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06-01-2006   Recursos
REORGANIZAÇÃO DO MAPA JUDICIÁRIO - ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A REORGANIZAÇÃO DO MAPA JUDICIÁRIO
Memorando n.º 1/006 - Divulgação de algumas reflexões sobre a reorganização do mapa judiciário.
MEMORANDO N.º 1/006
REORGANIZAÇÃO DO MAPA JUDICIÁRIO
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As reflexões que seguem foram por mim produzidas noutra oportunidade; parecendo-me que têm algum interesse, principalmente para os magistrados do M.ºP.º do Distrito Judicial de Lisboa, dou-lhes agora divulgação na página da PGD de Lisboa.

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Já teci algumas reflexões sobre o tema, nomeadamente através do MEMORANDO nº 18/005, datado de 2 de Junho de 2005, que se encontra na página da internet da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (acesso por www.pgdlisboa.pt), embora só sua parte descritiva.

Na verdade, elaborei com ele mapas, em jeito de exercício, considerando embora os quadros legais de pessoal (Juízes, Magistrados do Ministério Público e Funcionários de Justiça) como também o movimento processual de 2003 (inquéritos, instruções, processos penais classificados, acções e recursos cíveis, processos de jurisdição tutelar, tutelar cível e averiguações oficiosas, acidentes de trabalho, contrato de trabalho e execuções laborais, processos administrativos e recursos em processo de contra-ordenação), este colhido no relatório anual da Procuradoria-Geral da República relativo a esse ano.

Nesses mapas (quadros) já se apontava uma reorganização judiciária, em jeito de exercício, pois que se anexavam círculos judiciais e comarcas, embora respeitando as áreas que ainda no presente têm uns e outras.

Apenas se divulgou a parte descritiva, em atitude de prudência, pois que se antevia que não seria pacífica a reestruturação territorial, já que ela traria à discussão factores de “regionalismo, bairrismo”, como efectivamente veio a suceder, quando se não visava passar do mero exercício, reflectindo sobre optimização de meios empenhados, sem absolutamente se descartar factores conexos com os interesses dos cidadãos, afinal os destinatários da Justiça.

Acreditava-se, como se continua a acreditar, que o exercício poderia/deveria ser melhorado, sem os constrangimentos de se querer manter as actuais áreas das circunscrições, especialmente dos círculos judiciais.

Pensa-se que a reorganização dos círculos Judiciais, sem o espartilho de juntar os actuais, pode melhorar significativamente o actual mapa judiciário, como também aquele para que se apontava no exercício.

No que respeita às comarcas, na medida em que elas correspondem, em regra, à lógica do município, certamente que a reordenação territorial destes (que às vezes se ouve como pretendida), facilitaria a redefinição daquelas.

Tenho retido reparos que colegas e amigos me têm manifestado; debates em que participei seguramente enriqueceram o meu ponto de vista.

Não alterei significativamente o que venho pensando sobre o tema, mas noto quão difícil será conciliar os vários pontos de vista, as sensibilidades, o interesse que jaz no subconsciente, o invocar da excepção como se fosse a regra.

Nesse exercício que fiz, como agora, considero só os números referentes a inquéritos, por duas ordens de razões: A primeira consistente em colher facilmente esses números no Relatório da Procuradoria-Geral da República; a segunda por conferir rigor bastante à análise, pois que outra que fiz, relativa ao distrito Judicial de Lisboa, permitiu-me concluir que, para aferir o movimento processual global, para dele se ter ideia da dimensão das circunscrições, pode partir-se dos inquéritos, como, de outra natureza de processos, como também da população.

*

Têm-se juntado ao tema do mapa judiciário outras questões que serão conexas, mas que podem/devem ser tratadas com autonomia, como é o caso de meios alternativos à resposta formal dos conflitos, a cidadania e o economicismo do sistema de justiça, a morosidade, a organização dos tribunais, o modelo organizativo assentar na comarca ou no círculo.

Será sempre de aplaudir o intuito de reservar para os tribunais o que é importante, aliviando-os do que não careceria de sua intervenção. Só que, parece-me, para se conseguir a boa intenção, pensa-se excessivamente em criar estrutura organizativa paralela, seguramente mais cara e com muita probabilidade de não melhorar a justiça enquanto bem para os cidadãos. Se encarecesse a justiça, mas lhe aumentasse a qualidade, compreender-se-ia; agora aumentar-lhe significativamente o custo, sem acréscimo de qualidade, parece não dever empolgar ninguém.

Que se aproveitem as estruturas existentes (e tantas são!...), para com leves investimentos, se aliviarem os tribunais (reservando-os para o que é devido) merecerá aplauso; pensar em estruturas mal concebidas, pretendendo-se malha territorial, que rapidamente padecerá das mesmas maleitas do sistema judiciário (pela pressão da quantidade de processos) não animará ninguém.

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Não sou adepto, de modo algum, em pensar o sistema de justiça privilegiando concepção economicista, olvidando os interesses dos cidadãos. Mas não consigo sequer interessar-me pelo método de apelidar de economicista qualquer iniciativa de poder melhorar o sistema, com falso apelo aos interesses de cidadania.

Pôr o sistema de Justiça ao serviço dos cidadãos, de modo a garantir o exercício dos seus direitos, deve ser o propósito de todos; privilegiar garantias formais, sem se chegar à substância das garantias, é defraudar o pensamento; eleger a proximidade como único método, esquecendo que ela já é relativa e em muitos casos nem sofre alteração significativa é condenar qualquer mudança; esquecer que racionalizar os custos, obtendo-se melhores resultados globais, porque mais divididos os meios disponíveis, é tributo ao imobilismo.

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Sendo sabido que a morosidade será, certamente, o principal factor da crise da Justiça, não deverá esperar-se que a reforma do mapa Judiciário seja directamente o instrumento para a combater.

O combate à morosidade há-de focalizar-se, acredito, principalmente, na reforma dos códigos processuais e na implementação de melhores métodos de trabalho. Quando muito, um mapa Judiciário racional, consentirá distribuir melhor os meios, transferindo para onde são necessários aqueles que, no mínimo se mostravam subaproveitados.

As leis processuais não deverão continuar a ser o mero desenvolvimento de princípios, sem dúvida indispensáveis, mas terão de ser sempre aferidas pela influência que têm de ter na superação da morosidade, em não contribuírem significativamente para esta.

É irracional persistir no não aproveitamento de actos processuais já praticados, pela vénia que se entende devida a princípios teoricamente inatacáveis, mas com sequência prática prejudicial; não se deve continuar a perspectivar as necessárias e devidas garantias, privilegiando um sistema burocrático e não a natureza das coisas; há que investir no aproveitamento das tecnologias disponíveis, eliminando tempo consumido/desperdiçado na tramitação processual interna e na transmissão do que se deve dar a conhecer.

*

A organização dos tribunais, como a do Ministério Público, pela representação que neles lhe cabe e das secretarias judiciais merecer-me-á, a final, leve apontamento.

*

A questão do modelo organizativo assentar na Comarca ou pelo contrário no Círculo Judicial, não me parece de grande relevo. Se algo devo dizer sobre esta matéria, será afirmar que não me parece desajustado que se baseie na Comarca, mas dando mais importância ao Círculo Judicial, nomeadamente ao nível da instalação dos tribunais especializados ( do trabalho e de família e menores) que encontrarão em circunscrição territorial maior, mais justificação para existirem.

Os círculos judiciais permitem poder também encarar-se a especialização nas principais jurisdições (cível e criminal); consente introduzir na sua gestão, conceitos de empresa, como sejam objectivos a prosseguir, métodos de trabalho a implementar, racionalizar os meios empenhados, alguma saudável competição entre eles, mobilidade razoável dos meios humanos afectos.

No que ao Ministério Público respeita, o Círculo Judicial revelar-se-á circunscrição com possibilidades de alargar a implementação de DIAPs de Círculo, para além dos DIAPs distritais e de Comarca (estes sem terem sido criados nos termos que o E M P prevê).

O Círculo Judicial deve pressupor novas estratégias de liderança, facilmente implementáveis no Ministério Público, que já deveriam pré-existir nos funcionários de Justiça, possíveis na Magistratura Judicial.

*

No mapa Judiciário actual temos à cabeça quatro distritos Judiciais; não se vêem razões bastantes para alterar a situação, aceitando-se a possibilidade de criação de outros tribunais da Relação para além do da sede de distrito.

Poderia haver mais racionalidade, nomeadamente colhida no volume processual, mas aceita-se.

Relativamente aos actuais 58 Círculos Judiciais, o exercício que se fez, possibilitou reduzi-los para cerca de 40, apresentando-se bem mais lógica, acredita-se, “ a proposta”:

Vejamos em quadro resumo, considerando a dimensão pelo número de inquéritos iniciados em 2003, a comparação dos círculos actuais, com os projectados no exercício:



No presente
No projecto

Círculos com mais de 15.000
5
4

Círculos entre 10.000 e 15.000
12
21

Círculos entre 7.500 e 10.000
9
14

Círculos entre 5.000 e 7.500
13
2

Círculos com menos de 5.000
19
0

TOTAL
58
41


Releve-se que no projectado exercício se eliminaram os 19 Círculos demasiado pequenos, passando a maioria a situar-se entre os 7.500 e 15.000.

Relativamente às actuais 233 comarcas, o exercício que se fez permitiu reduzi-las para cerca de 170, cada uma delas com volumes processuais mais aceitáveis.

Vejamos o quadro comparativo que segue, utilizando critério idêntico ao dos Círculos Judiciais:



No presente
No projecto

Comarcas com mais de 15.000
4
4

Comarcas entre 10.000 e 15.000
2
2

Comarcas entre 5.000 e 10.000
19
19

Comarcas entre 2.000 e 5.000
39
38

Comarcas entre 700 e 2.000
61
68

Comarcas entre 500 e 700
26
30

Comarcas entre 300 e 500
40
9

Comarcas entre 200 e 300
22
0

Comarcas com menos de 200
20
0

TOTAL
233
170


Releve-se também aqui que no projectado exercício se eliminam as Comarcas minúsculas (onde há um claro desperdício de meios, humanos e materiais, empenhados); ainda se mantêm 9 comarcas pequenas (certamente a poderem ser eliminadas, se se quiser); as grandes comarcas mantêm-se inalteradas.

*

Dou agora o leve apontamento, supra prometido, sobre a organização dos tribunais, do Ministério Público e das Secretarias Judiciais.

Como é sabido, a nossa actual organização judiciária apoia-se no tribunal de comarca (art. 62.º da LOFTJ), com os círculos judiciais a definirem-se muito mais como circunscrições territoriais abrangentes de comarcas. Nem sempre foi assim.

Os tribunais de 1ª.Instância podem ser de competência genérica (art. 77.º da LOFTJ), de competência especializada (art. 78.ºda LOFTJ – de instrução criminal, de família, de menores, de trabalho, de comércio, marítimos e de execução das penas) e de competência específica (art. 96.º da LOFTJ – varas cíveis, varas criminais, juízos cíveis, juízos criminais, juízos de pequena instância cível, juízos de pequena instância criminal e juízos de execução), com competências mistas pelo meio.

É uma organização complexa, com perversas consequências ao nível das secretarias judiciais, com dificuldades para o Ministério Público, com relativa facilidade de execução no âmbito dos Magistrados Judiciais.

Acredita-se na bondade de encontrar alguma simplificação organizativa, nomeadamente dando mais relevo às circunscrições territoriais, embora privilegiando a especialização, uma necessidade do presente, para melhor responder às solicitações postas ao sistema judicial.

Na verdade, e do meu ponto de vista, tem-se descurado a harmonia da organização pensando-se quase exclusivamente na vertente dos Magistrados Judiciais, bastante pouco na devida incidência que as funções do Ministério Público devem ter, quase nada no aproveitamento racional dos oficiais de justiça arrumados nas secretarias.

Estou a dar mero apontamento, razão para não me alargar em grandes considerações.

De todo modo, creio dever reflectir-se na criação/instalação de tribunais de 1ª. Instância definidos pela competência territorial.

Na verdade, tribunais de competência especializada, como o Central de Instrução Criminal, também o Marítimo, vocacionam-se a ter âmbito territorial nacional; seria o caso, também, de um tribunal criminal de julgamento com semelhante vocação que no presente se antevê como útil.

Também há tribunais, de competência, especializada, com vocação distrital, como será manifestamente o caso dos tribunais do comércio e de execução de penas.

De igual modo, há tribunais de competência especializada, com vocação para o círculo judicial, como são os tribunais de instrução criminal (com o apontamento daqueles de comarca sede do distrito judicial ver alargada competência ao distrito judicial em algumas matérias), de família, de menores e do trabalho.

Talvez haja exagero em tanta espécie de tribunais de competência específica, uma vez que em concreto se está perante dois possíveis tribunais especializados, o cível e o criminal. Isto quando os tribunais de competência específica (varas e juízos) só deveriam ponderar-se seguramente para aquelas comarcas demasiado grandes, por superarem os 15.000 inquéritos entrados por ano. Quanto às comarcas grandes (entre 5.000 e 15.000 iniciados), deve ponderar-se caso a caso, para encontrar a melhor organização. Ainda neste ponto não me abstenho de emitir a opinião de, pelo menos as pequenas instâncias poderem ser eliminadas, com vantagem, através de outro modo de funcionamento dos correspondentes juízos (por exemplo, pela via de turno rotativo destes). Já os juízos de execução, de criação recente, parecem vocacionar-se para serem de competência específica cível, deixando por solucionar as execuções patrimoniais originadas, nomeadamente, em processos criminais.

É evidente que a existência de tribunais com competência territorial alargada pressupõe mobilidade dos agentes da Justiça, a superação de problemas conexos com a competência territorial, a implementação das já referidas lideranças.

Reconheço dificuldades, embora não insuperáveis, na criação de organização judiciária que dê eficiência ao sistema de Justiça.

*

A organização do Ministério Público pode ser melhorada, partindo-se também da ideia de aproveitamento das circunscrições territoriais.

A Procuradoria-Geral da República já garante a cobertura do território nacional; com o Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que funciona, e com um Departamento Central de Coordenação do Contencioso do Estado, previsto no Estatuto do Ministério Público, mas nunca criado e instalado, ter-se-ia organização mínima, capaz de melhorar a prestação.

As procuradorias-gerais distritais, com ligeiro investimento nos meios humanos, poderiam reorganizar-se em termos de garantir as actuais funções, desenvolvendo o apoio técnico-jurídico à primeira instância, dirigir mais próxima e eficazmente a investigação criminal. No que respeita à Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa há um projecto de mais de ano que não tem sido posto em execução, por não adequação do quadro de magistrados.

A organização dos círculos judiciais, nomeadamente no que a DIAPs se reporta era relativamente fácil de concretizar.

Pensa-se que, considerar o círculo judicial, a incluir a competência territorial das respectivas comarcas que o integram, seria um avanço organizativo na vertente de responder ao volume de serviço, consentindo melhor o distribuir. As lideranças a implementar, com facilidade acudiriam às necessidades, superariam as dificuldades.

Perspectivar, neste contexto, a criação e instalação de DIAPs com competência no círculo judicial seria um avanço.

E não se pense que, com a criação dos DIAPs se estaria a tornar pesada a organização, como sinteticamente se demonstrará de seguida.

Pressupondo o mapa judiciário que no exercício se propôs, dos 40 círculos judiciais, em 24 deles estão reunidos os pressupostos para criar DIAP de comarca que passaria a ser também de círculo; ficariam então 16 a carecerem de criação e instalação de DIAPs, dentro da perspectiva que se vem desenvolvendo.

Na organização das comarcas, aquelas seis muito grandes, por terem entradas anuais de inquéritos superiores a 10.000 (são elas Lisboa, Cascais, Loures, Sintra, Porto e Vila Nova de Gaia), careciam de organização diversificada, em grande parte condicionada pela organização dos tribunais; quanto às outras, com base no movimento processual, alguma maleabilidade organizativa, daria boa resposta.

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Na organização das secretarias, aliando-se-lhe o necessário investimento nas novas tecnologias, poderá obter-se significativa eficiência, com racionalização dos meios humanos empenhados.

No presente e considerando os quadros de lei, poder-se-á dizer que nas secretarias judiciais impera o espírito generoso, enquanto nas do Ministério Público impera o inverso.

Em análise que noutra oportunidade se fez demonstrou-se o acabado de afirmar. A título de exemplo, agora citando de memória, constatou-se que na Comarca de Lisboa, as chefias nas secretarias judiciais eram em número próximo do de todos os funcionários do Ministério na mesma comarca.

Não quero fazer juízo sobre se as necessidades nas secretarias judiciais estão ou não satisfeitas. Afirmo veementemente que as do Ministério Público não o estão.

É meu convencimento que poderá obter-se mais racionalidade e mais eficiência, com reorganização adequada, sustentada no real movimento processual, a corrigir o que frequentemente é apresentado como conhecimento do ouvir dizer.

Secções centrais bem dimensionadas, com aproveitamento das novas tecnologias, sem excessiva dispersão, podem gerar poupanças nos custos de funcionamento, como também aumentarem a eficiência.

As secções de processos, com novos métodos de trabalho, desburocratizando-se, aproveitando especial formação já existente, podem ser boa assessoria dos magistrados e melhorar o cumprimento dos processos.

Também aqui, embora com possibilidades de alargar as reflexões, não quero ir muito além, com o que se evitam incompreensões.

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Para terminar estas notas quero deixar consignado que nada mais visei do que documentar algumas reflexões, muitas delas não suficientemente desenvolvidas, a deverem ser compreendidas no contexto que lhe estiveram na base.

Tendo já divulgado, embora restritamente, o conteúdo nuclear deste documento, fica ele agora disponível na página da PGD de Lisboa.

Lisboa, 6 de Janeiro de 2006

O Procurador-Geral Distrital

(João Dias Borges)

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