Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 11-07-2019   Capital de remissão. Juros.
1 — A data a atender para o cálculo do capital da remição facultativa requerida por trabalhador estrangeiro nos termos do artigo 75.°, n.° 3 da LAT é a data do despacho judicial que a admitiu.
2 — O dever oficioso de condenar a entidade responsável pela reparação no pagamento de juros de mora pelas prestações devidas, apenas se verifica quando as mesmas se encontram já em atraso na data da prolação da decisão.
3 — Não pode ser ordenado o pagamento do capital da remição por via da afectação da parte correspondente da caução prestada pela seguradora para obter o efeito suspensivo da apelação que anteriormente deduziu.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Proc. 2828/16.0T8BRR.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Maria José Costa Pinto - Manuela Fialho - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Processo n.°2828/16.0T8BRR.L1
4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
1.1. Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado ES...e entidade responsável a Companhia de Seguros …., S.A., tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 3 de Julho de 2015, quando o sinistrado se encontrava a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do S… Portugal, o qual tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a Companhia de Seguros …., S.A., antecessora da indicada entidade responsável, tendo em consideração a totalidade do salário auferido pelo sinistrado.
Ao sinistrado foi conferida alta clínica em 23 de Setembro de 2015.
Prosseguindo os autos para a fase contenciosa, e decorridos os seus regulares trâmites, veio a ser proferida sentença de que foi interposto recurso de apelação, sendo prolatado Acórdão por este em 5 de Julho de 2018, entretanto transitado em julgado, que terminou com o seguinte dispositivo:
«[...]
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, alterando a sentença recorrida nos seguintes termos:
a) Fixam ao sinistrado ES... uma IPP de 2/prct. em consequência do acidente de trabalho objecto dos presentes autos, desde 24/9/2015.
b) Condenam a ré seguradora a pagar ao sinistrado a PAV de € 6.650,11 (Seis Mil, Seiscentos e Cinquenta euros e Onze Cêntimos), devida desde 24/9/2015, acrescida de juros de mora à taxa legal desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento.
Fixa-se à acção o valor de € 159.157,08.
[…]«
1.2. Por requerimento de 07 de Dezembro de 2018, o sinistrado veio comunicar a sua vontade proceder à remição total da sua pensão, ao abrigo do n.° 3 do artigo 75.° da Lei dos Acidentes de Trabalho, alegando ser estrangeiro, já não residir em Portugal e não pretender voltar a residir neste país. Requereu, a final, a notificação da seguradora para informar se aceita a remição integral da pensão.
Em resposta a tal requerimento, a seguradora ..., S.A. veio em 20 de Dezembro de 2018 informar que não se opõe à remição da pensão e que já pagou as pensões devidas ao autor até 31 de Janeiro de 2019, no valor total de € 22.716,46, requerendo que esse valor seja abatido ao capital de remição e que este seja pago ao demandante por via de afectação e entrega de parte da caução por si prestada no valor de € 190.988,50, que é suficiente para assegurar o pagamento do capital de remição devido, procedendo-se à devolução à seguradora da parte sobrante.
O Digno Magistrado do Ministério Público também não se opôs à remição da pensão (fls. 219).
O Mmo. Juiz a quo proferiu em 23 de Janeiro de 2019 decisão final do incidente na qual exarou o seguinte:
«L ES..., cidadão brasileiro a quem foi reconhecido o direito a uma pensão anual por força de acidente de trabalho do qual resultou uma incapacidade parcial perante, optou por deixar definitivamente Portugal.
Pede a remição da pensão em capital.
A entidade seguradora responsável manifestou a sua condordância ao requerido.
H. Face ao exposto, e nos termos do disposto no art. 75°, n.° 3, da Lei n.° 98/2009, de 04/09, determino que:
- se proceda ao cálculo do capital de remição correspondente à pensão fixada ao sinistrado;
- se tenha em consideração o valor já pago, cfr. fls. 214 ;
- se dê pagamento ao capital de remição, nos termos pretendidos pela companhia de seguros, devolvendo-se à entidade responsável a parte sobrante.
1.3. O A. interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
1.° O objecto do recurso é julgar se a data a considerar para efeitos de remição facultativa da pensão ao abrigo do n.° 3 do artigo 75.° da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.° 98/2009, de 04 de Setembro), é a data da fixação da pensão ou se será a data do pedido de remição facultativa acordada entre Sinistrado e Seguraora.
2.° Perante a evolução histórica do regime jurídico sobre a remição da pensão anual e vitalícia, facilmente se conclui, atentos o elemento histórico - evolução da regulamentação legal sobre a matéria -; o elemento sistemático — as leis interpretam-se umas às outras — e o elemento literal —sentido dos termos e sua correlação, que o momento a atender para o cálculo remição é o da data da homologação do pedido de remição facultativa da pensão.
3.° Tratando-se de uma remição facultativa, dependente de pedido expresso dos interessados, os requisitos da remição devem aferir-se ao momento em que o pedido é formulado, por respeito ao princípio actualista do pedido.
4.° Como refere Carlos Alegre, in Código de Processo do Trabalho, ed. de 2004, pág. 368) ...a data referida na alínea b) é a que coincide com a data da prolação da decisão que admitiu a remição (dita facultativa).
5. Conferir efeitos retroactivos à remição facultativa, retroagindo o seu cálculo à data do início do pagamento da pensão (como faz a decisão aqui recorrida) poderá conduzir-nos a esta situação absurdas, injustas e inconstitucionais, por desigualdade entre Sinistrados e violação de direitos constitucionalmente consagrados.
6.° Obviamente, a data a considerar tem que ser a data do despacho que incide, e homologa por sentença/despacho, o acordo de vontades entre o Sinistrado e a Seguradora.
7.° Neste caso dos autos, a data a considerar para efeitos do cálculo do capital de remição requerida pelo aqui Sinistrado será a data de 24 de Janeiro de 2019, inexistindo lugar a qualquer dedução pelos montantes pagos a título de prestações mensais das pensões vencidas até esta data.
8.° Além do supra exposto, ordenar que se proceda ao desconto das quantias pagas desde o inicio da PAV até à data em que se obtém o acordo para a remição facultativa da PAV, constitui uma violação ao princípio da justa reparação dos trabalhadores quando vitimas de acidente de trabalho, enfermando, assim, de inconstitucionalidade que desde já se alega, por violação por violação do artigos 13.°, n.° 1 da C.R.P. e também violação conjugada do disposto na alínea f) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.° da Constituição.
9.° No art.° 150.° do C.P.T., manda a lei que A entrega ao pensionista do capital da remição ou de parte dele é feita por termo nos autos, sob a presidência do Ministério Público.
10.° A solução encontrada de afectação e entrega ao Sinistrado de parte da caução prestada pela Seguradora, além de não cumprir o previsto na lei de processo, tem uma variável de incerteza temporal no pagamento do capital que é incomportável com o sistema vigente.
11.° A prestação de caução foi um acto voluntário e unilateral da Seguradora pelo que não pode agora o Sinistrado ser penalizado por eventual demora na devolução de tal quantia.
12.° Por fim: se se ordena o desconto, no capital de remição, das quantias pagas a título de pensões até este momento, é porque o Ex.mo Sr. Juiz implicitamente fixou que o capital de remição é devido desde 24 de Setembro de 2015, pelo que, assim sendo, deveria ter condenado a Entidade Responsável S..., S.A. no pagamento de juros de mora, à taxa legal de 4/prct., vencidos desde essa data até integral pagamento. Não o fazendo, violou, também, o artigo 135.° do C.P.T..
13.° Foram violados, entre outros, o n.° 3 dó Art.° 148.° C.P.T. (Remição Facultativa), o art.° 150.° C.P.T., o n.° 2 do artigo 75.° da Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.° 98/2009, de 04 de Setembro) , bem como os artigos 13.°, n.° 1 da C.R.P. , a alínea f) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição e o princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.° da Constituição.
TERMOS EM QUE, SUBSTITUINDO O DESPACHO RECORRIDO POR ACÓRDÃO QUE ORDENE QUE A DATA A CONSIDERAR PARA EFEITOS DE REMIÇÃO VOLUNTÁRIA É A DE 24 DE JANEIRO DE 2019 (DATA DO DESPACHO DE HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO), INEXISTINDO LUGAR A QUALQUER DEDUÇÃO NO CAPITAL DE REMIÇÃO DOS MONTANTES PAGOS A TÍTULO DE PRESTAÇÕES MENSAIS DAS PENSÕES VENCIDAS ATÉ ESTA DATA, ORDENANDO A SUA ENTREGA NOS TERMOS DO ART.° 150.° DO C.P.T., V.a EX.aS FARÃO A HABITUAL E MERECIDA Justiça.
Não consta que a R. tenha apresentado contra-alegações.
1.4. Ó recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de se conceder provimento ao recurso, considerando para a remição a data da prolação da decisão que a admitiu (24 de Janeiro de 2019), sem que se deduzam as prestações mensais vencidas até essa data, e ordenando a entrega do capital nos termos do artigo 150.° do CPT.
Nenhuma das partes se pronunciou sobre este Parecer.
Cumprido nesta instância o disposto na primeira parte do n° 2 do artigo 657° do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do art.
87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho e uma vez realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso

O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente —artigo 635.°, n.° 4 e 639.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do art. 87.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho — ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, as questões a apreciar prendem-se com saber:
1. — qual a data a atender para efeitos da remição facultativa da pensão ao abrigo do artigo 75.°, n.° 3 da LAT;
2. — se a sentença devia ter condenado a seguradora em juros de mora sobre o capital da remição e desde quando;
3. — se pode ser ordenado o pagamento do capital da remição por via da afectação da parte correspondente da caução prestada pela seguradora para obter o efeito suspensivo da apelação que anteriormente deduziu.
3. Fundamentação de facto
O Acórdão da Relação de Lisboa nestes autos proferido considerou provados os seguintes factos:
3.1. O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho em 03 de Julho de 2015, quando trabalhava por conta de S…- Sociedade …., SAD, o que lhe provocou as lesões constantes do relatório de exame por Junta Médica de fls. 100 a 101, que lhe determinou uma IPP de 2/prct..
3.2. À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual de € 475.008,00 (quatrocentos e setenta e cinco mil euros e oito cêntimos).
3.3. À data do acidente a entidade patronal do sinistrado tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a Companhia de Seguros …., S.A3, pela retribuição anual de € 475.008,00 (quatrocentos e setenta e cinco mil euros e oito cêntimos).
3.4. O sinistrado nasceu em 23 de Março de 1989 e é de nacionalidade brasileira. 3.5. O sinistrado teve alta em 23 de Setembro de 2015.
Além dos factos antecedentes e dos que emergem já do relatório deste texto, mostra-se ainda assente nos autos, quer por afirmado na decisão sob recurso, sem impugnação, quer por acordo das partes, que:
3.6. O sinistrado é de nacionalidade brasileira e optou por deixar definitivamente Portugal.
3.7. A seguradora pagou ao sinistrado as pensões vencidas até 31 de Janeiro de 2019.
4. Fundamentação de direito

4.1. ha data a atender para efeitos da remição facultativa da pensão ao abrigo do artigo 75.°, n.° 3 da LAT
A decisão da 1.a instância, debruçando-se sobre o requerimento do sinistrado ora recorrente no sentido de ver remida a pensão que lhe foi fixada nestes autos, pretensão a que a seguradora ora recorrida deu a sua concordância, determinou que se proceda ao cálculo do capital de remição correspondente à pensão fixada ao sinistrado.
O recorrente não questionou este aspecto da decisão, pelo que se mostra definido, com trânsito em julgado, que a pensão fixada ao sinistrado nestes autos é remível — nos termos prescritos no artigo 75.°, n.° 3 do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho aprovado pela Lei n.° 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), a aplicável ao caso sub judice atenta a data em que se deu o acidente — havendo que proceder ao cálculo do respectivo capital.
A primeira questão que suscita prende-se com o segmento da decisão no qual o tribunal a quo determinou que se tenha em consideração [naturalmente no cálculo do capital da remição a efectuar, que acabara de determinar] o valor já pago cfr. fls. 214.
Este segmento decisório, ao ordenar que do capital de remição que se vá encontrar seja deduzida a quantia paga pelas prestações vencidas desde o início do vencimento da pensão, em 24 de Setembro de 2015, até ao dia 31 de Janeiro de 2019 (vide fls. 214), tem como pressuposto que o capital da remição é devido desde a data da alta.
Torna-se pois candente responder à questão de saber qual a data a atender para efeitos da remição facultativa da pensão ao abrigo do artigo 75.°, n.° 3 da LAT, segundo o qual [e]m caso de acidente de trabalho sofrido por trabalhador estrangeiro, do qual resulte incapacidade permanente ou morte, a pensão anual vitalícia pode ser remida em capital, por acordo entre a entidade responsável e o beneficiário da pensão, se este optar por deixar definitivamente Portugal.
Trata-se de um caso de remição facultativa, na medida em que a pensão fixada ao sinistrado não se inclui na hipótese prevista nas disposições conjugadas do artigo 75.°, n.° 1, e do artigo 48.°, n.° 3, alínea c), in fine, ambos da LAT, relativas aos casos em que o sinistrado tem direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70/prct. da redução sofrida na capacidade geral de ganho. Foi aliás enfatizado no Acórdão da Relação de Lisboa já proferido nestes autos em 5 de Julho de 2018, que a pensão nele fixada não é obrigatoriamente remível, pelo que a mesma se rege originariamente pelo artigo 50.°, n.° 2 da LAT, nos termos do qual a pensão por incapacidade permanente «é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado».
Em 24 de Setembro de 2015, data da alta, venceu-se o direito o sinistrado ao pagamento de uma pensão periódica, incumbindo à seguradora a obrigação de assim a satisfazer nos termos determinados no referido aresto de 5 de Julho de 2018.
Assim, não sendo a pensão obrigatoriamente remível, é patente que desde a data da alta até à concessão da autorização judicial para a sua remição (nos termos do artigo 75.°, n.° 3 da LAT) o sinistrado tinha efectivamente direito ao pagamento de prestações periódicas, nada justificando que as entretanto pagas nestes termos sejam abatidas ao valor de um capital de remição a que o sinistrado ainda não tinha direito.
Na verdade, não pode afirmar-se a existência na esfera jurídica do sinistrado do direito ao capital da remição da pensão sem que se preencham os respectivos pressupostos legais.
Segundo a fattispecie do n.° 3, do artigo 75.° da LAT, é necessário, para tanto, que do acidente de trabalho resulte incapacidade permanente ou morte, que o sinistrado seja trabalhador estrangeiro, que o mesmo tenha a intenção de deixar definitivamente Portugal e que haja concordância entre o beneficiário da pensão e a entidade responsável quanto a remir a pensão. Além disso, é necessário que a verificação destes pressupostos prescritos na lei substantiva seja atestada por decisão judicial fundamentada que admita a remição, nos termos prescritos no artigo 148.° do Código de Processo do Trabalho pois que, de acordo com o n.° 1 deste preceito da lei adjectiva laborai relativo à remição facultativa, uma vez [r]equerida a remição, o juiz, ouvidos o Ministério Público e a parte não requerente e efectuadas, se necessário, diligências sumárias, decide por despacho fundamentado, admitindo ou recusando a remição.
Assim, é na data da decisão que admite a remição nestes termos requerida que nasce na esfera jurídica do sinistrado o direito à percepção do inerente capital4.
No caso em análise, a data a atender para o cálculo do capital da remição facultativa requerida pelo ora recorrente nos termos do artigo 75.°, n.° 3 da LAT é, pois, o dia 23 de Janeiro de 2019, data em que o Mmo. Juiz a quo admitiu por despacho judicial a pretendida remição, após ouvir o Ministério Público e a parte não requerente, não havendo qualquer razão para deduzir no respectivo capital os valores da pensão anual e vitalícia vencidos até à referida data e que a recorrida devidamente lhe satisfez no cumprimento de uma obrigação periódica.
Em coerência, apenas deverão ser descontados no valor final do capital da remição os montantes já pagos e vencidos após 23 de Janeiro de 2019.
Procede neste aspecto a apelação.
4.2. Dos juros de mora
Quanto à questão de saber se são devidos, e desde quando, juros de mora sobre o capital da remição, o regime emergente do artigo 135.° do Código de Processo do Trabalho confere-lhe uma resposta inequívoca: [n]a sentença final o juiz (...) fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso.
Da conjugação do disposto nos artigos 135.° do Código de Processo do Trabalho e 50.°, 52.° e 75.° da Lei n.° 98/2009, conclui-se que o tribunal tem o dever oficioso de condenar a entidade responsável pela reparação no pagamento de juros de mora pelas prestações devidas mas, apenas, desde que as mesmas se encontrem em atraso na data da prolação da sentença.
Ora no caso em análise, na medida em que o vencimento da obrigação de pagamento do capital de remição que impende sobre a seguradora se verificou na data da própria prolação da decisão, não constituindo, então, uma prestação pecuniária em atraso, não havia que a condenar no pagamento de quaisquer juros.
Ou seja, por não serem então devidos, não podia o Mmo. Juiz a quo fixar juros de mora a cargo da recorrida, nada podendo apontar-se à decisão que os não fixou.
Improcede, neste aspecto, a apelação.
4.3. Do modo de pagamento do capital da remição
Rebela-se finalmente o recorrente com a decisão da 1.a instância na parte em que esta determinou que o capital de remição fosse pago nos termos pretendidos pela companhia de seguros, devolvendo-se à entidade responsável a parte sobrante, ou seja, e por reporte ao requerimento da ora recorrida, por afectação e entrega ao sinistrado da parte correspondente da caução prestada pela recorrida para atribuição de efeito suspensivo a um seu anterior recurso de apelação.
É de lhe reconhecer razão.
Na verdade, e em primeiro lugar, a prestação de caução da importância em que o apelante foi condenado, prevista o n.° 2, do artigo 83.° do Código de Processo do Trabalho, destina-se a permitir que a apelação tenha efeito suspensivo, contrariando a regra geral vigente no processo laborai há longa data de que a apelação tem efeito meramente devolutivo (cfr. o n.° 1 do preceito) e impedindo, deste modo, que o apelado execute a sentença.
A caução constitui uma garantia destinada a assegurar o cumprimento duma obrigação imposta ao recorrente — a obrigação de pagar o quantitativo determinado na sentença —, sendo sua função específica a de garantir o credor quanto aos riscos da demora do processo inerente à tramitação da fase recursória, vg. os que eventualmente decorreriam da possível dissipação do seu património.
Assim, e por definição, apenas se, e quando, o devedor não cumprir voluntariamente a obrigação — facto que de forma alguma os autos evidenciam — é que o direito do credor poderá ser coercivamente satisfeito pelo montante da garantia prestada (cfr. os artigos 601.° e 623.° do Código Civil).
Mas independentemente desta questão, existe um regime adjectivo laboral especial que definitivamente obsta a que a entrega do capital da remição se processe em moldes distintos dos nela previstos.
Com efeito, uma vez proferido o despacho sobre a admissibilidade da remição no âmbito do incidente respectivo, o Código de Processo do Trabalho estabelece um ritual específico para a verificação da conformidade legal do capital que a secretaria apurar e para a sua ulterior entrega ao sinistrado. Assim, dispõe o artigo 148.° do CPT que, depois de a secretaria proceder ao cálculo do capital que o pensionista tem direito a receber (n.° 3), o processo vai ao Ministério Público, que, após verificar o cálculo, ordena as diligências necessárias à entrega do capital (n.° 4). E o artigo 150.° do mesmo código prescreve que a subsequente entrega ao pensionista do capital da remição ou de parte dele é feita por termo nos autos, sob a presidência do Ministério Público.
O legislador enquadrou estes procedimentos na dinâmica do Ministério Público, confiando ao respectivo Magistrado, patrono oficioso dos trabalhadores — artigo 7.°, alínea a) do Código de Processo do Trabalho —, as tarefas de verificar a conformidade do montante calculado com os preceitos legais, a designação de dia para a entrega do capital e a presidência deste acto'
Pelo que, sem necessidade de mais considerações, é negativa a resposta à questão de saber se pode ser ordenado o pagamento do capital da remição por via da afectação da parte correspondente da caução prestada pela seguradora para obter o efeito suspensivo da apelação que anteriormente deduziu.
Procede, também nesta parte, o recurso.
Porque a recorrida ficou vencida no recurso, a lei faz recair sobre si o pagamento das custas respectivas (artigo 527.°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho). Não sendo devida taxa de justiça porque não contra-alegou e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.Q, n.° 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.

5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, determina-se que se proceda ao cálculo do capital de remição correspondente à pensão fixada ao sinistrado, descontando no seu valor os montantes já pagos e vencidos após 23 de Janeiro de 2019, seguindo-se os procedimentos prescritos nos artigos 148.°, n.° 4 e 150.° do CPT.
Condena-se a recorrida nas custas de parte que haja a contar.
Nos termos do artigo 663.°, n.° 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 11 de Julho de 2019
(Maria José Costa Pinto)
Sérgio Almeida
Manuela Fialho
Nos termos do artigo 663.°, n.° 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I — A data a atender para o cálculo do capital da remição facultativa requerida por trabalhador estrangeiro nos termos do artigo 75.°, n.° 3 da LAT é a data do despacho judicial que a admitiu.
II — O dever oficioso de condenar a entidade responsável pela reparação no pagamento de juros de mora pelas prestações devidas, apenas se verifica quando as mesmas se encontram já em atraso na data da prolação da decisão.
III — Não pode ser ordenado o pagamento do capital da remição por via da afectação da parte correspondente da caução prestada pela seguradora para obter o efeito suspensivo da apelação que anteriormente deduziu.
Lisboa, 11 de Julho de 2019
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