- Notas sobre a intervenção do Ministério
Público[1]
Rui
do Carmo
Procurador
da República
Falar das
Comissões de Protecção de Menores (hoje, de Crianças e Jovens) obriga-nos a
recuar ao ano de 1974, ao Plano de Acção
do Ministério da Justiça aprovado em 20 de Setembro do mesmo ano, e às
“conclusões preliminares” da comissão
encarregada de estudar e propor as medidas legislativas respeitantes à
reforma do sistema de justiça de menores.
Propunha-se a criação de “comissões
administrativas de protecção de menores” constituídas por “especialistas dos
três ministérios interessados na formação das crianças e adolescentes
(Ministério da Educação e Cultura, Ministério dos Assuntos Sociais e Ministério
da Justiça) e delegados da Câmara Municipal da sua área de acção”, a
funcionarem, em princípio, em todas as sedes de concelho, nas quais o
representante do Ministério Público (o então curador de menores) seria
consultor jurídico e zelaria por que tivessem “seguimento adequado e em tempo
todos os casos a submeter a apreciação jurisdicional”. A intervenção da
comissão administrativa de protecção de menores tinha como pressuposto não ser
“necessário contrariar o poder paternal”, sendo a regra proposta, já nessa
altura, a “anterioridade da protecção social administrativa relativamente à protecção judiciária”[2].
Os
principais argumentos então aduzidos para justificar a sua criação eram os
seguintes:
-
evitar
a experiência traumatizante de comparência do menor perante o tribunal e seus
efeitos discriminatórios e estigmatizantes;
-
entregar
a aplicação das medidas de protecção a pessoas dotadas de preparação técnica e
do tipo de personalidade adequados;
-
racionalizar
o uso dos meios humanos e técnicos existentes;
-
ser
de esperar que as comissões possam obter
com mais facilidade que os tribunais a cooperação das famílias;
-
a
criação das comissões poderá constituir um passo significativo no sentido de se
levar a sociedade a assumir a quota-parte da responsabilidade que lhe cabe na
problemática da inadaptação juvenil.[3]
Na OTM[4]
fez-se, entretanto, o que foi chamado o “primeiro ensaio, entre nós, de
protecção de menores por via administrativa”[5], através das comissões de protecção sediadas
nos Centros de Observação e Acção Social (COA’s)[6],
constituídas pelo respectivo director (que tinha voto de qualidade), por um
representante “dos serviços de menores do Ministério dos Assuntos Sociais” e
outro do Ministério da Educação e Cultura, e por um “curador junto do tribunal
de menores com jurisdição na área do centro”[7].
Este modelo tinha pouco, para não dizer nada, a ver com a proposta de 1974[8].
As preocupações expressas quando
dos trabalhos realizados com vista à concretização legislativa do Plano de Acção
do Ministério da Justiça de 1974 foram retomadas em 1991 com a publicação do DL
189/91, de 17 de Maio, que “regula a criação, competência e funcionamento das
Comissões de Protecção de Menores”[9]
– em cujo preâmbulo se lia:
“É hoje princípio aceite que a problemática
do menor negligenciado ou maltratado e também do menor que patenteia condutas
desviantes exige uma intervenção interdisciplinar e interinstitucional,
articulada e flexível, de base local, que combine a qualidade da acção com o
respeito pelos princípios e garantias constitucionais, em último caso
asseguradas pelos tribunais.
A ideia que presidiu inicialmente à
criação das comissões de protecção deve ser retomada em termos actualizados,
pois pode contribuir para dar resposta à sentida exigência de responsabilização
de cada comunidade local pelas suas crianças e pelos seus jovens, em total
respeito e colaboração com a família, o que corresponde a uma efectiva vocação
e vontade de vários agentes comunitários, de vital importância no âmbito de uma
política capaz de prevenção.
A progressiva instalação e melhoria
dos serviços comunitários, as virtualidades do exercício do poder local e a
consciência de que da articulação de todos não resultará a descaracterização de
cada um depõem a favor da introdução de alterações substanciais nesta matéria,
alterações a promover pontual e progressivamente com o realismo que se exige.
Essa articulação poderá, sem aumento significativo dos meios já disponíveis,
potenciar a eficácia de todo o sistema de protecção à criança e ao jovem”.
E em
1999, na Exposição de Motivos da proposta que deu origem à Lei de Protecção das
Crianças e Jovens em Perigo[10],
afirma-se o balanço positivo da acção das Comissões de Protecção de Menores
“enquanto forma participada, interinstitucional e interdisciplinar de proteger
as crianças e jovens em perigo”, justificando-se a sua reestruturação com a
necessidade de as colocar “no verdadeiro centro do novo sistema”, de
aperfeiçoar o envolvimento do “Estado, das autarquias e da sociedade não só nos
problemas concretos, mas também na
prevenção das situações de perigo para as crianças e jovens” e de melhor as dotar dos meios necessários.
As
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, em face do seu actual estatuto –
“instituições oficiais não judiciárias com autonomia funcional”[11],
que “exercem as suas atribuições em conformidade com a lei e deliberam com
imparcialidade e independência”[12]
– e da sua composição – tanto da comissão alargada[13]
como da comissão restrita[14]
- não podem ser considerados como meros órgãos de coordenação entre serviços e
instituições locais, mas sim órgãos distintos
destes, cujos membros deliberam
sem subordinação a ordens ou directivas da entidade que nelas representam. E
têm a particular responsabilidade de desenvolver na comunidade local em que
exercem as suas atribuições uma cultura de promoção dos direitos e de protecção
das crianças e jovens e exercitam a obrigação solidária da sociedade e do
Estado, constitucionalmente consagrada, de os protegerem “com vista ao seu desenvolvimento
integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação ou
de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais
instituições”[15]
Da actividade das Comissões de Protecção de
Crianças e Jovens espera-se que resulte:
-
a
limitação da intervenção do tribunal junto das crianças, dos jovens e das
famílias, em cumprimento dos princípios da intervenção mínima e da
subsidariedade[16];
-
a
responsabilização das instituições e da comunidade locais na promoção dos direitos
e na prevenção das situações de perigo para a criança e jovem, bem como na
resolução dos casos que necessitem de
intervenção;
-
a
promoção do tratamento rápido, com maior proximidade, consensual, multidisciplinar e interinstitucional de cada caso concreto;
-
o
incremento da colaboração entre todos os serviços do Estado, entidades
públicas, cooperativas, sociais ou privadas e pessoas singulares com
intervenção na área da infância e juventude, potenciando a utilização dos meios existentes e as
condições para a criação de novos instrumentos de intervenção.
O Ministério Público, a quem a lei
atribui a representação dos menores[17],
não poderia, obviamente, ser alheio às competências e ao trabalho das comissões
de protecção.
O Plano de Acção do Ministério da
Justiça de 1974 destinava-lhe o estatuto de consultor jurídico e de promotor da
intervenção jurisdicional; na OTM o curador de menores era tão-só um dos
membros das comissões de protecção; o DL 189/91, de 17 de Maio, estabeleceu
que, da constituição das Comissões de Protecção de Menores, fazia parte “um
agente do Ministério Público em serviço na comarca, a designar pelo procurador
da República”, e que era o seu presidente durante os dois primeiros anos de
actividade.
Tiveram, assim, os magistrados do
Ministério Público um papel essencial e imprescindível na criação, organização,
construção da capacidade de resposta e enraizamento nas comunidades locais das
Comissões de Protecção de Menores
Uma das consequências da alteração
legislativa que significou a entrada em vigor da Lei de Protecção das Crianças
e Jovens em Perigo foi que o Ministério
Público deixou de integrar a composição das comissões. Uma das
alterações mais discutidas e que provocou – e ainda provoca – fortes reacções
contrárias.
O legislador justificou-a nos seguintes termos:
“A posição do Ministério Público é recentrada de acordo
com o seu estatuto e funções de controlo da legalidade e de defesa dos
interesses das crianças e jovens em perigo. Assim, deixa de ser membro das
comissões de protecção, mas deve acompanhar a actividade destas e apreciar a
legalidade e o mérito das deliberações, suscitando, quando entender necessário,
a respectiva apreciação judicial, podendo ainda estar presente nas reuniões e
dar pareceres quando entender oportuno. O Ministério Público é ainda o garante
da boa articulação das comissões de protecção com os tribunais e do
funcionamento harmónico do regime de promoção de direitos e protecção das
crianças e jovens em perigo e do processo tutelar educativo, nomeadamente de
modo a que as crianças e jovens que pratiquem factos qualificados pela lei como
crimes que estejam em situação de perigo beneficiem das necessárias medidas de
protecção e promoção de direitos”.
Tal alteração era, a meu ver, necessária, não só porque o estatuto
dos magistrados do Ministério Público dificilmente se compatibilizava com o
regime de rotatividade da presidência das comissões, como porque era urgente
entregar à sociedade a responsabilidade pelo trabalho das Comissões de
Protecção, afastando definitivamente a ideia de que pudessem ser uma “mão longa
do tribunal”. Para além de ser ter, assim, suprido uma lacuna do DL 189/91 – a
ausência de previsão quanto ao controlo e fiscalização externos da actividade
processual das Comissões de Protecção de Menores.
Esta alteração não significa nem
pode significar, contudo, um afastamento do Ministério Público do trabalho das
comissões, uma menor colaboração ou uma menor responsabilidade desta magistratura
em face das funções atribuídas às CPCJ e da forma como estas as cumprem.
O
nº2 do artº 72º da LPCJ passou a definir assim as suas actuais atribuições: “O Ministério Público acompanha a actividade
das comissões de protecção, tendo em vista apreciar a legalidade e a adequação
das decisões, a fiscalização da sua actividade processual e a promoção dos
procedimentos judiciais adequados”.
Da leitura deste preceito conclui-se que:
-
o
magistrado do MP interlocutor da cada CPCJ não é seu membro;
-
também
não é o seu consultor jurídico
(como se previu em 1974, e que constituía uma das facetas da sua participação
nas comissões de protecção previstas na OTM, assim como nas criadas pelo DL
189/91, particularmente quando não exercia a presidência) - hoje, para assegurar o
conhecimento das regras jurídicas, diz o nº4 do artº 20º da LPCJ que a
comissão restrita deve incluir pessoa com formação na área do direito, que, se
necessário, pode ser um técnico cooptado nos termos da alínea m) do artº 17º;
-
nem é um representante do “tribunal” - as comissões têm que se afirmar
enquanto células vivas da sociedade local e não poderão construir o seu
trabalho à sombra de uma falsa imagem de pertença à organização judiciária;
-
é um defensor da legalidade democrática, ou
seja, zela por que a actividade da comissão respeite a Constituição e a lei;
-
e é um representante dos interesses dos
menores, em nome dos quais deve promover os procedimentos judiciais adequados.
Como exerce o Ministério Público as
atribuições previstos no já citado no2 do artº 72º da LPCJP?
A lei determina que as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens
comuniquem obrigatoriamente ao Ministério Público:
a)
situações em que a iniciativa e a
legitimidade para intervir não cabe às comissões, mas sim ao Ministério Público:
-
quando considerem adequado o encaminhamento para a
adopção e o organismo da segurança social divergir desse entendimento (artº
68º.a[18]);
-
quando se justifiquem a regulação ou a alteração do
regime do exercício do poder paternal, a inibição do poder paternal, a
instauração da tutela ou a adopção de qualquer outra providência cível (artº
69º);
-
quando não sejam prestados ou sejam retirados os
consentimentos necessários à sua intervenção, à aplicação da medida ou à sua
revisão, ou haja oposição da criança ou
do jovem (68º. b) ou de quem tenha a sua guarda ocasional nos casos de
impossibilidade de contacto com os pais ou representantes legais (artº 96º.3.);
b) situações
cuja análise pelo MP se impõe, embora mantendo-se, em princípio, a competência
da comissão para intervir,
b.1. ou com vista à possível adopção dos
procedimentos necessários à remoção dos obstáculos à aplicação ou execução das
medidas consideradas adequadas pela comissão:
-
quando
sejam reiteradamente não cumpridos os acordos estabelecidos - artº 68º.b. parte
final;
-
quando
não se obtenha a disponibilidade dos meios necessários para aplicar ou executar
a medida que considere adequada, nomeadamente por oposição de um serviço ou de
uma instituição - artº 68º.c;
-
e
quando não tenha sido proferida decisão decorridos seis meses após o
conhecimento da situação da criança ou do jovem em perigo - artº 68º.d.).
b.2. ou porque foi aplicada uma medida
que a lei considera só poder ter lugar
em situações excepcionais:
-
quando se determine ou mantenha a separação da
criação ou do jovem dos seus pais,
representante legal ou das pessoas que tenham a sua guarda de facto - artº
68º.e).
c)
os factos que,
tendo determinado a situação de perigo, constituam crime (artº 70º);
d)
os procedimentos urgentes adoptados
nos casos de perigo actual e eminente para a vida ou integridade física da
criança ou do jovem, havendo oposição dos detentores do poder paternal ou de
quem tenha a guarda de facto (artº 91º).
Assim como é obrigatoriamente
remetido ao Ministério Público o relatório
anual de actividades de cada comissão, até ao dia 31 de Janeiro do ano seguinte àquele a que respeita
(artº 32º).
O Ministério Público, a quem a lei
comete o dever especial de “representar as crianças e jovens em perigo”, pode,
na sequência daquelas comunicações, se o entender necessário, tomar a
iniciativa de requerer a abertura de um processo judicial de promoção dos
direitos e de protecção, de iniciar um inquérito criminal, de instaurar
procedimento tutelar cível em representação do menor ou usar quaisquer outros
meios judiciais adequados, ou mesmo accionar em simultâneo mais do que um
destes meios de actuação judiciária – numa perspectiva de tratamento coordenado
e harmonioso dos vários níveis em que deve ser defendido o interesse superior
da criança ou do jovem. Pode ainda, nos casos em que tal se mostre possível e
adequado, tomar iniciativas não processuais susceptíveis de, por exemplo,
removerem os obstáculos à actuação ou à execução das medidas decididas pela
CPCJ. Assim como pode decidir reunir com a comissão para debater a matéria de
uma comunicação e dar o seu parecer sobre o modo como deve ser orientado o
tratamento de qualquer caso concreto. Ou, pura e simplesmente, pode entender
que não há nenhuma iniciativa a tomar.
Pode ainda requerer a realização de auditoria e inspecção às CPCJ (artº
33º).
Mas, o acompanhamento pelo Ministério Público da actividade das
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens deve ficar-se pela análise e tratamento da
matéria das comunicações obrigatórias que lhe são feitas?
Penso que o legislador quis, com as
referidas comunicações obrigatórias, acautelar o mínimo exigível de
acompanhamento e fiscalização da actividade processual das comissões, mas os
poderes-obrigações do MP face ao trabalho das CPCJ não só não se confinam à
matéria daquelas comunicações obrigatórias, pois tem o dever legal de requerer
a apreciação judicial de qualquer decisão da comissão de protecção “quando
entenda que as medidas aplicadas são ilegais ou inadequadas para a promoção dos
direitos e protecção da criança ou do jovem em perigo” (artº 76º.1.), como não
se devem confinar, de resto, a uma atitude reactiva aos casos que considere
anómalos nem ao núcleo de competências e à actividade da comissão restrita.
Em 25 de Janeiro de 2001, o Sr.
Procurador-Geral da República emitiu uma Circular, com o nº01/2001, que trata
da “Intervenção do Ministério Público nas comissões de Protecção das Crianças e
Jovens, ao abrigo do disposto no artigo 72º, nº2, da Lei nº 147/99, de 01 de
Setembro” e transmite quatro grandes orientações:
1ª O Ministério Público deve
articular com cada Comissão os termos do acompanhamento da sua actividade, quer
no que respeita à periodicidade quer quanto à presença nas reuniões;
2ª A fiscalização da actividade das
CPCJ pode realizar-se a qualquer momento, a posteriori, devendo englobar a
totalidade do trabalho desenvolvido;
3ª A apreciação da legalidade e do
mérito das decisões não se pode limitar à matéria das comunicações
obrigatórias;
4ª Deve ser identificado o
magistrado interlocutor da cada Comissão.
Esta Circular, que se caracteriza pela maleabilidade das
orientações definidas, convidando à sua adaptação a cada situação concreta,
transmite, por um lado, uma mensagem de não
burocratização da relação entre o MP e as CPCJ (burocratização que não é
compatível com esta nem com qualquer outra atribuição do Ministério Público
enquadrável naquilo a que se vem chamando a sua função social) e, por outro
lado, uma mensagem de colaboração e
proximidade.
Gostaria de, sobre a aplicação das
orientações desta Circular, sublinhar quatro aspectos que reputo de
importantes:
1º - Uma conclusão que não se deve retirar
desta Circular é que o acompanhamento pelo Ministério Público da actividade das
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens se deve restringir à comissão
restrita por ser esta que tem a competência para instruir os processos e para
decidir a aplicação e acompanhar e rever as medidas de promoção e protecção.
Os deveres do magistrado
interlocutor abarcam igualmente as competências da comissão alargada, com quem
deve colaborar no planeamento e mesmo na execução de acções de promoção de
direitos e de prevenção das situações de perigo, a quem deve propor
iniciativas, transmitir a sua opinião sobre o que entende deverem ser as suas
prioridades e em cujas reuniões pode participar por sua iniciativa ou a
convite, devendo obrigatoriamente estar presente naquela em que for analisada
“a informação semestral relativa aos processos iniciados e ao andamento dos
pendentes na comissão restrita”[19];
2º - O acompanhamento da actividade da comissão restrita,
por sua vez, passa pela sinalização de situações em que deve haver intervenção,
passa igualmente pela presença em reuniões, por sua iniciativa ou a convite,
pela participação na ponderação sobre casos concretos, pela consulta regular
dos processos, pelo conhecimento da informação semestral que esta tem de
prestar à comissão alargada, por um contacto regular com o presidente da CPCJ,
com o qual se devem definir os termos do cumprimento do dever de efectuar as
comunicações obrigatórias, vias rápidas de contacto e de transmissão de
preocupações e, nomeadamente, estabelecer o modo de actuar no caso dos
procedimentos urgentes. Mas, nunca o
magistrado do Ministério Público interlocutor deve participar nas diligências
processuais realizadas pela comissão, tenham em vista a confirmação da situação
de perigo, a obtenção dos consentimentos exigidos para a sua intervenção ou a
recolha de informação sobre a situação da criança ou do jovem, nem participar
nas deliberações da CPCJ – estes são, a meu ver, os limites da colaboração, sob
pena de violar a autonomia funcional das comissões e também de não se encontrar
em condições de exercer com o exigível distanciamento e imparcialidade as
funções de apreciação da legalidade e da adequação das decisões e de
fiscalização da actividade processual;
3º - O magistrado interlocutor deve
proceder ao acompanhamento da actividade das comissões alargada e restrita numa
relação de grande proximidade, o que passa por se conhecer quem é, e ser sempre
o mesmo, conforme determina a Circular, por um contacto tendencialmente
realizado na sede da comissão; e aconselha, a meu ver, a que nos casos em que a área territorial de
intervenção de uma comissão é abrangida pela competência de um Tribunal de
Família e Menores sediado num outro concelho e comarca, se pondere se o
magistrado interlocutor não deve ser, ainda assim, um magistrado que exerça
funções no tribunal de comarca em que está sediada a comissão.
4º - O magistrado interlocutor deve
transmitir e debater regularmente com a CPCJ a apreciação que vai fazendo da
sua actividade, recomendando a alteração ou a adopção de novos procedimentos,
dando-lhe a conhecer os casos em que divergiu das suas decisões e os
respectivos fundamentos – numa perspectiva pedagógica e de esclarecimento
recíproco.
O acompanhamento próximo da
actividade das comissões pelos magistrados do Ministério Público, numa
perspectiva não apenas de fiscalização, mas que deve colocar o acento tónico na
pedagogia e na colaboração, é ainda essencial para que, na prática, seja
cumprido o já referido princípio da subsidariedade.
Claro que esta relação do Ministério
Público com as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens não pode deixar de
tomar em consideração as funções atribuídas à Comissão Nacional de Protecção de
Crianças e Jovens em Risco, nomeadamente os tão reclamados acompanhamento e
apoio às comissões de protecção[20],
cujo conteúdo se encontra definido no artº 31º da LPCJP.
[1] Texto
da intervenção proferida, em 24 de Setembro de 2003, no Encontro de Trabalho da Procuradoria-Geral
da República subordinado ao tema O Ministério Público e as Comissões de
Protecção de Crianças e Jovens: Que Intervenção?
[2] “Reforma dos Serviços Tutelares de Menores”, Infância e Juventude nº1 de 1976, p. 26 a 30.
[3] Cfr. Eliana Gersão – “Comissões de Protecção de Menores: uma proposta esquecida?” (Infância e Juventude nº4 de 1977, p. 7 a 18, e nº1 de 1978, p. 7 a 28.
[4] Lei Tutelar de Menores (Decreto-Lei nº314/78, de 27 de Outubro).
[5] Ponto 3. do Preâmbulo do DL 314/78.
[6] Funcionavam nos COA’s de Lisboa, Porto e Coimbra, estando a sua área de acção definida pela Portaria nº02/79, de 03 de Janeiro.
[7] Artºs 91º a 93º da OTM.
[8] Neste sentido, Eliana Gersão, “As comissões de protecção de menores: uma forma (gorada?) de participação popular na administração da justiça” , in A Participação Popular na Administração da Justiça, Livros Horizonte/SMMP, p.141 a 150; em sentido não coincidente, Maria Teresa Trigo de Sousa, “Competência das Comissões de Protecção de Menores para a aplicação e revisão de medidas por ela promovidas”, Infância e Juventude nº3 de 1983, p. 7 a 19.
[9] Cfr. Rui Epifânio, “Àcerca das Comissões de Protecção (Decreto-Lei nº189/91, de 17 de Maio), Infância e Juventude nº2 de 1993, p. 9 a 24.
[10] Aprovada pela Lei nº 147/99, de 01 de Setembro, que: estabelece os pressupostos de intervenção das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens nos artºs 8º a 10º; define o estatuto e regula as suas competências, composição e funcionamento nos artºs 12º a 33º; e define as regras do respectivo processo nos artºs 93º a 99º.
[11] Nº1 do artº 12º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
[12] Nº2 do artº 12º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
[13] Artº 17º LPCJP.
[14] Artº 20º LPCJP.
[15] Artº 69º nº1 da Constituição da República Portuguesa.
[16] “Intervenção mínima – a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo” (Artº 4º.d) LPCJP); “Subsidariedade – a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais” (artº 4º.j) LPCJP).
[17] Artº 3º.1.a) do Estatuto do Ministério Público (Lei 60/98, de 27 de Agosto).
[18] Todos os artigos sem indicação do diploma respeitam à Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
[19] Artº 18º nº2.g).
[20] Artº 1º nº2 .i) do DL 98/98, de 18 de Abril.