DA FUNDAÇÃO ATÉ 1500
O período
considerado caracteriza-se pela evolução no sentido da
centralização dos poderes, com o monarca a ser, de
direito, e querer ser, de facto, o órgão superior de
todos os poderes/funções do Estado, nomeadamente o
judicial.
No início da
monarquia, os reis julgavam, frequentemente, por si mesmos, os
litígios, administrando a justiça e reparando os
agravos que os poderosos causavam aos seus vassalos.
Mas, ao querer dos
reis, de verem alargados os seus poderes/funções,
opunham-se as classes privilegiadas e o povo, os quais lhes
disputavam o exercício da jurisdição.
D. Afonso II, defensor
acérrimo dos direitos régios, estabelece uma política
de centralização jurídico-administrativa,
inspirada em princípios do direito romano, defendendo a
supremacia da justiça régia em relação à
senhorial e a autonomia do poder civil sobre o eclesiástico.
De tal sorte que, no seu reinado, recomeçam os conflitos entre
o monarca e a Santa Sé.
Datam do reinado de D.
Afonso II a entrada em funcionamento do primeiro livro de registo
oficial de diplomas legais régios e a nomeação
do primeiro meirinho-mor do reino, cargo de nomeação
régia, encarregado de garantir a intervenção do
poder régio, no plano judicial, mesmo em terras de regime
senhorial.
Durante o século
XIII aperfeiçoa-se o sistema judicial, criando-se um conjunto
de leis que regulam os mecanismos da justiça.
Se, no início do
período epigrafado, o rei aplica muitas vezes a justiça,
por si só, passa, depois, a ser auxiliado por um conselho de
parentes e amigos e, mais tarde, por um corpo de conselheiros, deste
modo se evoluindo para a formação de um órgão
que, com o rei, administra a justiça, seja em última
instância, seja algumas vezes em primeira.
É ainda no
reinado de D. Afonso II que há notícia do Tribunal
Supremo da Corte, especializado e diferenciado dos outros
membros do Conselho do Rei. O Tribunal Supremo da
Corte é um verdadeiro órgão judiciário,
com funções de apelação, mas também
de revista, passando também a conhecer de agravos e súplicas.
Órgão colectivo, fala-se dos membros que o integram,
chamando-se-lhes sobre-juiz do reino e sobre-juiz
da Corte.
Quer no reinado de D.
Dinis quer no de D. Afonso IV, por todo o século XIV,
prossegue a tendência da concentração dos
poderes/funções régios, do mesmo passo que cada
vez mais se estabelece a diferenciação/separação
dos órgãos/agentes judiciais.
No início do
século XIV, fala-se de sobre-juízes ou ouvidores da
suplicação, distintos dos ouvidores da Corte. Com as
Cortes de Coimbra (1303), no reinado de D. Dinis, passa-se à
reorganização do sector administrativo e do aparelho
judicial. Por cerca de 1330 (reinado de D. Afonso IV), instituem-se
os juízes de fora, cada vez mais se generalizando,
posteriormente, a sua existência, como forma de pôr cobro
aos excessos provenientes das classes privilegiadas. Quase
contemporaneamente, regulamenta-se o cargo de corregedor (magistrado
anteriormente designado por meirinho-mor), com funções
administrativas, mas também judiciais, que passou a actuar
cada vez mais junto das populações, e mesmo dos
senhores privados. Os corregedores tinham como principais atribuições
emendar os erros e reparar as violências ou quaisquer outras
faltas na administração da justiça, averiguando
do desempenho dos juízes dos concelhos e dos juízes de
fora. A designação da função (correger,
corrigir) está na origem do nome do agente.
Em meados do século
XIV, aparecem a separar-se o Tribunal da Corte, que é
ambulante, de um tribunal com sede fixa (ou, pelo menos, demorada),
este vocacionado principalmente para as apelações
cíveis, daí chamado Casa do Cível.
Na segunda metade do
século XIV, a Casa do Cível surge
diferenciada do Tribunal da Corte, este chamado umas
vezes de Casa da Suplicação, outras de
Desembargo do Paço. Enquanto a Casa do
Cível se sediava, com maior ou menor permanência,
em Lisboa ou Santarém, o Tribunal da Corte (ou
Casa da Suplicação ou Desembargo do Paço)
acompanhava o rei.
No início do
século XV, documentos vários dão nota de que a
Casa do Cível ainda muda a sua sede ora para
Santarém, ora para Lisboa, nesta cidade se fixando
definitivamente, em 1433.
Com a fixação
da Casa do Cível em Lisboa, a sua jurisdição
abrange todo o território do reino em matéria cível,
com excepção das apelações feitas nos
lugares onde o rei ou a sua corte estivesse (ou proximidades
cinco léguas em redor -), pois que estas eram
desembargadas pelos sobre-juízes que acompanhassem a Corte.
Quanto aos feitos crimes, as apelações de todo o reino
deviam vir à Corte para serem julgados pelos ouvidores que
acompanhavam o rei, excepto as de Lisboa e seu termo, que iriam, para
serem julgados, aos ouvidores da Casa do Cível.
Esta separação
da Casa do Cível do Tribunal da Corte,
com alterações de competência que foram
introduzidas no decorrer dos anos, é, de algum modo, o embrião
para se passar a privilegiar a divisão territorial, como
factor atributivo de competência jurisdicional. As queixas e
reivindicações de justiça mais próxima,
feitas pelas populações, estão na origem do
desenvolvimento da organização judiciária da
época.
No final do século
XIV, no reinado de D. João I, é aprovado um conjunto de
legislação, que visa reforçar a capacidade de
intervenção da administração régia.
Ter-se-á perspectivado, sem se ter acabado por executar, o
estabelecimento, mesmo provisório, de três casas para a
decisão, em segunda instância, dos feitos cíveis
e criminais: uma, a do cível, em Lisboa, com jurisdição
no respectivo bispado; outra, em Évora, com jurisdição
nos territórios entre o Tejo e o Guadiana e no Algarve e uma
outra, em Coimbra, com jurisdição nos restantes lugares
do reino. Inicia-se, pela primeira vez no reino de Portugal, um
esforço de compilação e sistematização
de todas as leis em vigor, tarefa concluída, apenas, no
reinado de D. Afonso V.
Em 1447, no reinado de
D. Afonso V, publicam-se as Ordenações Afonsinas,
prosseguindo, até final do século, grandes reformas nas
áreas da Justiça, da Fazenda e da Defesa.
A concentração
do poder judicial no monarca tinha tradução nas
províncias (comarcas), com a intervenção
jurisdicional assegurada pelos corregedores, até
ao começo do século XIV conhecidos por
meirinhos-mores. Dos meirinhos-mores se distinguiam os
meirinhos, estes a serem nomeados por aqueles (e não pelo rei,
que nomeava os primeiros) e com jurisdição mais
restrita.
No
reinado de D. Afonso V, ter-se-ão estabelecido, sem se
suprimirem os corregedores, os adiantados,
magistrados de igual natureza dos corregedores, mas que tiveram fugaz
duração, pois foram extintos no tempo de D. João
II, face às reclamações que contra eles fizeram
os povos.
Os corregedores nunca
foram muitos, pois que cada província constituía uma
comarca que tinha à sua frente o representante do rei. Também
nos primeiros tempos da monarquia, os corregedores (meirinhos-mores)
não tinham uma função judiciária tão
vincada, sendo eles sobretudo homens de confiança do rei, com
funções mais administrativas que judiciárias.
Mas foram gradualmente alargando a sua intervenção, de
tal modo que, no exercício de funções
judiciárias, gradualmente se substituíram, em muitos
litígios, aos juízes que tinham estes para decidir.
Mesmo com tentativas para moderar os excessos, a verdade é que
a prática se foi sedimentando.
Nas pequenas
circunscrições, dominava, quase exclusivamente, a
justiça popular, exercida essencialmente pelos juízes
ordinários. Como, porém, estes magistrados eram
da terra e exerciam mandato temporário, escasseavam-lhes
condições para bem cumprirem as suas atribuições,
sujeitos que estavam às amizades e parentesco, como também
às pressões dos poderosos.
É assim que, nos
termos e concelhos de maior expressão, surgem os juízes
de fora, que eram mandados pelo rei para administrarem a
justiça. Sendo de fora e mais habilitados, reuniam melhores
condições para exercerem as suas funções.
Os juízes de
fora terão coexistido com os juízes ordinários,
mas a tendência terá sido no sentido de aqueles
absorverem as atribuições destes, como seguramente
passou a acontecer com D. Afonso V.
Enquanto a Justiça
régia não se foi alargando pelo território, os
litígios eram solucionados pelos homens bons de
cada lugar.
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