Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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A GESTÃO DO INQUÉRITO. INSTRUMENTOS DE CONSENSO E CELERIDADE
Consenso, aceleração e simplificação como instrumentos de gestão processual. Soluções de diversão, oportunidade e consenso como formas «divertidas», informais e oportunas de inquietação. O processo sumaríssimo e a suspensão provisória do processo.
CONSENSO, ACELERAÇÃO E SIMPLIFICAÇÃO COMO INSTRUMENTOS DE GESTÃO PROCESSUAL.
SOLUÇÕES DE DIVERSÃO, OPORTUNIDADE E CONSENSO como formas «divertidas», informais e oportunas de inquietação.
O processo sumaríssimo e a suspensão provisória do processo.


1.Apresentação:

Um dos objectivos da Revisão de 2007 do Código de Processo Penal e da Lei-Quadro da Política Criminal foi o de promover uma maior aplicação dos institutos da diversão processual, da oportunidade, consenso, celeridade e simplificação.
Vamos tratar apenas da justiça consensualizada e dentro desta dos institutos que o CPP revisto prevê.
Falamos assim do arquivamento em caso de dispensa de pena, da suspensão provisória do processo, do processo especial sumaríssimo, embora no presente texto se vá privilegiar em exclusivo estes dois últimos institutos processuais.
PLANO: Começarei por enunciar alguns aspectos de contexto do tema. Tendo como modelo de referência a prática que seguimos no Tribunal de Setúbal, descrevo depois alguns dos pretextos que, concretamente, podem servir à opção ou à rejeição por essas soluções.
Refiro de passagem a forma de estruturação do requerimento para sumaríssimo e para suspensão provisória do processo.
Acrescento alguma problematização jurídica a certos aspectos da configuração legal de cada um dos institutos.
Termino com algumas observações sobre a utilidade e actualidade da discussão.

Podemos então começar por colocar QUESTÕES de contexto ou de enquadramento das soluções de diversão no CPP.

2.O tempo e a aceleração do tempo enquanto factores de conformação do direito.

O que é o tempo no direito?
Santo Agostinho não sabia definir o que era o tempo se alguém lho perguntasse. Segundo ele, todos sabemos o que é o tempo até que alguém nos pergunte. Nas “Confissões” ele diz “ se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”.
É uma perplexidade que vai acompanhar a nossa análise.
Entre a norma jurídica e o devir temporal há uma unidade fundadora. Ao pensar e agir sobre o tempo, o direito actua no vai e vem permanente, interactivo, entre presente, passado e futuro.
O direito é um reportório de noções e de regras e de práticas que só ganham sentido se as enquadrarmos na duração do tempo. As referências do direito são instrumentos da temporalidade em vários ramos de direito (caducidade, prescrição…) e também nos procedimentos judiciários (flagrante delito, perdão de penas, amnistia …). O princípio da não retroactividade da lei exprime a adequação teórica entre as decisões jurídicas e o movimento do tempo, irreversível e portanto em permanente renovação, mas também em contradição com ela, se pensarmos na retroactividade da lei penal favorável. A invocação da jurisprudência também acompanha a necessidade de adequar as práticas judiciárias ás mudanças do tempo e até os sujeitos adequam o seu comportamento a normas que respeitam no presente mas que podem vir a ser apagadas no futuro por medidas voluntaristas como as amnistias ou os perdões.

Deste modo, falar de aceleração e simplificação processuais é falar do tempo jurídico e da aceleração do tempo jurídico como os sociólogos judiciários, entre os quais François Ost2, se lhe referem e que, para introdução, aqui vamos acompanhar.
O tempo social é hoje um tempo de «urgência», tradutor das mutações temporais da sociedade que tende cada vez mais a privilegiar o tempo curto e a funcionar num registo de imediatividade.
Essa urgência impôs-se como o tempo normal da justiça, quer na produção legislativa, quer na jurisprudencial e mesmo na doutrinária. O novo modelo é o da modificabilidade permanente do texto da lei, fruto das leis cada vez mais programáticas, que exigem adaptabilidade, previsibilidade e revisibilidade, para antecipar as dificuldades futuras e reorientar as opções de escolha se elas não responderem ao cenário preestabelecido. A regra é hoje volátil, mutável, incerta, indeterminada e em crise.
A urgência transforma o tempo da justiça num tempo mais efémero e precário e por isso cultiva-se o imperativo da mudança pela mudança, num ritmo acelerado que não deixa espaço para legisladores como Sólon, que depois de promulgar as leis de Atenas se ausentava por dez anos para não ter que as alterar.
O transitório transformou-se no habitual, a urgência acelerada e frenética passou a ser permanente. Acelera-se a mudança das leis antes mesmo de lhes serem dadas condições para as aplicar, leis que passam a ser resultado de uma produção experimental e negociada por tentativas e erros, promulgadas «à experiência», e cuja avaliação periódica – ou seja, a aceleração do seu ritmo de revisão – se impõe como natural e acaba por transformar o título da sua legitimidade: a boa lei não é a lei estável, mas a lei susceptível de revisão.
A crença generalizada no progresso, que permitia antecipar o futuro, foi substituída pela marca do aleatório e do errático, mesmo ao nível social e individual. A cultura do tempo mudou em função da necessidade de sermos flexíveis.

3.O contexto de avaliação de que parte a sociologia judiciária. a crise dos laços sociais e a crise do tempo jurídico:

A aceleração transforma as relações sociais em relações aleatórias, no sentido das análises de Gilles Lipovetsky, que encara as sociedades de hoje como sociedades votadas à inconstância dos costumes, como sociedades do efémero, encaradas como laboratórios experimentais, nas quais os indivíduos – tornados incertos ou fungíveis – privados de referências, afrontam sozinhos os efeitos dessa espécie de orfandade.
A própria sociedade reclama aceleração da justiça, cansada da distância e lentidão da sua representação ou mediação. Ao direito como «mediação» exige-se o «imediatismo» (palavra que lhe é oposta), um imediatismo que seja omnipotente na gestão das emoções populares e na reacção ao fogo da tensão mediática, que é hoje particularmente propenso a exigir reacções urgentes, mesmo que em detrimento de garantias das pessoas.
A evolução social condiciona pois a evolução jurídica, que (ainda) aparentemente resiste e prefere contrapor a segurança jurídica à precarização da mudança perpétua.
O que é que pode justificar a defesa da aceleração do tempo processual?
Pode ser ela sinónimo de racionalização e de modernização, pois trata-se de combater os arcaísmos burocráticos, a inércia administrativa, a chicana dos sujeitos processuais?

Uma consequência da aceleração é tornar vago e indeterminado o futuro.
Para o decisor que tem que conhecer e compreender para decidir, a complexidade, a dispersão e a especialização das informações necessárias e a aceleração que é requerida à decisão obriga-o a actuar em detrimento das regras preestabelecidas, e o processo que daí resulta assume a forma não de um processo de decisão mas de um processo de aprendizagem ao longo do qual se determinam progressivamente os interesses a ter em consideração e os dados factuais pertinentes.
Inscrevendo-se nesta cultura do instantâneo, os actores profissionais são levados a suportar e a resistir à pressão para responder imediatamente às solicitações.
A pressão da urgência judiciária à qual estão submetidos os magistrados é um sinal entre outros da cultura do instantâneo que caracteriza a nossa relação com o tempo.
A aceleração dos procedimentos muda efectivamente as formas de articular, no processo de decisão, o imediatismo e a temporização.
Trata-se de um novo esquema do tempo, baseado na adaptabilidade em tempo real, contrária em todos os aspectos à antecipação baseada sobre princípios de previsão e de programação.
A relação dos magistrados com o tempo oscila(va) numa polaridade entre o tempo longo do direito e aquele das contingências da sua interpretação e aplicação.
A temporalidade jurídica inscreve-se na durabilidade, estando o direito associado à tradição, à permanência e à estabilidade das regras que ele induz e que perpetua.
Essa estabilidade está prejudicada pela aceleração do tempo jurídico constatável diariamente através da inflação da produção jurídica e da inerente renovação.
Mas isso não impede o combate aos atrasos na justiça, sendo assim a aceleração e o atraso a reunirem-se como duas faces dum mesmo fenómeno de desregulamentação do tempo jurídico.
Quanto à resistência dos magistrados à mudança e à sua inscrição num registo de tempo lento e de tempo longo, ela é sociologicamente explicável. A sua concepção do direito como meta-garante do social corresponderia à concepção que eles têm da distância e sobretudo da superioridade que eles devem manter com o social. É a imagem do sábio que leva o tempo necessário para uma redacção rigorosa da sua decisão de justiça. E esta referência jurídica corresponde nos magistrados a um prestígio da redacção e da escrita, à qual está associada uma valorização da lentidão.
Este pólo do tempo longo a que aspira o mundo judiciário opõe-se a uma temporalidade mais curta e frágil, ligada à acção ou à decisão, por vezes pressionada pela urgência.
Essa é a temporalidade da realidade social e das suas contingências e reversibilidades a partir das quais é necessário interpretar o direito.
A prática judiciária só terá sentido dentro deste quadro temporal. Trata-se de um tempo de exposição e de proximidade onde o magistrado aparece sujeito às pressões externas (da opinião pública, da defesa, das vítimas, etc), e fragilizado pela importância das suas decisões que se inscrevem numa realidade concreta, por vezes dramática quando altera radicalmente uma vida, como nos casos de prisão ou de protecção e tutela de menores, nos casos de abusos sexuais ou de simples regulação do poder paternal quando objecto de atenção mediática.

Se o direito – como parece - só tem capacidade de regulação e já não de instituição do social, será que o direito penal poderá tornar-se veículo de diálogo e contribuir para criar laços sociais?
O ambiente é de dificuldades: o triunfo do modelo da democracia de mercado veio destruir os mecanismos clássicos de integração social, como a família, o trabalho ou a nação.
Segundo a sociologia, para poder contribuir para a criação de laços sociais, o direito deve conseguir articular quatro tempos: o tempo da memória, que liga o passado, o tempo do perdão, que dilui o passado e abre o futuro, o tempo da promessa, que liga o futuro e permite à sociedade de aí se projectar pelas leis ou contratos, e por fim o tempo do reexame que permite ao direito adaptar-se aos tempos novos.
Porém, face à inflação legislativa, à instabilidade do direito e à sua fragilidade, não estaremos numa conjuntura em que o tempo do reexame tem um protagonismo excessivo?
A justiça penal está condicionada pela inflação dos casos penais, pela aceleração do tempo judiciário submetido a imperativos de urgência, a um modelo de processo do tipo «tratamento de texto» para poder adaptar-se às novas situações sob formas provisórias, a um modelo de regulação negociado com o surgimento do «contrato ou do consenso» como instrumentos privilegiados de regulamentação normativa.
Para mais, face ao propalado fracasso do ideal de reabilitação ou ressocialização e do tratamento do delinquente, que perdurou por longos anos, o Estado Social não está já em condições de mobilizar a opinião pública em prol do ideal de uma justiça redistributiva e de redução de desigualdades. Hoje é a «gestão dos riscos» e a ideologia da prevenção que se constituíram como os novos objectivos perante os quais está confrontado o direito penal dentro daquela preocupação de restabelecer a coesão social.
Este contexto de dificuldades gestacionais condicionará o êxito da mediação, de que falaremos no final num tom auspicioso mas que já nem é verdadeiro. Dificuldades que são acrescidas pelo objectivo de conciliar consenso e mediação com celeridade, quase num propósito ousado de conseguir a quadratura do circulo.
Por ora o quadro é de contradições. Institutos de consenso e desjudicialização concorrem com institutos de celeridade e simplificação, em que o tempo tem balançado em polaridades opostas.
A aceleração da justiça penal também serve para revelar a ambiguidade dos valores judiciários em matéria penal. A temporização e a duração estão associados a uma concepção retributiva da pena (a longa memória da pena como forma de pagar o crime), a velocidade, a urgência e a instantaneidade respeitam ao domínio da reparação da vítima.
A pena pode ter três funções: uma função preventiva (de dissuasão para o futuro), uma função retributiva (de pagamento daquilo que foi cometido no passado), e uma função reparadora ou restaurativa (aliviar a vítima no tempo actual). Esta última função está actualmente sob foco social e mediático. A insistência crescente em políticas de reparação testemunha esse interesse. Destinadas a compensar o prejuízo, elas preocupam-se essencialmente com a vítima, que cada vez mais assume um lugar de relevo no nosso processo penal e já um lugar central nos sistemas penais de outros países.
É uma relação de proximidade e de imediatividade aquela que aí se joga.
A outra faceta da cultura do imediatismo judiciário encontra-se no objectivo da celeridade, ligado a uma preocupação de eficácia, que infelizmente muitas vezes não passa de mera visibilidade, com o risco deste registo virtual das aparências poder transformar a Justiça numa justiça de «montra».
Assim, a tendência para generalizar o que se denomina «tratamento em tempo real» dos procedimentos penais, que constitui resposta às críticas recorrentes à lentidão da justiça e ao sentimento de ineficácia particularmente mal vista pela opinião pública, encontra um certo número de objecções no mundo judiciário quanto aos objectivos perseguidos. O tratamento em tempo real de certos crimes deixa de parte a luta contra os crimes financeiros por exemplo, e ainda se atribui a essa tendência a critica de privilegiar os efeitos da delinquência em vez de atacar as suas causas profundas.
Face às pressões temporais, os magistrados fazem apelo à ideia de dilação razoável para tomarem decisões. A dilação razoável convoca as ideias de tempo propício e de momento oportuno (Kairos – tempo vivido, tempo oportuno ou momento certo - por oposição a Chronos – tempo sequencial, que pode ser medido).
Aquela é uma noção de tempo mais qualitativa e pragmática, pois do que se trata é de operar por comparação para poder intervir ou agir no momento certo. Trata-se de ponderar a decisão em função de critérios de personalidade e a ponderação é a marca da prática judiciária.

Retomando o discurso de preocupação com a vítima e o seu reflexo no tempo e no modo de agir do judiciário, a redescoberta da vítima favoreceu a restauração dos laços sociais ao promover modos alternativos de resolução dos conflitos, assentes na negociação, na discussão, na participação e na reconciliação.
A mediação penal visa promover os ideais de justiça negociada, que interessa às partes para regularem os seus conflitos, procurando reconstruir a relação social que foi quebrada pela infracção
No entanto, são mecanismos que tanto servem para desenvolver uma justiça de proximidade mais aberta ao diálogo como para promover apenas a proximidade necessária a uma intervenção mais rápida e mais precoce.
A ética da discussão e da negociação tem dificuldades sérias em se impor num domínio que se baseia tradicionalmente no «inegociável» e onde as lógicas de repressão e de prevenção dos riscos dominam.
Impor e alargar a mediação confronta-nos com a questão de decidir se afinal certos conflitos não deveriam ser simplesmente descriminalizados e resolvidos no foro civil.
Mas a marca do tempo acelerado contra-motiva decididamente a mediação enquanto solução de conflitos, pois esta tem sempre que assegurar a relação entre o passado (o acto), o presente e o futuro (a reparação), e requer por isso necessariamente uma certa duração.
Para assumir as suas responsabilidades, a justiça e a medição tem necessidade de usar de um tempo «razoável» que permita que o diálogo se estabeleça e que os direitos da defesa sejam respeitados.

4.– As estratégias de adaptação da justiça penal:

O sistema de justiça é cada vez mais solicitado a dirimir conflitos e a agir onde antes os modos naturais da solidariedade de proximidade regulavam os conflitos, tornando-se a queixa ou a petição um modo privilegiado de expressão de um estado de desapontamento geral.
A solicitação em massa dos tribunais para resolver toda a sorte de conflitos, seja no mundo escolar, seja na moralização do mundo dos negócios, seja na responsabilidade médica ou na moral sexual, é irracional face à capacidade de resposta dos tribunais, aos quais se apela como o último repositório de valores e de referências que compense a ausência de ideologias e de crenças e compense as mudanças sociais, políticas e tecnológicas que deixam o sujeito órfão de explicações do mundo.
Esta justiça «topa-tudo» vai estando saturada e antecipando-se à diversificação e aos modos diferentes, externos e alternativos de regulação, prefere adaptar-se mantendo o monopólio das respostas.
Esta adaptação, de que são evidentes sinais os institutos processuais do consenso e celeridade, traduz-se por exemplo na transferência de funções jurisdicionais para o Ministério Público, que a par da via da acusação ou do arquivamento tem agora esta «terceira via», como é denominada por Jaques Faget, que permite uma diversão, uma aceleração ou uma simplificação do processamento dos casos penais.
Este novo paradigma constitui para alguns um desequilíbrio ou entorse na filosofia de funcionamento do processo penal, como se irá referir a propósito das críticas nascidas no sistema anglo-saxónico.
Esta disposição em distribuir poderes e novas funções ao MP parece poder querer reconhecer o papel preponderante da decisão de orientação do MP quando decide encaminhar os casos para formas céleres e consensuais de resolução, desde logo porque condiciona grandemente as penas, sanções, medidas de segurança ou injunções e regras que virão a ser aplicadas.
O que é também novo neste paradigma é a celeridade que estas formas processuais potenciam na resolução dos casos penais de pequena e média gravidade, chegando os franceses a falar de uma «justiça em tempo real» a que já acima se aludiu e que revoluciona profundamente o modo de actuação tradicional dos tribunais.
Mas este paradigma exige um estar alerta sobre os riscos que a celeridade comporta: estandardização dos casos e das fórmulas de construção jurídica, redução da justiça a uma lógica administrativa de regulação dos processos, a identificação de grelhas de casos-tipo pré-estabelecidos e normalizados com prejuízo para a individualização. Constata-se também que a aceleração do tempo da justiça propicia a proliferação de anomalias e de paradoxos e as próprias medidas que têm vindo a ser apresentadas para contrariar essa tendência criam novas dificuldades, pois em vez de apresentarem medidas eficazes mais parecem medidas ad hoc, por sua vez geradoras de novas anomalias.

5.O quadro argumentativo e programático em que se move a simplificação e a aceleração da justiça.

A defesa da simplificação da justiça parte de várias ideias, sobretudo de ordem política ou programática. Assim, a simplificação impõe-se para tornar a justiça mais eficaz. Simplificar a justiça é reparar a fractura que se tende a agravar entre a justiça dos Tribunais e o tribunal da opinião pública. Simplificar os procedimentos é restaurar a confiança entre os cidadãos e a justiça, é procurar uma justiça que seja administrada dentro de uma dilação de tempo razoável, preservando as condições do processo equitativo. O bom procedimento é aquele que permite que o processo avance, não o que tem por objectivo libertar-se da lei. A simplificação e aceleração da justiça dá a imagem de um Estado fiável, mais eficaz, com a sua autoridade recuperada e respeitada. A simplificação é uma componente da modernização do Estado, que participa da exigência de qualidade do serviço público, exigida tanto do exterior da justiça, como dos seus profissionais, magistrados e advogados. No processo penal, adapta-se a justiça ao imperativo de uma maior eficácia, uma eficácia que permite responder com rapidez, competência e respeito pelos direitos de defesa, abrindo-se uma nova fase que adapte a via do processo penal escolhida à natureza dos factos praticados e à personalidade do autor. Ganha-se ainda com o facto de as decisões penais poderem ser efectivamente cumpridas e executadas. Dá-se força à decisão judiciária penal e personalizam-se as modalidades de execução das sanções. Impõe-se sobretudo evitar a desconfiança dos cidadãos na justiça. Para aproximar a justiça aos cidadãos é necessário inovar e associá-los aos trabalhos da justiça. Simplificar e acelerar a justiça é reformá-la!

A simplificação, a negociação e a aceleração da justiça também têm obtido argumentos de desfeita, tão relevantes quanto procedem do sistema de justiça que primeiro testou os institutos de celeridade e consenso. Assim, para as formas de justiça consensualizada, como a mediação penal, a suspensão provisória do processo, o processo especial sumaríssimo, os objectivos que prosseguem e os princípios em que se baseiam parecem contraditórios com os princípios fundamentais do processo penal. Têm surgido, exactamente nos países de tradição jurídico anglo-saxónica onde a justiça consensualizada nasceu, as vozes mais críticas, num movimento de sentido inverso ao que se verifica no sistema de tradição continental. Ao princípio do contraditório a justiça consensualizada contrapõe o acordo e o consenso do acusado; ao princípio da presunção de inocência, contrapõe a presunção de culpabilidade e a renúncia àquele direito fundamental; ao princípio da publicidade e do exame das provas em audiência pública, contrapõe um sistema reservado, burocrático e secreto ou no mínimo discreto, que impede, em última análise um recurso de revisão, e que também impede em grande parte a participação da vítima; a um sistema que proclama o carácter sacrossanto dos direitos de processo, contrapõe um sistema que os elimina, pelo menos elimina de uma assentada quatro dos direitos principais que a própria CEDH consagra (artº 6º da CEDH – o direito à presunção de inocência, o direito à não incriminação, o direito a um tratamento justo e não discriminativo e o direito a uma audiência pública); a um sistema que prossegue, através da aplicação de uma pena, objectivos de ressocialização, contrapõe objectivos economicistas e de celeridade que ignoram a ressocialização, a retribuição e a dissuasão e premeiam o cínico ou o culpado, permitindo a negociação de uma «espécie» (num linguarejar semelhante ao do «gato-fedorento») de indulgência.
A justiça consensualizada representa um progresso ou representa uma crise, senão mesmo uma fraude, da própria justiça criminal?


6.As recomendações a nível internacional e sobretudo no espaço da UE: (Remissão para a Recomendação Nº R (87) 18 de 17-9-87 do Comité dos Ministros do Conselho da Europa respeitante à simplificação da justiça penal que procedeu a avaliações e a orientações nesta matéria).


7.Aspectos ainda de contexto, mas já específicos dos institutos da celeridade e simplificação processuais que aqui se tratam:

Sobre o sumaríssimo ou sobre a suspensão provisória do processo (institutos paradigmáticos do consenso e oportunidade no processo penal) mais do que expectativas goradas, foi proclamado o seu fracasso.
Podemos introduzir uma primeira inquietação:
Talvez a profecia do fracasso se tenha tornado realidade não tanto pelo simples facto de ter sido enunciada, como tantas vezes sucede, de um modo performativo, com o anúncio de tantos outros fracassos, mas antes porque o compromisso político-criminal foi sempre para com objectivos garantísticos e não para com objectivos de eficácia.

A insignificante expressão estatística destas formas alternativas de solução dos pequenos litígios é vista como prova de uma justiça que prefere a burocratização, a lentidão e a estigmatização do processo clássico à operacionalidade, à funcionalidade e à flexibilidade de um processo moderno em que os espaços de consenso e oportunidade teriam como ganhos menos formalismo (mais diversão), menos burocracia (mais informalidade), menos morosidade (mais celeridade) e menos julgamentos ou sobretudo menos adiamentos de julgamentos (mais consenso) ou se quisermos ser mais prosaicos, o que se consegue por via desses mecanismos é uma justiça possível, menos cara e mais rápida3. A aposta nas soluções de diversão pode até ser uma forma de disfarçar uma infradotação de meios. Prosseguindo…

Introduz-se aqui uma segunda inquietação:

? As potencialidades das formas de diversão – maxime o sumaríssimo e a suspensão provisória do processo – eram para ser verdadeiramente conseguidas?
? Alguma vez se contou que viessem a ter expressão estatística mais do que residual?

Essas questões ficam por enquanto a aguardar «despacho»…

8. – Vamos entrar nas questões de Contexto – falando do ambiente ou ecologia da celeridade e da eficácia.

8.1.1.-? Haverá razões, umas ligadas às linhas gerais e aos princípios que caracterizam o nosso processo penal, sobretudo o da legalidade e da obrigatoriedade processual4, outras que porventura residem na autonomia e discricionariedade técnica dos magistrados, para que a prática do processo sumaríssimo e da própria suspensão provisória do processo não tenham sido nem sejam ainda encaradas com esse reclamado «entusiasmo»?
Foi evidente que os termos em que inicialmente se definiram os pressupostos legais da forma de processo sumaríssimo (só para crimes até 6 meses de prisão – artº 392º nº 1 do CPP antes da revisão de 1998) eram restritivos, o que manifestamente atirava esta inovação processual para os domínios do Tártaro5.
Subjacente a isso esteve a nosso ver uma deliberada timidez do legislador, que a quis, como expressamente chegou a ser reconhecido, uma figura residual e de carácter restritivo (no debate parlamentar durante a última grande revisão do CPP - em 1998 – apelidou-se de entorse principológico as concessões ao princípio da oportunidade, concessões que se caracterizaram ainda como de espaços mínimos).
Bem vistas as coisas, talvez que à sombra desse entendimento, inspirador da lei e da prática judiciária, se tenha cultivado a abordagem judiciária do sumaríssimo e da suspensão provisória como uma abordagem esotérica do processo, um corpo estranho e residual à rotina legitimada pelos princípios acima assinalados, a ponto de ter (e estranhamente ainda tem) foros de exaltação nos relatórios de inspecção. De modo que, procurar as razões do insucesso da figura possa ser ou um equívoco ou um truísmo6.

VAMOS AGORA ENTRAR NO CAMPO DAS PRÁTICAS JUDICIÁRIAS.

9. – Ainda em aspectos de Contexto – não podemos deixar de abordar a inevitável tirania das estatísticas.

9.1.– Breve notícia do caso de Setúbal. (Remissão para as estatísticas oficiais. Sem interesse no contexto da presente apresentação).

9.2.– Há razões – razões razoáveis – para aquela tímida expressão estatística?
A apregoada nova política para a pequena e média criminalidade e o aparente novo paradigma que, para esse tipo de criminalidade, a Lei de Política Criminal (LPC) veio introduzir vai alterar esse panorama? Diríamos que seria desejável que o alterasse, mas se o défice de utilização dos instrumentos de celeridade e consenso era sintoma de debilidade, as soluções disponíveis talvez não venham ainda reabilitar o «doente» mas apenas deixá-lo em estado de perplexidade.

Vejamos: A lei-quadro da Politica criminal, Lei nº 17/2007 dispõe no seu artigo 6º nº 2 que:
«Orientações sobre a pequena criminalidade:
1— As orientações de política criminal podem compreender a indicação de tipos de crimes ou de fenómenos criminais em relação aos quais se justifique especialmente a suspensão provisória do processo, o arquivamento em caso de dispensa de pena, o processo sumaríssimo, o julgamento por tribunal singular de processos por crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos ou a aplicação de outros regimes legalmente previstos para a pequena criminalidade.
2— O disposto no número anterior não dispensa a verificação casuística, pelas autoridades judiciárias competentes, dos requisitos gerais e da oportunidade da aplicação de cada instituto.

E sobretudo a Lei nº 51/2007 de 31-8, que concretiza para o biénio de 2007-2009 as orientações sobre a política criminal estabelece no seu artº Artigo 12.º que quanto a «Medidas aplicáveis: 1 — Os magistrados do Ministério Público privilegiam, no âmbito das suas competências e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador-Geral da República, a aplicação aos crimes previstos no artigo anterior das seguintes medidas: a) Arquivamento em caso de dispensa de pena; b) Suspensão provisória do processo; c) Julgamento pelo tribunal singular ao abrigo do n.º 3 do artigo 16.º do Código de Processo Penal; d) Processo sumário ao abrigo do n.º 2 do artigo 381.º do Código de Processo Penal; e) Processo abreviado; f) Processo sumaríssimo; g) Mediação penal. 2 — Compete ao Procurador -Geral da República aprovar directivas e instruções genéricas destinadas à aplicação das medidas previstas no número anterior.»

Ora, o facto, por um lado, é que as directivas e instruções genéricas destinadas a concretizar as medidas dedicadas à pequena criminalidade ainda não foram produzidas7.
Por outro lado, não é estabelecido nenhum quadro gradativo de preferência de umas medidas em relação às outras. Não se diz se as medidas de consenso preferem às medidas de celeridade, se as de simplificação preferem às de desjudiciarização.
Ou seja, a relação entre os vários instrumentos, uns ainda em que a escolha é de efectiva oportunidade (…o MP pode…) e outros em que há uma vinculação à oportunidade (…o MP determina…) é uma relação de hierarquia ou de concorrência? E a hierarquia ou a concorrência é só entre institutos da mesma categoria, isto é entre instrumentos de oportunidade de um lado e entre instrumentos de celeridade e simplificação por outro?
Por outro lado ainda, o facto de em relação à SPP, ao processo Abreviado e ao Processo Sumaríssimo o legislador da Revisão do CPP (2007) ter aparentemente estabelecido a obrigatoriedade (agora, segundo o CPP Revisto o MP «determina…» e antes o CPP admitia que o MP «pode…») de utilização desses institutos para resolver a pequena e média criminalidade, alterando o paradigma, não o resolve na prática. Sendo obrigatório, nos casos de pequena e média criminalidade, o recurso a todos esses instrumentos de celeridade, simplificação e consenso, diga-se que ainda em paralelo com a própria acusação em processo comum, essa obrigatoriedade, igualando-se em preferência e em preterição, acaba por manter, na verdade, o mesmo campo de oportunidade de escolha que visava – talvez ingloriamente – impedir ou reduzir.
Portanto, quer pela perspectiva da LQPC, quer pela do CPP Revisto, as medidas de consenso e celeridade conflituam com o princípio da legalidade e conflituam ou pelo menos concorrem, na parte que agora nos interessa, entre si.
Aproveitamos as palavras de Costa Andrade, que sobre esta matéria desfere uma crítica certeira quando aos objectivos da LQPC: Quer a Lei Quadro de Política Criminal (Lei 17/2006 de 23-5), quer as alterações introduzidas pela Revisão de 2007 do CPP, sobretudo nos institutos processuais relativos ao consenso e à simplificação como instrumentos de resolução da pequena e média criminalidade tiveram como pano de fundo a má consciência do desfasamento entre a criminalidade real e a criminalidade conhecida e sancionada, designadamente o enunciado de facto segundo o qual a “escolha” das infracções que acabam por ser objecto de sancionamento formal é o resultado de incontroláveis – e indesejáveis – forças do acaso ou das pré-compreensões e emoções pessoais dos agentes do Ministério Público ou das polícias criminais. A LPC, como refere criticamente M. Costa Andrade, estabelece um quadro de prioridades e orientações que conflitua com o princípio da legalidade (segundo o qual toda a notícia de crime tem de ter tratamento e toda a infracção criminal tem que ser processada, perseguida e punida), por neutralizar as prioridades e orientações, criando na prática um conflito de deveres que, ao respeitar as prioridades e orientações fecha os olhos à legalidade, ou sacrifica as prioridades em nome das orientações e das prioridades.
O resultado, como acima antecipávamos, é a manutenção de um quadro de oportunidade dentro da oportunidade. Só desse modo se ultrapassa o conflito de deveres entre a oportunidade e a legalidade e dentro daquela entre os vários institutos concorrentes à resolução da pequena criminalidade8.
Por isso, a nosso juízo, mantém-se de certa forma válida a exposição de pretextos para o uso do sumaríssimo e da SPP que, em concreto, defendemos à luz da vigência do CPP, anterior a esta última revisão de 2007.

10.– O(s) pretexto(s) para o sumaríssimo. O campo do real quotidiano e da LAW IN ACTION

Uma questão que é horizontal no debate oportunidade versus legalidade é a de saber se:
O arguido, de quem se espera a concordância com as soluções sancionatórias, tem o direito a uma audiência ou tem apenas direito a uma decisão judicial fundamentada?9

Vamos deixar a questão em suspenso para abrimos agora campo às reflexões sobre a praxis.
Aqui importa dar transparência aos critérios de selecção dos casos. Quais são as regras do jogo? É possível o reconhecimento de padrões de comportamento do MP na selecção desses casos? Essa selecção deve atender a objectivos programáticos e nesse caso quais e quem os define ou deve apenas obedecer a critérios de justiça do caso concreto?
Como ponto de partida parece-me ser de excluir a militância por um qualquer programa político-criminal de produtividade e eficácia!

Recolocando as questões na praxis.
Em Setúbal, por exemplo, pondera-se frequentemente a (não) selecção para suspensão provisória ou para sumaríssimo dos casos de desobediência a um embargo de obra. Porém, deve ou não recusar-se o recurso a esses instrumentos de diversão quando a obra está implantada em zona de Reserva Natural e a Administração parece incapaz para conter a destruição da paisagem e dar sentido à expressão “reserva natural”?
São os critérios de selecção subjacentes à decisão e a descoberta de padrões de selecção que me proponho agora apresentar, sabendo de antemão que isso comporta grandes riscos de controvérsia.
A decisão penal é feita de vários ingredientes, pessoais, institucionais e sociais e fruto de pressões difusas ou dedicadas, condicionada por lógicas e tensões antagónicas, por contingências organizativas e processuais. A metabolizarão de todos esses condicionantes, sem prejudicar um mínimo de racionalidade argumentativa da decisão, determina-lhe em vez de suprimir uma margem inescapável de subjectividade.

10.1.Que casos são seleccionáveis para as formas «divertidas»: Quais os PRESSUPOSTOS subjacentes nessa selecção:

É pressuposto imperativo para qualquer das formas de diversão, sejam elas o sumaríssimo ou a suspensão provisória, que exista uma actividade probatória adequada à verificação de indícios suficientes do cometimento do crime e dos seus autores.
Ou seja, não se deve dissimular através destes procedimentos quaisquer dificuldades ou incapacidades de prova. A lei parece impedir que o Juiz, quando recebe a acusação em sumaríssimo, possa sindicar a falta ou deficiência de indícios – cf. art. 311º e 395º CPP. Em todo o caso, essa possibilidade parece estar consentida nos poderes de rejeição do requerimento quando o juiz discorda com a espécie e medida da sanção proposta. Esse poder do juiz encobre de facto a possibilidade dessa sindicância dos indícios (art. 395º nº 1 al. c) e nº 2 do CPP).
Portanto, o MP deve avaliar cautelosamente a prova, particularmente a que foi recolhida pelos OPC´s, sobre a qual não teve o benefício da imediação.

VAMOS ENTÃO ENTRAR NOS
10.2. - Critérios de selecção10 dos casos para o sumaríssimo:

No processo de ponderação há um juízo prévio – claramente de concreta oportunidade – sobre os mecanismos alternativos de diversão, oportunidade11 e consenso possíveis, i.e. um juízo de adequação de um ou de outro, cabendo ao magistrado do MºPº uma avaliação prática que identifique as características do crime e as características do arguido para poder reconhecer a possibilidade efectiva da solução consensual ou consentida e que está subjacente à forma de processo sumaríssimo e mesmo à suspensão provisória.

Depois dessa operação de pré-compreensão do caso podem ser vários os critérios que coadjuvam ao juízo de escolha.
São eles:

10.2.1.- Preferência tendencial por casos em que não há ofendido ou lesado (ou seja, vítima), uma vez que o sumaríssimo exclui as partes civis12 e parece assim impedir o pedido de indemnização civil (art. 393º do CPP). A possibilidade de o MP requerer uma indemnização oficiosa implica a indicação de uma quantia exacta, cujo valor e parâmetros de determinação está excessivamente dependente da colaboração do ofendido e pode constituir um obstáculo sério à obtenção do acordo do arguido. Portanto, a preferência é por casos em que os crimes sejam públicos e não exista ofendido. Registe-se apenas, neste quadro de condicionantes práticas, que nos casos em que é requerido o sumaríssimo em crimes tanto públicos como semi-públicos a notificação que a lei impõe obrigatoriamente ao ofendido/lesado nos termos do art. 75º do CPP torna-se completamente inútil e representa até uma deslealdade processual para com a vítima, em risco de duplo desprezo13.

10.2.2.- Preferência por casos em que o arguido não tem antecedentes criminais e não há notícia de particular perigosidade. Aliás, a preocupação do legislador é também a de controlar a recidiva ou reincidência, obrigando a um controlo dos antecedentes criminais ou de anteriores suspensões, controlo esse coadjuvado pela cláusula geral das necessidades de prevenção especial.

10.2.3.- Preferência por casos não graves, nem factualmente complexos (exclusão tendencial à partida de casos em que existe mais do que um arguido ou em que existem vários crimes – parecendo ser esta uma forma plausível de entender a literalidade do 391º e 281º CPP). Em todo o caso não é inédita a proposta de aplicação de uma pena em caso de concurso de crimes, com correspondente demonstração das operações de cúmulo jurídico, desde que as pena abstracta do concurso não ultrapasse os 5 anos (isto quanto ao sumaríssimo). De facto, é relativamente consensual a admissibilidade de recurso ao sumaríssimo em caso de concurso de crimes, desde que a pena máxima do concurso não ultrapasse os 5 anos.

10.2.4.- Preferência predominante por casos em que o arguido confessa os factos14 (falamos apenas da relevância de uma confissão no plano dos factos, que não no plano jurídico). Caso os negue, deles dê uma versão diversa ou não confesse integralmente, deve ter a prerrogativa de discutir a sua versão em audiência (embora não possa ser reclamado um qualquer direito à audiência). Aliás, a não confissão integral é sinal antecipado da não-aceitação da sanção a propor em sumaríssimo. Portanto, trata-se de interpretar os sinais de êxito do requerimento e se estes não forem bastantes para prever a adesão subsequente do arguido, insistir no requerimento será contribuir para maior morosidade processual e logo através de um instrumento que foi previsto para a reduzir. Esta valoração comporta o risco de ser interpretada como benefício ao criminoso arrependido, como se se tratasse de prémio pela sua contribuição a favor da prova. Apesar de tudo, o que na verdade permite é avaliar pragmaticamente as perspectivas de obter o consenso do arguido.
Em todo o caso, com todas as cautelas15, ao dar-se preferência de selecção aos casos de confissão interpreta-se o reconhecimento voluntário dos factos pelo arguido como uma expectativa sua de apressar o fim do processo e de conhecer e cumprir a pena, injunção ou regra de conduta. A isso responde bem tanto ao sumaríssimo como a suspensão provisória.

10.2.5.- Preferência por casos em que o arguido desenvolveu comportamento de reparação da norma violada, fazendo prestações patrimoniais voluntárias em favor da vítima ou regularizando a situação de desobediência à lei, etc.

10.2.6.- Ponderação para selecção de casos em que a submissão a uma audiência pública constituiria uma interferência desnecessária na esfera de privacidade da vítima, ou aumentaria o descrédito ou desconsideração na sua imagem ou viesse a afectar, mais do que resolver, a estabilidade de relações familiares.

10.2.7.– Selecção preferencial de casos em que se torna clara a necessidade de prevenir a instrumentalização do processo como meio de ressabiamento ou rancor pessoal entre os contendores.

10.2.8.– Podem incluir-se casos que reclamam celeridade da resposta judiciária para reposição rápida do direito, porque a instabilidade produzida pelo crime se mantém actual.

10.2.9.– São seleccionáveis para sumaríssimo casos que não lograram êxito enquanto objecto de proposta de suspensão provisória do processo, desde que esse inêxito se não tenha devido a discordância do arguido, persistindo assim na coerência em propor soluções de diversão.

10.2.10.– Consideram-se seleccionáveis os casos em que o arguido agiu em quase justificação ou em quase exclusão da culpa ou em contexto de provocação.

10.2.11.– Deve atender-se à idade do arguido, pois considera-se que os casos em que o arguido é muito idoso ou muito jovem são também escrutináveis para sumaríssimo ou suspensão provisória.

10.2.12.- Ponderação (mas residual) dos casos em que a possibilidade de voltar a delinquir deve ser vigiada (ex: condução ilegal, que em Setúbal é verdadeiramente endémica). Nestes casos, se não se deve afastar a possibilidade do uso de soluções de diversão, também não se pode negligenciar a necessidade de aplicação de uma pena, garantindo por essa via que um comportamento reincidente é desincentivado para futuro, dissuadindo-se o delinquente da prática do mesmo crime e dando-lhe o sinal de que a ausência de julgamento formal não corresponde de todo a uma absolvição.

10.2.13.- Quer na suspensão provisória, quer no sumaríssimo, o campo de selecção dos casos encontra-se maioritariamente no direito penal secundário.
(…)

10.3.– É possível também identificar alguns critérios indiciadores de exclusão da selecção para sumaríssimo ou para a SPP:

10.3.1.- Casos em que o arguido não é localizado e não é interrogado, o que parece óbvio.

10.3.2.- Casos em que o arguido nega a imputação ou alega ter provas que o favorecem (mesmo que isto aconteça em processos em que a imputação indiciária teve base num flagrante delito). Por aqui se visa o respeito pela autonomia pessoal do arguido, evitando-se o sacrifício dessa autonomia a meros ganhos de eficácia.

10.3.3.- Casos em que existe manifesta dificuldade de prova, dificuldade que não deve ser ultrapassada ou escondida pelo uso do sumaríssimo ou da SPP.

10.3.4.– Exclusão de sumaríssimo em crimes que comportem sanções acessórias. Entendemos que a literalidade do artº 392º nº 1 do CPP não consente a proposta de sanções acessórias16. A possibilidade existia no nº 2 do artº 392º do CPP antes da revisão de 1998, mas foi apagada nessa revisão. No entanto, é uma posição em relação à qual temos muitas dúvidas e não é inédito ver a aplicação em sumaríssimo de proibições de conduzir, p. ex. Não duvidosa é a inviabilidade de ser aplicada a inibição numa suspensão provisória do processo, pois a inibição, enquanto pena acessória, pressupõe a existência de uma pena principal, e as injunções não são penas.

10.4.– Quanto à suspensão provisória, exclusão predominante do seu uso em crimes relacionados com a sinistralidade ou criminalidade rodoviária, já que a ausência de registo público das suspensões provisórias impede o controlo da reincidência, especialmente quando, como é o caso de Setúbal, há fenómenos de desrespeito ostensivo e generalizado à proibição de condução sem carta, por exemplo. Esta prudência vai naturalmente esbater-se à medida que a base de dados da PGR relativa à SPP estiver em condições de pleno funcionamento – cf. Circular 2/2008 PGR
(…)

10.5.– Quanto ao modo de apresentação/fundamentação do requerimento do MP para sumaríssimo:

10.5.1.- Não tem que haver pronunciamento expresso sobre as medidas de coacção, que normalmente não é mais do que o TIR.

10.5.2.- O MºPº não tem que nomear advogado.

10.5.3.– É duvidoso que devam ser cumpridas pelo MºPº as notificações a que alude o artº 283º nº 5 do CPP. Uma vez que se trata de procedimento especial, valem nesse caso as regras interpretativas sobre a prevalência do regime especial, que é omisso quanto a notificações. Portanto, não deve haver lugar a notificações17.

10.5.4.– O requerimento para sumaríssimo pode iniciar-se por uma referência breve ao enquadramento geral da figura e da sua adequação ao caso.

10.5.5.- Necessariamente terá que conter uma acusação formal, com indicação de prova.

10.5.6.– Segue-se a indicação das razões de facto e de direito que fundamentam a aplicação de uma pena e a escolha por pena não privativa de liberdade.

10.5.7.– Nas razões de facto e de direito devem avaliar-se as questões relativas à ilicitude e culpa e demais circunstâncias elencados no artº 71º nº 2 do C.Penal, finalizando e justificando a escolha pela pena de multa ou outra medida não detentiva.

10.5.8.- Cada uma das circunstâncias relevantes no caso deve ser salientada de forma expressa e quanto às operações necessárias à determinação da medida concreta da pena devem ser demonstradas, mesmo que de forma tabelar, concretizando-se, dentro da moldura abstracta, as sub-molduras da culpa (que deve estabelecer o máximo da pena concreta), da prevenção geral (que estabelece o mínimo da pena concreta) e da prevenção especial de ressocialização (que concretiza a pena a aplicar). Por fim, devem referir-se as condições materiais e familiares do arguido para concretização do valor diário de multa, de forma a apresentar a proposta final a submeter à apreciação judicial. Assim, em termos práticos, o despacho do MP assume alguma complexidade, pois além da acusação há-de conter toda a fundamentação necessária à indicação concreta da pena não privativa de liberdade a aplicar. Assim, devem-se operacionalizar, em concreto, os parâmetros legais de escolha e determinação da pena concreta, de acordo com os artº. 70º, 71º, 47º do C.Penal.

No que respeita à SPP:

10.6.- Quanto a práticas, na suspensão provisória são predominantemente propostas - e são quase sempre aceites - injunções de natureza patrimonial ou pecuniária, com particular relevo para a entrega de certa quantia a instituição particular ou pública de solidariedade social. O período de suspensão é nesses casos muito curto, sendo frequente o arquivamento do processo antes do decurso de todo o prazo de suspensão, logo que a injunção se mostre cumprida. Este tipo de prática na preferência por injunções pecuniárias simplifica o procedimento uma vez que dispensa medidas de controlo. Por outro lado, injunções ou regras de conduta que não impliquem um efectivo sacrifício patrimonial têm sido entendidas como equivalendo a uma «absolvição».

10.6.1.- Tem-se optado por elaborar despacho de suspensão provisória antes de estar dado o acordo do arguido. Considera-se que o arguido deve inteirar-se de todos os fundamentos da injunção ou regra de conduta propostas, para poder concordar conscientemente com a decisão18. Portanto, em termos práticos, a actividade do MP deve ser dirigida para a recolha de indícios da prática de um crime em relação ao qual a lei prevê a possibilidade de suspensão provisória. Deve depois apurar em concreto os pressupostos da dita suspensão. Depois deve narrar os factos suficientemente indiciados, a justificação da possibilidade de suspensão provisória. Deve determinar de modo fundamentado a suspensão e depois colher a concordância do arguido (nesta exacta sequência, pois o arguido e o assistente, para darem o seu consentimento voluntário e informado, devem ter conhecimento pleno dos fundamentos aduzidos pelo MP para a suspensão, a sua duração, e as injunções e regras propostas) e do assistente e só depois destas a do Juiz de Instrução e uma vez esta obtida, comunica ao arguido e assistente e aguarda o cumprimento e decurso do prazo da suspensão.

11.– Continuamos a análise dos institutos do sumaríssimo e da SPP agora para problematizar alguns aspectos da sua conformação legal. No que respeita ao sumaríssimo:

11.1.- Características do processo sumaríssimo são a substituição dos procedimentos e ritos orais pelos procedimentos escritos, a eliminação de fases normais do processo comum, como é o caso da instrução e do julgamento e por fim a própria e efectiva simplificação do decurso dos procedimentos. O princípio fundamental de funcionamento do processo sumaríssimo, tal como visto nos sistemas comparados, é o de que o MP requer ao Juiz a aplicação de uma pena que ele propõe. O juiz pode recusar o recurso ao processo especial, mas se não recusa tem que aceitar aplicar a pena proposta pelo MP ou modificá-la se obtiver o acordo deste. O arguido pode recusar a pena proposta e querer ser julgado em processo comum ou noutro tipo de processo especial. Não há a possibilidade de verdadeira negociação da pena com o arguido. Esta forma de processo tenta diluir o cariz conflitual do processo penal, apelando à colaboração entre o arguido e o tribunal. Assim, se o arguido concordar com as sanções propostas pelo Ministério Público evitará o julgamento e a «estigmatização»19 aí implícita. Há aqui, pois, um nítido apelo ao consenso.

11.2.- Será que no processo sumaríssimo é obrigatória a realização de inquérito ? O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no Processo nº 0411893, de 19 de Maio de 2004, disponível no site da DGSI (www.dgsi.pt/) considerou que: '… o processo sumaríssimo é uma forma de processo ainda mais simplificada que o processo abreviado, havendo neste acusação, possibilidade de instrução e julgamento, o que não acontece naquele. E, coerentemente, o processo sumaríssimo aplica-se aos casos menos graves que o abreviado: este pode usar-se por crimes puníveis com pena de prisão até 5 anos e até com pena superior, desde que se faça uso do artº. 16º, nº 3; do processo sumaríssimo só pode lançar-se mão em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 3 anos (actualmente com a redacção dada pelo Decreto-Lei 48/2007 de 29 de Agosto o processo sumaríssimo abrange crimes puníveis com pena de prisão inferior a cinco anos) ou só com pena de multa. Ora, no processo abreviado pode não haver inquérito, como se vê do artº 391º-A nº1 (…) Se no processo abreviado se pode prescindir do inquérito, por maioria de razão isso acontecerá no processo sumaríssimo.'
Concluímos que, sendo esta uma forma de processo especial, não é exigida legalmente a realização de inquérito, aliás, tal como acontece nas outras formas de processo especial, tais como o processo sumário (artº 381º do CPP) e o processo abreviado (artº 391º-A do CPP). E se o Ministério Público pode optar pela não realização de inquérito no caso do processo abreviado, por maioria de razão o poderá fazer no caso do processo sumaríssimo. No entanto, na prática e em regra, o Ministério Público opta pela realização de inquérito, e só encerrado o mesmo, procede à elaboração do requerimento a que alude o nº 1 do artº 392º do CPP. Por três ordens de razões: a) Por um lado, porque só com a realização de inquérito, ainda que sumário, se poderão obter os elementos necessários ao apuramento da situação económica e financeira do arguido que depois permitem melhor fixar p. ex. a medida concreta da pena de multa a propor no requerimento (artº 47º, nºs 1 e 2 do C.P.) ou se poderá apurar da existência ou não de antecedentes criminais do arguido de modo a melhor decidir sobre a aplicação do processo sumaríssimo. b) “Por outro lado, porque caso contrário poderiam ocorrer situações de julgamento sob a forma comum com intervenção do Tribunal Singular sem o mesmo ser precedido de inquérito, a saber: - quando o requerimento do M.P. for rejeitado nos termos do artº 395º, nº 1 do C.P.P., por força do nº 3 da referida disposição legal; - quando o arguido se opuser ao requerimento (artº 398º do C.P.P.) ou não seja possível notificá-lo para exercer esse direito por desconhecimento do seu paradeiro”. c) Por fim, esta objecção é curiosa porque levanta um problema particular que consiste na eventualidade de ser invocada a nulidade insanável por falta de inquérito sempre que o processo passa de sumaríssimo a comum sem que tenha havido inquérito no primeiro – cf. artº 119º al. d) do CPP.

11.3.- Talvez se pudesse fazer uma nota com o intuito de enriquecer o recurso a esta forma de processo especial, sempre em articulação com as demais formas de Processos especiais prevista no Código de Processo Penal: desde logo permitir a aplicação do artº 16º, nº 3 do CPP, tal como o previsto no art. 381º, nº 2 do CPP a propósito do Processo Sumário e o previsto no art. 391º-A, nº 2 do CPP. Em caso de concurso de crimes em que a pena abstractamente aplicável seria superior a cinco anos, seria conveniente, em prol da eficácia deste instituto que, sendo o arguido primário e admitindo os factos, por exemplo, se recorresse à forma de Processo Sumaríssimo, requerendo o M.P., a aplicação de uma pena única de multa ao arguido, após cúmulo com as penas parcelares concretas, desde que exista concordância do arguido e do Juiz? Parece-nos que é uma forma de dar maior rentabilidade à aplicação do processo Sumaríssimo como forma de consenso e simplificação.

11.4.- O MP não tem que acolher a iniciativa do arguido quando este lhe requer o uso do sumaríssimo. O MP é o titular da acção penal e não pode estar vinculado a tal pedido. Diz-se que a sua discricionariedade é vinculada à lei e aos pressupostos legais, o que é afirmação principiológica encantatória, mas pouco operativa e que não justifica que o MP fique vinculado à iniciativa do arguido. Quanto à obrigatoriedade de ouvir o arguido, fica sem se saber se essa audição/interrogatório é uma audição especificamente destinada a auscultá-lo sobre a possibilidade de uso do sumaríssimo ou se implica apenas que o MP interrogue o arguido antes de usar o sumaríssimo. Propendo para esta segunda hipótese.

11.5.- Será que além da sanção proposta o MP deve indicar as sanções em que o arguido incorre em caso de incumprimento dessas sanções?

11.6.- Quando procede à escolha da pena o MP não tem que quantificar a pena de prisão em concreto que substitui por multa, excepto nos casos em que a pena é de prisão e multa (nos casos de jogo ilegal e usurpação de direitos de autor, p. ex.) situações em que deve determinar a pena de prisão em concreto aplicável, substituí-la por multa e determinar a pena de multa e operar a soma material das duas, por aplicação do artº 6º do Dec-Lei 48/95 de 15-3. Atenção também ao artº 43º e 49º do C.Penal. O MP deverá porém determinar a pena de prisão em concreto quando optar por requerer a aplicação de pena suspensa ou de trabalho a favor da comunidade – cf. artº 50º nº 5 e 58º nº 3 do C.Penal.

11.7.- A proibição legal de intervenção das partes civis no processo sumaríssimo não impede o uso do artº 82º-A do CPP, que consente o arbitramento oficioso de uma quantia indemnizatória à vítima, possibilidade que é em si mesma contraditória com o regime desse mesmo art. 82º-A, o qual prevê expressamente a garantia do exercício do contraditório e por isso a intervenção da parte cível. Em que ficamos, as partes civis são proibidas por uma via e permitidas por outra? Em todo o caso, só o arguido é que terá que ser confrontado com o pedido de arbitramento de uma quantia indemnizatória, ou pode também sê-lo uma parte meramente civil, p. ex. uma seguradora?

11.8.- Que tipo de penas pode o MP propor? Todas as que não são privativas de liberdade (pena de prisão, prisão por dias livres, regime de semi-detenção e de permanência na habitação) e que constam do CPP na parte relativa à execução de penas não privativas de liberdade: a multa, a pena suspensa (Damião da Cunha discorda por isso implicar, em caso de incumprimento, que o arguido cumpra uma pena principal aplicada pelo MP e não pelo Juiz) e os deveres a que fica condicionada, trabalho a favor da comunidade (com dúvidas, pois esta não requer aceitação do arguido mas mera não oposição) e admoestação (com sérias dúvidas também por esta pena implicar a sua aplicação solene em julgamento), penas acessórias desde que exista pena principal (não podem ser aplicada a titulo principal, ou podem?), e quanto a medidas de segurança, interdição de actividade, cassação de licença de condução e interdição de concessão de licença e aplicação de regras de conduta e a interdição de uso de cheque (contra Pinto Albuquerque-CPP anotado, que considera estas medidas de segurança como penas; contra também Anabela Miranda Rodrigues RPCC, 1996, 539). Para as pessoas colectivas, as penas principais de multa e de dissolução e de admoestação

11.9.- A preferência do MP em propor pena de multa como pena não privativa de liberdade prende-se com o facto de a mesma poder vir a ser convertida em prisão subsidiária em caso de não cumprimento daquela. Parece-me, aliás por esta razão, que as únicas penas não privativas que são viáveis de aplicar, sem contar com as penas acessórias e medidas de segurança, são a multa e a suspensão da pena. Sendo a pena a aplicar em processo sumaríssimo uma pena não privativa de liberdade, à custa da não realização do julgamento e da não prova efectiva da culpa, nem por isso se retira à decisão a sua natureza condenatória. É nesse quadro que se tem que avaliar a eventualidade do incumprimento. Vejamos: Se ao incumprimento da pena não privativa de liberdade se não seguisse nada, por ser inviável aplicar (mesmo em substituição) uma pena de prisão, isso constituiria uma burla à lei, que o arguido poderia reverter a seu favor, tanto mais que lhe é reconhecido agora o direito de iniciativa e de ser ouvido quando o MP entende ser de usar o sumaríssimo. Discordo aqui da Dr.ª Sónia Fidalgo (cf. bibliografia), pois o arguido tem tudo a ganhar com a iniciativa e depois com o incumprimento da pena não privativa de liberdade que fosse pena de multa, pena suspensa ou pena de trabalho a favor da comunidade. De facto, não é liquido que a consequência seja o cometimento do crime p.p. pelo artº 353º do C.Penal. Não vejo que a pena de multa não cumprida, a pena de suspensão ou a pena de trabalho a favor da comunidade possam ser consideradas “imposições” de modo a ter-se aqui por aplicável o crime do artº 353º do C.Penal, que na nova versão dispõe que:
«Quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.».
A referência no mesmo artigo a “penas acessórias não cumpridas ou a medidas de segurança não privativas de liberdade” não é uma referência que, literalmente, se ligue a penas aplicadas “em processo sumaríssimo”.
A redacção do artº 353º do C.Penal viabiliza pois o entendimento de que o incumprimento da pena em sumaríssimo não tem por consequência clara o cometimento do crime p.p. pelo artº 353º do C.Penal, entendimento a que se alia naturalmente o princípio da subsidiariedade do direito penal.
Por último, a ser o cometimento deste crime a única consequência do não cumprimento da sanção proposta em sumaríssimo, isso permitiria que o arguido avaliasse a conveniência em requer - mas para não cumprir - a aplicação em sumaríssimo de uma sanção por crime a que cabia pena até 5 anos, “trocando”, por via do incumprimento, a pena mais grave do crime cometido pela pena menos grave do crime p.p. pelo artº 353º do C.Penal.

11.10.- A notificação ao arguido tem que ser por contacto pessoal e a sua oposição tem que ser escrita e expressa. A oposição pode ser parcial em relação a algum dos crimes acusados, em relação a algumas das sanções propostas ou só em relação à reparação?

11.11.- Quanto à decisão do Juiz, o artº 397º omite a aplicação por este da quantia pedida a título de reparação indemnizatória, pois estabelece apenas que o «juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção»? Que consequências tem essa omissão? (O nº 3 do artº 397º também só se refere à nulidade do despacho que aplique PENA diferente da proposta ou fixada, nada referindo quanto à quantia a arbitrar). Se o juiz não arbitrar quantia indemnizatória o MP deve ou não recorrer. Se o fizer está em representação de quem? Do ofendido, que muitas vezes nem é o lesado, mesmo quando não tem dever de o representar? A questão gera alguma perplexidade.

11.12.- Devido à possibilidade de o despacho judicial poder ser nulo (artº 397º nº 3 do CPP) o despacho não transita de imediato mas apenas após o decurso do prazo da arguição de nulidades, o que contradiz o nº 2 desse artigo, que refere que o trânsito é imediato. Portanto, a decisão judicial deve ser notificada a todos os sujeitos processuais, a fim de poderem arguir nulidades.

11.13.- Após o trânsito, o Juiz pode permitir o pagamento da multa em prestações, determinar prisão subsidiária e suspender a execução desta (cf. acórdão do T. R. Guimarães de 3-2-2003, in CJ, XXVII, 1º tomo, pp. 295).

11.14.- Reenviando-se o processo para a forma comum, quem deve proceder à notificação da acusação? O TRG sustenta dever ser o MP (TRG, CJ, 27º, 1, 295). Quando o arguido não aceita a sanção, o Juiz deve mandar seguir o processo para a forma adequada ao caso e ordenar as notificações legais ou deve devolver o processo ao MP20? Quando envia para Abreviado, em princípio não haverá lugar a notificação ao arguido, pois não há instrução em processo Abreviado. Porém, a Revisão de 2007 do CPP criou incongruências neste campo, pois a notificação do ofendido que tenha manifestado pretensão de deduzir PIC é obrigatória – cf. artº 77º e 398º nº 2 do CPP.

11.15.- A oposição do arguido não implica a proibição da reformatio in pejus.

11.16.– Outras Questões: O MP acusa em processo sumaríssimo mas não vem a ser possível notificar o arguido. A aceitação do arguido é acto pessoal, que não pode ser substituído pelo defensor. A falta de requisitos do sumaríssimo, neste caso é evidente e o processo deve seguir para outra forma de processo – AC TRL CJ 26º, 4, 143 e TRC CJ 29º, 4, 289).

11.17.– O MP acusa em processo sumaríssimo e o juiz arbitra oficiosamente uma indemnização. Pode fazê-lo? (contra Pinto Albuquerque, que defende que o juiz não pode controlar a adequação e suficiência da quantia exacta proposta e não pode rejeitar o requerimento com base nesses defeitos).


12.– Quanto a aspectos da problematização jurídica da Suspensão Provisória do Processo:

12.1.- Na suspensão provisória do processo, a natureza condenatória da decisão é controversa. O arquivamento do processo, cumpridas as injunções e regras fixadas faz caso julgado nestas situações – artº 283º nº 3 do CPP, pois o processo não pode ser reaberto. O que é aceitável, pois apesar de o arguido ser indiciariamente culpado, haver indícios suficientes de que cometeu o crime, e apesar disso ter a garantia de que o caso não será reaberto, o arquivamento só se justifica porque o mesmo sofreu as sanções adequadas sob a forma de injunções e regras de conduta. Portanto, não poderá haver excepção ao non bis in idem. Portanto, o arquivamento de que aqui se trata é outro que não o do artº 277º, em que o arguido é inocente e no entanto o caso poderá ser reaberto.

12.2.- Colocam-se problemas em relação ao papel do JIC, nomeadamente quanto a saber quem controla o cumprimento da decisão (art. 281º nº 4 CPP – «consoante os casos»), quanto a saber se esta expressão se refere ao papel do MP e JIC ou aos serviços, órgãos ou autoridades. Afinal, quem tem que controlar a decisão e quem tem que a revogar?

12.3.- É em exclusivo ao Ministério Público, na fase de inquérito, que compete promover ou não o instituto. Trata-se de uma manifestação do princípio da oficialidade, no sentido de que é o Ministério Público a entidade titular do exercício da acção penal (artº 219º da CRP), cabendo-lhe «a iniciativa de investigar a prática de uma infracção e a decisão de a submeter ou não a julgamento».

12.4.- Posto isto, quanto à questão de saber se há obrigatoriedade da aplicação do instituto quando verificados os respectivos pressupostos legais, há quem considere que a suspensão provisória do processo não deve ser entendida como uma faculdade do Ministério Público, mas sim como um dever. Aliás, o corpo do actual art.º 281º, n.º 1, do CPP estabelece que o Ministério Público está sempre vinculado à aplicação do instituto desde que verificados os pressupostos legalmente definidos. Na verdade, o legislador substituiu a anterior expressão “pode o Ministério Público decidir-se…” pela afirmação de que “o Ministério Público determina…”. O traço mais impressivo desenhado pela Lei n.º 48/2007 terá sido mesmo o facto de o legislador vir substituir, na redacção conferida ao art. 281.º, n.º 1 CPP, a formulação verbal “pode” por “determina”21. Porém, não concordamos com esse entendimento, pois o suposto carácter obrigatório do recurso a esta solução de diversão é igual à obrigatoriedade que o legislador impôs para o processo abreviado, para o sumaríssimo e mesmo para a acusação. Como hierarquizar estes deveres concorrentes? Dir-se-ia que uma obrigatoriedade iria de encontro a um outro objectivo a maximizar com estes institutos: o da igualdade22. Por outro lado, a Lei de Política criminal nº 17/2007 dispõe no seu artigo 6º nº 2 que «… não fica dispensada a verificação casuística, pelas autoridades judiciárias competentes, dos requisitos gerais e da oportunidade da aplicação de cada instituto».

12.5.- Coloca-se a questão de saber se pode ser requerida a abertura da instrução com fundamento na não determinação da suspensão provisória do processo pelo Ministério Público, sobretudo se requerida pelo arguido. De facto, a letra da lei (art.º 286º e 287º do CPP) não exclui essa possibilidade, mesmo porque a suspensão provisória do processo pode ter lugar na fase da instrução. Assim, depois de deduzida acusação pelo Ministério Público, o arguido poderá requerer a abertura da instrução com o objectivo de vir a ser aplicada a suspensão provisória do processo, sendo certo que na fase da instrução, já o Ministério Público poderá ter opinião diferente no sentido de concordar com a aplicação do instituto. Também sobre esta questão se pronunciou o STJ no acórdão já citado na nota 20: “(…)Por outro lado, o acrescentamento, no mesmo n.º 1 do art. 281.º do CPP, da expressão “oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente” reforça ainda esta interpretação e dá direitos acrescidos a estes sujeitos processuais, a que hão-de necessariamente corresponder as acções, os expedientes necessários à sua concretização, dentro da garantia de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrada (art. 20.º) e levada ao art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4.º do CPP: «2. A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção. E a remissão do n.º 2 do art. 307.º do CPP para o artigo 281.º obtida a concordância do Ministério Público, significa que, encerrado o debate instrutório, o juiz de instrução profere despacho de pronúncia ou não pronúncia, mas determina, se for o caso a suspensão provisória do processo. O arguido e o assistente podem, pois, pedir hoje ao Ministério Público ou ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo, a qual não pode deixar de ser determinada, se se verificarem os respectivos pressupostos”. Portanto, quanto ao arguido, é-lhe reconhecido por algumas vozes o direito de requerer a abertura de instrução quando a suspensão não é determinada, podendo sê-lo, ou de recorrer, tal como o assistente, sempre que o JIC não dê a sua concordância com a SPP proposta, nos casos em que a tenham requerido ao MP, pois só assim teriam legitimidade para o recurso. É muito discutível a hipótese de o arguido requerer a instrução para obter uma SPP. É possível enquanto estratégia encoberta. Pode é ficar gorada com a recusa do MP em aderir à suspensão proposta pelo JIC. No entanto, há quem advogue a inadmissibilidade da abertura de instrução quer com vista à rejeição da SPP, quer com vista à aplicação da SPP, tratando-se de dois casos de inadmissibilidade legal de instrução, conforme artº 286º nº 1 do CPP. Entendo que o direito à abertura de instrução por parte do arguido para obter uma SPP não tem sentido por exemplo num caso de crime particular, em que é o assistente a acusar por lhe caber o exercício da acção penal. Por que razão diversa teria que ser admitido nos casos em que é o MP a acusar? Depois porque a instrução só é possível nos casos em que tenha existido decisão de acusar ou de arquivar, figuras em que não cabe a SPP. Nem se diga que a acusação é ilegal quando ao caso cabia a SPP, pois a obrigação para o MP de SPP ou de acusar não está hierarquizada na lei, ambas lhe são obrigatórias… E o facto de o JIC poder propor a SPP na instrução não significa que a instrução possa ser aberta com esse fim, pois que essa possibilidade oficiosa é apenas decorrência da legalidade da sua previsão.

12.6.- A decisão de suspender provisoriamente o processo é insusceptível de reclamação hierárquica e de recurso. Já é recorrível e impugnável (por via da reclamação hierárquica) a decisão de não suspender, embora com decisões dissonantes na jurisprudência, que caracterizam o poder de discordância como poder discricionário e por isso insusceptível de recurso, no caso do juiz – (neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Junho de 1990, publicado em CJ, Ano XV, Tomo 3, p.170 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 01 de Junho de 1999, publicado em CJ, Tomo 3, p. 143)23. Para o MP, a questão está aparentemente ultrapassada, pois a Lei Politica Criminal veio consagrar o recurso obrigatório para o MP da decisão judicial de não concordância (artº 17º da Lei 57/2007), o que pressupõe a recorribilidade desta.

12.7.- Não é obrigatória a assistência do defensor ao arguido para o acto de concordância, bastando que o tribunal nomeie defensor apenas nas situações em que as circunstâncias revelem tal necessidade, ou seja, nos casos excepcionais em que para o arguido seja ininteligível o alcance da suspensão provisória do processo e das inerentes regras de conduta e injunções. De facto, o que se pretende é um “consentimento informado” por parte do arguido, “que seja produto de uma vontade esclarecida quanto à ponderação das vantagens e desvantagens ligadas às alternativas em presença”. O Acórdão n.º 67/2006, de 24 de Janeiro, www.tribunalconstitucional.pt interpretou a questão no sentido de que “a norma do artigo 281º do CPP em conjunto com o artigo 64º do mesmo Código, interpretada no sentido de ser dispensada a assistência de defensor ao arguido no acto em que este é chamado a dar a sua concordância à suspensão provisória do processo, não viola o n.º 3 do artigo 32º da Constituição.” Além do mais, o consentimento é um acto pessoal do arguido.

12.8.- Nos casos em que não há assistente constituído é possível suspender provisoriamente o processo. Se o sujeito processual não existe não se tem que obter dele a concordância processual. Já foi decidido que se o Ministério Público determinar a suspensão provisória do processo e não existir assistente constituído nos autos, não há o dever de notificar o ofendido para que ele se constitua assistente, dando-lhe a possibilidade de manifestar a sua discordância (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de Maio de 1996, www.dgsi.pt). Isso é diferente da lealdade processual exigível ao MP em dar conhecimento ao ofendido da decisão de suspender o processo, o que acaba por viabilizar o respeito pela vítima – se vítima houver – a qual deve ser sempre que possível informada, no mínimo, sobre a desfecho do processo.

12.9.- Antes da revisão do CPP de 2007, a lei exigia o “carácter diminuto da culpa” o que fazia prevalecer entre os magistrados uma interpretação restritiva desse requisito e criava resistências à aplicação do instituto. A alteração legislativa ocorrida veio substituir esse conceito por outro que determina que o grau de culpa, averiguado em concreto, não seja um grau de culpa elevado. Parece que as duas expressões não significam o mesmo, mas a dificuldade está, para além da semântica, na densificação deste tipo de conceitos abertos. Como ensina Faria Costa24, “ausência de grau de culpa elevado”, no uso comum das palavras e no sentido que desse uso resulta, é bem diferente de “culpa pouco grave” ou “culpa diminuta”, i.e., não muito grave não é o mesmo que pouco grave ou diminuta, embora estas estejam contidas naquela expressão por raciocínio de lógica linear. Mas as palavras têm, elas mesmas, um valor de uso e para esse valor de uso não é indistinta a utilização de uma ou outra das expressões legais. A diminuta culpa ou a sua pouca gravidade tem nesse contexto de valor de uso das palavras um peso de maior exigência que não tem a culpa e ilicitude não muito graves. É mais extensa e de menor intensidade - no que ao juízo de culpa e ilicitude se refere - a conduta não muito grave do que o é a conduta com culpa e ilicitude diminutas ou pouco graves. O não muito grave ainda consente um nível de intensidade de gravidade da conduta que não é contido na pouco grave ou diminuta.

12.10.- As injunções e regras de conduta estabelecidas e alargadas pela revisão do CPP coincidem na sua quase totalidade com os deveres e regras de conduta enumerados nos art. 51º e 52º do Código Penal e aplicáveis nos casos de suspensão de execução da pena de prisão.

12.11.- Quando existe concurso de crimes, pode haver lugar à suspensão provisória, desde que a pena do concurso não ultrapasse os 5 anos, tal como também se defendeu para a sumaríssimo. Porém, é interpretação discutível, uma vez que o artº 281º se refere a «crime» no singular, o que parece afastar a hipótese de concurso. Aquela foi a interpretação dada pelo Ac. RC de 16-2-2005, in CJ, 2005, I, pp 48. Porém, será defensável a aplicação do instituto a um concurso de crimes em que a pena do concurso ultrapassasse os 5 anos? O tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 14.06.2006 (processo n.º 0542832, in www.dgsi.pt), defendeu que “… se a conduta do agente integra dois tipos de ilícito, o aumento do grau de censurabilidade gerado por essa circunstância, terá que ser atenuado pelo facto das molduras conjugadas não atingirem o patamar dos cinco anos de prisão. Só assim será, também, possível desenvolver um juízo de culpa não elevada e de reduzidas exigências de prevenção”.

12.12.- Quem ordena as notificações? Parece dever ser o JIC. O arquivamento em caso de cumprimento das injunções e regras de conduta deve ser notificado nos termos gerais.

12.13.- Questão difícil é a de o arguido vir a cometer crime no decurso do prazo da suspensão, sem que a sua condenação ocorra ainda durante a pendência desse prazo. Parece não haver fundamento para a revogação da suspensão. No entanto, outra leitura é também possível: a de que, quer o prazo tenha decorrido ou não, uma condenação ulterior por crime cometido no período da suspensão dá lugar à revogação. Porém, existe um obstáculo intransponível: o de que uma vez cumprida a injunção ou regra de conduta o processo é arquivado, não podendo ser reaberto (282º nº 3 CPP). A haver revogação, quem teria competência para a ordenar? O regime do artº 55º e 56º do C.Penal seria de aplicar por analogia? A modificabilidade das injunções viola a CRP por ofensa ao princípio da segurança, como decidiu o TC no Ac 7/87. Assim, só a revogação é viável. Apoio esta solução, pois se o arguido, não cumpre, cumpre defeituosamente ou comete outro crime, frustra inequivocamente os objectivos do instituto, sobretudo se for culposo o seu comportamento.

12.14.- Numa SPP em que o arguido fraudulentamente comprova o cumprimento de uma injunção e o MP vem a arquivar, tem o ofendido alguma forma de reagir? Pode reclamar hierarquicamente ou requerer abertura da instrução alegando não ter havido cumprimento efectivo? A reclamação hierárquica conflituaria com a decisão de concordância do JIC. Quanto ao incumprimento, a questão pode ser dirimida nos meios civis? A reclamação, em todo o caso seria inútil, pois a reabertura não seria por razões de avaliação indiciária. A instrução seria desadequada por não visar a discussão da infracção, da decisão de acusar ou de arquivar – artº 286º nº 1 do CPP.

12.15.- A expressão «ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza» relativa ao critério dos antecedentes, reporta-se a crimes que tutelam o mesmo bem jurídico (furto, abuso confiança…) ou apenas que sejam o mesmo tipo legal de crime?

12.16.- O requisito de «ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza» abrange os casos em que houve cumprimento e os casos de incumprimento da SPP e é impeditivo da nova SPP. Pinto de Albuquerque advoga a inconstitucionalidade desse requisito por transformar a SPP numa verdadeira pena criminal, que viola a reserva jurisdicional e viola o princípio da culpa e da presunção de inocência.

12.17.- Quanto a prazos, não há um prazo mínimo para o período de duração da SPP. O termo inicial do prazo deve ser o da notificação do despacho do JIC que concorda com a SPP.

12.18.- Atenção também ao disposto no artº 14.º da Lei Politica Criminal Lei 51/2007 que em relação a Arguidos e condenados em situação especial dispõe que «O Ministério Público promove também preferencialmente, de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador -Geral da República, a aplicação das medidas previstas nos artigos 12.º e 13.º a arguido ou condenado pela prática de crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos, que se encontre numa das seguintes circunstâncias: a) Gravidez; b) Idade inferior a 21 ou superior a 65 anos; c) Doença ou deficiência graves; d) Existência de menor a seu cargo; e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado; f) Inexistência de condenação anterior pela prática de crimes ou de aplicação dos regimes referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 12.º».

12.19.- Quanto à questão «diabólica» da aplicabilidade da SPP no processo sumário, dispõe o art. 384.º do C.P.P.: «É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º». Têm-se suscitado as questões de saber como se pode concretizar esta possibilidade no que toca à SPP: No caso de detenção em flagrante delito e verificados os demais pressupostos de tramitação sob a forma de processo sumário, deve o M.P. antes da apresentação do expediente e do arguido ao Juiz de julgamento (detido ou não) aferir da verificação dos pressupostos do art. 281.º do C.P.P. e, caso conclua pela sua verificação determinar a tramitação do expediente como inquérito com vista à obtenção das concordâncias previstas na lei? Ou, pelo contrário, verificados os pressupostos do art. 381.º do C.P.P. não dispõe o M.P. de legitimidade para determinar a tramitação do expediente sob outra forma de processo que não o sumário (cfr. 390.º do C.P.P), podendo apenas, se verificados os pressupostos do art. 281.º do C.P.P., manifestar, em sede de audiência de discussão e julgamento, a sua concordância quanto à aplicação daquele instituto? No sentido desta segunda solução pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.05.2007 segundo o qual o Ministério Público junto do tribunal competente para julgamento em processo sumário quando entender que é de aplicar ao caso concreto o instituto da suspensão provisória do processo não é fundamento de decisão sua prévia a apresentar o expediente e o detido a este tribunal ou a determinar a tramitação sobre outra forma processual, sendo antes tal aplicação uma decorrência da tramitação processo sumário. E, acrescenta o referido aresto, no caso do processo sumário parece incontornável que o disposto no art. 384 do C.P.P. não consubstancia qualquer dos requisitos de aplicação de tal forma de processo, aqui importando atentar nos termos do normativo do art. 381.º do C.P.P. Verificados os requisitos de aplicação deste processo, o Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento tem de apresentar o expediente e o arguido a este Tribunal (detido, nos termos do art. 382 nº 2, do C.P.P., ou libertado, nos termos do art. 387 do C.P.P.), deduzindo uma acusação para julgamento do arguido sob essa forma de processo ou substituindo a apresentação da acusação pela leitura do Auto de Notícia nos termos do art. 389 nº 3 do mesmo diploma, podendo, desde logo, manifestar a sua concordância com a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo nesta fase processual pelo Juiz de Julgamento, caso este Juiz entenda dever aplicá-lo, fundamentando fáctica e legalmente a sua concordância. Então, o Juiz de Julgamento determinará, em despacho “liminar”, a autuação do Processo Sumário (um processo jurisdicional), que só assim se inicia, e decidirá: - ou suspender provisoriamente o processo nos termos já supra expostos; - ou realizar o julgamento sumário, substituindo o Ministério Público a apresentação da acusação pela leitura do Auto de Notícia nos termos do art. 389º, n.º 3, do C.P.P. Se não vierem a ser cumpridas pelo arguido as injunções/regras de conduta, o Juiz de Julgamento remeterá os autos para outra forma processual nos termos do art. 390º do C.P.P., desde logo face à impossibilidade da observância do prazo previsto no art. 386 do C.P.P.»
Mas logo aqui surgem questões de competência: a concordância do Juiz quanto à proposta de suspensão provisória do processo cabe ao JIC ou ao Juiz titular do processo sumário? É questão que tem sido suscitada com alguma recorrência, gerando alguns conflitos negativos de competência. O entendimento predominantemente seguido tem sido o de que tal competência cabe ao Juiz titular do processo sumário, de acordo com as seguintes razões: Vistos os vários preceitos que regulam a aplicação do instituto da suspensão provisória nas várias fases processuais (inquérito, instrução e julgamento) parece resultar claro que foi intenção do legislador atribuir ao “dominus” do processo a decisão de aplicação do referido instituto. Assim sendo, não subsistem quaisquer dúvidas que, enquanto tal impulso compete ao M.P. na fase do inquérito e ao JIC na fase de instrução, também compete ao juiz titular do processo sumário em fase de julgamento (cfr. 382.º/2). Por outro lado, a remissão do art. 384.º para o art. 281.º (que atribui a competência para tal despacho ao JIC) deve ser interpretado como significando apenas a admissibilidade de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo nesta forma de processo especial, sem qualquer atribuição de competência ao Juiz das Liberdades para intervir no processo especial (onde, aliás, não está prevista a fase da instrução).
Mas as questões nesta matéria são sobretudo de ordem prática: desde logo, a SPP em sumário só é possível se o arguido comparecer ou se vier detido. Se isso não se verificar só pode/deve haver lugar a julgamento.
Também em termos práticos há que ter em conta que o juiz que tenha recusado aplicar o arquivamento em caso de dispensa de pena, segundo o regime de impedimentos previsto no artigo 40.º do CPP, a suspensão provisória do processo ou o processo sumaríssimo, por considerar insuficiente a sanção ou haja aplicado uma medida de coacção assente na existência de fortes indícios da prática do crime, está impedido de participar nas fases ulteriores de julgamento e recurso. Portanto, se o Juiz, no sumário, recusa a proposta de SPP, não pode participar no julgamento, o que introduz factor relevante de perturbação num processo que se deseja célere.
Em termos gerais, a admissibilidade da SPP no processo sumário coloca problemas de filosofia e sobretudo de operacionalidade do sistema. De facto, nas situações em que em processo sumário é aplicada regra de conduta cuja execução se estende por alguns meses, como compatibilizar a celeridade inerente a este tipo de processo com esse cumprimento? E como a compatibilizar com a eventualidade de um não cumprimento, por exemplo?
O facto de o artº 384º mandar aplicar correspondentemente parece ser diferente de o mandar aplicar com as necessárias adaptações. Portanto, a aplicar-se a SPP o regime a observar deve ser integralmente o que a lei estabelece para ele, sendo pois criticável a posição defendida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.05.2007, acima citado, já que procede a uma plástica e a uma adaptação do instituto que não respeita a posição funcional do MP na promoção da SPP, nem a legalidade, nem a reserva de lei e que por isso é ilegitimamente criativo e invade a esfera do legislador. Desde ser o MP a propor a SPP e não apenas a dar a mera concordância.
De facto, a celeridade e simplificação inerentes ao processo sumário e abreviado, não são prosseguidas em termos principais no instituto da SPP, no qual se prosseguem objectivos de consenso, diversão e desjudicialização. Esse consenso, diversão e desjudicialização não se compadece, para funcionar plenamente, com a natureza sumária e simplificada do processo sumário, já que é através do inquérito e da actividade de recolha de prova e de obtenção reflectida do consenso que se alcançam os objectivos da SPP e como se sabe, no processo sumário não há lugar a inquérito.
Portanto, recebido expediente potencialmente tramitável em processo sumário, a ponderação da SPP implicará a tramitação do processo na forma comum e esta opção não deve ser viabilizada quando se verificarem os pressupostos do processo sumário. Assim, não nos parece ser viável a SPP na forma de processo sumário.

12.20.- Quanto à sua aplicabilidade no processo especial abreviado: Sob a epígrafe “Julgamento”, dispõe o art. 391.º-E do CPP: O julgamento regula-se pelas disposições relativas ao julgamento em processo comum, com as alterações previstas neste artigo. Estando prevista a aplicação deste instituto no processo abreviado (391.º/4 do C.P.P.), colocam-se grande parte das mesmas questões: Em que momento o MP determina a SPP? Entendendo-se que o inquérito apenas assume a forma de processo abreviado com a dedução da acusação em processo abreviado (cfr. art. 391.º-A in fine) e o respectivo recebimento pelo Juiz, só nessa altura pode haver lugar à aplicação da SPP, que parece ficar reservada para o impulso do juiz. Porém, a forma especial do processo Abreviado não pode nascer só com a acusação. Antes da dedução da acusação em processo abreviado deve o inquérito ser liminarmente anotado como processo abreviado a fim de ser assinalado que estão reunidos os respectivos pressupostos e que o processo deve ser movimentado de forma célere com vista à observância do prazo de 90 dias previsto no n.º 2 do art. 391.º-B do C.P.P. De facto, o disposto no art. 390.º do C.P.P. parece pressupor que o processo abreviado corre nessa exacta forma desde logo nos serviços do MP. Na verdade, só a autuação ab initio do processo sob forma especial abreviada permite o respeito pela sua natureza urgente (cf. art. 103º nº 2 c do CPP. A epígrafe do art. 391.º-B (acusação, arquivamento e suspensão do processo), bem como a interpretação sistemática do preceito corroboram o argumento de que a acusação, o arquivamento e a suspensão hão-de ocorrer aquando do encerramento do inquérito, que correu termos sob forma Abreviada, competindo, por isso, a decisão de aplicação do instituto ao M.P e não ao Juiz.
Aqui são também válidas as críticas e a defesa da inviabilidade da SPP no processo sumário (cf. supra), embora, tal como no sumário e sobretudo no Abreviado, exista a questão de saber se essa forma só nasce com a acusação do MP ou o seu sucedâneo simplificado, ou se deve existir um registo, autuação e distribuição próprias em relação a essas formas especiais de processo. Propendemos para esta solução, como vimos.

12.21.- Arguido nega a prática dos factos, mas aceita a SPP. Quid juris? Pressuposto da SPP é a existência de um crime e autor indiciados suficientemente. O dever de investigar «à charge et à décharge» impõe que o MP prossiga com as diligências e eventualmente arquive ou não.

12.22.– Uma vez cumprida uma injunção antes de decorrido o prazo de suspensão, o processo deve ser arquivado. O arquivamento antes de decorrido o prazo da suspensão mas depois de cumprida a injunção visa evitar a inutilidade da espera, pois é o cumprimento das injunções ou regras de conduta que são condição do arquivamento e não o decurso do prazo.

12.23.- SPP em que ocorre incumprimento, pode o processo prosseguir como sumaríssimo? Abreviado? Como sumaríssimo pode. Na verdade, verificados os demais pressupostos, pode lançar-se mão desses mecanismos de celeridade e simplificação e também de consenso, o que é coerente com a inicial opção pela solução de diversão. Quanto ao Abreviado, para sermos coerentes com a posição assumida, propendemos para uma resposta negativa.

12.24.- REGIMES ESPECÍFICOS DA SUSPENSÃO PROVISÓRIA:

Crime de Violência Doméstica – artigo 281º, n.º 6, do Código de Processo Penal:
A suspensão provisória do processo aplica-se ao crime de violência doméstica (art.º 152º do Código Penal), não agravado pelo resultado, com observância dos seguintes requisitos: - promoção pelo Ministério Público; - requerimento livre e esclarecido da vítima; - concordância do juiz de instrução; - concordância do arguido; - ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; - ausência de aplicação anterior de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza. Como traços distintivos principais, o art.º 281º, n.º 6 do CPP é menos exigente quanto aos pressupostos de aplicação do instituto. A iniciativa da vítima tem que ser sempre livre e esclarecida, o que aconselha ou pressupõe a auscultação directa daquela.

Crime Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual de Menor – artigo 281º, n.º 7, do Código de Processo Penal:
O n.º 7 do art.º 281º impõe ao MP a aplicação da suspensão provisória do processo a todos os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado (cuja pena máxima pode ir até aos 15 anos), se o Ministério Público entender que tal medida estiver de acordo com o interesse da vítima menor e mediante verificação dos pressupostos: - Concordância do juiz de instrução e do arguido; - Ausência de anterior condenação do arguido por crime da mesma natureza; - Ausência de anterior aplicação de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza. A vítima é desconsiderada, quer seja de tenra idade, quer seja juvenil ou jovem. O artº 178º nº 3 do Código Penal que é semelhante ao nº 7 do artº 281º do CPP, causa algumas disfunções e incongruências interpretativas, pois a possibilidade da SPP está traduzida como uma faculdade: O MP “pode determinar…”,.

Crimes que se encontrem numa relação de conexão directa com o Consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas – art.º 56º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro:
O art.º 56º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro prevê a SPP para crimes que se encontrem “numa relação directa de conexão”, desde que puníveis “com pena de prisão não superior a três anos ou com sanção de diferente natureza”. A pena abstracta não foi actualizada face à regra geral do artº 281º (crimes com pena inferior a 5 anos de prisão). Quanto aos pressupostos de aplicação, é necessária a concordância do juiz de instrução e a anuência do arguido e que se verifiquem os pressupostos a que se referem as alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 281º do CPP, (na redacção anterior à revisão do CPP de 2007 ou na actual?). Será em princípio a anterior, pois o n.º 2 do art.º 56º do Decreto-Lei 15/93 prevê que se imponha ao arguido uma medida de segurança de tratamento ou internamento em estabelecimento apropriado.

Crime de Corrupção Activa – art.º 9º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro:
O art.º 9º da Lei n.º 36/94 permite a SPP, mediante concordância do JIC e verificados os pressupostos de: - Concordância do arguido; - Ter o arguido denunciado o crime ou contribuído decisivamente para a descoberta da verdade; - Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.


13. - Regressamos a aspectos de Contexto – para falar dos princípios de actuação do MºPº

13.1.– (É a meu ver) Um Quadro de contradições:

13.1.1.- O tratamento judiciário dos casos de diversão e consenso é palco em que se encenam difíceis equilíbrios e óbvias contradições. Desde logo, o rigor da legalidade tem que conviver com o inevitável critério pessoal do magistrado na selecção dos casos.
Os riscos de acrescida subjectividade devem ser contidos na procura de uma tendencial objectividade.
O interesse em conseguir celeridade e eficácia da resposta judiciária tem que ser assim um interesse desinteressado na procura da solução justa e conforme à lei.
A máxima subordinação à lei é pressionada para acolher soluções de oportunidade face à massificação do pequeno crime.

13.1.2.– Estes mecanismos de diversão tornam-se pesados pelos requisitos a que obedecem e pelo número de consensos que exigem, além de comportarem alguma esquizofrenia para o MP, que segundo o modelo vigente «obedece em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade» e orienta o exercício da acção penal pelo princípio da legalidade (art. 53º do CPP e 219º nº 1 da CRP). Esta atribuição faz corresponder o MºPº a um órgão de administração da justiça e a um modelo vinculativo de observância da legalidade e da objectividade na prossecução da verdade e da justiça.

13.1.3.- Porém, em soluções de «oportunidade» e «diversão», como o requerimento para sumaríssimo, a dose acrescida de subjectividade25, quer na selecção dos casos, quer nas propostas concretas de solução, é geradora de alguma desconfiança.

13.1.4.- Uma margem de irredutível subjectividade que, a montante, na selecção dos casos, não dá relevância decisiva à vontade do arguido, que por hipótese, poderia, de modo vinculativo, aceitar ou manifestar a intenção de aceitar, na eventualidade de vir a ser exercida a acção penal, que o MºPº usasse do requerimento do processo sumaríssimo. Já tentámos essa via e não é por ela que se obterá maior respeito pela igualdade, à partida, de todos os arguidos em beneficiar de soluções de diversão, não havendo solução para o paradoxo da injustiça relativa que ainda que marginalmente tenderá a pairar e que torna angustiante o processo de selecção dos casos a propor em sumaríssimo, o mesmo valendo para a SPP. No entanto, tal solução subverteria certamente a natureza pública do exercício da acção penal. O quadro é aqui e sempre o da máxima concordância prática de valores conflituantes
Neste particular aspecto há quem defenda a um outro nível do iter processual a consagração expressa do direito do arguido ao sumaríssimo a exercer por exemplo aquando da notificação para audiência/contestação.
A consagração desse direito é discutível, comportando eventualmente dois possíveis efeitos perversos: o primeiro é o de tal requerimento poder equivaler a uma vinculação antecipada do arguido a aceitar uma sanção que resulte da proposta acordada entre juiz e MP; o segundo é o de permitir que o arguido possa instrumentalizar o requerimento para antecipar a estratégia que melhor sirva os seus interesses, já que quando lhe for apresentada a proposta de decisão ele fica a conhecer os fundamentos de facto que alicerçaram a convicção do juiz – que podem ser frágeis e não resistir ao contraditório de um julgamento. Além disso, o direito a pedir o sumaríssimo pode ser uma estratégia para inviabilizar o conhecimento de um pedido cível já apresentado.
Por outro lado, o reconhecimento de um direito do arguido ao sumaríssimo ou à suspensão provisória acentuaria a despublicização do processo penal à revelia da política criminal que cabe nos poderes do legislador definir, já que esse direito não podia (pode) deixar de ter um correspondente direito de oposição por parte da vítima ou um correspondente poder de concordância, o que equivaleria a uma privatização do processo transformando-o em palco de mercantilização26. Que papel teria aí o MºPº? O de mero intermediário formal entre arguido, vítima e juiz? A possibilidade de o arguido requerer o sumaríssimo não pode ser entendido como um direito de vinculação da actuação do MP ou que sequer o obrigue a justificar a recusa da pretensão. O artº 281º estabelece que o MP «determina» e a verificação dos critérios mínimos estabelecidos no artº 281º vinculam a uma proposta ou decisão de suspensão. Mas só em princípio, como tentámos demonstrar. Portanto, a procura do consenso não deve sequestrar os interesses gerais da justiça.

13.1.5.– Mas este é ainda um campo de dúvidas e de contradições Na verdade há quem queira a actuação do MºPº em parâmetros próprios dos de um modelo dispositivo de processo penal, em que são os intencionados objectivos de eficácia a conduzi-lo a um papel próximo de um órgão do executivo, já que o que se prossegue no sumaríssimo é a efectivação de um direito de punir, em que se sacrifica a verdade processual à verdade consensual, o contraditório ao diálogo cooperante, correspondendo esse modelo a uma visão funcional do processo e à relativização da intervenção penal como ultima ratio.
Porém, parece-nos que uma estrutura acusatória, como a que caracteriza o nosso processo, acentua, não relativiza, o carácter indisponível do objecto e do conteúdo do processo.

13.1.6.– Estas e outras controvérsias demonstram a dificuldade de conseguir uma concordância prática de papéis contraditórios e de modelos diferentes de MºPº, constituindo-se em factores que acrescentam inibições ao uso mais expressivo dos instrumentos de diversão.

14.– O «divertimento» ou a informalidade possíveis:

14.1.- Plasticidade e «transgénero».

14.1.1.- O processo não tem que ser a «habitual procissão».
O «divertimento» destas formas resulta das potencialidades de transfiguração dos protagonistas, da troca de papéis, um campo de plasticidade e de «transgénero», este último também sinal dos tempos que correm. Afinal de contas o MºPº, ao apresentar o requerimento para sumaríssimo, como equivalente funcional de uma acusação, o que verdadeiramente faz é apresentar um projecto que constitui o pressuposto de uma sentença condenatória, transfigurando-se no papel provisório de um juiz. Uma transfiguração de sentido inverso sucede quando a pronúncia é substituída por uma proposta de suspensão provisória, em que o MºPº volta a transfigurar-se e a depender dele a decisão efectiva e homologatória sobre a suspensão.

ESTE QUADRO INSPIRA ORIGINALIDADES. VEJAMOS QUAIS:
14.1.2.- Se as boas intenções do discurso da eficácia e da celeridade como características do sumaríssimo (a que se vem associando uma perspectiva economicista a favor da abreviação do processo) não forem meramente retóricas, talvez uma proposta de alteração legislativa possa desfazer alguns «nós»:

14.1.2.1.- A PROPOSTA de que, à semelhança do que a lei permite quanto à suspensão provisória do processo – o caso do artº 307º nº 2 do CPP, em que, no final da instrução, o JIC pode suspender o processo, obtendo para o efeito a concordância do MºPº – seja consagrada legislativamente a possibilidade de o Juiz de julgamento, ao receber em processo comum a acusação deduzida pelo MºPº, possa transfigurar o processo para a forma especial sumaríssima (verificados os pressupostos legais estabelecidos) propondo uma sanção que submeteria à concordância do MºPº.
Previamente á concordância do arguido e assistente, a solução seria «negociada» entre juiz e MºPº27.
Deste modo também se conseguiria substituir a mera posição homologatória do Juiz por uma posição em que fosse efectivo promotor do consenso.
Podendo ainda ser heresia, mas não sacrilégio, há um novo paradigma de tratamento processual da média criminalidade – ela tem que ser objecto de mecanismos de consenso ou de celeridade e simplicidade – essa é a orientação que se retira das alterações ao CPP e que vêm também da Lei de Política Criminal. Na base deste novo paradigma, a sugestão agora apresentada pode ser secundada ou substituída por uma outra: a possibilidade de o MP desistir da acção penal já exercida substituindo-a pela suspensão ou pelo sumaríssimo.

14.1.3.- É deste «divertimento», simbólico e estético, que o processo necessita, uma plasticidade na forma e nos actores que sirva uma justiça pronta e resolva grande parte da pequena e agora também média criminalidade, embora os milagres não estejam ao alcance dos tribunais.

15.– Conclusão:

15.1.- Talvez seja agora possível dissipar a dúvida inicial, não porque se resolveu, mas porque deixou de ter sentido como dúvida:
Cabe perguntar se a interrogação sobre as razões do insucesso do uso das formas de diversão e oportunidade tem (ou alguma vez teve) algum sentido.
Ainda vale a pena reclamar das formas de diversão e consenso expectativas de maior expressão e protagonismo judiciário, agora que se prevê o rapto desse putativo protagonismo em favor de uma nova panaceia – a mediação penal??.

15.2.– Precisões terminológicas sobre legalidade aberta ou oportunidade regulada já não têm muito sentido, agora que o paradigma do pensamento sobre o processo penal é já outro, que instala no centro da resolução dos conflitos a figura da vítima e a procura de soluções de reparação e restauração consensualizadas com a vítima, que a todos os títulos – devemos convir – não pode continuar a ter o papel de mera testemunha que oferece provas.

José P. Ribeiro de Albuquerque
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Bibliografia consultada:
1.– Código de Processo Penal, vol. II – Tomo II, Assembleia da República, conferência parlamentar (intervenções de Almeida Santos, Figueiredo Dias, Costa Andrade e Anabela Rodrigues).
2.– Cecília Santana, Principio da oportunidade na reforma do sistema penal, jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAVV, AAFDL, 1998.
3.– Legalidade versus Oportunidade, separata da Revista SMMP, Lisboa 2002 (José Gonçalves Costa, João Paulo Rodrigues, Pedro Caeiro, Perfecto Andrés Ibáñez e Eduardo Maia Costa).
4.– Paulo Dá Mesquita, Revista SMMP, nº 68, pp. 101. Os processos especiais no Código de Processo Penal português - respostas processuais à pequena e média criminalidade.
5.– Maria Rosa Crucho Almeida, Revista SMMP, nº 73, A suspensão provisória do Processo Penal – Análise estatística do biénio 1993-1994
6.– Costa Andrade e Manuel H. Gaspar, Jornadas de processo Penal, CEJ-Almedina, 1988.
7.– Inquérito aos sentimentos de justiça num ambiente urbano, A.M.Hespanha coord., Almedina-MJ.
8.– Luís Silva Pereira, Revista SMMP nº 77 , Os processos especiais no CPP após a revisão de 1998.
9.– Figueiredo Dias, Dto. Processual Penal, 1985 reimpressão.
10.– Rui do Carmo, O MP e os processos simplificados…, Revista SMMP, nº 81.
11.– Mário Ferreira Monte, Do princípio da Legalidade do processo penal, Revista SMMP, nº 101.
12. Luiz Flávio Gomes, Natureza Jurídica da suspensão condicional do processo, RPCC, nº 6, 1999.
13.– Carlos Adérito Teixeira, Princípio da oportunidade , manifestações em sede processual…, Almedina, 2006, reimpressão.
14.- Prof. Faria Costa, Diversão, “Diversão (Desjudiciarização) e Mediação: Que Rumos?”, BFDUC 1986
15.– Italo Calvino, seis propostas para o próximo milénio, Teorema, 2007
16. – Rui do Carmo, A suspensão provisória do processo no CPP revisto, CEJ, 2007 (texto disponível no site do CEJ)
17. François Ost, l´accélération du temps juridique, Bruxelles, facultés Saint-Louis, 2000, 923 p.
18.– François Ost, O tempo do Direito, Instituto Piaget, colecção Direito e Direitos do Homem.
19.– Jaques Faget, Sociologie de la délinquance et de la justce pénale, Éditions érès, 2007.
20.– Jaques Faget, La Fabrique de la décision pénale. Une dialectique des asservissements et des émancipations, champ pénal, vol V, 2008 (disponível on line)
21. - François Ost et Yves Cartuyvels, citoyens, droit, société. Crise du lien social e t crise du temps juridique, FUSL, Février 1998, Bruxelles.
22. Justicia Consensuada y Proceso Penal, Richard Vogler, Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, Volume 1 - n.º 2 (Julho a Dezembro/2001) (disponível on line).
23.– Lei-Quadro da Política Criminal (Leitura Crítica da Lei nº 17/2006, de 23 de Maio), Manuel da Costa Andrade, RLJ, ano 135º, nº 3938, Maio-Junho 2006.
24.– Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2007.
25.- Questões práticas relativas ao arquivamento e à acusação e à sua impugnação, de João Conde Correia, Porto 2007, Publicações da Universidade Católica.
26.- Suspensão Provisória do Processo – Área de Projecto, Grupo III, XXVI curso normal CEJ, 2008.
27.- O processo sumaríssimo na Revisão do CPP, Sónia Fidalgo, Jornadas sobre o CPP, CEJ, Coimbra 8-9 Novembro de 2007
28.- Les procédures pénales accélérées, Documents du Sénat Français on line
29.Gilles Lipovetsky, O Império do Efémero, edições D. Quixote, 1992.
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