Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
 - ACRL de 02-04-2019   Violência doméstica. Gravação.
Uma gravação com a falta de consentimento do arguido não deixa dúvidas sobre a ilicitude da gravação, nos termos do art.199, n°1, al.a, CP, preceito incriminador que protege o direito à palavra como bem jurídico pessoal, no entanto evidenciando a gravação uma situação de conflito na qual ocorrem factos que podem integrar um crime não atingindo direitos pessoais integradores do núcleo próprio da intimidade privada de uma pessoa, entendemos que num juízo de necessidade, proporcionalidade e adequação, o interesse público de realização da justiça se deve sobrepor àqueles interesses pessoais, considerando-se excluída a ilicitude da gravação nos termos do art.31, n°1, CP..
Caracteriza o crime de violência doméstica, o comportamento de um arguido, incluindo ofensa corporal (empurrão ao assistente obrigando-o a sentar-se), injúrias, ameaças e danos no domicílio do assistente, conduzindo a uma séria perturbação da vida privada e sossego deste, constitui uma relevante ofensa à sua própria dignidade humana, bem jurídico com tutela constitucional (art.26, n° 2, da CRP).
Proc. 1035/16.7PHLRS.L1 5ª Secção
Desembargadores:  Vieira Lamim - Ricardo Cardoso - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. n°1035/16.7PHLRS.L1 – 5ª Secção;
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
I° 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) n°1035/16.7PHLRS, da Comarca de Lisboa Norte (Juízo Local Criminal de Loures - Juiz 3), o Ministério Público acusou RJG... e NJG..., acusando o primeiro de dois crimes de violência doméstica (art. 152, n°1, alínea d) e n°2, do Código Penal, incorrendo, ainda, nas penas acessórias previstas nos n°4, 5 e 6 do citado preceito legal) e a segunda de um crime de violência doméstica (art.152, n°1, alínea a) e n°2, do Código Penal).
O Ministério Público requereu o arbitramento de indemnização a favor do ofendido EG..., nos termos do disposto no art.82°A do C.P.P. e art. 21° da Lei 112/2009, de 16.09, o ofendido EG... constitui-se assistente e aderiu à acusação pública e PP..., em representação do seu filho menor e ofendido AG..., constitui-se assistente, aderiu à acusação pública e deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido RJG... pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €1000 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
O Tribunal, após julgamento, por sentença de 110ut.18, decidiu:
1. Absolver a arguida da prática do crime de violência doméstica pelo qual vem pronunciada;
2. Absolver o arguido da prática dos crimes de violência doméstica pelos quais vinha pronunciado;
3. Condenar o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. no artigo 143°, n.° 1 do Código Penal na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros) o que perfaz a multa global de €700 (setecentos euros);
4. Alerta-se o arguido que, caso a multa nao seja paga e não seja requerida a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, a que correspondem 140 horas de trabalho, a pena de multa poderá ser convertida em dias de prisão subsidiária.
5. Condenar o demandado RJG... a pagar ao demandante a quantia de €400 (quatrocentos euros) a título de danos não patrimoniais e absolve-o do restante pedido.
6. Absolve os demandados do pedido de arbitramento de indemnização contra si deduzido pelo Ministério Público.
2. Desta decisão recorre o assistente EG..., motivando o recurso com as seguintes conclusões:
2.1 O rte. conta 83 anos de idade, padeceu de um Enforna que está em fase de remissão; tem arritmias cardíacas permanentes e com manifestações de insuficiência cardíaca (grau II da NYHA) que desaconselham a exposição a emoções fortes (conforme declaração médica junta a fls. 126 dos autos) e sofre de surdez, usando um aparelho auditivo que nem sempre permite a correcta percepção do que está a ser dito.
2.2 O rte. é assim uma pessoa vulnerável em função da idade e da doença, e especialmente da surdez.
2.3 Constitui maus tratos ao assistente, configurando o crime de violência doméstica, ser abruptamente acordado aos gritos e ameaças, aos murros e pontapés do arguido RJG... na porta do quarto do assistente, à 01h30 e às 02h10 da madrugada do dia 04.03.2017 (cfr. fls. 116 e 117 dos autos) que partiu a porta, fazendo um buraco de cerca de 5 cm, primeiro, e meia hora depois, um buraco de 25/30 cm, como as fotos de tls 118 e seguintes documentam, de resto tudo factos confirmados pelos agentes que ali se deslocaram e expressamente assumidos pelo arguido RJG..., como disse o Agente J... e se transcreve no ponto II, b) desta motivação que aqui se dá por integralmente reproduzida, brevitatis causa.
2.4 E também constituem maus tratos as agressões verbais e físicas do arguido RJG... cometidas no dia 16.02.2017 (cfr. fls. 90 dos autos) e conforme se narra no ponto III, g) da motivação supra e que se dá por integralmente reproduzido.
2.5 Tal como se alega no ponto II, c) da motivaçãoo supra e que aqui se dá por reproduzido, há um contexto de consumo exagerado e regular de bebidas alcoólicas associado à toma de medicação antidepressiva capaz de gerar comportamentos imprevisíveis por parte do arguido RJG... que confirmam a actuação deste arguido já denunciada supra e é de molde a fazer antever atitudes cada vez mais violentas contra o assistente.
2.6 Da mesma forma integram o crime de violência doméstica as constantes agressões verbais da arguida N... contra o assistente e narradas no ponto III, alíneas e) e h) da motivação supra e que se dão aqui por integralmente reproduzidas.
2.7 Tal como se narra no ponto III, a) supra da motivação e aqui se dá por reproduzido, o ponto 21 dos factos provados está redigido de forma parcial e contrária ao auto de notícia de fls. 116 e 117, confirmado em audiência pelo agente A.... E da mesma forma o ponto 22 é falso e contrário a esses autos.
2.8 Como se diz no ponto III, b) da motivação e que se dá aqui por reproduzido, no quadro da matéria dada como provada, o ponto 21, tal como está redigido é inócuo; e os pontos 22 e 23 não têm suporte probatório, são incoerentes e estão até em contradição, como se disse, com o que foi narrado no auto de notícia e seu aditamento (fls. 116 e 117) e no depoimento dos agentes da PSP que testemunharam. Há assim um erro notório na apreciação da prova.
2.9 Tal como se aduz ponto III, b) da motivação, também carece de suporte probatório o ponto 25 da matéria fáctica, uma vez que, o argumento usado pelo arguido RJG... é contrariado pelo que foi dito pelo agente J... e cujo depoimento foi acima transcrito.
2.10 O ponto 27 da matéria fáctica omite capciosamente que foi o arguido RJG... quem causou de novo os danos na porta, como já se disse, porque o confirmou perante os agentes que compareceram no local pelas duas vezes, e designadamente o agente J..., conforme supra se transcreveu no ponto III, c) da motivação e aqui se dá por reproduzido.
2.11 Como se aduz em III, e) da motivação, que aqui se dá por reproduzido, o ponto 50 também está incorrectamente julgado porque se limita a referir um só insulto e por retorsão. Ora isso não é verdade porque a arguida N... ofendia constantemente o assistente, como o referem as únicas testemunhas que conviviam doméstica e regularmente com os visados: os assistentes PP... e AG..., em especial a primeira, PC..., cujo depoimento aqui se dá por transcrito.
2.12 Como se fundamenta em III, f) supra, os pontos 11 a 13, 25 a 30, 43 e 44 que foram relegados para o rol dos factos não provados devem ser dados como provados.
2.13 A matéria impugnada nos números anteriores, além de poderem catalogar-se como erros notórios na apreciação da prova, e de contradição insanável da fundamentação, configuram também erros de julgamento, de acordo com o que se alega no ponto IV supra e aqui se dá por reproduzido. 2.14 Como se narra no ponto V supra, ao não condenar os arguidos pelos crimes de violência doméstica de que vinham acusados, a juiz a quo incorreu em violação de lei.
2.15 Ora no caso dos autos é manifesto que o assistente foi de forma grave submetido a um tratamento violento, de humilhação e de especial desconsideração por parte do arguido RJG... e também da arguida N.... Aquele, pelos actos praticados no dia 04.03.2017, com a intrusão na residência do assistente, a perturbação reincidente feita de madrugada, sem razão que o justificasse, desconsiderando absolutamente o assistente e o seu direito ao repouso, querendo humilhá-lo pela sua fragilidade, e também no dia 16.02.2017, com as provocações e as agressões físicas e verbais. 2.16 A arguida pela circunstância de constantemente desvalorizar o assistente, dirigir-lhe ofensas verbais e propalar por inúmeras pessoas de Sacavém, onde se projecta a vida do assistente, e fora de Sacavém, junto de amigos do assistente, de que tem amantes, entre elas a própria nora. É o cúmulo da indignidade com o propósito de humilhar e desconsiderar a personalidade do assistente, assim cometendo o ilícito imputado.
2.17 Há um preconceito em relação a ver os homens como vítimas de violência doméstica. Mas as mulheres não têm o exclusivo desse estatuto, como os factos documentados nos autos o demonstram.
2.18 O assistente tem o direito ao seu repouso e a não ser despertado de madrugada, por 2 vezes, através de actos de tão grande violência e sem qualquer justificação, como os praticados pelo arguido — sem qualquer castigo.
2.19 O assistente tem o direito a ser respeitado na sua personalidade e probidade e a não ser vítima de uma persistente campanha difamatória que a arguida derrama contra si.
2.20 Não penalizar actuações iguais às que constam da pronúncia e estão provadas, equivale a desvalorizar os maus tratos e a fazer um convite à reincidência..
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença proferida, substituindo-a por outra que condene os arguidos pelo crime de violência doméstica de que vinham acusados.
3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, a que responderam os arguidos e o Ministério Público, todos concluindo pelo seu não provimento.
4. a) No decurso da audiência, o assistente requereu a junção aos autos de de um CD com a gravação e a respectiva transcrição de parte dos episódios ocorridos em 27.09.2016, tendo a Mma Juiz por despacho de 12-07-2018, decidido:
A fls. 1078 dos autos veio o Assistente requerer a junção aos autos a junção de um CD com a gravação de uma conversa e ainda um documento com a explicação e transcrição da gravação efectuada, bem como cópia da contestação a uma acção civil com os documentos aí apresentados. Relativamente à gravação uma vez que não foi junto despacho judicial ordenando a mesma, trata-se de uma gravação ilícita que não pode ser admitida nos autos.
Assim, indefere-se ao requerido, ordenando-se a devolução do CD e transcrição ao seu apresentante, deixando cópia no seu lugar.
b) Inconformado, o assistente recorreu, concluindo:
1. O assistente, ora recorrente (rte.), formulou o requerimento que consta de fls.1078, pedindo, para o que agora releva, a junção de um CD com a gravação e a respectiva transcrição de parte dos episódios ocorridos em 27.09.2016, que são objecto da acusação.
2. Essa gravação foi feita através de um telemóvel, sendo que os arguidos tiveram na oportunidade conhecimento de que tal gravação estava a ser feita, tendo a arguida N... expressamente dado o respectivo consentimento quando declarou: Não faz mal, deixa-o gravar. O que é que isso me interessa?.
3. Daqui resulta que a gravação não é ilícita e foi obtida, não com o propósito de devassar a vida privada, mas no quadro do exercício de defesa, de protecção de vítimas de violência doméstica e de fidedignidade da prova no âmbito de crimes daquela natureza que estavam a ser (e foram) praticados naquela data.
4. A gravação decorreu assim de um valor maior a ponderar e dela não resultou qualquer ofensa da integridade física ou moral dos arguidos, não sendo por isso uma prova proibida, sendo pois absolutamente indispensável para o apuramento da verdade material dos factos.
5. A Mma. Juiz a quo indeferiu a junção requerida nos seguintes termos: Relativamente à gravação, uma vez que não foi junto despacho judicial ordenando a mesma, trata-se de uma gravação ilícita que não pode ser admitida nos autos. Assim, indefere-se ao requerido...':
6. Ora, salvo o devido respeito, tal decisão não está fundamentada, e desde logo no plano do direito, e, como tal, é nula — o que se argui.
7. Na verdade, nos termos do art. 379°/1, a), conjugado com o art. 374ª, n.° 2 e 3, a) do CPP, é nula a sentença que não contenha a mínima fundamentação de direito.
8. Além disso, não estando fundamentada, a decisão torna-se meramente arbitrária e ofende igualmente o disposto nos arts. 202°/2 e 205°/1 da CRepP.
9. Acresce que a decisão também omite qualquer pronúncia relativamente ao consentimento dado pela arguida, como foi alegado, incorrendo igualmente por essa via na nulidade prevista no art.
379°/1, c) do CPP.
10. Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a decisão proferida por violação de lei e por padecer de nulidades, substituindo-a por outra que admita a requerida junção aos autos do aludido CD e respectiva transcrição, por ser essencial para a descoberta da verdade material.
Os arguidos e o Ministério Público responderam ao recurso intercalar, todos concluindo pelo seu não provimento.
4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto, em douto parecer, pronunciou-se pelo provimento dos recursos do assistente, a que responderam os arguidos reafirmando o alegado nas respostas aos mesmos e concluindo pelo seu não provimento.
5. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
6. Como assinalam os arguidos na resposta apresentada em 1ª instância e na resposta ao douto parecer do Ex.mo PGA, o art.412, n°5 do CPP, determina que ...havendo recursos retidos o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
No caso, o recorrente nada diz nas conclusões sobre o recurso retido, mas manifestando nas motivações, de forma inequívoca, vontade ver apreciado o recurso interposto e admitido a subir a final, deve o mesmo ser apreciado, pois a exigência prevista naquele preceito legal mais não pretende do que impor ao recorrente do recurso a subir imediatamente que especifique nesse momento os recursos retidos em que mantêm interesse, para o efeito sendo irrelevante que o faça apenas nas motivações e omita essa especificação nas conclusões.
O objecto dos recursos, tal como sc mostram delimitados pelas respectivas conclusões,
reconduz-se à apreciação das seguintes questões:
a) Recurso intercalar:
-nulidade do despacho;
-validade da prova oferecida;
b) Recurso da sentença final:
-vícios do art.410, n°2, als.b, e c, CPP;
-impugnação da matéria de facto;
-qualificação jurídica dos factos;
II° A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor:
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. A arguida N... e o assistente EG... contraíram matrimónio, um com o outro, no dia 19 de Junho de 1960, tendo fixado o domicílio comum na Rua Estado da Índia, n. 77, 10 Esq., em Sacavém, área desta comarca.
2. Até à medida de proibição de permanência na residência imposta à arguida no âmbito deste processo, a mesma residiu no domicílio comum do casal.
3. Deste relacionamento nasceram dois filhos, APG..., nascida a …, e RJG... JG…, nascido a ….
4. O arguido RJG... possui uma habitação sita no 1° Dto., do n.° 77, da Rua Estado da índia, n.° 77, em Sacavém, a qual se situa no mesmo patamar que a habitação dos pais, onde este residiu com a mulher e o filho, o ora ofendido APG...
5. O ofendido AG..., nasceu a …, é filho do arguido RJG... e de PCP..., os quais se divorciaram em ….
6. Em 3 de Agosto de 2016, o arguido celebrou com PP... contrato promessa de partilha de bens comuns do casal, por força do qual o mesmo cedeu o uso gratuito da casa de morada de família, à sua mulher até 90 dias posteriores à decretação do divórcio.
7. Após a data de celebração do contrato promessa, com o acordo da arguida e do assistente EG..., o arguido RJG... passou a residir na casa destes.
8. Em data incerta de Dezembro de 2016, PP... abandonou aquela que foi a casa de morada de família.
9. Porque a casa do arguido RJG... ficou sem alguns electrodomésticos e porque o estado de saúde da mãe agravou-se, ficando o arguido a apoiá-la, este continuou a residir em casa dos pais até data não concretamente apurada de Janeiro ou Fevereiro de 2017.
10. Desde data incerta de 2013 que, com autorização da arguida e do assistente EG..., reside na sua habitação, dormindo no quintal, um cão de raça Doberman, propriedade do arguido.
11. Após o divórcio do arguido RJG..., o assistente passou a manifestar-se contra o facto deste e do cão residirem em sua casa, dizendo várias vezes ao arguido para se ir embora, continuando este a aí residir com autorização da arguida.
12. O ofendido EG... padeceu de um linfoma durante oito anos, é portador de hipertensão arterial, de doenças graves das artérias principais, do coração e dos rins, com arritmias cardíacas permanentes e com manifestações de insuficiência cardíaca (grau II da NYHA).
13. As doenças de que padeceu e padece o ofendido EG..., ...exigem, para o tratamento e para prevenção do seu agravamento, (...) a não exposição a emoções fortes...
14. Os arguidos sabem que o assistente EG... padeceu de um linfoma em data incerta de 2008/2009.
15. Em data não concretamente apurada, EG... mandou colocar uma fechadura de reforço, na porta do quarto onde pernoita sozinho, desde 2008 ou 2009, altura em que decidiu passar a dormir num quarto separado da arguida.
16. O assistente EG..., aquando da sua vida laboral activa exerceu a actividade de fotojornalista, e após a sua aposentação, continuou a realizar alguns trabalhos esporádicos de fotografia.
17. O arguido também exerce a actividade de fotojornalista.
18. O assistente e o arguido construíram, há uns anos, um estúdio de fotografia, para o arguido poder desenvolver a sua actividade, que se situa num anexo na residência do assistente.
19. No dia 27 de Setembro de 2016 EG... pretendeu aceder ao estúdio de fotografia, a fim de ir buscar um tripé para realizar um trabalho fotográfico, tendo sido impedido de o fazer pelo arguido, que disse que não lho dava, porque o tripé era seu.
20. Devido à conduta do arguido RJG..., o ofendido EG... acabou por solicitar a presença da autoridade policial no local, assim logrando entrar dentro do estúdio e recolher o material que necessitava para a realização do aludido trabalho de fotografia.
21. No dia 04 de Março de 2017, encontrando-se a arguida hospitalizada desde 28.02.2017, sem o conhecimento do assistente e sem que este tivesse perguntado pela mulher, este colocou a sua chave, por dentro, na porta de entrada do seu domicílio.
22. Cerca das 20.00h, o arguido RJG... tentou entrar com a chave dele, na residência dos pais, o que conseguiu, por a chave do ofendido ter caído ao chão, tendo o arguido pedido ao pai para não voltar a colocar a chave na porta.
23. O arguido, que necessitava de entrar em casa dos pais para tratar do cão e ir buscar objectos e roupa da arguida, que estava hospitalizada, ligou de imediato à sua irmã, AG..., para que esta ligasse ao pai e pedisse para este não colocar a chave na fechadura, o que esta fez.
24. Nesse telefonema, AG..., informou, ainda, o pai que a mãe, ora arguida, estava hospitalizada, ao que o Assistente respondeu Deus lembrou-se dela e que só descansava quando os deixasse de ver referindo-se à mulher e ao filho.
25. Perturbado pelo facto da mãe estar no hospital e desagradado com a resposta que o pai deu à irmã, o arguido RJG..., cerca da 01h05m, tentou entrar com a chave dele, na residência dos pais, o que conseguiu, por a chave do ofendido ter caído ao chão.
26. Já no interior do domicílio, encontrava-se EG... a descansar no seu quarto quando, a dada altura, o arguido RJG... tentou entrar neste, tendo para o efeito desferido violentos pontapés e murros na porta, aí tendo ficado marcas dos seus sapatos, e causado um buraco na porta com cerca de 5 ou 6 cm, e simultaneamente disse, por diversas vezes, aos gritos e de modo agressivo: abre a porta; abre a porta, não vales nada, não tendo EG... aberto a porta, por medo do arguido, e tendo solicitado a presença da entidade policial no local.
27. Cerca das 2.10h, da manhã EG... voltou a solicitar a presença da entidade policial no local, tendo-se verificado que o buraco na porta estava substancialmente maior.
28. O cão do arguido, uma vez comeu a comida destinada ao ofendido EG....
29. Devido ao arguido viver no quintal e, por vezes ter acesso ao interior do domicílio de EG..., as paredes da habitação encontram-se sujas e existe nesta um constante odor a cão.
30. Em data não concretamente apurada de Junho de 2016, o arguido RJG... cessou a vida em comum com a mulher PP....
31. Desde data não concretamente do ano de 2016, mas anterior a Junho desse ano, PP... passou a dormir com o filho e com a porta do quarto trancada.
32. Numa ocasião, situada no início do ano de 2016, encontrava-se AG... no interior do domicílio juntamente com o arguido RJG..., a ajudar este a trabalhar com o computador quando, a dada altura, o menor disse ao arguido para este tentar fazer por si.
33. Nesta altura, o arguido, em estado alterado, nervoso e aborrecido porque sempre deu tudo ao filho, dirigindo-se a este disse-lhe era oportunista, era um ingrato, preguiçoso, sem vontade de o ajudar, e que não o podia ver na frente.
34. No dia 27 de Setembro de 2016, cerca das 18 horas, encontrava-se AG... a conversar, no seu quarto, com o seu avô EG... sobre o supra descrito comportamento adoptado pelo arguido RJG... no referido dia, para com o avô.
35. E a dada altura AG... apercebeu-se da presença do arguido no local, acompanhado da sua avó N..., os quais estavam atrás da porta do quarto a ouvir a conversa ocorrida e abriu a porta do quarto.
36. De imediato, o arguido, porque ouviu o menor chamar-lhe de filho da puta durante a conversa que manteve com o avô, desferiu duas fortes estaladas no rosto de AG..., o que fez com que este fosse embater com as costas numa estante aí existente, causando-lhe dores.
37. E de seguida, o arguido RJG... dirigiu-se a AG..., e apodou-o de ingrato, oportunista, parvo, estúpido.
38. Em consequência da conduta do arguido RJG..., o ofendido AG... sofreu traumatismo da região dorsal, marca eritematosa linear com cerca de 10 cm de espessura e 1 cm na região lombar esquerda, petéquias dispersas pelo dorso, hemorragia oral, edema ocular esquerdo e toracalgia posterior, eritema malar, à esquerda e teve dores, que demandaram 8 (oito) dias de doença, tendo sido fixado 3 (três) de incapacidade para a actividade escolar, embora o ofendido tenha apenas faltado um dia — dia 28.09.2016, quarta-feira-.
39. No dia 28 de Setembro de 2016, o arguido RJG... entrou no domicílio de AG... e tendo verificando que estavam várias caixas empacotadas com diversos objectos e em tom de voz alta ordenou ao menor que as abrisse, a fim de fiscalizar o seu conteúdo, o que o menor fez.
40. Na ocasião, o arguido RJG... localizou no interior das aludidas caixas mais de seis CDs/DVs que alegou serem de sua pertença e acusou-o de querer levar coisas que não lhe pertenciam.
41. Ao apelidar o menor de Parvo e estúpido agiu o arguido com o intuito concretizado de dirigir ao ofendido AG... tais expressões, bem sabendo que as mesmas atingiam e lesavam a sua honra e consideração e o envergonhavam e humilhavam.
42. Ao desferir as bofetadas no filho AG... como o fez, agiu o arguido com intenção de o molestar fisicamente, o que conseguiu.
43. Sabia o arguido que o ofendido AG..., é seu filho, e que estava vinculado para com este ao dever de cuidado, respeito e salvaguarda da sua integridade física e psíquica.
44. Agiu sempre de forma deliberada, livre, e consciente, bem sabendo ser o seu comportamento proibido e punido por lei.
45. Em Dezembro de 2016, após o divórcio dos pais, o ofendido AG..., passou a residir, com a sua mãe, na residência sita na Rua J… Sacavém.
46. Desde há pelo menos 30 anos que o relacionamento entre a arguida N... e o Assistente EG... é pautado por discussões, entre outros motivos, devido ao facto deste ter mantido relacionamentos extraconjugais, o que muito entristeceu a arguida e que fez com esta não voltasse, a confiar no assistente,
47 Desde 2.008 ou 2009, que. arguida e EG... dormem em quartos separados, por decisão deste último, devido aos tratamentos médicos que na altura teve de fazer, relacionados com o Eufonia.
48. Apesar do assistente ter conseguido curar-se, arguida e assistente não voltaram a dormir no mesmo quarto.
49. Em 2016, por altura do divórcio do arguido RJG..., o Assistente, por não concordar com o mesmo, tomou o partido de PP... e do neto A..., enquanto a arguida apoiou o filho, o ora arguido, o que veio a tornar o relacionamento entre a arguida e o assistente EG..., ainda mais frio e distante.
50. Em data não apurada, o assistente apelidou a arguida de ignorante e estúpida ao que esta respondeu só sabes carregar no botão (por ser fotografo).
51. Desde data não concretamente apurada, a arguida deixou de confeccionar as refeições de EG... e de lhe lavar a roupa, comprando e confeccionando, cada um a sua comida.
52. Em consequência da conduta do arguido, AG... necessitou de cuidados médicos/hospitalares que lhe foram prestados no serviço de urgência hospitalar do Hospital CUF Descobertas, no próprio dia 27.09.2016, tendo-lhe sido prescrito ibuprofeno durante três dias, tendo sentido dores e mal estar, que perduraram durante vários dias e que afectaram o período de descanso.
53. Em consequência da conduta do arguido, o menor necessitou de ser acompanhado em Psicologia Clínica, foi-lhe diagnosticada uma depressão leve a moderada e foi seguido em consulta ambulatória nos dias 07, 14 e 22 de Outubro, 2 e 18 de Novembro e 9 de Dezembro de 2016; 20 e 31 de Janeiro, 3 e 17 de Fevereiro, 10 e 29 de Março, 13, 24 e 28 de Abril e 5 e 26 de Maio de 2017, acompanhamento que deve continuar a manter.
54. Em consequência da conduta do arguido, AG... sentiu medo de ser novamente agredido física ou verbalmente pelo demandado.
55. O arguido confessou os factos apurados.
56. Mostrou-se arrependido.
57. Por sentença transitada em julgado em 05.04.2017 e proferida no âmbito do processo 177/16.3PTLRS foi o arguido condenado na pena de 70 dias de multa, pela prática, em 20.07.2016, de uni crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
58. Por sentença transitada em julgado em 02.02.2018 e proferida no âmbito do processo 342/17.6SXLSB foi o arguido condenado na pena de 110 dias de multa, pela prática, em 12.11.2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
59. O arguido RJG... é seguido em psiquiatria desde 2012, tendo sido diagnosticado uma perturbação Afectiva Bipolar.
60. O arguido é divorciado e vive com a mãe.
61. O arguido é fotojornalista trabalhando como free lancer, recebendo, em média, entre 400 a 500 euros mensais.
62. Contribui com 200 euros mensais para o sustento do filho, aqui ofendido.
63. Vive em casa própria já paga.
64. Possui como habilitações literárias o 12° ano de escolaridade.
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Com relevo para a discussão da causa não se logrou provar a seguinte matéria de facto:
1. Que os arguidos têm conhecimento que o Assistente EG... apresenta risco acrescido de vir a sofrer um acidente cerebral vascular, por ser portador de hipertensão arterial, de doenças graves nas artérias principais do coração e dos rins, e sofre de arritmias cardíacas permanentes e com manifestações de insuficiência cardíaca.
2. Que o arguido e o seu cão foi viver para a casa do pai, EG..., contra a vontade deste, dormindo o arguido num sofá cama juntamente com o aludido animal.
3. O arguido tudo faz para que EG... se encontre sempre destabilizado emocionalmente, no seu dia-a-dia, não reagindo o ofendido aos comportamentos do seu filho, em razão da sua débil saúde.
4. Pelo menos, desde o mês de Junho de 2016, com frequência o arguido RJG..., devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, e por vezes sem qualquer motivo ou quando, de algum modo, contrariado por EG..., encetou discussões com este, no âmbito das quais, por inúmeras vezes dirigiu-lhe as seguintes expressões: és um merda; és ingrato, não vales nada, és um cobarde, o que andas cá a fazer; qualquer dia desfaço-te todo; não reages, estou farto de ti, pá, entre outras.
5. Assim como, por diversas vezes, disse a EG... que este era amante da ex-nora, que é melhor casar com ela, que lhe mete nojo, entre outras.
6. Pelo menos, desde o mês de Junho de 2016, com frequência o arguido RJG..., devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, e por vezes sem qualquer motivo ou quando, de algum modo, contrariado por EG..., encetou discussões com este, no âmbito das quais, por inúmeras vezes dirigiu-lhe as seguintes expressões: és um merda; és ingrato, não vales nada, és um cobarde, o que andas cá a fazer; qualquer dia desfaço-te todo; não reages, estou farto de ti, pá, entre outras.
7. Assim como, por diversas vezes, disse a EG... que este era amante da ex-nora, que é melhor casar com ela, que lhe mete nojo, entre outras.
8. A descrita conduta do arguido intensificou-se ainda mais para com o ofendido EG..., após aquele ter tido conhecimento que este apoiava a sua ex-nora PP..., e o seu neto AG..., tendo, nos últimos meses, passado a ocorrer quase diariamente.
9. Que EG... mandou colocar a fechadura de reforço no seu quarto no dia 03.03.2017 por recear que o arguido RJG... atentasse contra a sua vida ou integridade física.
10. Que o arguido tem conhecimento das doenças que o assistente EG... padece e que este não se pode enervar, nem ficar ansioso.
11. Que no dia 04.03.2017, cerca da 01.05 h, o arguido disse, dirigindo-se a EG... não abres a porta és um cobarde; eu mato-te; eu dou cabo de ti,
12. Mais tarde, cerca das 02h 10m, desta mesma noite, o arguido RJG... voltou a entrar no domicílio de EG... e, persistindo na sua conduta, apelidou o ofendido de cobarde e disse que o ia matar, e desferiu, de novo, violentos pontapés na porta do quarto de EG…, destruindo-a por completo, tendo sido de novo solicitada a presença da entidade policial no local, por parte do ofendido.
13. O arguido RJG... apenas cessou com a descrita conduta quando se apercebeu que EG... tinha solicitado, mais uma vez, a presença da entidade policial.
14. No dia 04 de Março de 2017, encontrava-se EG... no interior do seu domicílio, quando aí entrou o arguido RJG..., acompanhado do seu cão.
15. No local, o arguido andou a passear o cão na frente do ofendido e colocou-se com os braços abertos na frente de EG..., tendo-lhe dito, por diversas vezes: és um cobarde; és um cobarde, em tom de desafio, e seguiu o ofendido pelo interior da habitação com o descrito comportamento.
16. Nesta ocasião EG... disse ao arguido para ir para a sua casa, ocasião em que o arguido retorquiu dizendo-lhe esta casa é minha, vai-te embora; estás cá a mais.
17. Ainda nesta ocasião, a dada altura, EG... retirou o casaco que tinha vestido e o arguido disse-lhe eu ajudo-te a levar os casacos todos e a tua roupa toda; sai daqui, e ainda pegou num monte de camisas do ofendido que estavam dobradas e atirou as à cara deste dizendo-lhe leva isto tudo, vai-te embora, vai para a Maçã, referindo-se a uma habitação secundária da família existente na localidade de Maçã, na zona de Sesimbra.
18. No dia 07 de Março de 2017, encontrava-se EG... no interior do seu domicílio, quando aí entrou o arguido RJG..., acompanhado do seu cão.
19. No local, o arguido andou a passear o cão na frente do ofendido e colocou-se com os braços abertos na frente de EG..., tendo-lhe dito, por diversas vezes: és um cobarde; és um cobarde, em tom de desafio, e seguiu o ofendido pelo interior da habitação com o descrito comportamento.
20. Nesta ocasião EG... disse ao arguido para ir para a sua casa, ocasião em que o arguido retorquiu dizendo-lhe esta casa é minha, vai-te embora; estás cá a mais.
21. Ainda nesta ocasião, a dada altura, EG... retirou o casaco que tinha vestido e o arguido disse-lhe eu ajudo-te a levar os casacos todos e a tua roupa toda; sai daqui, e ainda pegou num monte de camisas do ofendido que estavam dobradas e atirou as à cara deste dizendo-lhe leva isto tudo, vai-te embora, vai para a Maçã, referindo-se a uma habitação secundária da família existente na localidade de Maçã, na zona de Sesimbra.
22. O cão do arguido, já por diversas vezes comeu a comida destinada ao ofendido EG..., e o arguido não fez nada para impedir o animal de o fazer.
23. Ao invés, nestas ocasiões o arguido fez troça da situação e ri-se com a façanha do animal.
24. Que o odor a cão torna-se aflitivo para EG... devido às doenças que padece.
25. No dia 16 de Fevereiro de 2017, cerca das 00h45rn, encontrava-se EG... no seu domicilio, sentado no sofá a ver televisão, quando, o arguido, sem mais, desligou a televisão.
26. Após, o arguido colocou-se na frente de EG…, em jeito de desafio, e deu-lhe um toque, com a mão, na pala do chapéu que o ofendido tinha colocado na cabeça, retirando-lho.
27. Nesta altura, EG... levantou-se e perguntou ao arguido se lhe queria bater, tendo
o arguido respondido não te bato porque és velho, se não desfazia-te.
28. - Acto contínuo, o arguido colocou as mãos no peito de EG... e empurrou-o para trás, obrigando-o deste modo a sentar-se novamente.
29. Com teieiu do arguido, EG... não lhe respondeu.
30. Devido à descrita conduta do arguido EG... passou a dormir com a porta do quarto fechada à chave e trancada com urna tranca em madeira colocada entre a porta e o guarda-vestidos.
31. Que desde que adquiriu o cão, em Março de 2013 o arguido RJG... passou a dar mais atenção e carinho ao animal do que ao seu filho AG..., o que sempre causou muita tristeza e sofrimento no menor, situação que se agravou a partir do mês de Abril de 2016, altura em que o arguido RJG... e a sua então mulher PP... se separaram de facto.
32. Pelo menos desde o mês de Junho de 2016, o arguido RJG..., devido ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas encetou, com frequência que não foi possível apurar, discussões com
o filho AG..., por vezes sem qualquer motivo ou quando de algum modo por este contrariado, no âmbito das quais, por inúmeras vezes dirigiu-se a este e proferiu-lhe as seguintes expressões: parvo, estúpido, não vales uma merda, mentiroso, ladrão, preguiçoso, entre outras.
33. Que foi devido aos aludidos consumos excessivos de bebidas alcoólicas, e por recear que o arguido RJG... atentasse contra a sua integridade física, que AG... passou a dormir juntamente com a sua mãe num quarto, e com a porta trancada.
34. De seguida, o arguido RJG... agarrou AG... na zona das costas, colocando-lhe as mãos debaixo das axilas e, com força, atirou-o para a frente, fazendo com que o ofendido fosse embater com o corpo contra um espelho aí existente, causando-lhe dores e provocando-lhe medo.
35. Que o arguido RJG... desferiu as duas estaladas ao filho porque se apercebeu que o este tinha dito ao seu avô EG... que estava a gravar, com o seu telemóvel parte dos insultos que lhe tinham sido acabados de proferir, e que, em consequência o menor caiu da cama para o chão e embatesse numa mesa aí existente.
36. O arguido RJG... só cessou com a descrita conduta com a intervenção do ofendido EG..., a quem o arguido disse levas tu também,
37. Após, ainda na aludida ocasião, o arguido RJG... apregoou, na presença do menor AG..., que era bem feito e que já devia ele ter levado há muito tempo.
38. Que o arguido quando se apercebeu que o menor tinha empacotado Cd's seus, dirigindo-se ao menor apelidou-o de ladrão, vigarista», desonesto.
39. Ao actuar da forma descrita, agiu o arguido com o intuito concretizado de dirigir ao ofendido EG... as expressões supra, bem sabendo que as mesmas atingiam e lesavam a sua honra e consideração e envergonhavam, inferiorizavam e humilhavam aquele.
40. O arguido determinou-se durante todo o lapso de tempo referenciado, reiterando sucessivamente os mesmos propósitos, cometendo de forma homogénea os repetidos actos e servindo-se dos mesmos métodos que, sucessiva e repetidamente, se foram revelando aptos para atingir os seus fins, não ignorando que violava a dignidade pessoal do ofendido.
41. Bem sabendo o arguido que as expressões usadas revestiam carácter de seriedade e eram susceptíveis de causar temor e mal-estar nos visados, como efectivamente causaram, sentindo-se aqueles permanentemente inquietos, intimidados, e em estado de permanente tensão.
42. E não ignorando que o ofendido EG..., seu pai, é pessoa debilitada física e psicologicamente.
43. Sucede que, desde o início da coabitação, a arguida N..., com assiduidade, desencadeou discussões com EG..., por vezes sem qualquer motivo ou quando, de algum modo, por este contrariada, no âmbito das quais lhe dirigiu as seguintes expressões: que o traia se quisesse; que lhe punha os cornos se quisesse; tu precisas é de uma grande tareia, mas qualquer dia levas; tu levas com uma coisa na cabeça; só sabes carregar no botão (por ser fotografo); só sabes ser bate-chapa; não vales nada; odeio-te tanto que quando morreres vou fazer XIXI em cima da tua campa; eu se quisesse tinha-te posto os cornos várias vezes; tinha muitos médicos que queriam ir comigo para a cama; és amante dela, porque não casas com ela, referindo-se à ex-nora PP..., e por inúmeras vezes o manda ir embora de casa, entre outras.
44. Devido às doenças de que padeceu e padece o ofendido EG... não se pode enervar, nem ficar ansioso, o que é do conhecimento da arguida.
45. Porém, a arguida tudo faz para que EG... ande destabilizado emocionalmente no seu dia-a-dia, não reagindo o ofendido aos comportamentos desta, em razão da sua débil saúde.
46. A supra descrita conduta da arguida intensificou-se ainda mais no decurso do último ano devido à ocorrência do divórcio do filho RJG... , e por EG... ter pedido, por diversas vezes, ao filho RJG..., que não trouxesse o cão de sua pertença para dentro do seu domicílio, e ainda por o ofendido ter confrontado a arguida com documentação bancária que demonstra que esta retirou todas as quantias monetárias existentes nas contas bancárias que existiam em nome dos dois.
47. Que a arguida não quer que o marido EG... confeccione as suas próprias refeições no domicílio comum.
48. Numa ocasião situada no início do ano de 2017, EG... ia para confeccionar uma posta de bacalhau que estava no frigorífico a arguida deu-lhe uma palmada na mão, ao mesmo tempo que lhe disse que a aludida posta era dela.
49. Por forma a não se enervar, e na dúvida, EG... nada disse à arguida e acabou por retirar uma outra posta de bacalhau.
50. Numa outra ocasião, em data não concretamente apurada, mas também já em 2017, encontrava-se EG... na cozinha, com a televisão ligada e aí entrou a arguida e desligou a televisão, alegando que a televisão era dela, porque a tinha comprado e o ofendido não tinha direito a ver televisão.
51. A arguida desde o início da coabitação, sempre teve o hábito de abrir a correspondência de EG..., com recurso ao vapor do feito de engomar.
52. A arguida desde sempre mexeu na carteira de EG..., nas agendas e nos bolsos dos casacos, por forma a controlar a vida e rotinas deste, antes e após a reforma profissional do ofendido.
53. O ofendido sempre mostrou a arguida o seu desagrado por estes comportamentos mas a arguida sempre negou que o fizesse.
54. Na ocasião, não tendo aceite de bom grado a decisão do ofendido E... de dormirem em quartos separados, a arguida, por inúmeras vezes, disse a amigos e conhecidos do casal que era o ofendido quem não queria dormir com ela, o que muito o entristeceu, por não corresponder à verdade.
55. Ao actuar da forma descrita, a arguida agiu livre, deliberada e conscientemente, querendo causar mal-estar e temor ao ofendido EG..., pessoa debilitada física e psicologicamente devido às doenças de que padece, e bem assim molestá-lo psiquicamente e prejudicar a sua saúde, não ignorando que atingia e lesava a sua honra e consideração e o envergonhava, inferiorizava e humilhava, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por ler.
56. Que o menor AG... tem, desde sempre, pautado o seu comportamento público e privado pelas regras da maior cordialidade, urbanidade, sensibilidade e honestidade, para com todos os que com ele privam: familiares, amigos e professores.
57. Que AG... passou a ter medo de entrar ou sair de sua casa, receoso de novo confronto por parte do demandado e passou a ter receio que o demandado retaliasse relativamente à mãe e ao avô paterno.
58. Que AG... passou a dormir com a mãe no quarto desta, com a porta trancada com receio do pai, o arguido RJG....
59. Que AG... passou a telefonar sempre à mãe, antes de entrar em casa, para esta providenciar por auxílio policial, caso o pai estivesse em casa ou na casa dos avós e passou a andar com telemóvel para poder gravar os impropérios com que, sistematicamente era brindado pelo pai.
60. Que em consequência da conduta do arguido, a partir de Abril de 2016, A... passou a ter sentimentos de insegurança, ansiedade, perda de sono, insónias, acordando com pesadelos, com sudação, tendo dificuldade em conciliar o sono.
61. Que AG... ficou triste por o pai não o sentir como filho.
62. Que o demandante sentiu e sente tristeza por ver a degradação e agressividade crescente do pai motivada pelo consumo excessivo de álcool, por o ver a maltratar o avô e por imputar a este a manutenção de uma relação amorosa com a nora, mãe do demandante.
63. Que o demandante sentiu tristeza por não ter um pai presente e orgulhoso do seu mérito escolar e por este não ter comparecido à cerimónia da entrega ao seu filho do diploma de Quadro de Excelência do Agrupamento de Escolas de Portela e Moscavide, e não ter apresentado motivo justificativo.
64. Que também tem angústia evidenciada no facto de ter necessidade de reviver todos os acontecimentos, nas várias e sucessivas narrações que teve de fazer junto dos profissionais de justiça, de médicos e de familiares.
65. Que sente vergonha do comportamento do pai e sente-se constrangido perante os seus pares, colegas de escola, quando confrontado pelas ausências do pai, ou perante a impossibilidade que sentiu em retribuir convites para que os seus colegas frequentassem a sua casa, temendo pelo comportamento do pai.
66. Que em consequência da agressão que sofreu ficou com a marcha e capacidade para praticar exercício físico afectado, privando-o da prática de educação física.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal relativamente aos factos fundou-se na análise crítica e conjugada da prova, tendo sido determinante as declarações do arguido RJG... que, de forma clara e linear nos deu conta do seu relacionamento com o pai e o filho; do relacionamento existente entre os pais e que admitiu todos os factos dados como assentes relativamente à sua actuação, não se escudando a fornecer explicações nem a responder a todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados, lamentando a forma como agiu.
Também a arguida assim o fez negando a pratica dos factos e dando conta da sua vivência conjugal, explicando que é ela quem se sente ofendida face às atitudes do marido, que vão desde os relacionamentos extraconjugais que este manteve ao desprezo que sempre demonstrou para consigo, por a considerar intelectualmente inferior, acabando na falta de cooperação, respeito e amizade para consigo. Explicou com tristeza e pesar a forma como decorreu o relacionamento com o assistente e a as razões que os foram afastando enquanto casal ao ponto de fazerem vidas completamente separadas, partilhando apenas a mesma casa.
Em audiência debateram-se duas versões, as dos arguidos, que foram, claras e coerentes, tendo sido corroborados em diversos aspectos pelo depoimento de AG..., e em aspectos mais particulares como seja o modo como o Assistente via o filho ou tratava a arguida, nos de PG..., MTL..., MOA... e N..., e por outro lado a versão do Assistente EG... corroborada, na parte em que estes assistiram, pelo seu neto A... e pela sua nora PP....
O assistente prestou umas declarações confusas deixando perpassar a animosidade existente entre si e os arguidos, revelando um sentimento de superioridade intelectual em relação à sua mulher e uma frieza no tracto.
Assim, referiu que disse à mulher para não o acompanhar mais ao I.P.O. onde estava a efectuar tratamentos para o linfoma que padecia por que esta colocava questões pouco inteligentes aos médicos, o que disse deixando escapar um sorriso. Não conseguiu exemplificar que tipo de perguntas a mulher colocou e que o levaram a chegar a tal conclusao.
Revelou com isso não ser uma pessoa débil, já que numa fase em que a maioria das pessoas fica mais fragilizada devido ao tipo de tratamentos a que está a ser sujeita, o assistente prescindiu do apoio da mulher.
Por outro lado afirmou que disse à mulher para ir ao médico porque estava com a barriga grande, o que denota frieza no trato.
Acresce que as suas declarações foram contraditórias em certos aspectos, primeiro afirma que o cão ficou em sua casa contra a sua vontade e só depois esclarece que inicialmente deu o seu acordo para
o cão lá estar em casa. Referiu que fez um tratamento violentíssimo e a mulher não quis saber de si indo passar o fim-de-semana fora. Quando depois esclarece que foi ele que não quis que esta o acompanhasse ao IPO e que admitiu que não quer que o filho e a mulher tenham conhecimento do seu estado de saúde.
Do confronto das suas declarações com o depoimento de várias testemunhas que arrolou, apercebemo-nos que o assistente tem uma personalidade forte e gosta de manipular as pessoas, fazendo-se de vítima. Como é que se concilia o facto de o assistente admitir que não quer que o filho e a mulher saibam do seu estado de saúde, com o de afirmar que não o levaram à consulta, ou
o de lamentar-se às testemunhas J... e E... que não tem quem o acompanhe à consulta, sem que informe que não quer que a mulher e o filho o acompanhem e se inteirem do seu estado de saúde.
As suas declarações foram empoladas, referindo que a mulher quer bater-lhe, que lhe mete a mão no peito. Não só o assistente não apresentou queixa por esse tipo de agressões como, face à dificuldade de locomoção que a arguida apresenta, e que foi visível em audiência, por contraste à agilidade que o assistente ainda revela, temos sérias dúvidas que a mesma tenha adoptado tal comportamento. Também em relação ao seu filho, o assistente não conseguiu deixar de revelar a má relação que mantém com este.
Por seu turno, AG..., prestou um depoimento claro e tranquilo, descrevendo os factos de forma detalhada, distanciado dos mesmos e com um à vontade, até na postura corporal que adoptou, que poucos adultos tem quando sentados na cadeira das testemunhas. Admite-se que tal resulte da intensa terapia a que foi sujeito e a uma maturidade que revelou ter bem superior à sua faixa etária.

Questionado o psicólogo clínico que o acompanha, o Dr. FR..., por termos ficado com algumas dúvidas sobre se o seu depoimento terá sido de alguma forma influenciado pelos adultos que com ele convivem ou a empolar os factos, atendendo à sua juventude, ao facto dos factos terem decorrido há já algum tempo e estão tão marcados na sua memória, o mesmo afirmou que não.
No entanto, face à admiração que o menor tem para com o avô, e que foi perceptível em audiência e ao facto do menor ter adoptado, aquando do divórcio o partido da mãe, ficámos com sérias dúvidas se o mesmo, não estará a empolar os factos numa tentativa de agradar ao avô e à mãe. Não se pode deixar de estranhar, que existindo um bom relacionamento prévio entre ele e o pai; tendo o menor afirmado que o pai adoptou os comportamentos que descreveu depois de passar a ingerir bebidas alcoólicas, não consiga ultrapassar tais factos, mesmo após terapia, e mantenha um corte no relacionamento.
Finalmente, as declarações de PP..., causaram alguma estranheza por estarem tão coladas às declarações do assistente EG.... Também causa ,estranheza que afirme que o seu divórcio foi um divórcio civilizado para depois afirmar que passou a dormir trancada no quarto com o filho.
As demais testemunhas, com excepção das já referidas não contribuíram para a descoberta da verdade, porquanto ou não tinham conhecimento directo dos factos ou o seu depoimento não mereceu credibilidade.
Assim, AG..., filha da arguida e do Assistente EG..., que prestou um depoimento tranquilo, confirmou o tipo de relacionamento que os pais mantiveram, os motivos do afastamento do casal e do agravamento do seu relacionamento e deu-nos conta da personalidade do assistente pessoa independente, que ainda hoje não quer que a mãe e o irmão saibam do seu estado de saúde, explicou que o problema que divide o casal é a casa de morada de família. Confirmou os telefonemas que teve com o irmão e o pai; que o pai só começou a opor-se à presença do irmão e do cão lá em casa depois da ex-mulher do irmão ter abandonado a casa deste, que o estúdio foi construído para o irmão trabalhar.
FR..., psicólogo clinico que acompanha AG... desde 2016, após a agressão do pai, deu-nos conta do diagnóstico que efectuou e relatou o que o menor lhe contou e das mágoas e tristeza que este sentiu.
Referiu também estar a acompanhar o assistente EG... e deu-nos conta do diagnóstico que efectuou.
J..., biografo do assistente, não tem conhecimento directo dos factos, limitando-se a relatar o estado de espírito do assistente.
MP..., nada sabe sobre os factos.
ML..., conhece os arguidos e assistente desde há 25 anos, porque o marido é jardineiro da casa que o casal tem na Maça. Num discurso, revelador do mau relacionamento que tem com a arguida, a quem culpabiliza, embora sem qualquer fundamento, pelo facto de ter tido de mudar de telefone, por estar a ser incomodada com inúmeros telefonemas para sua casa sem que ninguém falasse, afirmou que a arguida já há muito tempo que não vai à casa da Maça, mas que esta há cerca de dois anos, ligou-lhe várias vezes para dizer que o assistente E... devia ter um caso com a nora.
A antipatia que revelou ter para com a arguida aliada ao facto de não ter contextualizado as conversas que manteve, não nos mereceu qualquer credibilidade.
NS..., não tem conhecimento directo dos factos, descreveu apenas a alteração do estado de espirito do assistente que atribui a problemas que este tem com o filho por causa de uma máquina que este se recusou a dar.
ML..., que conhece arguidos e assistente há mais de 40 anos, deu-nos conta das queixas da arguida e relatou uma situação em ouviu o assistente menosprezar a arguida.
A testemunha E..., que conhece EG... por motivos profissionais, não tem conhecimento directo dos factos, limitando-se a relatar o estado de espírito do Assistente EG... e as queixas que este lhe fez da mulher e do filho.
JA..., que trabalhou com EG..., também não tem conhecimento directo dos factos, dando-nos conta dos desabafos da arguida que se queixava do assistente ter amantes.
CT..., médico que conhece o assistente há mais de 10 anos deu-nos conta do estado de saúde deste.
PG..., primo arguido e sobrinho do assistente, não presenciou os factos mas deu-nos conta do que o tio pensava do filho, por este estar a divorciar-se.
P..., não tinha conhecimento directo dos factos.
PS..., médico, dos arguidos, deu-nos conta do estado de saúde destes.
MTL..., amiga de infância da arguida e que está de relações cortadas com o assistente, deu-nos conta do relacionamento da arguida e do assistente, confirmando o relato daquela.
MOA..., amiga da arguida desde 19…, deu-nos conta do relacionamento entre a arguida e o assistente, confirmando a versão daquela.
D..., agente da PSP, confirmou que foi ao local devido a uma agressão a um menor, não tendo presenciado ns factos.
A... agente da PSP, confirmou que deslocou-se a casa do assistente devido a um dano numa porta, por duas vezes na mesma noite e que da segunda vez o dano inicialmente de 6 cm, estava bem maior.
J..., agente da PSP, afirmou ter acompanhado o colega A... na segunda deslocação a casa do assistente, tendo constatado que o arguido estava exaltado por o pai estar a ser injusto com a mãe.
N…, que conhece o arguido e a assistente há cerca de 18 anos, por trabalhar para eles na casa da Maça, em Sesimbra, não presenciou os factos, dando-nos conta do estado de espirito da arguida e do modo como o assistente a tratava.
M…, agente da PSP, só se recorda de ter uma ocorrência por agressão de um pai a um filho. D…, que conhece o assistente por intermédio do marido, confirmou que a arguida lhe contou que o marido tinha amantes.
C…, não presenciou os factos, e nada sabe com interesse.
Os depoimentos dos ofendidos para sustentarem uma condenação tem que ser inteiros e credíveis e no caso não foram.
Assim, deu-se apenas como provados os factos confessados pelo arguido e na medida em que os confessou, os factos relatados pela arguida quanto ao seu relacionamento com o marido, o que resultou do depoimento de AG... e deram-se os demais factos como não provados.
Teve-se, ainda, em atenção as certidões de registo civil de fls. 16, 143, 144, 145, 305, (assentos de nascimento do menor A…, de AG..., de RJG... e assento de casamento da arguida e de RJG...); contrato de promessa de partilha de bens comuns de fls. 6, documentação hospitalar de fls. 20 a 23 relativa à assistência prestada a AG..., fls. 29 — prescrição de Ibuprofeno, fotos de fls. 31 a 36, auto de exame médico de fls. 48, fotos de fls. 118 a 122, declaração médica de fls. 126 e relatório clínico de fls. 127 relativos a EG..., fls. 297 a 309, consultas do SAMS, relativas ao menor A..., informação psiquiátrica relativa à arguida de fls. 332 e diagnóstico de fls. 334, documentação clinica de fls. 339 a 344, informação psiquiátrica relativa a RJG... de fls. 398, relatório clínico de fls. 463, declaração e relatório clínico de fls. 542 e 543, lista das faltas escolares de AG... de fls. 690, fotos de fls. 785 e 786,
No que concerne às condições pessoais do arguido atendeu-se às declarações que este prestou quando ouvido sobre as suas condições de vida e o CRC junto aos autos a fls. 893.
'No que concerne, à matéria não provada, como já atrás se referiu, na ausência de prova credível, esclarecendo-se que quanto ao episódio da porta só se deu como assente que o arguido provocou um buraco de 5 ou 6 cm por ter sido estes os factos confessados, afirmando o arguido que não voltou a casa do pai depois e não foi ele quem aumentou o buraco na porta e que é visível nas fotos e foi comprovado pelos agentes da segunda vez que lá se deslocaram.
Quanto à matéria cível na total ausência de prova.

III° 1. Recurso intercalar:
Em relação ao despacho de 12Julho18, o recorrente invoca a nulidade por falta de fundamentação, apelando ao disposto nos arts.379°/1, a), conjugado com o art. 374°, ri.° 2 e 3, a) do CPP.
Os citados preceitos legais, porém, como resulta desde logo da sua inserção sistemática, referem-se à sentença, o que Hão é o caso, pois o recorrente pretende reagir a um despacho.
Como é sabido, o art.205, n°1, da Constituição da República Portuguesa determina que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Em cumprimento desse preceito constitucional, o art.374, n°2, do CPP, estabelece os requisitos da fundamentação da sentença, estabelecendo o art.97, n°5, do CPP, para as outras decisões, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Em sede de nulidades vigora entre nós um princípio de legalidade - art.118, n.°s 1 e 2 do CPP, razão por que um acto só pode padecer de nulidade se a lei o disser expressamente, de outro modo, o acto viciado sofrerá do vício menor de irregularidade (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, Almedina, 1999, 11.a Ed., pag.305).
De acordo com este autor, houve um propósito do Código de circunscrever as nulidades, mormente as absolutas àquilo que considerou a estrutura essencial do processo criminal, mas teve por bem não só admitir prudentemente a não incidência de vícios puramente formais dos actos na validade do processo, como permitir a convalidação de actos anuláveis que pudessem ser aproveitáveis ou que, tendo que ser integralmente afectados, não implicassem a perda absoluta do processado ulteriormente (ibidem, pag.303).
Não sendo o caso dos autos um dos tipificados como nulidade, teremos de concluir que a falta e a insuficiência da fundamentação de um despacho apenas importa para o acto decisório a sua irregularidade, a ser invocada nos limites temporais do art.123, do CPP.
No caso, tendo o despacho sido proferido em 12Julho18 (em sessão da audiência de julgamento a que o assistente estava presente), a falta de fundamentação do mesmo só foi suscitada no recurso interposto em 16Ago.18, isso é, para além do prazo previsto no citado art.123, quando tal irregularidade, a existir, já estava sanada.
Quanto ao mérito do despacho, considerou o Mmo Juiz que não tendo sido ...junto despacho judicial ordenando a mesma, trata-se de uma gravação ilícita que não pode ser admitida nos autos.
Contudo, nem todas as gravações não determinadas por despacho judicial são ilícitas, já que nenhuma norma exclui em termos absolutos a possibilidade de apresentação de provas obtidas por particulares, como no caso em que o assistente pretende apresentar gravação por si efectuada.
Em matéria de prova, o CPP estabelece no art.125 uma regra geral São admissleis as provas que não forem probidas por ler .
Os n's1 e 2 do art.126, CPP enunciam os métodos de prova que o legislador considera proibidos em termos absolutos, pois que atentam contra direitos indisponíveis para o seu próprio titular e em relação aos quais é irrelevante o consentimento.
O n°3, por seu lado, refere-se a métodos proibidos de carácter relativo abrangendo os casos em que se utilizam processos de recolha de prova sem o consentimento dos respectivos titulares. Aqui não existe uma proibição absoluta, mas meramente relativa, uma vez que, estando apenas em causa direitos disponíveis, é sempre possível utilizar os meios de prova aí referidos se houver consentimento válido para tal ou a situação esteja prevista na lei.
No caso, estando em causa gravação da voz dos arguidos RJG... e N..., o recorrente apela a parte da gravação em que esta aceita a gravação, mas em momento algum o arguido RJG... manifesta idêntica atitude.
Essa falta de consentimento do arguido RJG... não deixa dúvidas sobre a ilicitude da gravação, nos termos do art.199, n°1, al.a, CP, preceito incriminador que protege o direito à palavra como bem jurídico pessoal.
Contudo, evidenciando a gravação uma situação de conflito na qual ocorrem factos que podem integrar um crime c não atingindo direitos pessoais integiaduies du uúeleo próprio da intimidade privada de uma pessoa, entendemos que num juízo de necessidade, proporcionalidade e adequação, o interesse público de realização da justiça se deve sobrepor àqueles interesses pessoais, considerando-se excluída a ilicitude da gravação nos termos do art.31, n°1, CP.
Embora se reconheça que não é prova proibida, não tendo ela sido apresentada no momento próprio, não significa que devesse ter sido admitida, pois o CPP não prevê a possibilidade irrestrita dos intervenientes processuais apresentarem prova na fase de julgamento.
No seu requerimento (fls.1078 e segs.), o assistente não indica essa gravação para prova de quaisquer factos concretos da acusação, mas para ... contrapor à ideia de que é o assistente que insulta e provoca os arguidos e que tem ornas..., factos que não fazem parte do objecto do processo.
Por outro lado, como refere o Ministério Público na resposta apresentada em ia instância, os factos a que se refere essa mesma gravação foram confessados pelo arguido RJG....
Assim, não se verificando em relação a essa gravação o requisito necessidade exigido pelo art.340, n°1, CPP, não se justificava que o tribunal admitisse a sua produção nos termos desse preceito legal, pelo que, embora com fundamentos diferentes, indefere-se o requerido pelo assistente a fls.1078, improcedendo o recurso intercalar.
2. Recurso da sentença:
De forma conclusiva o recorrente fala em erros notórios na apreciação da prova e contradição insanável da fundamentação, o que se reconduz à invocação dos vícios do art.410, n°2,als.b, e c, do CPP (conclusão 13a).
Este preceito legal admite o alargamento dos fundamentos do recurso às hipóteses previstas nas suas três alíneas, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regrar da experiência comum.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto, ocorrendo este vício quando se dá como provado e não provado o mesmo facto.
No caso, o recorrente refere-se a contradição na conclusão 8', mas com referência ao sentido de determinados elementos de prova, quando o vício em causa tem de resultar do texto da decisão recorrida.
O erro notório na apreciação da prova caracteriza-se como o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Ocorre quando a matéria de facto sofre de uma irrazoabilidade passível de ser patente a qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum'.
Este vício, como é sabido, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, mas sem recurso a elementos estranhos a ela, ainda que constantes do processo'.
O vício para ser notório, tem de consubstanciar uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova — facilmente perceptível numa leitura minimamente atenta e ponderada, levada a cabo por um juiz com a cultura e experiência da vida que deve pressupor-se num juiz normal chamado a apreciar a questão — denunciadora de uma violação manifesta das regras probatórias ou das legis anis, ou ainda
das regras da experiência comum, ou que aquela análise se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O recorrente apela ao sentido das provas produzidas para considerar verificado este vício, quando o mesmo, repete-se, tem de resultar do próprio texto da decisão sem recurso a quaisquer outros elementos.
Não se verificam, assim, os apontados vícios.
3. De acordo com o art.428, n°1, do Código de Processo Penal, as relações conhecem de facto e de direito.
No caso, o recorrente impugna os n°s21,22,23,27,36,50, dos factos provados e os n°s11 a 13, 25 a 30, 43 e 44, dos não provados.
Os factos provados 21 a 23,27 e os não provados 11 a 13, correspondem aos alegados na acusação sob os n°s 9 a 13.
Em relação a eles, como provas que impõem decisão diversa, o recorrente apela ao auto de notícia de fls.116 e 117, assim como aos depoimentos dos agentes da PSP A... e J....
O n°22 dos factos provados, como assinala o recorrente, não refere data, mas estando na sequência do facto anterior deve entender-se como se referindo ao mesmo dia.
Esses factos fazem parte de uma situação que culminou com a chamada ao local da PSP, na sequência do que foi elaborado o auto de noticia de fis.116 e 117 (datado de 4Março17).
Face a este auto de notícia, a referência do n°21 a 4 Março é manifesto lapso, pois tratando-se de situação ocorrida pouco antes daquela intervenção policial (que o auto de noticia confirma ter ocorrido às primeiras horas do dia 4Março17, mais concretamente, a primeira intervenção à 01h.15 e a segunda às 2h.10), o descrito nos n°s21 e 22 terá ocorrido ainda no dia 3Mar.17.
Tratando-se de situação imputada na acusação como tendo antecedido a intervenção policial que justificou aquele auto de notícia, os arguidos logo ficaram conscientes que lhe estavam a ser imputados factos ocorridos nas últimas horas do dia anterior a 4Março17, ou seja, 3Março, pelo que ao considerar tratar-se de mero lapso, passando a ler-se 3Março17 no facto provado n°21, não se está a proceder a qualquer alteração não substancial dos factos, justificativa de cumprimento do n°1, do art.358, CPP, pois tendo os arguidos compreendido que lhe estavam a ser imputados factos ocorridos nas horas que antecederam o que consta no auto de notícia de fls.116 e 117, exerceram em relação a esses factos todos os seus direitos de defesa.
No restante, não se justifica qualquer outra alteração aos d's21 e 22 dos factos provados, assumindo o próprio recorrente que o n°21 é inócuo.
A testemunha AG... confirmou os telefonemas que teve com o irmão e com o pai (assistente), não se justificando assim qualquer alteração ao n°23 dos factos provados.
Quanto à situação ocorrida às primeiras horas do dia 4Março17.
O assistente, nas suas declarações, descreveu-a de forma muito clara, repetindo-a a insistências da Mma Juiz, sempre da mesma forma, esclarecendo que o arguido RJG... desferiu pontapés na porta do seu quarto, que lhe dirigiu expressões como és uma merda, Vai para Maçã, eu mato-te e que ficou em pânico na sequência desses actos do arguido RJG....
A sentença recorrida qualificou as declarações do assistente de confusas.
Contudo, ouvidas as mesmas não detectamos onde se encontra a confusão pois, apesar de várias insistências, ele manteve sempre um relato coerente.
Por outro lado, os depoimentos dos agentes da PSP que comparecerem no local corroboram a versão do assistente.
Confirmaram, de acordo com o que consta no auto de noticia, que compareceram no local duas vezes e que na segunda vez viram na porta danos superiores aos verificados na primeira.
O A... referiu que na segunda vez o arguido RJG... ... estava um pouco mais exaltado, inclusive estava a tentar entrar na casa do Sr. E..., com a nossa presença ali....
O J... salientou que o assistente, logo na altura, referiu que o filho (arguido RJG...) o tinha ameaçado de morte, confirmando também que o RJG... estava exaltado e tentou introduzir-se na casa do pai, tendo sido manietado pelos agentes, que o colocaram no exterior.
Estes elementos de prova (auto de notícia e depoimentos dos agentes André Moreira e J...) corroboram inetitiivuuunenle a versão do assistente, afastando qualquer dúvida sobre a seriedade dessas declarações nesta parte, sendo totalmente ilógico admitir que o assistente tenha chamado à hora em causa a autoridade policial e encontrando-se o arguido no local não tenha este logo negado perante os agentes policiais as razões invocadas pelo assistente, apresentando-se a versão deste compatível com a exaltação do arguido, percepecionada pelos agentes e com os danos na porta por eles logo aí verificados.
Perante estes elementos de prova não há dúvida que a razão para o burado da porta referido no n°27 dos factos provados estar maior se deveu aos pontapés do arguido RJG..., ao contrário do considerado como não provado no n°12 dos factos não provados, que apenas se aceita como não provado que a destRJG...ção tenha sido completa.
Assim, altera-se o n°27 dos factos provados e os n's11 a 13 dos não provados, nos termos seguintes:
n°27 dos factos provados, passa a ter a seguinte redacção:
-Cerca das 2.10h da manhã, EG... voltou a solicitar a presença da entidade policial no local, tendo-se verificado que o buraco na porta estava substancialmente maior na sequência de pontapés desferidos pelo arguido RJG...
Eliminam-se os n's11 e 13 dos factos não provados;
N°12 dos factos não provados, passa a ter a seguinte redacção:
Que o arguido RJG... tenha destruído por completo a porta do quarto de EG....
Adicionam-se aos factos provados, os seguintes pontos:
N°27 A:
No dia 04.03.2017, cerca da 01.05 h, o arguido disse, dirigindo-se a EG... não abres a porta és um cobarde; eu mato-te; eu dou cabo de ti;
N°27 B:
Mais tarde, cerca das 02h 10m, desta mesma noite, o arguido RJG... voltou a entrar no domicílio de EG... e, persistindo na sua conduta, apelidou o ofendido de cobarde e disse que o ia matar, e desferiu, de novo, violentos pontapés na porta do quarto de EG..., tendo sido de novo solicitada a presença da entidade policial no local, por parte do ofendido.
N°27 C:
O arguido RJG... apenas cessou com a descrita conduta quando se apercebeu que EG... tinha solicitado, mais uma vez, a presença da entidade policial.
O recorrente impugna o n°36 dos factos provados, na parte em que consta que o menor chamou filho da puta ao pai, mas apoiando-se o tribunal recorrido nas declarações do arguido RJG... que confirmou esse facto e não indicando o recorrente qualquer elemento de prova concreto que impnha decisão diversa, não se justifica qualquer alteração.
O n°50 refere a resposta proferida pela arguida N... numa situação devidamente concretizada, não se justificando qualquer alteração com base em declarações do assistente relativas a outras situações que ai não estão em causa.
Quanto aos factos não provados 25 a 29, o assistente confirmou-os em audiência.
Por insistência da Mma Juiz repetiu-os e sempre da mesma forma, não se aceitando, também nesta parte, face ao que consta da gravação, que o assistente tenha sido confuso, ao contrário do referido na fundamentação da sentença recorrida.
A fundamentação refere, ainda, que o assistente deixou transparecer animosidade nas suas declarações, mas não se reconhece que essa animosidade vá além do normal em quem sofreu o que
consta dos factos dados como provados, não existindo quaisquer elementos que permitam admitir que tal animosidade o tenha levado a alterar a verdade dos factos.
É certo que é pessoa débil, pela idade e doença, mas o seu discurso é revelador de pessoa que se encontra com as capacidades intelectuais intactas.
Nestas alineas dos factos não provados estão em causa factos ocorridos na privacidade da casa do assistente e quando só estava acompanhado pelo arguido RJG..., em relação ao que não seria de esperar elementos de prova directa, além das declarações do assistente e do arguido.
O arguido ncga os factos, mas a verdade é que noutra situação testemunhas/agentes da PSP presenciaram actos de violência por si perpetrados contra o assistente, pessoa débil e seu pai, o que nos leva a considerar que a situação descrita pelo assistente em relação aos factos agora em causa não é uma anormalidade no contexto da relação concreta que existia entre o assistente (pessoa débil que estava em sua casa) e o arguido (filho daquele, que na sequência de divórcio voltou a casa dos pais e que aí se mantinha contra vontade do pai).
Reconhecendo-se as declarações do assistente como coerentes, sendo as mesmas compatíveis com o auto de denúncia de fls.90 e segs. logo apresentado, e sendo o seu relato compatível com outras atitudes do arguido comprovados por prova testemunhal, num contexto em que o assistente era a parte mais fraca, encontrava-se na sua casa, onde o arguido insistia em permanecer contra a sua vontade, a análise crítica de toda a prova permite formar uma convicção segura no sentido dos factos por ele relatados, impondo-se decisão diversa em relação ao evento concreto constante dos factos não provados 25 a 29.
Em relação ao n°30 dos factos não provados, as declarações do assistente apenas pemilein aceitar como assente que passou a dormir com a porta do quarto fechada à chave, não concretizando ele de forma suficiente que a trancasse de outra forma.
Assim, eliminam-se dos factos não provados os n°s25 a 29 e adicionam-se aos provados os seguintes factos:
29-A: No dia 16 de Fevereiro de 2017, cerca das 00h45h., encontrava-se EG... no seu domicílio, sentado no sofá a ver televisão, quando, o arguido, sem mais, desligou a televisão;
29-B: Após, o arguido colocou-se na frente de E..., em jeito de desafio, e deu-lhe um toque, com a mão, na pala do chapéu que o ofendido tinha colocado na cabeça, retirando-lho;
29-C: Nesta altura, EG... levantou-se e perguntou ao arguido se lhe queria bater, tendo o arguido respondido não te bato porque és velho, se não desfazia-te.
29-D: Acto contínuo, o arguido colocou as mãos no peito de EG... e empurrou-o para trás, obrigando-o deste modo a sentar-se novamente;
29-E: Com receio do arguido, EG... não lhe respondeu;
29-F: Devido à descrita conduta do arguido EG... passou a dormir com a porta do quarto fechada à chave;
O n°30 dos factos não provados passa a ter a seguinte redacção:
30. Que o assistente EG... tenha passado a dormir com a porta do quarto
trancada com uma tranca em madeira colocada entre a porta e o guarda-vestidos;
Em relação aos n°s43 e 44, o depoimento da testemunha PP... (ex-mulher do arguido RJG... e nora do assistente), apenas confirma o relacionamento conflituoso do casal formado pelo assistente e pela Natérsia, não sendo possível daí retirar que fosse sempre a arguida N… a desencadear as discussões e que o fizesse sem motivo.
Na falta de outros elementos que corroborem nessa parte as declarações do assistente, reconhecendo que não existem elementos de prova que imponham decisão diversa, não se justifica qualquer alteração em relação a estes factos.
4. O assistente insurge-se contra a absolvição dos arguidos pelo crime de violência doméstica imputado a cada um deles, por factos de que ele foi ofendido.
O crime de violência doméstica tipificado autonomamente, desde a reforma penal de 2007 (Lei 59/2007, de 04.09), no art.152, do Código Penal, pune aquele que ... de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:• a) Ao
cônjuge ou ex-cônjuge d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em ratão da idade, deficiitnia, doença,
gravides ou dependência económica, que com ele coabite; ....
Este tipo criminal tem um âmbito de protecção superior ao subjacente às condutas que o podem integrar, quando vistas isoladamente, nomeadamente a integridade física da vítima, sendo frequente a referência que o crime de violência doméstica protege a própria dignidade humana'.
No caso, em relação à arguida N..., mais não se provou que o mau relacionamento do casal formado por ela e pelo assistente, sem que se tenham apurado factos concretos susceptíveis de permitir concluir que ela tenha violado o bem jurídico protegido pelo preceito incriminador.
Quanto ao arguido RJG..., além do relacionamento desagradável reconhecido pela sentença recorrida, na sequência do arguido ter permanecido na casa do assistente seu pai com a discordância deste, provou-se que no dia 16 de Fevereiro de 2017, cerca das 00h45h., encontrava-se EG... no seu domicílio, sentado no sofá a ver televisão, quando, o arguido, sem mais, desligou a televisão, colocou-se na frente de E..., em jeito de desafio, e deu-lhe um toque, com a mão, na pala do chapéu que o ofendido tinha colocado na cabeça, retirando-lho, o EG... levantou-se e perguntou ao arguido se lhe queria bater, tendo o arguido respondido não te bato porque és velho, se não desfazia-te, acto continuo, o arguido colocou as mãos no peito de EG... e empurrou-o para trás, obrigando-o deste modo a sentar-se novamente, devido à descrita conduta do arguido EG... passou a dormir com a porta do quarto fechada à chave, no dia 04.03.2017, na casa do assistente, o arguido RJG... dirigindo-se ao assistente disse não abres a porta és um cobarde; eu mato-te; eu dou cabo de ti, desferiu murros e pontapés na porta do quarto do assistente, na mesma noite cerca das 02h 10m, apelidou o ofendido de cobarde e disse que o ia matar, e desferiu, de novo, violentos pontapés na porta do quarto de EG..., tendo este solicitado a presença da autoridade policial que compareceu por duas vezes.
Este comportamento, incluindo ofensa corporal (empurrão ao assistente obrigando-o a sentar-se), injúrias, ameaças e danos no domicílio do assistente, conduzindo a uma séria perturbação da vida privada e sossego deste, constitui uma relevante ofensa à sua própria dignidade humana, bem jurídico com tutela constitucional (art.26, n° 2, da CRP), o que caracteriza o crime de violência doméstica.
A conduta do arguido pôs em causa a própria saúde do ofendido, vista na sua globalidade e enquanto tal, atingido no seu bem-estar físico, psíquico e mental, enquanto elemento essencial, indispensável à mais livre realização possível da personalidade de cada homem na comunidade (Figueiredo Dias, Direito Penal, Questões Fundamentais e Doutrina Geral do Crime, 1996, pág. 63)4.
Deste modo, praticou o arguido RJG..., além do crime por que foi condenado, um crime de violência doméstica, p.p., pelo art.152, n°1, alínea d) e n°2, do Código Penal.
5. O crime de violência doméstica praticado pelo arguido RJG... é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
A determinação da medida concreta da pena, como é sabido, faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes.
A culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite mínimo é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro destes limites intervêm, para a sua concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização.
Quanto às exigências de prevenção geral, as mesmas dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes, têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade.
Já as exigências de prevenção especial se prendem com a capacidade do arguido de se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade.
No caso o grau do ilícito é elevado (atentos os bens jurídicos violados, de pessoa debilitada pela idade e pela doença), assim como o grau da culta (agiu com dolo directo e revelando forte intensidade criminosa).
As necessidades de prevenção geral são prementes, como forma de dar um sinal claro à comunidade da relevância dos bens jurídicos violados.
As necessidades de prevenção especial são moderadas, tendo o arguido RJG... já sofrido duas condenações, mas em pena de multa e por ilícitos de natureza diversa (ambas por condução de veículo em estado de embriaguez).
Perante este quadro apresenta-se adequada a pena de dois anos e seis meses de prisão.
Considerando a inserção social e profissional do arguido, assim como a sua primariedade em relação a este tipo de crimes, entende-se que a simples ameaça da pena de prisão é suficiente para a sua reinserção e adequada protecção dos bens jurídicos violados, o que aliado a um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro, justifica a suspensão da execução da pena de prisão.
Já tendo decorrido algum tempo desde a prática dos últimos factos integradores do crime por que vai condenado (sem notícia de qualquer incidente, apesar da extinção das medidas de coacção impostas- fls.1114) e acreditando que esta condenação, aliada à relação de filiação entre o arguido e assistente, constituirão suficiente inibidor a novos impulsos ilícitos do mesmo em relação ao assistente, decide-se não aplicar qualquer das penas acessórias admitidas pelos n°s4 e 5, do art.152, CP.
Considerando a sua idade (83 anos), o assistente é abrangido pelo conceito de vítima especialmente vulnerável, nos termos do art.67 A, n°1, al.b, e n°2, CPP.
De acordo com o art.16, n°2, da Lei n°130/15, de 4Set. (Estatuto da Vítima), esse estatuto impõe a aplicação do citado art.82-A CPP ...exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser, o que no caso o assistente manifestou.
A possibilidade de reparação à vítima, nos termos do art.82-A, CPP, foi introduzida pela Lei n°59/98, de 25Ago., o que constituiu uma inovação justificada pela premência de protecção das vítimas.
A Lei n°130/2015, de 4Set. (Estatuto da Vítima), representando um avanço em matéria de protecção às vítimas, transformou' a 'mexa possibilidade numa regra imperativa Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.°-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser' (art.16, n°2, do Estatuto da Vítima).
Considerando as circunstâncias concretas do caso, nomeadamente a situação económica do arguido, entende-se adequado arbitrar ao ofendido a quantia de €500, a pagar pelo arguido RJG..., nos termos do art.82 A, CPP.
IV° DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam:
a) Em negar provimento ao recurso intercalar;
b) Em dar parcial provimento ao recurso interposto da sentença pelo assistente EG..., condenando o arguido, RJG..., nos termos seguintes:
-como autor material de um crime de violência doméstica, p.p., pelo art.152, n°1, al.d) e n°2, do Código Penal (de que foi vítima EG...), na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período (art.50, CP);
-condenar o arguido RJG..., nos termos do art.82 A, CPP, a pagar ao assistente, EG..., a quantia de €500 (quinhentos euros) a título de reparação pelos danos por este sofridos;
c) Em confirmar a sentença recorrida no restante;
d) Em condenar o recorrente/assistente em 3Ucs de taxa de justiça;
Lisboa, 2 de Abril de 2019
Relator Vieira lamim
Adjunto Ricardo Cardoso
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