Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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10-02-2005   Recursos
COMPETÊNCIA DOS JUÍZOS DE EXECUÇÃO DA COMARCA DE LISBOA
Memorando com as razões que determinaram o entendimento do Ministério Público sobre a questão.
I – O quadro jurídico anterior ao DL n.º 38/2003, de 8 de Março
II - O quadro legal decorrente do DL n.º 38/2003, de 8 de Março
III – Competência, no caso em apreço, dos Juízos de Execução de Lisboa
IV - Conclusão

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Através do DL 38/2003, de 8 de Março, foram introduzidas diversas alterações na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), tendo em vista a implementação da reforma da acção executiva.

Pelo DL 148/2004, de 21 de Junho, foram criados os 1.º, 2.º e 3.º Juízos de Execução da Comarca de Lisboa e os 1.º e 2.º Juízos de Execução da comarca do Porto, bem como os Juízos de Execução das comarcas de Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra.

Com a Portaria n.º 1322/2004, de 16 de Outubro, foram declarados instalados, a partir de 18 de Outubro de 2004, os 1.º e 2.º Juízos de Execução da Comarca de Lisboa e o 1.º Juízo de Execução da Comarca do Porto, tendo sido criada a Secretaria-Geral de Execução do Porto e tendo a Secretaria-Geral de Execução das Varas Cíveis, dos Juízos Cíveis e dos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa, criada pela Portaria 969/2003, de 13 de Setembro, passado a designar-se por Secretaria-Geral de Execução de Lisboa.

Tem-se conhecimento de que, após a instalação dos Juízos de Execução da Comarca de Lisboa, se têm estado a verificar conflitos negativos de competência entre esse Tribunal e o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, no tocante às execuções por custas e por multas processuais, às execuções patrimoniais de multas criminais, às execuções de coimas e às de sentenças proferidas em enxertos cíveis no processo penal.

O entendimento uniforme do Ministério Público, veiculado no âmbito do Distrito Judicial de Lisboa, tem sido o de que, em todos os casos enunciados, a competência deverá ser atribuída aos Juízos de Execução de Lisboa.

As razões que determinaram esse entendimento são, no essencial, as constantes da análise que seguidamente se efectua.

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I - O QUADRO JURÍDICO ANTERIOR AO DECRETO-LEI N.º 38/2003, DE 8 DE MARÇO:

Antes da entrada em vigor do DL 38/2003, de 8 de Março, vigorava na nossa ordem jurídica, em matéria de execuções, o quadro seguinte, decorrente do Código de Processo Civil então vigente:

1. Para execuções fundadas em sentença, seria competente o tribunal de 1ª instância onde a causa fosse julgada, correndo a execução por apenso ao processo respectivo – art. n.º 90.º-n.ºs 1 e 3 do CPC;

2. Para execuções de sentenças proferidas por tribunal arbitral português, seria competente o tribunal da comarca do lugar da arbitragem – art. 90.º-n.º2 do CPC;

3. Para execução de sentença proferida por tribunais superiores, seria competente o tribunal de comarca do domicílio do executado, correndo a execução por apenso ao processo que, para o efeito, baixaria ao tribunal de 1ª instância – art. 91.º do CPC;

4. As execuções por custas, multas e indemnizações referidas no art. 456.º do CPC e preceitos análogos seriam instauradas por apenso ao processo no qual se houvesse feito a notificação da respectiva conta ou liquidação – art. 92.º do CPC;

5. No tocante a execuções por custas, multas e indemnizações derivadas de condenações em tribunais superiores, seria competente o tribunal de 1ª instância em que o processo foi instaurado – art. n.º 93.º-1 do CPC;

6. Nos demais casos, e ressalvadas regras especiais estabelecidas noutras disposições legais, o tribunal competente para a execução era o do lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, com excepção das execuções para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, bem como das execuções que devessem ser instauradas no tribunal do domicílio do devedor e este não tivesse domicílio em Portugal, caso em que o tribunal competente seria o da situação da coisa ou dos bens – art. n.º 94.º do CPC.

O Código de Processo Penal, em matéria de execução patrimonial, estabelecia, como regra, que a execução de bens se regeria pelo Código das Custas Judiciais e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil – art. 510.º do CPP. Por outro lado, e relativamente a multas criminais, preceituava que, findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento fosse efectuado, se procederia à execução patrimonial, seguindo-se os termos da execução por custas – art. 491.º do CPP.

Por sua vez, o Código das Custas Judiciais então vigente estabelecia que as execuções por custas, multas e outros valores contados eram instauradas por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento, observando-se os termos do processo sumário de execução (art. 117.º), ressalvando-se os casos de multas aplicadas a intervenientes acidentais e as quantias devidas no inquérito e na instrução, casos em que a execução seria instaurada autonomamente pelo Ministério Público, com base em certidão que, para o efeito, a secção de processos lhe entregaria (art. 118.º).

De tais preceitos legais resultava que as execuções por custas, multas processuais e criminais e as execuções de sentença condenatória proferidas nas acções cíveis enxertadas em processo penal corriam termos por apenso (art. 117.º-1 do CCJ e 92.º-n.º 1 do CPC) ao processo penal respectivo (ressalvados os casos previstos no art. 118.º do CCJ), seguindo a forma sumária do processo de execução para pagamento de quantia certa.

Em matéria laboral, o Código de Processo do Trabalho estabelecia, relativamente a execuções baseadas em sentença de condenação em quantia certa e respectivas custas, que a execução prosseguiria no âmbito do próprio processo em que a sentença foi proferida, seguindo tramitação própria (arts. 89.º e seguintes). Relativamente a outros títulos diversos da sentença (art. 97.º-1 CPT), a execução seguiria a forma ordinária prevista no CPC. Relativamente às demais custas, multas e indemnizações, o CPT nada previa, pelo que seriam de aplicar as normas acima referidas, decorrentes do CCJ (art. 117.º) e do CPC (art. 92.º), devendo, por regra, as execuções ser instauradas por apenso ao processo respectivo.

Em matéria de execução de coimas, estabelecia-se no art. 89.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do DL 244/95, de 14 de Setembro, que a mesma seria promovida perante o tribunal competente, segundo o art. 6l.º (tribunal em cuja área territorial se tivesse consumado a infracção, e que seria competente para o recurso da decisão da autoridade administrativa), aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no CPP sobre a execução da multa e, por força do disposto no art. 491.º-n.º 2 do CPP, os termos da execução por custas.

Em matéria de execuções, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, ao tempo vigente, estabelecia o seguinte quadro:

1. - Aos tribunais de competência genérica competia conhecer dos processos não atribuídos a outro tribunal – art. 77.º-1-a) da Lei 3/99, de 13 de Janeiro;

2. - Aos tribunais de família as execuções por alimentos – arts. 81.º-f) e 82.º-1-e) do mesmo diploma;

3. - Aos tribunais do trabalho as execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais – art. 85.º-n);

4. - Às varas cíveis a preparação e julgamento das acções executivas fundadas em título que não fosse decisão judicial, de valor superior à alçada dos tribunais da Relação – art. 97.º-1-b);

5. - Aos juízos cíveis os processos executivos que não fossem da competência das varas cíveis e dos juízos de pequena instância cível – art. 99.º;

6. - A todos os tribunais de competência especializada e de competência específica, a execução das respectivas decisões – art. 103.º.

Conjugando todo este quadro normativo, constata-se que existiam as seguintes regras gerais:

a) A execução das sentenças condenatórias era da competência do tribunal que as proferiu, correndo a execução por apenso ao processo respectivo;

b) As execuções por custas, multas processuais e indemnizações eram da competência do tribunal em que a conta ou liquidação fora notificada, correndo por apenso ao processo respectivo;

c) As execuções patrimoniais de multas criminais, seguindo a tramitação das execuções por custas, eram da competência do tribunal que as aplicou, correndo por apenso ao processo penal respectivo;

d) As execuções por coimas eram da competência do tribunal territorialmente competente para o recurso da decisão da autoridade administrativa que as aplicou (conforme os casos, o tribunal de competência genérica ou o tribunal de pequena instância criminal);

e) Os demais títulos executivos seriam da competência do tribunal de competência genérica ou dos tribunais de competência especializada ou específica, conforme as competências materiais estabelecidas na LOFTJ.

De tal quadro normativo resultava que o processo executivo para pagamento de quantia certa, embora tramitando normalmente nos termos do Código de Processo Civil, estava disperso pela generalidade dos tribunais, fossem de competência genérica, de competência especializada ou específica (cíveis, penais e laborais).

Contra tal estado de coisas começaram, de há muito, a levantar-se vozes insistentes nos meios judiciários, reclamando uma reforma tendente a libertar da fase executiva os tribunais com competência declarativa, para se poderem entregar à tarefa bem mais complexa da declaração do direito, entregando-se a fase executiva a órgãos próprios especializados nessa matéria.

O poder político acabou por ser sensível a um tal clamor. Daí que o Governo tenha elaborado uma proposta de Lei (Proposta de Lei n.º 100/VIII, que viria a gerar a Lei n.º 2/2002, de 2 de Janeiro, que antecedeu a Lei n.º 23/2002, de 21 de Agosto) que apresentou à Assembleia da República, autorizando-o a alterar o regime legal da acção executiva.

Aquando da discussão, na generalidade, na Assembleia da República, de tal Proposta de Lei, o então Ministro da Justiça, Dr. António Costa, dando um testemunho inequívoco do sentido normativo da reforma em curso, afirmou expressamente o seguinte:

«...Esta reforma parte de um primeiro pressuposto fundamental: regra geral, na acção executiva, o direito está dito e esgotada a função jurisdicional. Sabe-se quem deve, a quem deve, quanto deve, só havendo que cumprir ou assegurar o cumprimento coercivo. Há, por isso, que libertar o tribunal, em particular o juiz, da condução e da tramitação do processo executivo, atribuindo a um agente de execução a efectivação do direito»; «...Em terceiro lugar, adopta-se o princípio da especialização, quer dos magistrados judiciais, quer dos oficiais de justiça. Cria-se a figura do juiz de execução, a instalar nas comarcas e/ou círculos judiciais em que o movimento processual o justifique, afecto exclusivamente ao conhecimento das questões suscitadas no processo de execução e libertando os demais juízes para o tratamento das acções penais e das declarativas» - Cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, de 12.10.2001, páginas 389 e 390.

Era, pois, propósito confesso do Governo, autor da proposta de lei da reforma da acção executiva, atribuir as questões executivas ao juiz de execução, segundo o princípio da especialização, libertando os demais juízes para declararem o direito, independentemente da jurisdição (cível ou penal). Uma vez declarado o direito em qualquer das referidas jurisdições, a subsequente execução patrimonial passaria a incumbir a um outro juiz especializado e, mesmo quanto a este, a sua intervenção processual na fase executiva passaria a ser mínima, atribuindo-se ao agente de execução a condução e a tramitação do processo.

Razões decorrentes da dissolução da Assembleia da República vieram a determinar que, na sessão seguinte, viesse a ser renovado, pelo novo Governo, o pedido de autorização legislativa para reforma da acção executiva, sendo certo que a filosofia que presidiu a tal reforma não teve qualquer alteração significativa.

Através da Lei n.º 23/2002, de 21 de Agosto, foi o Governo autorizado a proceder à reforma da acção executiva. Tal reforma viria a ser operada através do DL 38/2003, de 8 de Março, cujo regime seguidamente se irá analisar.

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II – O QUADRO LEGAL DECORRENTE DO DL 38/2003, DE 8 DE MARÇO:

Prosseguindo o propósito acima assinalado, o legislador, através do DL 38/2003, procedeu a uma reforma global da acção executiva, introduzindo as seguintes alterações legislativas, todas elas tendentes a atribuir aos juízos de execução a competência que anteriormente andava dispersa pelos diversos tribunais (de competência genérica, especializada ou específica) em matéria executiva:

a) Em alteração ao art. 96.º da LOFTJ, previu-se a possibilidade de criação de juízos de execução, de competência específica. Uma vez que, desde o início, era propósito confesso do legislador atribuir a estes competência executiva abrangente da anterior competência executiva dos vários tribunais de competência especializada e específica, cível ou penal (e mesmo dos tribunais de competência genérica, conforme referido na anterior alínea), o legislador adoptou aquela denominação, não os denominando juízos cíveis de execução, como teria, por certo, feito se tivesse pretendido cingir a sua competência à execução de títulos anteriormente da competência das varas cíveis, dos juízos cíveis e dos juízos de pequena instância cível.

b) Aditando o art. 102.º-A à LOFTJ, preceituou que compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil. Entendeu o legislador, na prossecução do propósito confesso acima expresso, que não deveria estabelecer, quanto à competência dos juízos de execução, qualquer distinção no tocante à origem e natureza dos títulos executivos. Assim, desde que se trate de um processo executivo regulado, na sua tramitação, pelo Código de Processo Civil, as competências jurisdicionais previstas em tal Código no âmbito desse processo passam a incumbir ao juízo de execução (podendo o título executivo ser uma sentença condenatória proferida em processo civil ou penal, um título extrajudicial, a certidão de uma conta ou de uma liquidação de custas ou de multa aplicadas em processo de qualquer natureza, ou uma decisão que aplica uma coima).

c) Em alteração ao art. 77.º-n.º1-c) da LOFTJ (Lei 3/99, de 13 de Janeiro), determinou que os tribunais de competência genérica teriam competência para exercer as competências previstas no CPC, no âmbito do processo de execução, mas apenas onde não houver juízos de execução. Daqui decorre que, caso seja criado um juízo de execução na respectiva circunscrição, o tribunal de competência genérica deixa de exercer as competência previstas no CPC em matéria executiva, mesmo para execução das suas próprias decisões, sejam elas proferidas no âmbito de uma acção cível ou de um processo de outra natureza. Note-se que o âmbito desta alínea abrange, claramente, toda a competência executiva, tramitada sob as fórmulas do Código de Processo Civil, independentemente da origem e da natureza do título executivo, e não apenas a competência executiva no âmbito de processos de natureza cível. Tal, para além de ser o propósito confesso do legislador, depreende-se do respectivo contexto, pois que a antecedente alínea a) do mesmo preceito abrange, outrossim, inequivocamente, toda a competência cível, penal e laboral do tribunal de competência genérica, com exclusão das matérias executivas reguladas, na sua tramitação, pelo Código de Processo Civil.

d) Em alteração ao art. 103.º da LOFTJ, estabeleceu-se que nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, quanto às decisões que hajam proferido. Trata-se de norma paralela à do art. 77.º-1-c) da LOFTJ, no tocante aos tribunais de competência genérica. Assim, desde que na respectiva circunscrição exista um juízo de execução, os tribunais de competência especializada (uma vez que o legislador não distingue, haverá que se concluir que este se refere a todos os previstos no art. 78.º: tribunais de instrução criminal, de família, de menores, do trabalho, de comércio, marítimos e de execução de penas) e os de competência específica (serão todos os previstos no art. 96.º: varas cíveis e criminais, juízos cíveis e criminais, juízos de pequena instância cível e criminal) deixarão de ser competentes para exercer, no âmbito do processo de execução (independentemente da origem e natureza do título executivo) as competências previstas no Código de Processo Civil. É totalmente improcedente qualquer tentativa de procurar limitar o âmbito do artigo 103.º da LOFTJ aos casos de execuções anteriormente da competência das varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível, por forma a só essas passarem a ser da competência dos juízos de execução. Com efeito, tal preceito, na redacção anteriormente em vigor, regulava a competência executiva, em matéria de decisões judiciais, de todos os tribunais de competência especializada e específica, e não apenas a dos tribunais de competência específica cível. E, após a alteração decorrente da Lei 38/2003, o seu âmbito de aplicação é exactamente o mesmo, como claramente se depreende da respectiva letra. Qualquer outra interpretação esbarraria com dois obstáculos incontornáveis: se o actual art. 103.º da LOFTJ, ao contrário da anterior redacção, somente pretendesse regular os casos da competência executiva das varas cíveis, dos juízos cíveis e dos juízos de pequena instância cível quanto à execução das respectivas decisões, atribuindo-a aos juízos de execução, então passaria a LOFTJ a conter, nessa área, uma lacuna enorme, em matéria de competência executiva relativa a todos os outros tribunais de competência específica e de competência especializada, o que seria de todo indefensável; por outro lado, se a ratio do preceito fosse apenas a de atribuir aos juízos de execução a competência executiva anterior de alguns tribunais de competência específica (varas, juízos e juízos de pequena instância cível), como se compreenderia o facto de, nesse mesmo preceito, se fazer alusão expressa aos tribunais de competência especializada? Seria uma incongruência legislativa inadmissível!!!... Não pode, pois, ser outra a interpretação a extrair deste preceito: todas as execuções de decisões judiciais, com tramitação regulada pelo Código de Processo Civil, que seriam da competência de qualquer tribunal de competência especializada ou específica, seja ele qual for, passam a ser da competência do juízo de execução, desde que este exista na circunscrição respectiva (à semelhança do estabelecido para o tribunal de competência genérica).

e) Em alteração ao art. 90.º-n.º 3 do CPC, estabeleceu-se que a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses só fica a ser da competência do tribunal que a proferiu nas comarcas em que não haja tribunal com competência executiva específica (isto é, juízo de execução), caso em que a execução correrá por apenso ao processo em que a decisão foi proferida – alínea b). Caso contrário, a execução não correrá por apenso a tal processo, sendo o mesmo da competência do juízo de execução (art. 102.º-A da LOFTJ), correndo termos «no traslado» (isto é, sendo instruída com certidão das peças pertinentes do processo em que foi proferida a decisão). Assim se harmonizou tal preceito com o disposto nos arts. 77.º-1-c), 102.º-A e 103.º da LOFTJ.

f) Em alteração ao art. 92.º do CPC, estabeleceu-se que para a execução por custas, multas ou pelas indemnizações referidas no art. 456.º e preceitos análogos é competente o tribunal do lugar em que haja corrido o processo em que tenha tido lugar a notificação da respectiva conta ou liquidação, observando-se o n.º 3 do art. 90.º. Assim, tais execuções, caso não exista na circunscrição juízo de execução, correrão por apenso ao processo em que teve lugar a notificação da conta ou liquidação. Caso exista juízo de execução, passarão a ser da competência deste (art. 102.º-A da LOFTJ), correndo termos «no traslado» (isto é, sendo instruídas com certidão das peças pertinentes do processo respectivo, designadamente certidão da conta ou liquidação). Assim se harmonizou tal artigo com os arts. 77.º-1-c), 102.º-A e 103.º da LOFTJ. Por outro lado, com a alteração a tal artigo, deverá ter-se por derrogado o n.º 1 do art. 117.º do Código das Custas Judiciais, o qual apenas se manterá em vigor para o caso das comarcas em que não exista juízo de execução. Existindo este, a regra a aplicar será a decorrente do art. 92.º do CPC, com remissão para o art. 90.º-n.º 3 do mesmo Código.

Em face do novo regime legal, decorrente da reforma global da acção executiva, e conforme propósito expresso previamente publicitado pelo legislador, os juízos de execução passaram a abranger a anterior competência executiva dos diversos tribunais, fossem de competência genérica, de competência especializada ou de competência específica, apenas se excluindo dessa regra os casos excepcionais expressamente consagrados na LOFTJ.

O quadro legal, nessa matéria, passou, em síntese, a ser o seguinte, no tocante a circunscrições em que existam juízos de execução instalados (caso, presentemente, da comarca de Lisboa):

1) As execuções fundadas em decisão judicial, que anteriormente eram da competência do tribunal que as havia proferido, e que corriam por apenso ao respectivo processo, passam, em regra, a ser da competência dos juízos de execução, por força do disposto no art. 102.º-A e 103.º da LOFTJ. Assim, as sentenças condenatórias proferidas pelos diversos tribunais de competência especializada (e.g., Tribunal Marítimo, Tribunal do Comércio), e de competência específica (varas, juízos e juízos de pequena instância cível e criminal), cuja execução siga a tramitação consignada no Código de Processo Civil, passam a ser da competência dos juízos de execução, correndo «no traslado» (art. 90.º-3 do CPC), isto é, sendo instruídas com certidão das peças pertinentes do processo em que a decisão foi proferida. Assim, quer as execuções de sentenças proferidas em processos declarativos de natureza cível, quer as de sentenças proferidas em acção cível enxertada em processo penal, que seguem a tramitação do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, passam a correr termos nos juízos de execução.

2) As execuções por custas, multas processuais e indemnizações referidas no art. 456.º do CPC e preceitos análogos, que seguem a forma do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, e que anteriormente corriam por apenso ao processo onde havia sido notificada a conta ou a liquidação, passam a ser da competência dos juízos de execução (regra geral decorrente do art. 102.º-A da LOFTJ), independentemente do tribunal ou do processo em que tal notificação teve lugar, correndo termos «no traslado» (arts. 92.º e 90.º-n.º 3 do CPC). Assim, quaisquer custas ou multas processuais aplicadas e notificadas nos processos em curso nos tribunais de competência especializada (de Instrução Criminal, de Família, de Menores, do Trabalho, de Comércio, Marítimo e de Execução de Penas) ou específica (Varas, Juízos e Juízos de Pequena Instância Cível e Criminal), passam a ser executadas nos juízos de execução, sendo as execuções respectivas instruídas com certidão das peças pertinentes do processo em que as custas e multas foram aplicadas e notificadas ao devedor (assim se considerando derrogado o disposto no art. 117.º-n.º1 do CCJ pelo disposto nos arts. 102.º-A da LOFTJ e 92.º e 90.º-3 do CPC no tocante às circunscrições em que existam juízos de execução instalados, embora mantendo-se em vigor quanto às circunscrições restantes).

3) As execuções patrimoniais de multas criminais, que seguem a tramitação do processo comum de execução previsto no Código de Processo Civil, à semelhança das execuções por custas (para cuja tramitação o CPP remete), e que eram anteriormente instauradas por apenso aos processos penais respectivos, passam, por força da regra geral decorrente do art. 102.º-A da LOFTJ, a ser da competência dos juízos de execução, correndo termos «no traslado», por aplicação conjugada do disposto nos arts. n.ºs 491.º-n.ºs 1 e 2 do CPP e 92.º e 90.º-n.º3 do CPC.

4) As execuções por coimas, que anteriormente incumbiam ao tribunal que seria competente para apreciar o recurso da decisão da autoridade administrativa que as aplicou, e que, por força do disposto no art. 89.º-n.º 2 do DL 433/82, do art. 491.º-n.ºs 1 e 2 do CPP e do art. 117.º-n.º1 do CCJ, seguem os termos do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, passam, por força da regra geral decorrente do art. 102.º-A da LOFTJ, a ser da competência dos juízos de execução. Tendo sido propósito confesso e inequívoco do legislador o de, através do DL 38/2003, proceder à reforma global do regime da acção executiva, designadamente em matéria de competência, a regra decorrente do art.89.º-n.º1 do DL 433/82 deverá considerar-se implicitamente derrogada pelo disposto no art. 102.º-A da LOFTJ, no tocante a circunscrições em que esteja instalado juízo de execução, mantendo-se apenas em vigor no tocante às restantes circunscrições em que tais juízos de execução se não encontrem em funcionamento. Não faria, na verdade, qualquer sentido o legislador estar a retirar aos tribunais competentes para apreciar o recurso das decisões das autoridades administrativas a competência executiva quanto às suas próprias decisões e em matéria de custas, multas processuais, indemnizações e multas criminais, e a mantê-la em matéria de execução por coimas, execução esta que segue, exactamente, a tramitação processual civil prevista para todas aquelas outras execuções. A intenção inequívoca do legislador foi a de retirar a tais tribunais, sempre que exista juízo de execução, toda a competência executiva no tocante às execuções cuja tramitação vem regulada no Código de Processo Civil, deixando aos mesmos a tarefa predominante e bem mais complexa de «declarar o direito» no âmbito das acções cíveis e penais.

5) Relativamente aos demais títulos executivos previstos nas alíneas b) a d) do CPC, passou a vigorar a regra geral decorrente do art.102.º-A da LOFTJ: os mesmos passaram a ser da competência dos juízos de execução.

6) Não serão da competência dos juízos de execução os casos expressa e excepcionalmente referidos na LOFTJ, a saber:

- As execuções especiais por alimentos (cfr. arts. 1118.º e sgs. do CPC), as quais, por força do disposto nos arts. n.ºs. 81.º-f) e 82.º-1-e) da LOFTJ, continuam a ser da competência dos Tribunais de Família. Tal excepção compreende-se perfeitamente, dada a tramitação específica de tal tipo de execuções e o facto de os pedidos de cessação ou alteração da prestação alimentícia, da competência do Tribunal de Família, deverem ser deduzidos por apenso a tal processo de execução (art. 1121.º do CPC);

- As execuções fundadas nas decisões dos tribunais do trabalho ou em outros títulos executivos que consignem a obrigação de pagamento de quantias no âmbito das competências próprias de tais tribunais [Art. 85.º-n) da LOFTJ]. Tal excepção compreende-se, também, tendo em atenção a tramitação específica de tais execuções, a qual diverge, em múltiplos aspectos, da tramitação da acção executiva comum regulada no Código de Processo Civil (Cfr. arts. n.ºs 89.º a 98.º do CPT).

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III – COMPETÊNCIA, NO CASO EM APREÇO, DOS JUÍZOS DE EXECUÇÃO DE LISBOA

No âmbito dos Juízos de Execução de Lisboa, os despachos que vêm sendo proferidos a declarar a incompetência desse Tribunal quanto às execuções por custas e multas processuais aplicadas em processo penal, às execuções patrimoniais de multas criminais, às execuções por coimas e às execuções de sentenças relativas aos enxertos cíveis em processo penal, aduzidos, para tanto, os fundamentos seguintes:

a) Os juízos de execução são tribunais de competência específica, sendo inequivocamente competentes para conhecer de todas as execuções que sigam a forma de processo comum de execução prevista no Código de Processo Civil, processo este que segue uma forma única regulada nos arts. n.ºs 810.º e sgs. do mesmo Código.

b) As execuções por multa (enquanto sanção penal), por coima, por custas, multas processuais e outros valores contados seguem os termos do processo comum de execução regulado no CPC, isto é, os arts. 810.º e segs. desse Código.

c) Todavia, tais execuções não podem ser consideradas como transmudadas em processo comum de execução, pois não deixam de ser execuções especiais, tratando-se, tão-somente, e por via de remissão, de aplicar às mesmas as regras estabelecidas no processo comum de execução.

d) A esta luz, haveria que entender-se que a referência feita pelo art. 102.º-A da LOFTJ às competências previstas no CPC se reporta apenas à aplicação directa das normas do processo previsto naquele diploma adjectivo, e já não à sua aplicação por via de remissão prevista noutros diplomas legais. Em conformidade com este entendimento, tais remissões reportam-se apenas à tramitação processual daqueles processos executivos, não podendo ser entendidas como atributivas de competência, a qual se encontra definida na LOFTJ. Partir das competências previstas numa lei processual remissiva, numa portaria ou no preâmbulo de um diploma legal para chegar ao estabelecimento da competência material de um tribunal é uma subversão da lógica do sistema.

e) Embora reconhecendo, como argumento ponderoso em sentido contrário, que o legislador parece admitir que também os Juízos de Pequena Instância Criminal, os Juízos Criminais e as Varas Criminais podem exercer as competências previstas no Código de Processo Civil, a referência feita no art. 103.º da LOFTJ deve considerar-se como atinente apenas às Varas Cíveis, aos Juízos Cíveis e aos Juízos de Pequena Instância Cível. Em tal sentido apontariam o facto de o art. 3.º-n.º2 do DL 148/2004, de 21 de Junho, ter determinado a redistribuição pelos juízos de execução das acções executivas pendentes nos tribunais cíveis, e não de todas as acções executivas pendentes nos tribunais de Lisboa, e o facto de ser à «generalidade» das acções executivas dos tribunais cíveis que se refere o preâmbulo da portaria de instalação dos Juízos de Execução de Lisboa (Portaria 1322/04, de 16 de Outubro).

f) Uma solução oposta à referida na antecedente alínea levaria a que os juízos de execução, tendo de conhecer de todas as causas impeditivas, modificativas ou extintivas da dívida exequenda, tivessem que passar a apreciar, por exemplo, da prescrição das contra-ordenações ou das penas de multa, da amnistia e do perdão, entre outras causas de extinção da pena ou da coima. De igual modo, em sede de oposição à execução, passaria a conhecer também, por exemplo, da existência e validade de contratos laborais (nas execuções previstas no art. 97.º do Código de processo do Trabalho) e outras questões conexas a tal jurisdição. Isto, a menos que fosse instituído um sistema de circulação dos processos entre os Juízos de Execução e a Pequena Instância Criminal, os Juízos Criminais, as Varas Criminais, o Tribunal do Trabalho, para resolução de determinadas questões, o qual não tem apoio em qualquer base legal. Tal interpretação, na situação de recurso sobre tais decisões, levaria a que todas aquelas questões viessem a ser conhecidas e apreciadas exclusivamente pelas secções cíveis do Tribunal da Relação, numa clara violação das regras de competência material definidas pelos arts. n.ºs 78.º a 92.º da LOFTJ, que o legislador não terá, certamente, pretendido.

g) Em conclusão, os juízos de execução apenas seriam competentes para executar sentenças proferidas por tribunais de competência específica cível, custas e multas aplicadas em processos desses tribunais e ainda as demais que tivessem por base um qualquer dos demais títulos executivos elencados pelo art. n.º 46.º do CPC.

h) Porque a presente execução não prefigura nenhuma das execuções elencadas na antecedente alínea, julga-se o Juízo de Execução materialmente incompetente para a sua tramitação.

Ressalvado o devido respeito, afigura-se ao Ministério Público que improcedem, de todo, os argumentos expostos.

Correspondendo, embora, à verdade o referido nas alíneas a) e b) supra, já o mesmo se não poderá dizer no tocante ao referido na alínea c). Com efeito, se a generalidade das execuções ali referidas segue integralmente a tramitação do processo comum de execução, trata-se, obviamente, de processos comuns de execução e não de execuções especiais. O que caracteriza um processo especial é, precisamente, o seu desvio, na respectiva tramitação, em relação ao processo comum. Se a execução segue a forma do processo comum, não poderá, de modo algum, ser qualificada de execução especial, já que nenhum desvio especializador a caracteriza.

Relativamente ao argumento referido na alínea d), o mesmo é, de todo, insustentável.

Com efeito, o DL 38/2003, conforme propósito confesso, explícito e inequívoco do legislador, visou reformar integralmente o regime da acção executiva, retirando ao juiz cível e ao juiz penal, que são chamados a «declarar o direito», a competência executiva cuja tramitação vem regulada no Código de Processo Civil.

Daí que, nos arts. 77.º-1-c), 102.º-A e 103.º da LOFTJ tenha vindo regular globalmente a matéria da competência executiva dos diversos tribunais (com competência genérica, especializada ou específica).

A expressão «...as competências previstas no Código de Processo Civil...» referida no art. 102.º-A da LOFTJ não pode ser interpretada isoladamente. Essa expressão consta, igualmente, do art. 77.º-1-c) da mesma lei, exactamente com o mesmo sentido e alcance.

Essa expressão, interpretada no âmbito do art. 77.º-1-c) da LOFTJ, no quadro dos tribunais de competência genérica, não pode deixar de ser entendida como referindo-se a toda a competência executiva desse tribunal cuja tramitação vem regulada no Código de Processo Civil, sendo certo que o tribunal de competência genérica gera títulos executivos que dão lugar a execuções a tramitar sob a forma do processo comum de execução, quer provenientes de processos de natureza cível, quer provenientes de processos penais (sentenças, contas e liquidações de custas e multas, processuais e penais). A não ser assim, ficaria o art. 77.º da LOFTJ a enfermar de uma inadmissível lacuna, deixando de prever a competência executiva do tribunal de competência genérica relativamente a sentenças, a custas e multas que tivessem lugar em processo que não fosse de natureza cível (designadamente sentenças condenatórias nos enxertos cíveis em processos penais e custas e multas, processuais e penais, aplicadas em tais processos).

Sendo esse o sentido a atribuir a tal expressão no âmbito do art. 77.º-1-c) da LOFTJ, o mesmo sentido terá essa expressão no quadro do art. 102.º-A do mesmo diploma, já que a competência que é retirada ao tribunal de competência genérica quando existe juízo de execução é precisamente a mesma que é atribuída a este juízo quando o mesmo existe.

Por outro lado, e contrariamente ao que vem referido na argumentação em análise, não é a lei de natureza processual que vem a fixar a competência do juízo de execução, numa subversão lógica do sistema. A competência do juízo de execução vem fixada, como é lógico, na LOFTJ, e designadamente no art. 102.º-A da mesma. O legislador atribui a esse juízo competência para todas as execuções cuja tramitação siga os termos previstos no Código de Processo Civil (processo comum de execução). Semelhantemente como, por exemplo, atribui aos juízos de pequena instância cível competência para julgar as causas cíveis a que corresponda processo sumaríssimo. Não é por esse facto que se pode sustentar que é a norma processual civil que regula o processo sumaríssimo que determina a competência desse tribunal, em subversão da lógica do sistema!...

Relativamente à argumentação decorrente da alínea e) supra, a mesma, com o respeito devido, não tem qualquer consistência.

Com efeito, é de todo insustentável que a referência feita no art. 103.º da LOFTJ apenas se deva considerar como abrangendo, na sua previsão, as Varas Cíveis, os Juízos Cíveis e os Juízos de Pequena Instância Cível.

Em primeiro lugar, e como acima já se ressaltou, é a própria norma que expressamente faz alusão aos «...tribunais de competência especializada...». Sendo as Varas Cíveis, os Juízos Cíveis e os Juízos de Pequena Instância Cível tribunais de competência específica, é por demais evidente que o legislador não quis ali abarcar apenas estes últimos, mas também a generalidade dos tribunais de competência especializada elencados no art. 78.º da LOFTJ (instrução criminal, família, menores, trabalho, comércio, marítimos e de execução de penas). Se o legislador apenas tivesse querido abranger, no âmbito da previsão dessa norma, tribunais de competência específica, não teria, por certo, feito qualquer alusão a tribunais de competência especializada, que integram uma categoria de tribunais totalmente diversa.

Por outro lado, mesmo que, por simples hipótese absurda, o legislador se tivesse equivocado ao exarar no preceito a referência aos tribunais de competência especializada, ficaria por resolver outra questão: é que, para além dos tribunais de competência específica cível, existem também os tribunais de competência específica criminal (varas, juízos e juízos de pequena instância). Assim sendo, e não efectuando o legislador qualquer distinção, não competiria ao intérprete fazê-la, pelo que a norma deveria abranger, na sua extensão, todos os tribunais de competência específica, cível ou criminal.

É que os argumentos expendidos no despacho em análise para fazer tal restrição interpretativa por forma a abranger, quanto aos tribunais de competência específica, apenas os de natureza cível, não têm qualquer justificação.

Em primeiro lugar, e quanto ao facto de o art. 3.º-n.º 2 do DL 148/2004, de 21 de Junho, ter determinado a redistribuição pelos juízos de execução apenas das acções executivas pendentes nos tribunais de competência específica cível, do mesmo não é legítimo extrair qualquer elemento no sentido da interpretação acima exposta. Com efeito, se o Governo entendeu efectuar apenas essa redistribuição, foi porque a acumulação processual anómala de execuções se verificava, então, essencialmente nesses tribunais, não tendo sentido necessidade de estender a redistribuição aos demais tribunais de competência específica e de competência especializada, menos acumulados. Só isso.

Em segundo lugar, sempre se dirá que o Governo, ao efectuar essa redistribuição, fê-lo sem qualquer credencial parlamentar, quando é sabido que, sendo as matérias atinentes à competência dos tribunais da competência reservada da Assembleia da República, precisaria, para tanto, de autorização desta.

Por outro lado, é o próprio Ministro da Justiça que, no preâmbulo da Portaria n.º 1322/2004, de 16 de Outubro, expressamente reconhece que «...a instalação de juízos de execução em Lisboa, com competência para a generalidade das execuções desta comarca, impõe que se altere a actual designação da Secretaria-Geral de Execução das Varas Cíveis, dos Juízos Cíveis e dos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa.» E, como tal designação era redutora, face ao novo quadro alargado da competência dos juízos de execução, que passaram a abranger a generalidade das execuções da comarca de Lisboa, o legislador passou a denominar tal Secretaria como Secretaria-Geral de Execução de Lisboa. É, pois, o mesmo legislador que efectuou a mencionada redistribuição quem reconhece, expressamente, no referido preâmbulo, que a competência dos juízos de execução abrange a generalidade das execuções da comarca, independentemente da natureza do processo em que o título executivo tenha sido produzido.

Quanto aos argumentos expendidos na alínea f) supra, os mesmos também não põem em causa tudo o que vem sendo alegado.

Em primeiro lugar, e relativamente a títulos executivos laborais (provenientes de sentenças declarativas condenatórias laborais e outros títulos executivos consignando obrigações de natureza laboral), é a própria LOFTJ que, conforme acima já se referiu, no seu art. 85.º-alínea n), expressamente mantém a competência dos tribunais do trabalho para conhecer das execuções respectivas. Falece, pois, de todo, o argumento em causa no tocante a execuções de títulos de natureza laboral.

Em matéria de execuções por multas criminais e por coimas, haverá que distinguir as duas realidades.

Relativamente às multas criminais, uma vez transitada em julgado a sentença que aplicou uma pena de multa, segue-se, no âmbito do próprio processo penal, a fase da execução da pena, cuja tramitação vem regulada nos arts. 489.º a 191.º do CPP.

Quer a eventual autorização para o pagamento da multa em prestações, quer a sua substituição por dias de trabalho são decisões que precedem, necessariamente, a decisão de se proceder à execução patrimonial da mesma – arts. 489.º-3 e 490.º do CPP e 47.º-n.º4 e 48.º do Código Penal.

Só nos casos em que a multa não seja voluntariamente paga dentro do prazo legal nem seja substituída por dias de trabalho é que, caso ao condenado sejam conhecidos bens suficientes e desembaraçados, o Ministério Público promove a sua execução patrimonial, a qual, seguindo os termos das execuções por custas, obedece à tramitação própria do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil – art. 491.º-1 do CPP.

Ora, esta execução patrimonial constitui um processo executivo autónomo, que anteriormente era autuado por apenso ao processo-crime, cabendo então ao juiz penal exercer, no seu âmbito, as competências previstas no Código de Processo Civil ao mesmo atinentes.

A instauração dessa execução patrimonial autónoma regulada pelo Código de Processo Civil não faz, porém, terminar a fase processual penal da execução da pena de multa. Com efeito, o processo penal continua com a instância em aberto, aguardando o desenrolar da execução patrimonial. Caso a execução patrimonial tenha sucesso, a instância executiva processual penal será declarada extinta, pelo cumprimento da pena. Caso, pelo contrário, a execução patrimonial não venha a ter sucesso, a execução patrimonial será arquivada e a instância executiva processual penal prosseguirá com a conversão da multa não paga em prisão subsidiária – art. 49.º do Código Penal. Caso, no decurso da execução patrimonial, se verifique qualquer causa de extinção da responsabilidade criminal (morte do condenado, prescrição da pena, amnistia ou perdão), será declarada extinta, por tal motivo, a instância processual penal, extinguindo-se, seguidamente, por impossibilidade superveniente, a instância na execução patrimonial regulada pelo Processo Civil (processo comum de execução).

Em face da reforma da acção executiva, tendo o legislador optado por atribuir aos juízos de execução a competência para exercer, no âmbito dos processos de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, prosseguindo o princípio da especialização, a execução patrimonial da multa, constituindo um processo comum de execução autónomo integralmente regulado no referido Código, passará, à semelhança das execuções por custas, a deixar de ser instaurada por apenso ao processo penal respectivo, passando a correr termos no juízo de execução, com base «no traslado», isto é, em certidão das peças pertinentes do processo penal (cfr. arts. 90.º-n.º3 e 92.º do CPC).

Paralelamente a tal acção executiva, da competência do juízo de execução, continuará em aberto a instância processual penal atinente à execução da pena de multa, sendo no âmbito desta que, oportunamente, se virá a decidir, se for caso disso, da conversão da multa em prisão subsidiária, caso a execução patrimonial não venha a dar resultado e seja arquivada por falta de bens penhoráveis.

Se, na pendência das duas instâncias paralelas (processual penal e processual civil de execução patrimonial) se vier a suscitar a questão da extinção da responsabilidade criminal do condenado por qualquer das causas acima referidas (morte do condenado, prescrição, amnistia, perdão), a mesma relevará, obviamente, em ambas as instâncias, sendo que, no âmbito da execução processual civil, se estará perante uma questão prejudicial de natureza penal. Com efeito, uma vez que a declaração de extinção da responsabilidade criminal não é uma questão atinente exclusivamente ao foro processual civil da execução patrimonial, pois que releva no âmbito do processo penal em aberto, o juiz do juízo de execução, ao tomar conhecimento da existência dessa questão prejudicial, deverá, oficiosamente (a questão da extinção da responsabilidade criminal é de conhecimento oficioso do tribunal, mesmo no tocante à prescrição da pena), suspender a instância processual civil e colocar a questão ao juiz penal, por simples ofício ou por meio análogo, para que este se pronuncie quanto a ela no âmbito do processo penal em aberto – Cfr. arts. 97.º e 279.º do Código de Processo Civil. Uma vez que se trata de questão de conhecimento oficioso do tribunal, será inaplicável, no caso, o regime decorrente do art. 97.º-n.º2 do Código de Processo Civil, apenas aplicável nos casos em que o processo em que a questão prejudicial devesse ser resolvida dependesse do impulso das partes. Caso o juiz penal decida, no processo penal, pela extinção da responsabilidade criminal, o juiz de execução declarará extinta a instância executiva processual civil por impossibilidade superveniente. Caso o juiz penal decida, no processo penal, pela não extinção da responsabilidade criminal, o juiz de execução deverá fazer cessar a suspensão da instância executiva processual civil, determinando o prosseguimento da mesma.

Sendo este o quadro legal que se nos antolha, não se vê que sejam o juiz de execução ou o Tribunal da Relação, pela via de recurso interposto no âmbito daquela, colocados na situação de ter que decidir questões substantivas de natureza penal com reflexo directo na tramitação do processo penal em aberto. Nem se mostra necessária qualquer circulação de processos entre o Juízo de Execução e o tribunal penal.

No quadro da execução das coimas, a questão coloca-se, presentemente, de forma diferente. Uma vez decorrido o prazo para pagamento da coima, segue-se a execução patrimonial desta, segundo a tramitação do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, sob impulso do Ministério Público. Uma vez instaurada a execução, cessa a instância no procedimento contra-ordenacional, sendo os autos respectivos remetidos pela autoridade administrativa ao Ministério Público competente para instaurar a execução (art. 89.º-n.º3 do DL 433/82).

Tendo cessado a instância no procedimento contra-ordenacional, qualquer questão atinente à extinção da responsabilidade contra-ordenacional do condenado (v.g., prescrição da coima, amnistia), porque de conhecimento oficioso, e relevando, em termos processuais, exclusivamente no âmbito da execução patrimonial da coima, deverá ser decidida pelo juiz de execução, por aplicação do princípio geral decorrente do art. 96.º do Código de Processo Civil: o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem, independentemente da natureza destes. Assim, será da própria competência do juiz de execução, no âmbito da instância processual civil da execução da coima, declarar extinta a instância executiva com o fundamento na verificação de qualquer das referidas causas de extinção da responsabilidade contra-ordenacional, já que não ocorrerá qualquer relação de prejudicialidade relativamente a um qualquer outro processo de outra natureza que se encontre a correr termos.

A tal não obsta, de forma alguma, o que vem preceituado no art. 89.º-A do DL 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do DL 244/95, de 14 de Setembro.

Em primeiro lugar, e embora se preveja a possibilidade de a lei vir a prever que, a requerimento do condenado, o tribunal possa aplicar, em substituição da coima, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, trata-se de preceito meramente programático, que não teve, até hoje, qualquer expressão legal concreta.

Assim, uma vez instaurada a execução patrimonial da coima, a única tramitação a seguir será a do processo comum de execução, regulado no Código de Processo Civil, todo ele da competência do juiz de execução.

Caso, por mera hipótese, o legislador viesse, no futuro, a prever casos concretos de substituição, na fase executiva, da coima por prestação de trabalho a favor da comunidade, teria que considerar-se parcialmente alterado o regime decorrente do art. 89.º-A-n.º1 do DL 433/82, no tocante às circunscrições em que existam juízos de execução. Assim, face às alterações da reforma da acção executiva decorrentes dos arts. 77.º-1-c), 102.º-A e 103.º da LOFTJ, que retirou aos juízos de pequena instância criminal a competência para a execução patrimonial das coimas, atribuindo-a aos juízos de execução, continuariam a ser aqueles, e não estes, a manter a competência prevista no referido art. 89.º-A-n.º1, que integraria questão prejudicial no âmbito da execução processual civil da coima, determinando a suspensão da respectiva instância, nos termos já acima referidos no tocante às multas criminais, até que o tribunal de pequena instância criminal se pronunciasse quanto à mesma.

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IV - CONCLUSÃO

Por tudo o que vem exposto, nenhuma das objecções exaradas na alínea f) do ponto anterior procede, pelo que, contrariamente ao referido nas alíneas g) e h) do mesmo ponto, os juízos de execução deverão ser, presentemente, considerados os competentes para exercerem, no âmbito do processo executivo regulado pelo Código de Processo Civil, independentemente da origem e natureza do respectivo título executivo, as competências previstas no referido Código, com as ressalvas expressas decorrentes dos arts. 81.º-f), 82.º-1-e) e 85.º-n) da LOFTJ.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2005

O Procurador da República,

(Fernando Bento)
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