Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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18-03-2004   Temáticas específicas
REMIÇÃO DAS PENSÕES 'EM PAGAMENTO' À DATA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 100/97 E DL 143/99
Reflexão conjunta dos PGA’s da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Remição de pensões. Remição das pensões “em pagamento” à data da entrada em vigor (01.01.2000) da Lei n.º 100/97, de 13.09 e DL 143/99, de 30. 04.
Considerações gerais
Termos em que a Lei 100/97 e o DL 143/99, consideram remíveis as pensões em pagamento
Proposições conclusivas
I
Considerações Gerais
1-Se, numa certa perspectiva, como afirmou Nietzsche, “o propósito de toda a civilização é transformar o Homem, um animal predador, num animal domesticado e civilizado”, o Direito, enquanto “ordem de convivência humana com exigências de justiça” (Larenz), integra-se, como subsistema, no sistema cultural da humanidade, podendo também sufragar-se a ideia de que o grau de maturidade democrática de uma sociedade pode aferir-se pela forma como trata os seus deficientes (Roosevelt, cit. por Vitor Ribeiro, in “Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas”).

2-O Direito do trabalho (cuja génese se deve encontrar na designada revolução industrial) e os seus blocos normativos adjacentes (v. g., regulamentação jurídica dos acidentes de trabalho; no entanto, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08, numa opção não isenta de críticas, ocupa-se também dos acidentes de trabalho – vd. art.º 281.º e ss.), pela textura e natureza da realidade que pretende captar e regular, dificilmente se deixa enclausurar numa codificação, compreensívelmente tão do agrado dos juristas, ávidos de um instrumento jurídico cómodo e funcional, que lhes permita, também a eles, o exercício eficiente da sua actividade laboral com o mínimo dispêndio de energias, sem terem de, penosamente, fazer desgastantes incursões no «mare magnum» da ordem jurídica (tal ordem jurídica é própria do Estado de bem estar social - em que o Estado pretende limitar os efeitos perversos do princípio do «laissez faire, laissez passer, laissez aller, laissez contracter, le monde va de lui même», próprio da economia liberal - ,o que conduz a uma profusa produção normativa), na pesquisa de normas avulsas, que sirva os seus propósitos de estudo ou de aplicação do direito (a codificação pode também ser vista como a materialização da ciência do Direito, quer quanto ao seu conteúdo, quer na sua forma expositiva). Só que, se é mister impregnar a norma com o conteúdo da vida, a dinâmica do substrato económico-social parece não se harmonizar bem com o seu acantonamento num código e, a breve prazo, de forma larvar, a norma apresenta sintomas de «esclerose», tornando a ordem jurídico-laboral disfuncional. E a terapia adequada passa então por vazar no interior da norma (continente) novos «pedaços da vida social», entretanto surgidos e que aspiram a impor-se pela via da juridicidade. Dir-se-ia que o direito laboral está acometido de um «vírus» que afecta a sua longevidade, porque só a mudança é constante (Héraclito: “tudo flui, nada permanece”).

Depois, o acervo normativo laboral suporta as consequências das conjunturas económico-sociais, nele se repercutindo os problemas e tensões de conjuntura e das fases do «ciclo económico» (... expansão-recessão-recuperação...). A rigidez/flexibilidade das regras laborais reflecte a tensão entre os factores da organização produtiva (diferenciação entre a titularidade dos meios de produção e a capacidade de trabalho, situação geradora de interesses opostos), com os trabalhadores, nos períodos de recessão económica, a reclamarem uma blindagem jurídica para garantir a estabilidade do emprego e os empregadores a pugnarem pela possibilidade de despedimentos, assim se salvando, na sua óptica, a empresa e os postos de trabalho possíveis (numa sugestiva imagem, a esse propósito aduzida, «num avião que está em queda, a estratégia de salvamento adequada não passará pela ligação do passageiro, pelo cinto de segurança, ao assento»). Ou seja, é a própria natureza da realidade contemplada que atribui carácter precário à norma laboral, frustrando os propósitos do legislador em lhe conferir vida longa, útil e saudável. Para utilizar uma consabida imagem de um insigne jurista, neste domínio do «jurídico», com frequência «três palavras do legislador transformam bibliotecas inteiras em papel de embrulho». Limados os excessos da asserção, quase apetece dizer que no primeiro dia de vigência dum código do trabalho, o legislador sente já a necessidade de constituir uma comissão para elaborar estudos de alteração. Ou seja, após uma concentração normativa, imediatamente surge um movimento de dispersão (produção de normas avulsas).

3-Sinalizadas as características da norma laboral em geral, aproximemo-nos das normas do direito infortunístico.

Vistos, por vezes, os acidentes de trabalho como “o preço do progresso” (Rouast e Givort), existe hoje abundante produção normativa sobre a reparação dos acidentes de trabalho. Na verdade, vencendo as resistências iniciais, a «consciência social» determinou o legislador a acautelar a “integridade produtiva ou económica” (Vitor Ribeiro, op. cit), a reintegração da capacidade de trabalho ou de ganho (vd. “Acidentes de trabalho e doenças profissionais, regime jurídico anotado, de Carlos Alegre), do trabalhador sinistrado.

Como expende Carlos Alegre (op. cit), “os acidentes de trabalho criam em proveito do sinistrado ou dos seus beneficiários uma situação subjectiva, que é constituída pelo direito às prestações (em espécie, indemnizações ou pensões) e que é regulada pela lei em vigor no momento da sua criação”.

No que concerne à remição das pensões, um dos critérios do legislador tem consistido em as considerar remíveis quando a IPP não ultrapasse um determinado valor (presentemente, quando seja inferior a 30%-al. d), do art.º 17.º, da Lei n.º 100/97 e art.º 56.º, al. b), do DL 143/99).

4-Seja-nos permitido alinhar breves considerações sobre o impacto do acidente de trabalho na vida do trabalhador (é curial que tenhamos a noção que estamos a considerar «dramas» humanos), quando o valor da incapacidade resultante das sequelas (após a cura clínica, portanto) é significativo (vamos presumi-lo superior a 30% de IPP). Comparemo-lo com a situação de desemprego, pois a pensão pode ser vista como um substituto do salário, devido à perda da capacidade de ganho, causada pelo acidente.

Como se sabe, o trabalho é uma dimensão essencial de cada pessoa, emergindo como um “importante factor de consideração social, sendo, não raras vezes, por referência ao trabalho que se afere o grau de integração ou de exclusão social” (Jorge Leite, in “Direito do Trabalho”, Vol. I). Na organização da vida de um trabalhador por conta de outrem, a estabilidade do emprego assume uma importância preponderante. Ter garantido um emprego significa ter acesso a um rendimento certo que permite planificar a vida pessoal e familiar do trabalhador. No entanto, a actual fase da economia põe em crise esse factor de estabilidade, lançando a angústia. Por todo o lado se ouve falar da mobilidade do factor trabalho, difundindo toda a sorte de incertezas na vida dos trabalhadores. “Parece que ninguém tem o emprego garantido em lado nenhum. Vivemos tempos duros para os trabalhadores. O sentimento assustador de que ninguém tem um emprego seguro, mesmo que as empresas para que se trabalha sejam prósperas, implica o alastrar do medo, da confusão e da apreensão.(...)A instabilidade dos postos de trabalho - aquilo a que os economistas chamam eufemisticamente «flexibilidade do mercado de trabalho» - é agora um facto perturbador do dia a dia. E faz parte de um maremoto global que assola as economias principais do mundo desenvolvido, na Europa, na Ásia e na América. A prosperidade não constitui garantia de emprego; os despedimentos continuam mesmo no seio de uma economia em crescimento. Este paradoxo, como acentua o economista do MIT, Paul Krugman, é «o amargo preço que temos de pagar por termos uma economia tão dinâmica»” (Daniel Coleman, in “Trabalhar com inteligência emocional”).

Havendo cada vez mais desempregados e sendo as situações de desemprego um mal necessário (pelo menos numa certa perspectiva, no sentido de que resulta do próprio progresso) à prosperidade económica, qual o impacto dessa situação na personalidade do desempregado, qual o efeito na sua auto-estima? Como acentuam Cristophe André e François Celord (in “A auto-estima”), “O desemprego representa uma série de perdas – de estatuto, de rendimentos, de contactos sociais- cujo impacto sobre o equilíbrio da pessoa é sempre evidente. Muitos dos nossos pacientes desempregados sofrem de um profundo sentimento de desvalorização. Alguns deles não ousam dizer aos seus próximos que estão desempregados; outros evitam sair às horas de trabalho para não parecerem ociosos. (...) «Tornando o futuro incerto», escreve o sociólogo Pierre Bourdieu a propósito do desemprego, «obriga a fazer uma espécie de inventário dos recursos utilizáveis e torna patentes em algumas pessoas carências até então recalcadas ou disfarçadas»”. A intensidade dos efeitos de desemprego ao nível da auto-estima dependerá do tipo de personalidade, da duração do desemprego e da repetição das situações de desemprego. Como bem salientam os mesmos autores, “as feridas de auto-estima só agravam o problema. Quanto menos nos estimamos menos capazes somos de investir energia na procura de um novo trabalho, menos positivamente nos apresentamos a um eventual patrão, etc. A marginalização dos desempregados a longo prazo não deriva apenas da inadequação entre as suas competências e as necessidades do mundo do trabalho; deve-se igualmente ao facto de eles se tornarem cada vez menos aptos, não só para exercerem um ofício mas também para o procurarem”.

Como também considera Jorge Leite (op. cit) “(...)a exclusão do trabalho provoca sempre no inactivo forçado reflexos sociais e psicológicos negativos. O excluído do trabalho sente-se atingido na sua integridade pessoal, desalojado do lugar a que se julga com direito no seio da sociedade, impedido de participar na produção da vida social e no funcionamento do sistema em que se quer ver integrado”.

Por maioria de razão são devastadoras as consequências dos acidentes de trabalho (pese embora o disposto no art.º54.º, do DL 143/99, muitos dos trabalhadores sinistrados acabam por se ver precipitados no desemprego) ao nível da auto-estima, desestruturando a personalidade do trabalhador sinistrado. Imprevistamente, o sinistrado vê reduzidas as suas capacidades, vê os seus planos desmoronarem-se. Quem contacta com frequência com os trabalhadores sinistrados apercebe-se facilmente da sua situação de fragilidade, muitos deles encontram-se mergulhados numa situação de depressão. O acidente pôs termo a um programa de vida, lança a incerteza e a angústia, abala os níveis de confiança. A redução das suas capacidades diminui-lhes a sua motivação, porque descrentes das suas faculdades para enfrentar a adversidade. Para muitos dos tocados pelo infortúnio, é evidente a necessidade de reconstrução da imagem que têm de si, de reelaboração das relações com os outros e reformulação dos seus objectivos de vida. Nesse doloroso caminho, a implicar a consciência e aceitação da nova realidade de si, um novo esforço cognitivo-coportamental e a reprogramação da sua vida, intervém também a necessidade de aquisição de novas aptidões profissionais.

5-Mas - perguntar-se-á – que conexão tem isso com a remição das pensões? No nosso modo de ver há uma ligação estreita: a pensão, a prestação periódica aparece para a maioria dos sinistrados como um factor de certeza, intervém positivamente no mar de incertezas de que o futuro está carregado. Por isso cremos que o legislador deveria ser mais cauteloso e claro quando determina a remição das pensões. Para a maior parte dos sinistrados, a estabilidade que advém da certeza de se receber uma pensão até ao termo da sua existência actua como uma barreira ao desânimo, ergue um dique contra a devastação do desalento. O capital de remição não cumpre esse objectivo, pois o recebimento de uma importância única pode levar a gastos que rapidamente esgotam o capital de remição, e, quando assim não acontece, para os sinistrados com maior longevidade, a quantia recebida não chega, pois é sabido que, nessas situações, o capital de remição é inferior ao valor total da pensão que, de forma periódica, os sinistrados receberiam até ao termo das suas vidas. Quando convocados (art.º 148.º, n.º 4, do CPT) para o recebimento do capital de remição, contrapõem: «e quando o dinheiro que agora recebo acabar, vou viver de quê? Eu quero é a minha pensão!» E- perguntar-se-á- por que não lhes permite o legislador optar, por que lhes impõe a remição, quando a IPP, embora superior a 30%, a pensão é inferior ao sêxtuplo do salário mínimo nacional (art.º 56.º, al. a), do DL 143/99, de 30.04)? Nesse contexto, em vez de uma atitude impositiva, melhor seria que o legislador, valorizando a liberdade individual e autonomia de cada um, deixasse ao próprio sinistrado/beneficiário da pensão a faculdade de remição ou não da pensão, de modo a mais adequadamente utilizar esse factor na programação da sua vida. Na verdade, como já salientámos, o trabalhador sinistrado, perante a situação de desespero em que se encontra, procura encontrar factores sólidos e estáveis que lhe permitam reprogramar a sua vida. Ora, além de a remição da pensão poder traduzir-se em perda de dinheiro para o sinistrado (pense-se nas situações de maior longevidade do trabalhador; mesmo nos casos de menor longevidade, em grande parte das situações de remição não advém benefício directo para o sinistrado, pois, pretendendo acautelar-se para uma maior longevidade, utiliza apenas uma parcela do dinheiro, beneficiando então os seus herdeiros, que, em grande parte dos casos, até dele não precisam para a satisfação das suas necessidades essenciais), o capital de remição não cumpre esse objectivo (cfr. o artigo difundido pelo jornal “Público”, do dia 28.01.04, sob o titulo: “sinistrados do trabalho perdem “milhares de euros com pagamento único de pensões”). Seria pelo menos sensato que se deixasse o sinistrado optar, por isso ser importante para a organização e gestão da sua vida. E que argumentos poderão ser aduzidos contra isso? Não vemos que se perfilem argumentos sólidos, com poder de persuasão. Não nos parece ter qualquer poder de convencimento a argumentação de que importa eliminar os custos administrativos das seguradoras. O legislador deve centrar a sua atenção na vítima do acidente de trabalho, regular com acerto os interesses desta e as companhias de seguros devem organizar-se de modo a corresponderem ao que delas se espera, no interesse do sinistrado ou beneficiário da pensão.

6-É também óbvio para todos que as pensões não remíveis, devem ser anualmente actualizadas, de modo a pelo menos se repor o poder de compra. O sistema vigente antes de 01.01.2000 para as pensões não remíveis e referentes a IPP inferior a 30% era clamorosamente injusto e fere tão incisivamente o «sentimento jurídico» que faz lembrar o problema da «lei injusta». Como bem acentua Vítor Ribeiro (op. cit.), “as pensões por morte ou por incapacidade superior a 30% foram as únicas em relação às quais o legislador a custo aceitou abandonar a tradicional natureza estática e fixista que se traduziu na imutabilidade completa do seu valor facial, desde que se constituíam e até que caducavam (...). Pena é que o que tão avaramente se assumiu por excepção, não se tivesse assumido como regra, como o impunham os mais elementares principios de justiça (vd. pag. 183).

Na verdade, o que aconteceu foi que, as pensões anteriores a 01.01.2000, respeitantes a IPP inferior a 30% (vd. art.º 2.º, do DL 668/75, de 24.11) e não remidas, foram sendo delapidadas no seu poder aquisitivo ao longo do tempo pela inflação acumulada. Ao determinar agora a remição (art.º 56.º, al. b), do Dl 143/99) dessas pensões, o legislador perdeu uma oportunidade para corrigir parcialmente essa injustiça de muitos anos, pois seria curial que, antes da remição, o valor da pensão fosse actualizado, para efeitos de cálculo do capital de remição.
II
1-Tendo em conta as considerações acima tecidas, que pretendem caracterizar o «terreno» (substracto social, económico e psicológico) em que nos movemos, vejamos agora em que termos a Lei n.º 100/97 e o DL 143/99 consideram remíveis as pensões em pagamento (ou mais propriamente, referentes a acidentes de trabalho ocorridos no tempo de vigência da Lei n.º 2127/65 e Dec. 360/71) à data da sua entrada em vigor.

2-A BASE XXXIX da Lei n.º 2127/65 dispunha que eram “obrigatoriamente remidas as pensões de reduzido montante” e podia “ser autorizada a remição quando devesse ser considerado economicamente mais útil o emprego judicioso do capital”.

Por sua vez, o art.º 64.º do Dec., 360/71, com a redacção conferida pelo art.º 1.º do Dl 459/79, de 23/11, dispôs que, a partir de 1.10.1979, passaram a ser obrigatoriamente remidas as pensões que correspondessem a desvalorizações não superiores a 10% e não excedessem o valor de uma pensão calculada com base numa desvalorização de 10% sobre o salário mínimo nacional, requisitos estes que actuavam cumulativamente. Em conformidade com o n.º 2, do mesmo preceito legal, podiam ser, a solicitação dos pensionistas ou das entidades responsáveis e com autorização do Tribunal, remidas as pensões devidas a sinistrados e ascendentes que, cumulativamente, correspondessem a desvalorizações superiores a 10% e inferiores a 20% e não excedessem o valor da pensão calculada com base numa desvalorização de 20% sobre o salário mínimo nacional e desde que se demonstrasse uma aplicação útil do capital de remição. A Lei n.º 100/97, de 13.09, veio ampliar as hipóteses de remição das pensões. Na verdade, no art.º 17.º, al. d) preceitua-se que nas situações de IPP inferior a 30% o sinistrado terá direito ao “capital de remição” e no art.º 33.º, n.º 1, determina-se que “são obrigatoriamente remidas as pensões de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados”. O DL n.º 143/99, de 30.04, que desenvolveu a Lei n.º 100/97, dispõe, no seu art.º 56.º, que:

1-São obrigatoriamente remidas as pensões anuais:

a)Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão;

b)Devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.

2-Podem ser parcialmente remidas, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis e com autorização do tribunal competente, as pensões anuais e vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30% ou as pensões anuais e vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que cumulativamente respeitem os seguintes limites:

a)A pensão sobrante não pode ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada;

b)O capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.

Do confronto dos dois regimes de remição obrigatória de pensões (Lei n.º 2127/65 e Lei n.º 100/97, e regulamento de uma e outra lei) facilmente se conclui que a Lei n.º 100/97 consagra a remição num maior número de casos.

No preâmbulo do DL 143/99, o legislador enunciou os propósitos que o animaram:

“No fundamental, prossegue-se, na regulamentação” da Lei n.º 100/97, de 13.09, “ a filosofia que lhe esteve subjacente de melhoria do sistema de protecção e de prestações conferidas aos sinistrados em acidentes de trabalho, procurando simultaneamente garantir o equilíbrio e estabilidade do sector segurador para o qual as entidades empregadoras são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação dos danos.

No sentido de melhorar o nível das prestações garantidas aos sinistrados, a presente regulamentação desenvolve importantes alterações relativamente ao regime anterior, designadamente:

A revisão da base de cálculo das indemnizações e pensões, que deixam de ser calculadas com base no conceito de retribuição base, passando a ser calculadas com base na retribuição auferida pelo sinistrado;”

Do exposto resulta, pois, claro que o legislador, com a nova regulamentação dos acidentes de trabalho (Lei 100/97 e seu regulamento) quis melhorar o “sistema de protecção e de prestações conferidas aos sinistrados” e/ou seus familiares. Ora, se parece claro que a modificação da base de cálculo da pensão introduziu uma melhoria na pensão, repercutindo-se favoravelmente no seu montante, já se nos afigura mais duvidoso que a remição obrigatória das pensões anualmente actualizáveis dê corpo a esse desideratum, pois são muitos os casos em que os sinistrados preferem a «sua pensão», por lhes ser mais favorável do que a sua conversão em capital.

Convém ainda referir que, aquando da proposta de Lei do Governo n.º 67/VII (que deu origem à Lei n.º 100/97), em discussão na reunião plenária da Assembleia da República, de 10.10.97, sua Ex.a o Secretário De Estado do Tesouro e das Finanças, expendeu que “a intenção do Governo em sede de regulamentação é a de proceder à remição de todas as pensões que correspondam, de facto, a incapacidades abaixo de 30% colocando-as em pé de igualdade com a situação que está prevista no proposta de lei, no sentido de haver uma remição para as situações de incapacidade permanente abaixo de 30%. Portanto, há que proceder a uma remição de natureza idêntica quanto a essas situações passadas”.

Convirá realçar que faz todo o sentido, nesses casos, a remição da pensão, harmonizando-se com o propósito, acima referido, de introduzir melhorias na reparação dos acidentes de trabalho: em pensões não actualizáveis, a não remição da pensão empobrece o sinistrado, pois a acumulação de taxas de inflação subtrai sucessivamente poder de compra ao valor da pensão, cuja cifra se mantém imutável. Nenhuma dúvida, pois, de que as pensões referentes a acidentes de trabalho, decorridos até 31.12.1999, com IPP inferior a 30%, devem ser imediatamente remíveis, face à sua não actualização perante a depreciação da inflação.

Mas - pergunta-se -, a partir de 01.01.2000 (entrada em vigor da Lei n.º 100/97 e seu regulamento), em que condições são remidas as pensões fixadas no domínio de vigência da Lei n.º 2127/65, de 03.08 e Dec. 360/71, de 21.08? Aplica-se-lhes ou não o novo regime de remição? Na verdade, o art.º 41.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, preceitua que a mesma produziria efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a regulamentasse e o seu n.º 2 definiu que o diploma regulamentar estabeleceria o regime transitório a aplicar à remição de pensões em pagamento á data da sua entrada em vigor e que dissessem respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante. Há que se ter em conta que, quando se refere a “pensões em pagamento”, o legislador terá dito menos do que quis, devendo entender-se que quis também abranger todas as pensões fixadas ao abrigo da lei n.º 2127/65 (mesmo as que ainda não estivessem em pagamento em 01.01.2000, portanto), por identidade de razão. E efectivamente, o art.º 74.º, do DL 143/99 consagra um “regime transitório de remição de pensões”. Só que, ao remeter para os art.ºs 17.º, n.º 1, al. d) e 33.º, da Lei n.º 100/97, parecia que o legislador se estava a reportar aos acidentes ocorridos no âmbito de vigência da Lei n.º 100/97 e não da lei n.º 2127/65. A redacção de tal normativo parece manifestamente infeliz, dizendo o legislador coisa diferente do que pretendia e, por isso, o Acórdão para uniformização de jurisprudência n.º 7/2000, publicado no DR de 18.12.2002, decidiu que o regime transitório relativo á remição de pensões estabelecido no art.º 74.º, do DL 143/99 é apenas aplicável às pensões devidas por acidentes ocorridos antes da entrada em vigor da Lei n.º 100/97. Mas a que pensões se reporta o regime transitório previsto no art.º 74.º, do DL 143/99? Para o sabermos temos de nos ater ao art.º 56.º, n.º 1, do mesmo diploma, pois é este normativo que esclarece quais as pensões que são obrigatoriamente remíveis. E são elas:

a)As pensões devidas a sinistrados e a beneficiários legais que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal mais elevada à data da fixação da pensão;

b)devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por IPP inferior a 30%.

Assim, da conjugação dos comandos dos art.ºs 41.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 100/97 e 56.º, n.º 1, al. a) e b), resulta que as pensões a remir, fixadas ao abrigo da Lei n.º 2127/65, têm de reunir os pressupostos aí indicados, observando-se depois, caso sejam remíveis, o escalonamento expresso no art.º 74.º, do referido DL 143/99. Ora, o art.º 56.º (DL 143/99) elege dois elementos para regulamentar as pensões de reduzido montante: a) a remuneração mínima mensal; b) a data da fixação da pensão. Do art.º 56.º, n.º 1, al. a), retira-se também que a ligação que se faz à data da fixação da pensão se reporta à remuneração mínima mensal e não ao valor da pensão. O valor da pensão a considerar é, pois, o que existir à data em que se procede à análise da remição. Na verdade, o valor da pensão inicial deixou de existir, existe agora um outro valor, a pensão inicial, no que ao valor concerne, tem outro conteúdo, pois a pensão inicial foi sucessivamente actualizada e a cifra actual da pensão não representa necessariamente o mesmo poder de compra do valor inicial da pensão, pois a actualização pode divergir do valor da taxa de inflação, sendo normalmente superior. Ou seja, a pensão é a mesma mas o poder de compra do seu valor actual não tem de coincidir com o poder de compra do valor inicial, tendendo a, nas actualizações, a serem introduzidas melhorias superiores à taxa de inflação. De resto, é o valor actualizado da pensão que tem de se ter em conta para efeitos de escalonamento previsto no art.º 74.º, do DL 143/99 e é também o valor actualizado que se tem de considerar para efeitos do cálculo do capital de remição, não se vislumbrando razão convincente para que não se atenda ao valor actual para se determinar se a pensão é ou não remível. Como já se frisou, o valor inicial já não existe, o que existe agora é um outro valor e é esse que tem de considerar-se para se apurar se a pensão é ou não remível, pois é também esse o valor a considerar para se calcular o cálculo do capital de remição. É, pois, esse o valor que está em causa, e não qualquer outro.

E cremos que contra a tese exposta não colhe o argumento que considera que de tal critério resulta que poucas pensões são remíveis, pois que o propósito do legislador foi no sentido de introduzir melhorias no sistema de reparação dos acidentes de trabalho. Ora, do art.º 56.º, resulta que são remidas todas as pensões referentes a acidentes com grau de IPP inferior a 30%, que antes o não eram (pelo menos entre os 20 e os 30%). E, efectivamente, não sendo actualizáveis, resulta que da remição advém vantagem para os beneficiários da pensão. Quanto às demais pensões, sendo actualizáveis, não se vê, no geral, vantagem para os sinistrados na sua remição, sendo que, como já se expôs acima, os sinistrados não preferem remir a «sua pensão». Repare-se que estamos a considerar as pensões “em pagamento” à data da entrada em vigor da Lei n.º 2127/65, ou seja, estamos a considerar situações em que o sinistrado, após o acidente, reprogramou a sua vida em função do recebimento de uma pensão vitalícia (atente-se que outro tanto não aconteceu relativamente às pensões fixadas ao abrigo da lei n.º 100/97, pois aqui o beneficiário da pensão remida nunca chegou a receber qualquer pensão, recebendo imediatamente um capital de remição), não sendo curial que o intérprete presuma que legislador se alheou dos efeitos (vd. considerações tecidas na 1.ª parte) para o sinistrado da remição de pensões que, há muitos anos vinha recebendo, eram (e continuam a ser) actualizáveis e que esperava legitimamente receber até ao fim da sua vida, face ao quadro normativo vigente. Como acima se salientou, o acidente fragilizou os sinistrados, tornou-os menos aptos para enfrentarem a adversidade e planearam a sua vida em função do recebimento periódico de uma pensão actualizável, não parecendo adequado que se obrigue de novo esses sinistrados e conceber novas estratégias adaptativas (devido à remição da pensão), sendo que grande parte deles terão já uma idade avançada (sendo, pois, mais difícil a adopção de novas estratégias). Nenhuma razão (vd. art.º 9.º, do C. Civil), pois, emerge para o intérprete, valendo-se da plasticidade da norma, pesquisar interpretações das quais resulte um maior número de casos de remição obrigatória das pensões fixadas ao abrigo da Lei n.º 2127/65.

Convém precisar ainda o seguinte: o art.º 56.º, n.º 1, al. a), manda atender à remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão. A data a atender, para se determinar o valor da remuneração mínima mensal, é o dia seguinte à data da alta clínica ou do decesso do sinistrado (é nestas datas que o beneficiário da pensão adquire o direito de crédito à pensão), pois decerto o legislador não terá querido a vinculação a uma data que fique dependente da maior ou menor celeridade do tribunal que fixa a pensão.

O entendimento que vem sendo proposto (o valor da pensão a atender para se determinar se o valor da pensão excede ou não o sêxtuplo do salário mínimo nacional é o valor actualizado) foi o acolhido no acórdão tirado no proc.º n.º 9537/03-4, datado de 21.01.04, desta Relação e na declaração de voto expressa relativamente ao acórdão tirado no processo n.º 9297/03-4, igualmente desta Relação, datado de 21.01.04.

Já nos acórdãos tirados nos proc. n.ºs 9287/03-4, de 28.01.04; 9817/03-4, de 04.02.04 e 477/04-4, de 30.03.04, se considerou que o valor da pensão a ter em conta é o inicial.

Por sua vez no Acórdão tirado no processo n.º 9297/03-4 sufragou-se o entendimento de que “relativamente às pensões referentes a acidentes ocorridos antes de 1 de Janeiro de 2000 cujo valor seja igual ou inferior a ao valor constante do quadro do art.º 74.º do DL 143/99 as mesmas são remíveis nas datas ali previstas, independentemente de serem ou não inferiores ao sêxtuplo da “remuneração mínima garantida” à “data da fixação da pensão” a que se refere o art.º 56.º, n.º 1, al. a), do DL 143/99, que aqui não encontra aplicação”.

De tudo quanto se expôs, cremos que a melhor solução para os beneficiários da pensão, consentida pela letra da lei e imposta e aconselhada pelos critérios do art.º 9.º do C. C. é a que acima se explanou, em 1.º lugar. Na verdade, convém não esquecer que os interesses a regular se centram no beneficiário da pensão e, no geral, para as pensões actualizáveis este prefere receber a sua pensão e não o capital de remição. No mar de fragilidades e incertezas que rodeiam os beneficiários da pensão, cremos ser este o entendimento que lhes permite melhor organizar e gerir a sua vida, enfrentando o futuro com menos angústia, porque confortados com a certeza do recebimento periódico da sua pensão actualizada. E se, de acordo da legislação vigente à data do acidente, a pensão não era remível e era actualizável, os beneficiários programaram a sua existência contando até ao seu decesso com o recebimento da «sua pensão» e se para eles é importante – como pensamos que é - viverem a sua vida recebendo a sua pensão, afigura-se-nos curial que a interpretação a seguir seja a que lhes permite uma melhor organização da sua vida. Até porque, como diz Mihail Eminescu “ a vida é um bem que perdemos quando não a vivemos como gostaríamos de a ter vivido”.
III
Em função do exposto, formulam-se as seguintes proposições conclusivas:

1-O escalonamento estabelecido no art.º 74.º, do DL 143/99, de 30.04 reporta-se às pensões fixadas nos termos da Lei n.º 2127/65, de 03.08 e Dec. 360/71, de 21.08 e obrigatoriamente remíveis nos termos do art.º 56.º, n.º 1, al. a), do 1.º diploma citado;

2-Tendo em conta o disposto no art.º 56.º, n.º 1, al. a), do DL 143/99, de 30.04, para se determinar se a pensão anual e vitalícia excede ou não seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, opera-se com os seguintes factores:
a)valor actualizado da pensão anual e vitalícia;
b)quantitativo da remuneração mínima mensal garantida mais elevada em vigor no dia seguinte à alta clínica ou no dia seguinte ao decesso do sinistrado.
Lisboa, 18.03.04.
O presente texto resultou da reflexão conjunta dos PGA’s da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido redigido pelo subscritor e aprovado por maioria.
(António Correia)
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