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ACÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE INTENTADA PELO MP. ISENÇÃO DE CUSTAS.
Conceição Ligeiro  16-03-2005
As acções de dissolução de sociedade por incumprimento da obrigação de aumentar o capital social para o mínimo legal estão isentas de custas, já que, em tais acções, o MP actua em nome próprio, na defesa da legalidade e do interesse público.
DESPACHO:

Entende o Exmº Sr. Procurador-Adjunto que '... nos processos de dissolução de sociedades deve ser notificado o conservador que requer a intervenção do MP no sentido de juntar aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça, em cumprimento das circulares da PGR 2/2004 e 10/2004 respeitantes à sujeição a pagamento de custas judiciais das pessoas e entidades representadas pelo MP'.

Como vem referido e em síntese a questão é a seguinte:

O DL nº 343/98, de 6/11, procedeu à adaptação dos instrumentos regulamentares do ordenamento jurídico português à introdução do euro e consagrou a aproximação da legislação portuguesa à legislação vigente em outros ordenamentos europeus no que respeita aos valores mínimos do capital social das sociedades, das cooperativas e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.

Estabeleceu designadamente que o montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda com curso legal em Portugal - o euro -, que a sociedade por quotas não pode ser constituída com um capital inferior a 5000 euros, nem posteriormente o seu capital pode ser reduzido a importância inferior a essa e que nas sociedades anónimas o valor nominal mínimo do capital é de 50 000 euros - cf. artºs 14º , 201º e 276º do Cód. Soc. Com . na redacção que lhe foi dada pelo artº 3º do DL nº 343/98.

Posteriormente o DL nº 235/2001, de 30/08, no seu artigo único, estipulou:

'1-As sociedades que não tenham procedido ao aumento do capital social até aos montantes mínimos previstos nos artºs 201 e 276º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais, devem ser dissolvidas a requerimento do Ministério Público, mediante participação do conservador do registo comercial.

2-As cooperativas que não tenham procedido à actualização do capital social para o montante mínimo previsto no artº 18º, nº 2, do Código Cooperativo devem ser dissolvidas por iniciativa do Ministério Público, oficiosamente, mediante participação do conservador do registo comercial ou a requerimento do Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo ou de qualquer interessado.

3- ...'.

Tendo em consideração o Novo Código das Custas Judiciais (CCJ) impõe-se, na verdade, ponderar a posição do Ministério Público ao requerer a dissolução de sociedades no caso em análise, para apurar da sujeição ou da isenção de custas judiciais, sendo certo que de acordo com o artº 2º nº 1 a) do CCJ, o Ministério Público está isento de custas, nas acções procedimentos ou recursos em que age em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe estão confiados por lei.

Ao estipular as regras relativas à constituição de sociedades, ao estabelecer os limites relativos ao capital social das mesmas e ao impor sanções às sociedades que não respeitem essas regras e esses limites, o Estado-legislador está a proteger os credores dessas sociedades, mas não só; as normas que regulam a matéria e disciplinam este sector de actividade económica, são normas de interesse e ordem pública , da convivência em sociedade, do Estado-Colectividade (e não do Estado-Administração), destinadas à regulamentação e ao normal desenvolvimento da vida económica e bem assim à segurança do comércio jurídico e à paz cívica.

Pelo supra citado artigo único do DL nº 235/2001, atribuiu-se ao Ministério Público, em simultâneo, competência e legitimidade para intervir, requerendo a dissolução das sociedades cuja situação se não conforme com as legais exigências; contudo, eventualmente com respeito por direitos ou deveres dos entes jurídicos envolvidos, o legislador deixou-lhes concedida a faculdade de regularizarem a sua situação após expressa notificação para o efeito e só no caso de o não fazerem, deverão ser objecto de dissolução.

A expressa notificação para o efeito tendo em vista a regularização, cometeu-a o legislador ao conservador do registo comercial da sede da sociedade em causa, o qual tem também o dever de, caso não seja levada a efeito a necessária regularização, enviar ao MP a participação respectiva.

Assim, a notificação tendente à regularização da situação apresenta-se-me como que uma condição da acção, sendo que a participação ao MºPº tem, apenas, o alcance de simples comunicação do facto e não de formal solicitação.

Nesta medida a actuação do MºPº insere-se no âmbito dos poderes de fiscalização da legalidade e respectiva promoção que lhe são atribuídos.

Ao MºPº como fiscal, defensor e promotor da legalidade, cumpre tutelar os valores sociais e jurídicos; a sua actuação nesta matéria, destina-se a pôr cobro à violação de preceitos de interesse e ordem pública, reguladores da constituição e funcionamento das sociedades comerciais (cf. em matéria similar ac. STJ de 28/2/78 in BMJ nº 274); em representação do Estado-Colectividade, o MºPº actua, defendendo a realização do interesse social, através da defesa do ordenamento jurídico ( O Estado nos Tribunais, Dr. Neves Ribeiro, Coimbra Editora, 1985, pág. 240).

O Ministério Público actua, aqui, no âmbito da sua função de fiscalização da legalidade, concrectamente da constituição e funcionamento de pessoas colectivas, actua, pois, em nome próprio, na defesa de interesses imateriais que são da sociedade (estado-colectividade) e não de cada uma das conservatórias de registo comercial em particular.

É certo que no tocante à situação das cooperativas - no nº 2 do preceito citado - o legislador introduziu o vocábulo 'oficiosamente'; da redacção dada, porém, não retiro quaisquer elementos de forma a afastar, no tocante ao nº 1, a natureza da intervenção do ministério público para que supra apontei; talvez um elemento de ordem sistemática tenha justificado a utilização daquele vocábulo, pois este já constava do artº 91º nº 3 do Código Cooperativo aprovado pela Lei nº 51/96, de 7/09.

Na verdade, a gravidade das situações e os fins prosseguidos são idênticos; as normas em causa e cuja defesa cumpre assegurar são essencialmente as mesmas e da mesma natureza, de interesse e ordem pública., não havendo qualquer justificação para uma diferente espécie de intervenção; tais normas são, aliás, de natureza idêntica àquelas outras reguladoras da constituição e funcionamento das associações e das fundações em cuja fiscalização também o Ministério Público actua com legitimidade e em nome próprio (cf. artºs 168º e 185º do Cód. Civil.

Diferente é o caso que vem referido da instauração de execução por falta de pagamento de emolumentos ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas; trata-se aqui da defesa de um interesse patrimonial e particular - no sentido de que é respeitante à sua particular contabilidade - de um ente público do estado-administração e em cuja representação o MºPº age, tendo em vista a cobrança coerciva da dívida.

Por tudo o que deixei escrito entendo que nos casos como o destes autos deve o MºPº assumir a legitimidade e competência que lhe é atribuída pelo artigo único do DL nº 235/2001 e actuar em nome próprio, isento do pagamento de quaisquer custas processuais.

Comunique, com cópia de fls 10 a 15 e bem assim deste despacho ao Exmo Sr. PGD.

Lisboa 2005/03/03 (18h; 26, sáb )
A Procuradora da República,
Conceição Ligeiro




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