia em matéria de defesa, e do desenvolvimento da Base Tecnológica e Industrial de Defesa, devem integrar as alterações climáticas como premissa fundamental e global no plano interno e externo.
7 - A reflexão estratégica relativa às prioridades de segurança e defesa nacional deve:
a) Integrar os impactes das alterações climáticas nas regiões vizinhas de Portugal e da Europa e nos países com que Portugal coopera;
b) Estudar os efeitos políticos sobre a segurança e a defesa internacionais, através do levantamento de cenários a curto, médio e longo prazo, e acautelar o respetivo planeamento no exterior onde se encontrem missões e nacionais portugueses em grande número, em articulação com os demais agentes do Estado.
8 - As Forças Armadas devem incorporar no seu planeamento estratégico e operacional os riscos inerentes às alterações climáticas e medidas de redução de emissões de gases com efeito de estufa, de modo a reduzir o impacte ambiental das atividades de segurança e defesa.
9 - Os cidadãos, as empresas e demais entidades públicas e privadas têm o dever de colaborar na prossecução dos fins de segurança climática, nos mesmos termos que fazem para fins de segurança interna, proteção civil e defesa nacional.
10 - A Assembleia da República contribui, pelo exercício da sua competência política, legislativa e financeira, para enquadrar a política de segurança climática e fiscalizar a sua execução, competindo-lhe, para esse efeito, apreciar o relatório a que se refere o número seguinte.
11 - O Governo apresenta à Assembleia da República, até 31 de março de cada biénio, um relatório sobre a situação no País em matéria de segurança climática e a atividade desenvolvida no biénio anterior para a salvaguardar, devendo este relatório ser acompanhado de parecer da Comissão para a Ação Climática.
12 - O relatório referido no número anterior desenvolve planos e estratégias de adaptação, prevenção e contingência, identificando as necessidades de capacitação da proteção civil para resposta aos riscos identificados.


CAPÍTULO IV
Instrumentos de planeamento e avaliação
SECÇÃO I
Princípios gerais
  Artigo 18.º
Política climática
1 - O Estado Português compromete-se a alcançar a neutralidade climática até 2050, que se traduz num balanço neutro entre emissões de gases de efeito de estufa e o sequestro destes gases pelos diversos sumidouros.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Governo estuda, até 2025, a antecipação da meta da neutralidade climática, tendo em vista o compromisso da neutralidade climática o mais tardar até 2045.
3 - A política climática é desenvolvida com base no conhecimento e numa avaliação rigorosa assente no princípio da precaução relativamente às perspetivas de alterações climáticas no curto, médio e longo prazos, e o seu impacte na vida dos cidadãos, nas atividades económicas, sociais e culturais e no meio ambiente.
4 - A política climática é planeada tendo em conta as circunstâncias tecnológicas, políticas, económicas, fiscais, sociais, energéticas, regionais, europeias e internacionais.
5 - A política climática é construída com os cidadãos e conduzida no interesse geral destes, devendo incluir participação pública e contributos empresariais, ser escrutinada na Assembleia da República e avaliada com independência pelo CAC.


SECÇÃO II
Políticas de mitigação
  Artigo 19.º
Metas nacionais de mitigação
1 - A Assembleia da República aprova, sob proposta do Governo, numa base quinquenal e num horizonte de 30 anos, metas nacionais de redução de emissões de gases de efeito de estufa, respeitando os seus compromissos europeus e internacionais.
2 - São adotadas as seguintes metas de redução, em relação aos valores de 2005, de emissões de gases de efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas:
a) Até 2030, uma redução de, pelo menos, 55 /prct.;
b) Até 2040, uma redução de, pelo menos, 65 a 75 /prct.;
c) Até 2050, uma redução de, pelo menos, 90 /prct..
3 - É ainda adotada a meta, para o sumidouro líquido de CO2 equivalente do setor do uso do solo e das florestas, de, em média, pelo menos, 13 megatoneladas, entre 2045 e 2050.
4 - São estimadas e adotadas metas para o sumidouro de CO2 equivalente dos ecossistemas costeiros e marinhos, incluindo sapais, pradarias de ervas marinhas, recifes e florestas de algas, visando a antecipação da meta da neutralidade climática.
5 - As metas estabelecidas na presente lei são revistas no sentido de aumentar o seu grau de ambição, considerando, nomeadamente, os resultados obtidos em matéria de descarbonização e o novo conhecimento científico e tecnológico.

  Artigo 20.º
Instrumentos de planeamento para a mitigação
1 - O Governo elabora e apresenta na Assembleia da República os seguintes instrumentos de planeamento com vista à consecução dos objetivos climáticos em matéria de mitigação:
a) Estratégia de longo prazo;
b) Orçamentos de carbono; e
c) Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC).
2 - O Governo, antes de apresentar um instrumento de planeamento ou a respetiva proposta, consulta o CAC e toma em consideração o seu parecer, sendo este publicado em simultâneo com a apresentação daquele na Assembleia da República.
3 - O CAC emite um parecer sobre os instrumentos de planeamento referidos no número anterior no prazo de 20 dias após ser consultado.
4 - Antes da sua apresentação na Assembleia da República, o Governo submete a consulta pública um projeto de instrumento de planeamento, acompanhado pelo respetivo parecer do CAC, assegurando a audição das seguintes entidades:
a) Regiões autónomas;
b) Comissões de coordenação e desenvolvimento regional;
c) Associação Nacional de Municípios Portugueses;
d) Associação Nacional de Freguesias;
e) Conselho Económico e Social; e
f) Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
5 - O Governo pode atualizar, de cinco em cinco anos, os instrumentos de planeamento, devendo apresentar tais atualizações na Assembleia da República e assegurar o cumprimento do disposto no presente artigo.
6 - A estratégia de longo prazo estabelece os objetivos e as linhas gerais de condução da política climática com uma perspetiva de 30 anos.
7 - Os orçamentos de carbono estabelecem um limite total de cinco anos de emissões de gases de efeito de estufa, em alinhamento com os restantes instrumentos de política climática e as orientações internacionais, fazendo uma análise prospetiva da política climática para assegurar o cumprimento daquele limite.
8 - Os orçamentos de carbono para o período 2023-2025 e para o quinquénio 2025-2030 são, excecionalmente, definidos no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei.
9 - O PNEC adota a estratégia nacional da política climática para o período de 10 anos subsequente à sua aprovação.
10 - Os instrumentos de planeamento previstos no presente artigo são consistentes com as metas previstas na presente lei e coerentes entre si.
11 - Os instrumentos de planeamento previstos no presente artigo são discutidos e votados no prazo de 90 dias após a data da sua admissão pela Assembleia da República.

  Artigo 21.º
Metas setoriais de mitigação
1 - O Estado adota e assume metas setoriais de redução de emissões de gases de efeito de estufa em relação aos valores de 2005.
2 - As metas podem ser revistas para aumentar o seu grau de ambição, nomeadamente tendo em conta os resultados obtidos em matéria de descarbonização e o novo conhecimento científico e tecnológico.

  Artigo 22.º
Planos setoriais de mitigação
1 - O Governo desenvolve e aprova, de cinco em cinco anos, em diálogo com as estruturas representativas de cada setor, planos setoriais de mitigação das alterações climáticas, a vigorar por um período de cinco anos.
2 - Os planos setoriais são consistentes com as metas setoriais e com os instrumentos de planeamento para a mitigação.
3 - O Governo aprova o primeiro conjunto de planos setoriais de mitigação no prazo de 24 meses após a entrada em vigor da presente lei.


SECÇÃO III
Adaptação
  Artigo 23.º
Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas
1 - O Governo elabora e apresenta na Assembleia da República uma Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), a vigorar por um período de 10 anos, e as suas revisões ou atualizações.
2 - A ENAAC adota um horizonte temporal compatível com o período de referência do PNEC.
3 - A ENAAC adota a estratégia nacional para o período em referência no que concerne à adaptação do território, das comunidades e das atividades económicas e sociais às alterações climáticas, aos seus riscos e aos seus impactes.
4 - Na análise prospetiva de riscos e impactes, a ENAAC considera os seguintes elementos:
a) Vários cenários, entre os quais de políticas invariantes;
b) Objetivos nacionais, regionais e setoriais de ações de adaptação, devidamente calendarizadas;
c) Medidas a adotar baseadas no cenário mais provável ou mais prudente;
d) Avaliação do custo-eficácia e necessidade de avaliações de impacte ambiental das medidas a adotar.
5 - O Governo, antes de apresentar a ENAAC ou o seu projeto ou anteprojeto, consulta o CAC e toma em consideração o seu parecer, sendo este publicado em simultâneo com a apresentação daquela na Assembleia da República.
6 - O CAC emite parecer sobre a ENAAC no prazo máximo de 20 dias após ser consultado.
7 - O Governo submete a consulta pública o projeto da ENAAC, acompanhado de parecer do CAC, assegurando a audição das seguintes entidades:
a) Regiões autónomas;
b) Comissões de coordenação e desenvolvimento regional;
c) Associação Nacional de Municípios Portugueses;
d) Associação Nacional de Freguesias;
e) Conselho Económico e Social; e
f) Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
8 - Decorrido metade do prazo de vigência da ENAAC, o Governo apresenta na Assembleia da República uma atualização da mesma, nos termos dos números anteriores.
9 - A ENAAC e as suas atualizações são discutidas e votadas no prazo de 90 dias após a data da sua admissão pela Assembleia da República.

  Artigo 24.º
Planos setoriais de adaptação às alterações climáticas
1 - O Governo desenvolve e aprova, de cinco em cinco anos, em diálogo com as estruturas representativas de cada setor, planos setoriais de adaptação às alterações climáticas, a vigorar por um período de cinco anos.
2 - Os planos setoriais de adaptação às alterações climáticas adotam a estratégia setorial de adaptação para o período em referência nas seguintes áreas:
a) Território, geografia e meio natural;
b) Infraestruturas, equipamentos e meio construído; e
c) Atividades económicas, sociais e culturais.


SECÇÃO IV
Instrumentos de avaliação
  Artigo 25.º
Inventário nacional de emissões de gases de efeito de estufa
O Estado elabora o inventário nacional de emissões antropogénicas por fontes e remoção por sumidouros de poluentes atmosféricos (INERPA) de acordo com os requisitos e as diretrizes europeias e internacionais, assegurando a coerência, a comparabilidade e o rigor das estimativas efetuadas e a sua divulgação pública.

  Artigo 26.º
Avaliação contínua, intermédia e ex post
1 - O Governo elabora e apresenta na Assembleia da República um relatório anual sobre:
a) O estado de execução dos instrumentos de planeamento;
b) As políticas e medidas em matéria de gases de efeito de estufa, bem como o progresso alcançado em matéria de emissões nacionais de gases de efeito de estufa por fontes e remoções por sumidouros; e
c) As ações de adaptação às alterações climáticas.
2 - O Governo elabora e apresenta na Assembleia da República um relatório anual sobre a utilização de receitas geradas através do leilão de licenças de emissão.
3 - O CAC elabora um parecer sobre os relatórios referidos nos números anteriores no prazo de 20 dias após a sua apresentação na Assembleia da República.
4 - Os relatórios e pareceres referidos no presente artigo são disponibilizados ao público.

  Artigo 27.º
Avaliação de impacte legislativo climático
O procedimento legislativo deve ter em conta o impacte das iniciativas no equilíbrio climático, devendo os órgãos com competência legislativa promover a disponibilização de uma avaliação de impacte no momento de apreciação das mesmas, nos termos das respetivas disposições regimentais e de funcionamento interno.


CAPÍTULO V
Instrumentos económicos e financeiros
SECÇÃO I
Processo orçamental e fiscalidade verde
  Artigo 28.º
Princípios orçamentais e fiscais verdes
As políticas orçamentais e fiscais devem respeitar os seguintes princípios orientadores em matéria climática:
a) Financiamento europeu adequado dos investimentos e atividades necessários ao cumprimento dos objetivos da política climática, respeitando o custo-eficácia;
b) Transparência orçamental e especificação no financiamento ou tributação das atividades que contribuam, mitiguem ou adaptem o território e a sociedade às alterações climáticas;
c) Eliminação progressiva até 2030 dos subsídios fixados em legislação nacional, diretos ou concedidos através de benefícios fiscais, relativos a combustíveis fósseis ou à sua utilização;
d) Esforço justo e progressivo em matéria de tributação e de dotação orçamental no que respeita à capacidade contributiva e ao comportamento sujeito a tributação;
e) Fiscalidade como instrumento de transição para a neutralidade, reforçando a aplicação da taxa de carbono e aplicando uma maior tributação sobre o uso dos recursos;
f) Consignação das receitas da fiscalidade verde para a descarbonização, a transição justa e o aumento da resiliência e capacidade de adaptação às alterações climáticas;
g) Contribuição da fiscalidade para a eficiência na utilização dos recursos, a redução da utilização de combustíveis fósseis, através da correção de incentivos perversos, a proteção da biodiversidade, a utilização sustentável do solo, do território e dos espaços urbanos, a indução de padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, e para fomentar o empreendedorismo e a inovação tecnológica, a criação de emprego e o desenvolvimento económico sustentável;
h) Fiscalidade como instrumento de internalização das externalidades negativas para o clima, de modo a promover a competitividade económica, a sustentabilidade e a coesão social e territorial.

  Artigo 29.º
Programação orçamental
1 - Sem prejuízo da sua inscrição em diversos programas orçamentais setoriais, a dotação orçamental para fins de política climática deve ser consolidada numa conta do Orçamento do Estado.
2 - O Governo assegura a integração dos cenários climáticos nos modelos que subjazem às previsões e cenários macroeconómicos que sustentam o Orçamento do Estado, devendo incluir explicitamente uma previsão das emissões de gases de efeito de estufa para o ano económico a que respeita.
3 - O Orçamento do Estado deve, no relatório que o acompanha:
a) Identificar as medidas a adotar pelo Governo em matéria de política climática;
b) Indicar a dotação orçamental consolidada a disponibilizar para a execução da política climática nos vários programas orçamentais; e
c) Apresentar uma estimativa do contributo das medidas inscritas para o cumprimento das metas previstas na presente lei.
4 - A Conta Geral do Estado deve, no relatório que a acompanha:
a) Identificar as medidas executadas pelo Governo em matéria de política climática;
b) Indicar a execução orçamental consolidada das iniciativas de ação climática dos vários programas orçamentais; e
c) Apresentar uma estimativa da redução obtida ou prevista de gases de efeito de estufa para cada uma das medidas.
5 - O CAC emite parecer sobre o Orçamento do Estado e sobre a Conta Geral do Estado, nos termos previstos na presente lei.

  Artigo 30.º
IRS Verde
O Governo cria e implementa uma categoria de deduções fiscais - IRS Verde - em sede de Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que beneficie os sujeitos passivos que adquiram, consumam ou utilizem bens e serviços ambientalmente sustentáveis, tendo em vista a adoção de comportamentos individuais que defendam o ambiente e reduzam a pegada ecológica.

  Artigo 31.º
Despesa fiscal
Na apresentação de relatórios sobre benefícios fiscais ou despesa fiscal, não obstante a sua progressiva eliminação, o Governo especifica os benefícios ou a despesa que contribua, mitigue ou adapte o território e a sociedade às alterações climáticas.

  Artigo 32.º
Preço de carbono
1 - Sem prejuízo de legislação especial, os produtos petrolíferos e energéticos estão sujeitos a um preço de carbono, devendo este abranger, tendencialmente, as emissões totais de gases de efeito de estufa na produção e consumo daqueles produtos.
2 - O preço de carbono é determinado segundo as boas práticas internacionais e tendo em vista a prossecução das metas climáticas.

  Artigo 33.º
Instrumento financeiro
1 - Deve ser assegurada a existência, na dependência do membro do Governo responsável pela área das alterações climáticas, de um instrumento financeiro que tenha por finalidade apoiar políticas climáticas, contribuindo para o cumprimento dos objetivos e compromissos nacionais e internacionais.
2 - Sem prejuízo da definição por lei de outras receitas, constituem receitas do instrumento financeiro os valores resultantes:
a) Das receitas nacionais de leilões relativos ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão;
b) Das receitas de leilões para o setor da aviação; e
c) Das receitas da taxa de carbono prevista no artigo anterior.
3 - Enquanto acionista de instituições financeiras e sem prejuízo da autonomia de gestão do órgão de administração e da legislação especificamente aplicável a estas entidades, o Estado adequa a política de crédito e investimento e a sua carteira de ativos à prossecução das metas climáticas e ao desenvolvimento de atividades ambientalmente sustentáveis.


SECÇÃO II
Financiamento sustentável
  Artigo 34.º
Princípios de financiamento sustentável
As políticas financeiras, de gestão financeira, de apoio à capitalização e à contração de empréstimos, do Estado e de entes privados, devem adotar os seguintes princípios orientadores em matéria climática:
a) Princípio da priorização, visando que a programação financeira, no setor público e privado, considere e contribua para os objetivos da política climática;
b) Princípio da identificação, assegurando o conhecimento do impacte climático decorrente das ações a financiar, nomeadamente na afetação dos ativos ou passivos económicos e financeiros do País e da organização recetora;
c) Princípio da transparência, promovendo a divulgação de informação relativa ao impacte climático das decisões de gestão e investimento por parte de gestores, investidores e consumidores, seguindo as recomendações europeias de reporte não financeiro e climático e as melhores práticas internacionais;
d) Princípio da responsabilização e prudência, visando a incorporação dos riscos climáticos na avaliação dos ativos e passivos;
e) Princípio do desinvestimento, visando que fundos públicos deixem, progressivamente, de ser aplicados em ativos que não correspondam a atividades ambientalmente sustentáveis, passando a ser aplicados, preferencialmente, em ativos que correspondam a atividades ambientalmente sustentáveis.

  Artigo 35.º
Sistema financeiro
1 - Os agentes e as instituições públicas e privadas, nas suas decisões de financiamento, têm em conta o risco climático e o impacte climático.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se:
a) «Risco climático» as consequências previsíveis das alterações climáticas nos investimentos de cada agente económico;
b) «Impacte climático» o impacte dos investimentos de cada agente económico sobre as alterações climáticas.
3 - A não consideração do risco climático e do impacte climático no curto, médio e longo prazos é considerada uma violação dos deveres fiduciários.
4 - A falta de transparência ou a não partilha de informação, em violação do disposto no número anterior, é considerada uma venda inadequada, nos termos da regulação dos mercados de instrumentos financeiros.
5 - A análise de risco, designadamente na intermediação financeira, deve considerar o risco climático e o impacte climático das atividades que procuram financiamento.
6 - A informação sobre a relação entre investimentos e alterações climáticas deve respeitar a taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia.
7 - As entidades reguladoras e de fiscalização apresentam um relatório anual sobre a exposição ao risco climático dos respetivos setores, em particular sobre o risco climático do setor financeiro e segurador.

  Artigo 36.º
Património público
1 - O Estado garante que, progressivamente e até 2030, todo o património público respeita os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia, particularmente no que se refere às atividades assentes, ou conexas, na exploração, transformação e comercialização de combustíveis fósseis e seus sucedâneos.
2 - O Estado assegura, progressivamente e até 2030, o desinvestimento de participações em sociedades ou atividades que não cumpram os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia e, no que respeita às atividades assentes ou conexas à exploração, transformação e comercialização de combustíveis fósseis e seus sucedâneos, que as mesmas dispõem de um plano de descarbonização própria, compatível com o princípio do desinvestimento referido na presente lei.
3 - Excetuam-se do disposto nos números anteriores o património, os investimentos ou as participações considerados de interesse estratégico nacional, podendo ser solicitado a este respeito, a título consultivo, parecer ao CAC.
4 - As administrações central, regional e local devem, preferencialmente, financiar projetos, contratar serviços ou concessionar serviços públicos, de forma exclusiva ou parcial, que cumpram os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia.

  Artigo 37.º
Programas de descarbonização da Administração Pública
1 - Para além do cumprimento, na parte que lhes seja aplicável, dos instrumentos de planeamento referidos no artigo 22.º, as entidades e os serviços da Administração Pública contribuem ativamente para a consecução dos objetivos da presente lei, designadamente adotando práticas e comportamentos com reflexo na sua organização e funcionamento, incluindo no âmbito da contratação pública, investimento público e contabilidade pública, tendentes à descarbonização da sua atividade.
2 - Para cumprimento do disposto no número anterior, o Governo aprova e implementa um programa de descarbonização da Administração Pública.
3 - Os órgãos de gestão dos serviços da administração direta e indireta do Estado, das entidades administrativas independentes e os órgãos executivos das autarquias locais e das associações públicas aprovam programas de descarbonização específicos para os respetivos serviços e instituições.
4 - A aquisição de bens e a contratação de serviços obedecem a critérios de sustentabilidade, tendo em conta o respetivo impacte na economia local e promovendo o recurso a materiais disponíveis localmente, sem prejuízo da igualdade de acesso dos operadores económicos aos procedimentos de contratação.

  Artigo 38.º
Risco climático no governo das sociedades
1 - As sociedades consideram, no respetivo governo societário, as alterações climáticas e incorporam, nos seus processos de decisão, uma análise do risco climático.
2 - Os deveres de cuidado, de lealdade e de relatar a gestão e apresentar contas, a cargo dos gerentes ou administradores e dos titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização, incluem uma consideração prudente e uma partilha de informação transparente sobre o risco que as alterações climáticas colocam ao modelo de negócio, à estrutura de capital e aos ativos das sociedades.
3 - As sociedades avaliam, em relação a cada exercício anual, as dimensões económica, ambiental e social e a exposição às alterações climáticas do impacte carbónico da sua atividade e funcionamento, integrando esta avaliação nos respetivos relatórios de gestão, e podem definir um orçamento de carbono, estabelecendo um limite máximo total de emissões de gases de efeito de estufa que considere as metas previstas na presente lei.
4 - As sociedades e as entidades do setor empresarial do Estado integram, no âmbito das obrigações informacionais, designadamente as previstas no Código dos Valores Mobiliários, um capítulo que reporta os riscos climáticos por aquelas enfrentados, seguindo as recomendações e as boas práticas de divulgação da informação climática.


CAPÍTULO VI
Instrumentos de política setorial do clima
SECÇÃO I
Transição energética
  Artigo 39.º
Política energética
1 - O mercado energético em Portugal enquadra-se na União Europeia da Energia, e Portugal participa no Mercado Ibérico de Eletricidade e no Mercado Ibérico do Gás.
2 - A política energética nacional subordina-se aos seguintes princípios:
a) Descarbonização da produção de eletricidade, apostando nos recursos endógenos renováveis;
b) Descarbonização no setor residencial e nos edifícios públicos, privilegiando a reabilitação urbana, a renovação profunda do parque imobiliário, o aumento da eficiência energética nos edifícios e a melhoria do conforto térmico, considerando para o efeito a neutralidade dos materiais, a adequação das soluções construtivas às alterações climáticas e todo o ciclo de vida do edificado;
c) Reforço significativo da eficiência energética em todos os setores da economia, apostando na incorporação de fontes de energia renováveis endógenas nos consumos finais de energia;
d) Eletrificação do consumo de energia, eliminando até 2040 o papel do gás de origem fóssil no sistema energético nacional;
e) Progressiva descentralização e democratização da produção de energia;
f) Descarbonização da mobilidade, privilegiando o sistema de mobilidade em transporte coletivo, os modos ativos de transporte, a mobilidade elétrica e outras tecnologias de zero emissões, a par da redução da intensidade carbónica dos transportes marítimos e aéreos;
g) Promoção da transição energética nos diferentes setores da atividade económica e, em particular, na indústria;
h) Melhoria dos índices de qualidade do ar;
i) Valorização do princípio de neutralidade climática nas compras públicas e nos cadernos de encargos;
j) Combate à pobreza energética, com vista à sua erradicação.

  Artigo 40.º
Sistema electroprodutor
1 - O Estado incentiva a descarbonização do sistema eletroprodutor, assegurando:
a) A produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis;
b) A proibição da utilização de carvão para a produção de energia elétrica, a partir de 2021;
c) A proibição da utilização de gás natural de origem fóssil para a produção de energia elétrica, a partir de 2040, desde que assegurada a segurança do abastecimento.
2 - O Estado promove uma política de produção elétrica a partir de fontes renováveis, garantindo:
a) A produção descentralizada e democrática de eletricidade, designadamente a microgeração e autoconsumo de energia renovável;
b) A investigação e o desenvolvimento tecnológico;
c) A evolução de novas soluções de baixo carbono;
d) O desenvolvimento de critérios para a concessão de certificados verdes que atestem a fonte renovável da eletricidade e de gases;
e) A certificação da origem de biomassa florestal residual e a regular fiscalização da natureza da biomassa utilizada para a produção elétrica;
f) A interdição do recurso a madeira de qualidade, biomassa de culturas energéticas e biomassa residual procedentes de territórios longínquos para a produção de energia a partir de biomassa;
g) A utilização do mar como espaço privilegiado de aproveitamento de energias de fontes renováveis para a produção elétrica.
3 - O Estado Português coopera com o Estado Espanhol na instalação das interligações elétricas necessárias ao bom funcionamento do Mercado Ibérico de Eletricidade.
4 - A utilização de biomassa florestal residual para fins energéticos é articulada com os instrumentos de prevenção de incêndios rurais e de gestão territorial, nomeadamente com o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais e com os planos regionais de ordenamento florestal.
5 - Os instrumentos de gestão territorial no espaço marítimo e terrestre devem ser revistos, no sentido de passarem a incluir a concretização do potencial energético nacional, em particular das fontes de energia renovável.

  Artigo 41.º
Armazenamento de energia
O Estado promove a implementação de tecnologias de armazenamento de energia, valorizando o processo tecnológico desenvolvido em Portugal, tendo em vista:
a) Diferenciar a atividade de produção e armazenamento de energia;
b) Introduzir mecanismos de monitorização, em tempo real, da oferta e da procura.

  Artigo 42.º
Redes de transporte e de distribuição energética
1 - O Estado assegura o desenvolvimento das redes de transporte e de distribuição elétrica, nas diversas modalidades de tensão elétrica, tendo em vista:
a) Promover uma rede inteligente e eficiente, capaz de integrar a produção de eletricidade a partir de fontes crescentemente renováveis e soluções de armazenamento e de gestão da procura;
b) Racionalizar os custos de acesso às redes; e
c) Disponibilizar de forma racional a capacidade de injetar na rede elétrica a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis.
2 - O Estado regula o desenvolvimento da rede de transporte e distribuição de outros produtos energéticos, tendo em vista:
a) Assegurar o abastecimento dos produtos energéticos de forma segura, custo-eficiente e socialmente justa;
b) Promover o funcionamento adequado dos mercados energéticos, designadamente minimizando as discrepâncias regionais de preço; e
c) Promover a transição para produtos energéticos e métodos de distribuição consistentes com os objetivos de descarbonização do Estado.

  Artigo 43.º
Eficiência energética
1 - O Estado promove a eficiência energética dos edifícios, privilegiando, nas políticas de habitação e urbanismo, a reabilitação urbana, por forma a reduzir a pobreza energética e garantir o conforto térmico dos cidadãos.
2 - O Estado valoriza a proteção de pessoas e bens face às alterações climáticas, nomeadamente em matéria de resistência das construções a fenómenos extremos, e privilegia aspetos de segurança sísmica, durabilidade, resistência ao fogo e inércia térmica.
3 - O Estado promove a eficiência energética dos serviços e infraestruturas públicas ou de interesse público e do seu setor empresarial, podendo desenvolver planos e programas de investimento e criar mecanismos de transparência e incentivo à eficiência energética.
4 - O Estado adota um sistema de benefícios fiscais ou financeiros para quem evidencie uma redução no consumo de energia.

  Artigo 44.º
Política de combustíveis e gases
1 - O Estado promove a substituição de combustíveis, em particular dos combustíveis fósseis, como fonte de energia, por fornecimento elétrico ou gases renováveis.
2 - O Estado regulamenta a produção, comercialização e utilização de combustíveis que evidenciem uma adaptação à redução de gases de efeito de estufa, nomeadamente os biocombustíveis, assegurando:
a) A mitigação do impacte ambiental e climático das culturas de material vegetal dos biocombustíveis;
b) A restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma ou outras culturas alimentares insustentáveis, a partir de 1 de janeiro de 2022;
c) A implementação de um sistema abrangente de recolha de óleos alimentares usados e da sua reciclagem e transformação em biocombustíveis.
3 - O Estado promove a incorporação de fontes renováveis nos combustíveis, designadamente a componente renovável dos biocombustíveis e dos gases de alto rendimento.
4 - O Estado fomenta a produção, distribuição e utilização de gases renováveis.

  Artigo 45.º
Prospeção e exploração de hidrocarbonetos
É proibida a outorga de novas concessões de prospeção ou exploração de hidrocarbonetos no território nacional.

  Artigo 46.º
Mineração
1 - O Governo define áreas de interdição de extração de recursos minerais e sujeita a avaliação ambiental estratégica os projetos de mineração de grande dimensão.
2 - O Governo procede à regulamentação ambiental da mineração em zonas marítimas, assegurando uma estrita proteção do meio marinho.


SECÇÃO II
Transportes
  Artigo 47.º
Transportes públicos
1 - O Estado desenvolve uma rede de transportes públicos que integre tendencialmente veículos de emissões reduzidas ou sem emissões, com o objetivo de reduzir as emissões deste setor, assegurar aos cidadãos acesso a uma mobilidade sustentável e reduzir o congestionamento nas cidades.
2 - O Estado assegura a promoção de serviços de mobilidade integrados e multimodais.
3 - O Estado regulamenta o ecossistema de mobilidade partilhada, assegurando a sua tendencial descarbonização e o incremento de uma visão de economia circular.
4 - As regiões autónomas e as autarquias locais desenvolvem, no âmbito dos seus territórios, planos de mobilidade urbana sustentável que integrem serviços de mobilidade sustentável.

  Artigo 48.º
Parque e circulação automóvel
1 - O Estado incentiva a aquisição e a utilização de veículos elétricos, híbridos ou movidos a gases renováveis ou outros combustíveis que não emitam gases com efeito de estufa.
2 - O Estado desenvolve uma rede pública de carregamento de veículos elétricos, podendo, para o efeito, cooperar com os setores privado, social e cooperativo.
3 - O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais podem instituir limites à circulação de veículos automóveis em determinadas vias ou zonas, em razão dos impactes climáticos, do ruído ou da qualidade do ar.
4 - A data de referência para o fim da comercialização em Portugal de novos veículos ligeiros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis é 2035, nos termos a definir na lei.

  Artigo 49.º
Transporte de mercadorias
1 - O Estado incentiva a descarbonização do transporte de mercadorias nas suas diversas modalidades, designadamente rodoviária, ferroviária, marítima e aérea.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais asseguram o provisionamento, em tempo útil, de serviços de transportes de mercadorias no conjunto do território nacional.

  Artigo 50.º
Mobilidade sustentável
O Estado promove a mobilidade ativa ciclável e pedonal, nomeadamente através de:
a) Elaboração e implementação de estratégias de âmbito nacional, regional ou local de mobilidade ativa ciclável e pedonal;
b) Desenvolvimento da intermodalidade dos transportes públicos coletivos, integrando o uso da bicicleta;
c) Incentivo à aquisição e utilização de bicicletas;
d) Oferta de sistemas públicos de bicicletas partilhadas;
e) Disponibilização de redes e infraestruturas cicláveis seguras.


SECÇÃO III
Política de materiais e consumo
  Artigo 51.º
Economia circular
1 - O Estado promove a economia circular como eixo fundamental da descarbonização.
2 - No âmbito da política de fomento da economia circular e integrada numa política de mobilidade e transportes públicos, o Estado desenvolve sistemas de mobilidade partilhada e fomenta a sua utilização pelos cidadãos.
3 - O desenho dos produtos, das embalagens, das infraestruturas e dos edifícios deve obedecer a uma lógica de design ecológico (ecodesign), minimizando o consumo de recursos e a carga emissiva da sua produção e maximizando o seu ciclo de vida e ou a sua reciclagem.
4 - O Estado promove as formas mais eficientes, em termos técnicos, climáticos e económicos, de aproveitar os resíduos da fileira florestal, designadamente a biomassa florestal residual.
5 - As autarquias promovem, nos instrumentos de gestão territorial, a transformação dos espaços urbanos e do edificado destinados a serviços em espaços multifuncionais.
6 - O Estado promove, nos serviços públicos e na economia privada, a desmaterialização e a digitalização, assegurando sempre que possível a utilização dos serviços em suporte digital.
7 - O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais fomentam a economia da manutenção e o comércio de produtos em segunda mão, designadamente através do abastecimento de peças sobresselentes, tendo em vista o prolongamento do ciclo de vida útil dos produtos.

  Artigo 52.º
Água e resíduos
1 - O Estado promove o uso eficiente da água e a valorização dos sistemas de tratamento de águas residuais, designadamente através de:
a) Execução do planeamento e da gestão hídrica, no sentido de garantir a segurança hídrica, a proteção da biodiversidade e as atividades socioeconómicas, de acordo com um uso justo, reduzindo a exposição e a vulnerabilidade e aumentando a resiliência às alterações climáticas;
b) Definição de um sistema de monitorização dos grandes consumos de água, para os diversos fins, incluindo o consumo humano, ao nível autárquico, o consumo nos perímetros hidroagrícolas nacionais e os consumos industriais, no sentido de analisar as ações de eficiência hídrica em cada um dos setores;
c) Requalificação dos sistemas de tratamento e distribuição de águas residuais, tornando-os aptos a produzir água residual com qualidade e possibilitando a sua utilização para diversos fins;
d) Garantia de uma política de informação constante junto do consumidor, com vista ao aumento da perceção da água como recurso escasso e à consciencialização da necessidade de redução de consumos.
e) Adoção de um sistema de benefícios fiscais ou financeiros para quem demonstre poupança no consumo de água.
2 - O Estado adota uma estratégia nacional para a redução de perdas nas redes de distribuição, em alta e em baixa.
3 - O Estado promove uma gestão sustentável dos resíduos, assente na prevenção da produção de resíduos, no incremento das taxas de reciclagem e na redução significativa da deposição de resíduos em aterro, assegurando, designadamente:
a) O desenvolvimento de sinergias nos sistemas de recolha e valorização das diferentes matérias objeto de reutilização;
b) A adaptação de novas tecnologias que tornem mais eficiente cada uma das áreas, nomeadamente mediante:
i) O reforço da recolha seletiva, através da implementação de metodologias de recolha que privilegiem o princípio do poluidor-pagador; e
ii) A maior incorporação dos resíduos na reciclagem e promoção de incentivos ao biodesign, com vista a evitar o sobre-embalamento;
c) O aprofundamento do enquadramento legal para a promoção do ecodesign e a consciencialização do consumidor quanto às suas decisões de consumo e atitudes no tratamento dos resíduos;
d) A adoção de:
i) Sistemas de recolha de resíduos industriais, da construção e demolição, de equipamentos elétricos e eletrónicos e resíduos urbanos perigosos, de forma segura e controlada, evitando a criação de passivos ambientais;
ii) Um modelo de recolha e valorização de biorresíduos; e
iii) Até 2025, sistemas de incentivo e de tara retornável de resíduos de embalagens, recuperando eficazmente as embalagens de plástico dos resíduos urbanos.

  Artigo 53.º
Informação de impacte climático
O Estado apoia a tomada de decisões informadas e conscientes por parte do consumidor, promovendo a transparência sobre a pegada ecológica ou carbónica dos bens e serviços através de um sistema de certificação a implementar em articulação com os diferentes setores económicos.


SECÇÃO IV
Cadeia agro-alimentar
  Artigo 54.º
Agricultura de baixo carbono
1 - O Estado promove uma agricultura sustentável e resiliente, combatendo a desertificação e prosseguindo os objetivos da neutralidade climática, da coesão territorial e da proteção da biodiversidade.
2 - A descarbonização do setor da agricultura é desenvolvida através de políticas que:
a) Acelerem a transição para sistemas produtivos e culturas mais sustentáveis e resilientes;
b) Melhorem a alimentação animal e tenham uma abordagem holística da pecuária, designadamente recorrendo a tecnologias que reduzam a emissão de gases de efeito de estufa;
c) Promovam o aumento do teor de matéria orgânica no solo, designadamente através de pastagens permanentes melhoradas e da aplicação de compostos orgânicos;
d) Melhorem os sistemas de gestão dos efluentes pecuários;
e) Fomentem o uso mais eficiente de fertilizantes, de energia e de água;
f) Promovam a substituição de fertilizantes químicos sintéticos por orgânicos;
g) Expandam significativamente a agricultura biológica, de conservação e de precisão;
h) Estimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação no setor agrícola;
i) Promovam a agroecologia.

  Artigo 55.º
Pesca e aquicultura
1 - O Estado promove atividades de pesca e aquicultura ambientalmente sustentáveis e eficientes, prosseguindo os objetivos da neutralidade climática e da proteção da biodiversidade.
2 - A descarbonização dos setores da pesca e aquicultura é desenvolvida através de políticas que:
a) Incentivem a utilização de tecnologias e combustíveis verdes e ou renováveis nas atividades de pesca e aquicultura;
b) Promovam a implementação de sistemas de aquicultura multitrófica integrada, potenciando a produção de baixo carbono, melhorando a qualidade da água e reduzindo a carga poluente;
c) Estimulem o desenvolvimento tecnológico dos setores da pesca e aquicultura.
3 - O Estado promove políticas de envolvimento da comunidade piscatória na prevenção e combate aos resíduos marinhos, criando sistemas de incentivos para o efeito.

  Artigo 56.º
Alimentação
1 - O Estado promove hábitos alimentares sustentáveis e saudáveis, designadamente através de:
a) Tributos e incentivos que alinhem o preço dos bens e serviços alimentares com a totalidade dos seus custos, incluindo custos ambientais;
b) Regulação sobre os produtos alimentares, a sua embalagem e rotulagem;
c) Sensibilização e informação sobre os produtos alimentares;
d) Educação sobre hábitos, práticas e dietas mais sustentáveis e saudáveis;
e) Política comercial que promova a sustentabilidade dos produtos alimentares;
f) Inclusão de produtos alimentares mais sustentáveis e saudáveis nas ementas servidas nos refeitórios sob gestão do Estado, do seu setor empresarial e das autarquias locais;
g) Promoção do consumo de produtos e bens alimentares oriundos de circuitos curtos e com menor pegada ecológica.
2 - O Estado desenvolve uma política de salvaguarda da segurança alimentar, designadamente através de:
a) Planeamento dos riscos que as alterações climáticas colocam para o abastecimento alimentar;
b) Programação da adaptação do sistema alimentar em função dos riscos identificados;
c) Uma estratégia para reduzir o desperdício alimentar, que, entre outros recursos, utilize tecnologia para informar e apoiar um comércio e um consumo inteligente, como o tratamento de dados em grande escala (big data).


SECÇÃO V
Estratégias de sequestro de carbono
  Artigo 57.º
Florestas e espaços verdes
1 - O Estado promove uma floresta sustentável e resiliente, tendo em vista o aumento da capacidade de sequestro de carbono da floresta e a redução do risco de incêndio rural, designadamente através de:
a) Reflorestação, em especial das áreas ardidas;
b) Ordenamento do território florestal, assegurando a atualização do cadastro da propriedade rural;
c) Aumento do investimento e do conhecimento relativamente à gestão dos povoamentos florestais e da sua cadeia de valor;
d) Promoção de culturas florestais mais sustentáveis e resilientes, designadamente as autóctones, as quercíneas e as folhosas;
e) Prevenção e combate aos incêndios rurais;
f) Valorização dos serviços de ecossistemas;
g) Ações de reconversão da floresta e transformação da paisagem;
h) Manutenção e incorporação da biomassa florestal residual nos solos, preservando o papel da matéria orgânica residual na manutenção da integridade ecológica e na provisão de serviços de ecossistema como a fixação de carbono, a formação de habitat ou a prevenção da erosão hídrica.
2 - O Estado, em articulação com as regiões autónomas e as autarquias locais, promove o desenvolvimento de espaços verdes, com o objetivo de aumentar a cobertura verde e atenuar o efeito de ilha de calor dos centros urbanos.

  Artigo 58.º
Oceano e reservatórios de carbono
O Estado desenvolve uma política para o mar que protege o estado do ambiente marinho e costeiro e desenvolve uma economia azul sustentável, designadamente através de:
a) Gestão sustentável dos ecossistemas marinhos, em particular das populações de espécies consumidas por humanos com valor comercial;
b) Gestão sustentável das intervenções humanas no oceano, incentivando atividades de pesca e aquicultura sustentáveis;
c) Estímulo à produção elétrica através de energias oceânicas e em alto mar (offshore);
d) Avaliação de necessidades e consequente implementação de ações de restauro ecológico e desenvolvimento sustentável de ecossistemas costeiros e marinhos, incluindo sapais, pradarias de ervas marinhas, recifes e florestas de algas;
e) Designação de áreas marinhas protegidas para proteção de ecossistemas vulneráveis e essenciais ao bom estado das águas marinhas.

  Artigo 59.º
Tecnologias de captura de carbono
1 - O Estado analisa, acompanha e apoia o desenvolvimento de tecnologias de captura, armazenamento e utilização de carbono.
2 - O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais promovem projetos-piloto de implementação de tecnologias de captura, armazenamento e utilização de carbono em zonas do território nacional com maior carga emissiva.


SECÇÃO VI
Educação climática
  Artigo 60.º
Política de educação climática
1 - O Governo incorpora nos currículos do ensino básico e secundário a educação em matéria climática.
2 - O Governo promove o desenvolvimento de conteúdos letivos sobre as alterações climáticas no ensino superior, respeitando a autonomia das instituições que o integram.
3 - O Governo, em articulação com as regiões autónomas, as autarquias locais e outras entidades, promove ações de educação climática destinadas à sensibilização da população em geral.
4 - São disponibilizadas ferramentas de conhecimento na área das alterações climáticas a museus, centros de ciência, bibliotecas e outros meios de comunicação e divulgação, quando tal se revele adequado.

  Artigo 61.º
Apoio a associações ambientais
O Estado apoia as associações que dedicam a sua ação à defesa do ambiente, facilitando o seu contributo para a sensibilização da sociedade relativamente à importância de combater as alterações climáticas.


SECÇÃO VII
Investigação, desenvolvimento e inovação
  Artigo 62.º
Investigação, desenvolvimento e inovação no âmbito das alterações climáticas
O Estado promove a investigação, o desenvolvimento e a inovação em matéria de alterações climáticas, utilizando para este efeito, a título consultivo, as recomendações do CAC.


SECÇÃO VIII
Cooperação internacional
  Artigo 63.º
Princípios para o apoio a projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas
1 - O Estado Português deve honrar os compromissos assumidos no âmbito da cooperação internacional de clima, a nível europeu e internacional.
2 - O Governo deve fomentar a participação em projetos de cooperação delegada em países de língua portuguesa.

  Artigo 64.º
Cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas
1 - O Estado promove programas, projetos e ações de cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas, conducentes, nomeadamente, à mitigação, adaptação e resiliência, privilegiando a cooperação com países vizinhos, de língua portuguesa e do Mediterrâneo.
2 - No âmbito da cooperação científica internacional, designadamente enquanto membro da União Europeia e do eixo atlântico, o Estado assegura a existência de um centro de investigação, com base em Portugal, que promova a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico sobre as alterações climáticas.

  Artigo 65.º
Tipologias de projetos de cooperação no âmbito das alterações climáticas
Os projetos de cooperação internacional no âmbito das alterações climáticas conduzem à mitigação e adaptação às alterações climáticas, podendo assumir as tipologias de:
a) Capacitação para as alterações climáticas;
b) Transferência de tecnologias de mitigação ou de adaptação às alterações climáticas;
c) Ações de mitigação das alterações climáticas;
d) Ações de adaptação às alterações climáticas.

  Artigo 66.º
Articulação internacional em matéria de investigação e desenvolvimento no âmbito das alterações climáticas
O Estado Português, dentro das tipologias de projetos definidas no artigo anterior, participa em ações de investigação e desenvolvimento a nível europeu e internacional.


SECÇÃO IX
Economia verde e transição justa
  Artigo 67.º
Princípios de economia verde
As políticas económicas e sociais estão subordinadas aos seguintes princípios em matéria de equilíbrio climático:
a) Definição de políticas energéticas e climáticas centradas nos cidadãos e no seu bem-estar;
b) Criação e fruição de um conceito de prosperidade partilhada e sustentável;
c) Promoção da equidade entre gerações, assegurando, dentro de cada geração, uma economia inclusiva e equitativa;
d) Promoção do crescimento económico dentro dos limites do planeta, reconhecendo o valor funcional, cultural e ecológico da natureza e investindo no mesmo;
e) Promoção da sustentabilidade na produção e no consumo e de uma economia circular;
f) Alinhamento dos preços líquidos de subsídios, impostos e outros incentivos com os custos reais da produção e consumo dos bens e serviços;
g) Garantia da justiça social da transição climática, apoiando a requalificação de trabalhadores e a reestruturação económica e social de regiões afetadas; e
h) Perspetiva de longo prazo na prossecução das políticas económicas e sociais.

  Artigo 68.º
Estratégia industrial verde
1 - O Governo elabora e apresenta na Assembleia da República, até 24 meses após a entrada em vigor da presente lei, a estratégia industrial verde.
2 - A estratégia industrial verde visa proporcionar um enquadramento estratégico que apoie as empresas no processo de transição climática do setor industrial e no cumprimento dos objetivos fixados na presente lei, reforçando a sua competitividade sustentável.
3 - O Governo, antes de apresentar a proposta de estratégia industrial verde, consulta o CAC e toma em consideração o seu parecer, sendo este publicado em simultâneo com a apresentação daquela na Assembleia da República.
4 - O CAC emite parecer sobre a estratégia industrial verde no prazo de 20 dias após ser consultado.
5 - O Governo submete a consulta pública um projeto de estratégia industrial verde, acompanhado pelo respetivo parecer do CAC, devendo assegurar a audição das seguintes entidades:
a) Regiões autónomas;
b) Comissões de coordenação e desenvolvimento regional;
c) Associação Nacional de Municípios Portugueses;
d) Associação Nacional de Freguesias;
e) Conselho Económico e Social;
f) Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável;
g) Confederação Empresarial de Portugal.
6 - O Governo articula a agenda de inovação e desenvolvimento no combate às alterações climáticas com a estratégia industrial verde.

  Artigo 69.º
Transição justa
O Estado promove uma transição justa para uma economia neutra em carbono, designadamente através:
a) Da criação de uma agenda de crescimento verde para a sociedade portuguesa e de empregos para o clima;
b) Do combate à pobreza energética;
c) Do apoio à adaptação do tecido económico existente;
d) Da distribuição progressiva dos custos e benefícios da transição climática;
e) Da requalificação dos trabalhadores cujos empregos sejam eliminados ou significativamente transformados pela descarbonização;
f) Da redução dos impactes das alterações climáticas na saúde pública, na biodiversidade e nos ecossistemas;
g) Da recuperação dos territórios, atividades, equipamentos e infraestruturas afetados pelas alterações climáticas;
h) Da promoção da mobilidade sustentável, sem prejuízo da salvaguarda da coesão territorial e social;
i) Da proteção das pessoas e das regiões mais vulneráveis aos impactes das alterações climáticas;
j) Do apoio, em conjunto com os respetivos tecidos empresariais, a projetos de descarbonização de indústrias com elevados níveis de emissão de carbono.

  Artigo 70.º
Tecnologias limpas
Consideram-se tecnologias limpas ou tecnologias que contribuem para o combate às alterações climáticas as que respeitem os princípios da taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia.


SECÇÃO X
Fiscalização
  Artigo 71.º
Fiscalização e inspecção
O Estado fiscaliza e inspeciona as atividades suscetíveis de causar um impacte negativo no clima, assegurando o cumprimento das condições estabelecidas nos instrumentos normativos ambientais e climáticos.

  Artigo 72.º
Responsabilidade e quadro sancionatório
1 - As ações e omissões danosas que acelerem ou contribuam para as alterações climáticas são geradoras de responsabilidade.
2 - É definido, em diploma próprio, um regime contraordenacional, como instrumento dissuasor e sancionatório de:
a) Ações e omissões lesivas para o clima;
b) Práticas violadoras das disposições legais e regulamentares relativas ao clima; e
c) Utilização indevida ou abusiva dos recursos naturais.


CAPÍTULO VII
Disposições transitórias e finais
  Artigo 73.º
Mitigação do impacte carbónico da Assembleia da República
1 - A Assembleia da República tem como meta atingir a neutralidade climática até 2025.
2 - A Assembleia da República elabora e divulga, no primeiro ano de cada legislatura, relativamente à legislatura anterior, um relatório de avaliação do impacte carbónico da sua atividade e funcionamento, identificando as medidas adotadas e definindo medidas a adotar para mitigar aquele impacte.

  Artigo 74.º
Aprovação de planos sectoriais
Até ao final do ano de 2023 são aprovados planos setoriais de mitigação e planos setoriais de adaptação às alterações climáticas para os setores considerados prioritários.

  Artigo 75.º
Relatório de avaliação inicial de impacte climático
No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo apresenta na Assembleia da República um relatório em que identifica os diplomas em potencial divergência com as metas e instrumentos climáticos da presente lei, devendo, para o efeito, ser analisados, designadamente:
a) As normas que conferem o direito à execução de projetos que, na sua cadeia de valor, contribuam de forma líquida para a emissão de gases de efeito de estufa a nível nacional ou internacional;
b) As normas que enquadrem o investimento em infraestruturas cujos impactes não tenham sido considerados no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050;
c) O Código dos Contratos Públicos.

  Artigo 76.º
Regulamentação do risco e impacte climático nos ativos financeiros
No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo regulamenta a matéria da partilha de informação sobre a integração do impacte e risco climáticos na construção dos ativos financeiros.

  Artigo 77.º
Relatório sobre património público, investimento, participações e subsídios
O ministro responsável pela área das finanças elabora e divulga, no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, um relatório sobre o património público, os investimentos, as participações ou subsídios económicos ou financeiros em causa, referidos no artigo 36.º

  Artigo 78.º
Revisão das normas sobre governo das sociedades
1 - As entidades reguladoras e de fiscalização identificam, no prazo de um ano após a publicação da presente lei, as alterações legislativas e regulamentares necessárias para que as sociedades integrem no governo societário a exposição aos cenários climáticos e os potenciais impactes financeiros daí resultantes, seguindo as recomendações da Diretiva 2014/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014, relativa à divulgação de informações não financeiras e de informações sobre a diversidade por parte de certas grandes empresas e grupos, os princípios de taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia e as recomendações e boas práticas internacionais.
2 - No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo apresenta na Assembleia da República um relatório contendo as revisões necessárias para harmonizar o Código das Sociedades Comerciais e demais legislação com o disposto na presente lei.

  Artigo 79.º
Revisão do regime jurídico dos hidrocarbonetos
No prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, o Governo apresenta à Assembleia da República uma revisão das normas que regulamentam a concessão, prospeção e exploração de hidrocarbonetos em Portugal, devendo as mesmas ser reavaliadas periodicamente consoante as metas e os objetivos climáticos.

  Artigo 80.º
Norma revogatória
É revogada a Lei n.º 93/2001, de 20 de agosto, que cria instrumentos para prevenir as alterações climáticas e os seus efeitos.

  Artigo 81.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da sua publicação.

Aprovada em 5 de novembro de 2021.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Promulgada em 13 de dezembro de 2021.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendada em 23 de dezembro de 2021.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.

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