Decreto-lei n.º 41.820, de 11 de Agosto de 1958
1. O elevado índice dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais preocupa seriamente o Governo. A progressiva frequência de acidentes e doenças daquela natureza não pode, na verdade, deixar indiferente os responsáveis. As consequências de ordem social e económica, e até de ordem moral, derivadas da sinistralidade do trabalho são por demais evidentes para que seja legítimo ignorá-las ou minimizá-las. O mal tem sido denunciado por toda a parte e ninguém por certo, contestará a necessidade de providências eficazes destinadas a evitá-lo, na medida do possível, ou a reduzi-lo a proporções menos graves.
2. A indústria da construção civil não é das que menos contribuem para o acréscimo dos infortúnios do trabalho. Mais do que qualquer outra, ela põe em risco com frequência até a vida de pessoas que lhe são estranhas. Assim se justifica que em vários países, ao encarar-se o problema dos acidentes de trabalho, se dê primazia aos aspectos da prevenção no campo da construção civil.
Portugal conta-se precisamente entre os países que mais cedo se preocuparam com a regulamentação das condições de segurança nos trabalhos da construção civil. Já por Decreto de 6 de Junho de 1895 se procurou garantir protecção aos operários ocupados nos trabalhos, públicos ou particulares, de construção e reparação de estradas, caminhos de ferro, pontes, aquedutos, terraplanagens, novas edificações, ampliares, transformações, ou grandes reparações e, bem assim, em quaisquer obras de demolição.
É de notar o facto de se exigir nesse diploma que os mestres-de-obras fossem habilitados com exame sobre processos de construção e sobre as condições a observar para a segurança nos locais de trabalho. Registe-se ainda que, segundo o mesmo diploma, a responsabilidade pelos acidentes sofridos por qualquer operário recaía sobre a pessoa encarregada da direcção das obras.
3. Decorrido mais de meio século sobre aquele decreto, bem se compreende que as suas normas, já de si rudimentares e insuficientes, se mostrem obsoletas e inaplicáveis, tanto mais que, como é sabido, o avanço da técnica e os novos métodos de trabalho provocaram alterações profundas nas diversas actividades da construção civil.
Por outro lado, o problema da prevenção de acidentes de trabalho e o da segurança dos trabalhadores na indústria da construção civil começou quase por toda a parte a despertar interesse cada vez mais vivo, a ponto de a Organização Internacional do Trabalho ter elaborado, para orientação dos governos nela representados, um regulamento-tipo com as regras mínimas a observar naquele importante ramo de actividade.
Para proceder à adaptação desse regulamento ao nosso país, foi oportunamente nomeada pelo presidente do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência uma comissão técnica com representação dos diversos sectores interessados, que apresentou, após cuidadoso estudo, as conclusões a que chegou.
É sobre os trabalhos dessa comissão, uma vez revistos pelos serviços competentes, que, em grande parte, assenta, nos seus aspectos técnicos, o regulamento publicado nesta mesma data.
4. Não se pouparam esforços para tornar acessível aos interessados, através da clareza das normas e da melhor sistematização dos assuntos desse regulamento, a interpretação da novas regras relativas à segurança nas obras da construção civil. Na própria terminologia adoptada mantiveram-se as designações correntemente usadas pelos trabalhadores ou pelos construtores civis.
Procurou-se ainda não onerar inutilmente as obras de construção, ou de reparação. Mas acima deste intento pôs-se sempre a preocupação de acautelar efectivamente a vida e a integridade física dos trabalhadores, de modo a dar-lhes confiança e tranquilidade no trabalho e a criar condições de pleno rendimento.
5. No que respeita à repressão das infracções, teve-se em vista ajustar a sanção à gravidade da falta e promover que os responsáveis pelas obras se interessem a sério pelo exacto cumprimento das normas agora decretadas.
Para garantia de execução dos novos preceitos, incorrerão nas multas previstas os responsáveis técnicos das obras e, nos casos em que a nomeação destes não seja obrigatória, o, empreiteiro ou, não havendo empreitada, o dono das obras. Por via de regra, a aplicação da multa implicará a notificação ao interessado para suprir, em prazo certo, as deficiências encontradas.
6. O êxito das medidas estabelecidas agora dependerá da forma como for orientada a fiscalização. Por isso se dedicou ao assunto todo o cuidado, embora se saiba que só uma profunda reforma dos serviços da Inspecção do Trabalho logrará dar à fiscalização das condições de segurança e higiene dos locais de trabalho eficiência correspondente aos importantes valores humanos e económicos em causa.
De qualquer maneira, convém que, desde já, se crie e desenvolva, para além da força coerciva da lei, um todo de espírito capaz de congregar todos os interessados na solução dos graves e complexos problemas da prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Para tanto é mister – sem prejuízo da competência específica da, Direcção-Geral do Trabalho e Corporações que todas as entidades com poderes directos ou indirectos na fiscalização conjuguem entre si, no melhor espírito, os esforços a desenvolver e se empenhem em esclarecer os técnicos, os empreiteiros, os proprietários e os trabalhadores, persuadindo-os a cumprir todas as normas relativas à segurança nos trabalhos da construção civil.
Um conselho bem formulado e oportuno pode evitar, como facilmente se compreenderá, graves desastres na vida ou na fazenda, das pessoas. Impõe-se, portanto, que a Inspecção, do Trabalho e as outras entidades encarregadas de lhe darem cooperação não possam deixar de, sem prejuízo da acção repressiva prevista neste diploma, exercer uma missão educativa divulgando as regras relativas à segurança no trabalho e convencendo as entidades patronais e os trabalhadores da necessidade de, no seu próprio interesse, afastarem, a tempo e na medida do possível, as diversas causas dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
7. É neste espírito que a Junta da Acção Social, criada pela Lei n.º 2085, de 17 de Agosto de 1956 (Plano de Formação Social e Corporativa), vai organizar uma campanha nacional de prevenção, de acidentes, de trabalho e doenças, profissionais, enquanto a secção respectiva do Conselho Superior da Previdência Social estuda alguns importantes problemas respeitantes não só à prevenção de acidentes, mas também à indemnização e à recuperação e ocupação dos sinistrados do trabalho.
O presente diploma e o seu regulamento (também publicado nesta data) integram-se, pois, neste conjunto de providências, o que lhes confere interesse especial. Espera-se, na verdade, que eles, constituindo factor importante da campanha nacional de prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais, contribuam para uma quebra sensível na sinistralidade do trabalho e, dessa forma, para uma apreciável valorização do capital humano da Nação.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferido pela 1º. parte do nº.2. do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte: |