Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Criminal
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 - ACRL de 28-11-2018   Violência doméstica. Imposição de regras de conduta que protejam a vítima.
1— A Sentença recorrida está inquinalada de nulidade, em virtude de ser omissa quanto ao cumprimento do disposto no artigo 34°-B da Lei n°112/2009 de 16 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n° 129/2015 de 3 de setembro.
2 - Na verdade, tendo o Arguido sido condenado como autor material de um crime de violência doméstica do artigo 152° n. °s 1, alínea a) e 2 do Código Penal numa pena de prisão suspensa na sua execução mediante sujeição a regime de prova, determina, o citado artigo 34°-B da Lei n°112/2009 de 16 de setembro, que esse regime seja acompanhado da imposição de regras de conduta que protejam a vítima.
3 - Esta obrigação legal visa impedir a revitimização de quem já foi alvo de uma conduta criminosa. E, nos temos legais - n°2 do citado normativo - deve ser alargada às crianças, caso existam.
4 - Assim, impunha-se que o Tribunal a quo, uma vez determinada a natureza e medida concreta da pena de prisão aplicável ao Arguido, tivesse também valorado a matéria fáctica apurada em função da necessidade de proteção das vítimas dos factos dos Autos e desse cumprimento ao disposto na Lei n°112/2009 de 16 de setembro, fixando as medidas de proteção que entendesse adequadas.
Proc. 1071/17.6PZLSB.L1 3ª Secção
Desembargadores:  Teresa Féria - Vasco Rui Freitas - -
Sumário elaborado por Margarida Fernandes
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Proc. n° 1071/ 17.6PZLSB.L1
Acordam em Conferência
na 3 Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
Por Sentença proferida nestes Autos, foi julgada procedente e provada a Acusação pública que imputava ao Arguido A. a autoria material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152. °, n. °s 1, alínea b) e 2, do Código Penal.
Tendo o Arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.0, n. 1, alínea a) e 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, mediante sujeição a regime de prova.
II
Inconformada com esta decisão, a Digna Magistrada do Ministério Público veio interpor recurso. Da respetiva Motivação retirou as seguintes Conclusões:
1. O artigo 34.°B, da Lei n.°112/2009, de 16 de Setembro, na versão introduzida pela Lei n.'129/2015, de 3 de Setembro, aplicável ao presente caso, precreve que «1-A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.° do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vitima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibicão de contactos, por qualquer meio.» (sublinhado nosso).
2. No entanto, o Tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.°1, alínea a) e n.°2 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, acompanhada de regime de prova, sem se pronunciar quanto à inclusão (ou não) de regras de conduta de protecção da vítima.
3. Assim sendo, salvo melhor opinião, considera-se que a douta sentença padece nesta parte da nulidade a que alude o artigo 379.°, n.°1, alínea c), do Código de Processo Penal, uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto a questão que devia apreciar.
4. Caso assim não se entenda, considera-se que a suspensão da pena de prisão aplicada não poderá deixar de ser acompanhada da regra de conduta de o arguido não se aproximar da vítima, da sua residência ou local de trabalho e não estabelecer, por qualquer meio, contacto com a mesma, nos termos do disposto nos artigos 52.°, n.°2, do Código Penal e no artigo 34.°B, da Lei n.°112/2009, de 16 de Setembro, na versão introduzida pela Lei n.°129/2015, de 3 de Setembro.
5. Desde logo, no presente caso as exigências de prevenção geral são muito elevadas e prementes face à expressão e consequências que este crime tem na sociedade e as necessidades de prevenção especial são elevadas, uma vez que o arguido já possui diversos antecedentes criminais, ainda que por crimes de diferente natureza, manifestando uma personalidade desconforme ao direito.
6. No mais, a despeito de os factos terem ocorrido num hiato de tempo não muito prolongado, não se pode olvidar que existiram imputações de expressões ofensivas da honra, agressões físicas, uma ameaça de morte e que foi apreendida uma caçadeira ao arguido, desconhecendo-se se o mesmo actualmente possui qualquer outra arma de fogo.
7. Para além disso, não se pode olvidar que, conforme se refere na 13' página da douta sentença proferida, a existência de filhos comuns é um «(...) fator de incremento do risco de reincidência.(...)», urgindo proteger a vítima, salvaguardando a mesma de quaisquer outras agressões verbais e físicas.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser declarada a supra referida nulidade ou, caso assim não se entenda, deve ser determinado que a suspensão da pena de prisão aplicada seja acompanhada não só de regime de prova, como também da regra de conduta de o arguido não se aproximar da vítima, da sua residência ou local de trabalho e não estabelecer, por qualquer meio, contacto com a mesma.
Contudo, V. Exas decidindo farão, uma vez mais, a já costumada JUSTIÇA!
III
O Arguido não veio aos Autos apresentar resposta.
IV
Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.417° n°2 do CPP.
V
Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:
A Sentença recorrida é do seguinte teor:
II — Fundamentação
1. Matéria de facto provada
Da instrução e discussão da causa resultou provada a seguinte matéria
de facto:
1.Da acusação;
1. O arguido e a ofendida D. mantêm uma relação análoga à dos cônjuges desde 1998 e sempre residiram a Estrada ...
2. Dessa relação nasceu DA e J, em 17/07/1999 e 01/05/2004;
3. O arguido consome produtos estupefacientes;
4. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de Outubro de 2017, o arguido chegou a casa às 5h00, dirigiu se ao quarto onde a ofendida se encontrava a dormir, acordou-a e confrontou a mesma com conversas que a mesma tinha mantido com um amigo através da rede social facebook;
5. Como a ofendida admitiu ter tido tais conversas, o arguido apertou--lhe o pescoço com as mãos e dirigiu-lhe as seguintes expressões: eu mato-te; tenho ali o meu aço; furo-te toda;
6. Na mesma ocasião, no decurso da discussão, o arguido agarrou com força os braços da ofendida, desferiu murros na parede e apelidou-a de puta;
7. Em consequência da conduta do arguido a ofendida sofreu dores na zona do pescoço e receou morrer;
8. Em data não concretamente apurada, mas no início do mês de Novembro de 2017, o arguido no decurso de uma discussão motivada por ciúmes agarrou-lhe os braços com força;
9. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu dores na zona dos braços.
10. No dia 18/01/2018, o arguido deslocou-se ao local de trabalho da ofendida, que fica nas imediações da residência do casal, e dirigiu-lhe as seguintes expressões: a partir de hoje as regras sou eu que as dito; tens que estar em casa para almoço e jantar e tens de ser tu a fazê-lo e vais começar a ter relações sexuais comigo, porque estou no meu direito como marido.
11. No início do ano de 2017 foi apreendida ao arguido uma caçadeira;
12. Ao longo do tempo, o arguido agiu sempre com o propósito de molestar física, psicológica e sexualmente a ofendida e de a perturbar na sua liberdade e segurança, o que conseguiu;
13. Mais, pretendia intimidar a ofendida e rebaixá-la na sua autoestima, como efetivamente sucedeu:
14. Ao atuar do modo descrito, no interior da residência, o arguido sabia que molestava física e psicologicamente a ofendida, prejudicando o seu bem-estar e ofendendo a sua honra e dignidade;
15. O arguido sabia que a ofendida era sua companheira e mãe dos seus filhos e ainda assim não se absteve de praticar tais condutas no interior da residência comum;
16. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo
que as condutas por si perpetradas eram proibidas e punidas por lei
Mais se provou:
17. O arguido está desempregado há cerca de um mês, tendo, antes, trabalhado como mecânico durante três meses;
18. Vive em casa de uma irmã que o sustenta;
19. Tem registados, para além dos que constam do respetivo certificado do registo criminal de fls. 310 a 329, os seguintes antecedentes criminais atendíveis:
- Condenação pela prática, em 30.06.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão proferida em 09.04.2010, transitada em julgado em 06.05.2010, no âmbito do Processo n.° 321/08.4PQLSB, na pena
de 9 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano, sob regime de prova; - Condenação pela prática, em 25.11.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão proferida em 26.11.2008, transitada em julgado em 16.12.2008, no âmbito do Processo n.° 612/08.4PQLSB, na pena
de 10 meses de prisão, a cumprir em dias livres, em 60 períodos;
- Condenação pela prática, em 05.01.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão proferida em 22.01.2009, transitada em julgado em 11.02.2009, no âmbito do Processo n.° 9/09.9PQLSB, na pena de 15 meses de prisão;
- Condenação pela prática, em 18.02.2015, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão proferida em 10.03.2015, transitada em julgado em 24.09.2015, no âmbito do Processo n.° 216/15.5PTLSB, na pena de 9 meses de prisão;
- Condenação pela prática, em 01.07.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão proferida em 29.09.2017, transitada em julgado em 26.10.2(117, no âmbito do Processo n.° 226/17.8PQLSB, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa por igual período com regime de prova e imposição de obrigações;
- Condenação pela prática, em 04.01.2017, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por decisão proferida em 31.10.2017, transitada em julgado em 20.03.2018, no âmbito do Processo n.° 2/17.8SVSLB, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
2. Matéria de facto não provada
1. O arguido bebe álcool em excesso;
2. A partir do início do ano de 2017, o problema de dependência de substâncias por parte do arguido agravou-se, passando o arguido a injuriar, agredir e ameaçar a ofendida;
3. No decurso das discussões, o arguido desferia murros nas paredes e pontapés nas portas e dirigia as seguintes expressões à ofendida: puta; tu devias respeitar-me; devias estar ao meu lado; devias apoiar-me mais; não devias trabalhar tanto e devias dar-me mais atenção;
4. Nalgumas ocasiões, o arguido tirava o telemóvel à ofendida e trancava-a dentro de casa, impedindo a mesma de sair mesmo que fosse para trabalhar; A partir dessa altura, a ofendida passou a dormir noutro quarto, passando a fazer uma vida separada do arguido;
5. Que na ocasião referida no ponto 8 dos factos provados, o arguido tenha apertado o pescoço da ofendida;
6. No dia 18/11/2017, pelas 18h00, no interior da residência comum, o arguido, na sequência de uma discussão motivada pela entrega de um vestido à ofendida por parte de uns ciganos, o arguido apertou os braços da fendida e depois apertou-lhe o pescoço, ao mesmo tempo que lhe dirigiu as seguintes expressões: eu mato-te; furo-te toda com o aço;
7. Com medo de que o arguido concretizasse as ameaças que lhe vinha fazendo, a ofendida fugiu de casa e refugiou-se no interior do
supermercado Europa, sito na Rua República do Paraguai e depois chamou a polícia;
8. Na sequência do facto constante do ponto 10 da factualidade provada, a ofendida ficou com medo que o arguido concretizasse as ameaças e, pelas 20h15, chamou a PSP e optou por sair de casa, sendo acolhida numa casa abrigo.
9. Não resultaram provados, nem não provados, quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.
3. Motivação quanto à matéria de facto
A convicção do Tribunal fundou-se na valoração crítica e conjugada da totalidade dos elementos de prova produzidos, designadamente, no conjunto das declarações do arguido e no depoimento das testemunhas DF, N e A, conjugadas com a análise dos seguintes documentos:
Auto de notícia e aditamentos de fls.3-5, 69, 81, 82, 225, 230;
Certidões de nascimento de fls. 16-19;
Documentos de fls. 85-95;
- Informação de fls. 101-103; Cópia da sentença proferida no processo n.° 2/17.8SVLSB de fls. 85-95; - Cópia da acusação proferida no processo n.° 16/17.8SVLSB de fls. 116-122;
Relatórios da DGRSP de fls. 186, 194
Considerando que a vítima, D, usou da faculdade legal de recusar depoimento e que todas as testemunhas inquiridas declararam não ter conhecimento direto dos factos imputados ao arguido, por não terem assistido aos mesmos, a factualidade imputada ao arguido que se julgou provada tem estrita correspondência com aquela que, em audiência de discussão e julgamento, foi por si admitida.
No que respeita às dores, ao medo e à humilhação suportados por D, não tendo esta deposto, o tribunal formou a sua convicção com base nas regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, de acordo com as quais as dores, angústia, medo e humilhação suportados pela ofendida são conaturais às agressões de que foi vítima e que se consideraram provadas.
A convicção do tribunal, naquilo que respeita à factualidade integrante do elemento subjetivo resulta igualmente das regras gerais da experiência comum, pois, o arguido, como pessoa normal, que é, não poderia deixar de saber que o comportamento que adotou era apto a provocar dores, receio e todo um estado geral de humilhação.
No que respeita aos factos referentes às condições sociais e económicas do arguido, a convicção do tribunal foi formulada com base nas declarações prestadas pelo próprio que se nos afiguraram sinceras e não foram contrariadas por qualquer meio de prova.
A convicção do tribunal no que concerne aos seus antecedentes criminais assentou no Certificado do Registo Criminal junto aos autos.
A recorrente alega estar a Sentença recorrida inquinada de nulidade, em virtude de ser omissa quanto ao cumprimento do disposto no artigo 34°-B da Lei n°112/2009 de 16 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n° 129/2015 de 3 de setembro.
Na verdade, tendo sido o Arguido condenado como autor material de um crime de violência doméstica do artigo 152° n. °s 1, alínea a) e 2 do Código Penal numa pena de prisão suspensa na sua execução mediante sujeição a regime de prova, determina, o citado artigo 34°-B da Lei n°112/2009 de 16 de setembro, que esse regime seja acompanhado da imposição de regras de conduta que protejam a vítima.
Esta obrigação legal visa impedir a revitimização de quem já foi alvo de uma conduta criminosa. E, nos temos legais - n°2 do citado normativo - deve ser alargada às crianças, caso existam, como é o caso dos Autos, dado que a filha mais nova do Arguido, JF não completou ainda 18 anos.
Assim, impunha-se que o Tribunal a quo, uma vez determinada a natureza e medida concreta da pena de prisão aplicável ao Arguido, tivesse
também valorado a matéria fáctica apurada em função da necessidade de proteção das vítimas dos factos dos Autos e desse cumprimento ao disposto na já mencionada disposição da Lei n°112/2009 de 16 de setembro, fixando as medidas de proteção que entendesse adequadas.
Essa não valoração e consequente aplicação da Lei configura uma verdadeira omissão de pronúncia na medida em que o Tribunal a quo não conheceu nem se pronunciou sobre uma questão relevante na determinação da pena aplicável, e como tal determina a nulidade da Sentença, nos termos do disposto no art.379 n°1 al. c) do CPP (1).
Pelo que se impõe que o Tribunal a quo possa reformular a decisão proferida no sentido de suprir tal nulidade.
VI
Termos em que se acorda em, concedendo provimento ao recurso, declarar a nulidade da Sentença recorrida no tocante à não aplicação do disposto no artigo 34°-B da Lei n°112/2009 de 16 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n° 129/2015 de 3 de setembro, determinando-se em consequência que o Tribunal a quo supra a referida nulidade.
Sem Custas.
Feito em Lisboa, neste Tribunal da Relação aos 28 de novembro de 2018
Maria Teresa Teresa Féria de Almeida)
(Vasco Pinhão Freitas)
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