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 - ACRL de 11-12-2018   Regulação do exercício das responsabilidades parentais. Incumprimento.
I. Deduzido incidente tutelar cível de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais sem que o requerido tenha apresentado alegações em prazo, não pode pretender que sejam consideradas as alegações juntas no âmbito do incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
II. Considerando que os processos tutelares cíveis revestem a natureza de processos de jurisdição voluntária — cf. art° 12° da Lei n° 141/2015, de 8/9 — aos mesmos são aplicáveis subsidiariamente as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores, nos termos previsto no art° 33° do RGPTC, como é o caso das regras do ónus de prova (artos 342° e seguintes do C.Civil), que são recebidas no processo civil ex vi do art° 414° do CPC.
III. Quando o incidente tutelar cível de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais tenha como fundamento a omissão de pagamento da pensão de alimentos, compete ao devedor a prova do seu pagamento, por constituir um facto extintivo do direito alegado pela requerente.
(Sumário elaborado pela relatora)
Proc. 193/14.0T8LSB-C.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Gabriela Marques - Adeodato Brotas - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Processo n.° 193/14.0T8LSB-C-L1 (recurso de apelação)

Recorrente: TP...
Recorrida: AS...

Relatora: Juiz Desembargadora Gabriela de Fátima Marques.
Adjuntos: Juiz Desembargador Adeodato Brotas
Juiz Desembargador Gilberto Jorge

Sumário:
I. Deduzido incidente tutelar cível de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais sem que o requerido tenha apresentado alegações em prazo, não pode pretender que sejam consideradas as alegações juntas no âmbito do incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
II. Considerando que os processos tutelares cíveis revestem a natureza de processos de jurisdição voluntária — cf. art° 12° da Lei n° 141/2015, de 8/9 — aos mesmos são aplicáveis subsidiariamente as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores, nos termos previsto no art° 33° do RGPTC, como é o caso das regras do ónus de prova (artos 342° e seguintes do C.Civil), que são recebidas no processo civil ex vi do art° 414° do CPC.
III. Quando o incidente tutelar cível de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais tenha como fundamento a omissão de pagamento da pensão de alimentos, compete ao devedor a prova do seu pagamento, por constituir um facto extintivo do direito alegado pela requerente.
(Sumário elaborado pela relatora)

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO:
AS..., em representação do seu filho JP..., nascido em 16 de Janeiro de 2009, propôs incidente tutelar cível de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, alegando omissão de pagamento da pensão de alimentos, por parte de TP..., progenitor do mesmo.
Alega a falta de pagamento das prestações correspondentes aos meses de Dezembro de 2016 e seguintes.
O requerido notificado que foi do incidente nada disse.
A Digna Procuradora da República promoveu a declaração de incumprimento e a realização de inquérito a que se refere o artigo 4.°, n.°s 1 e 2, do Decreto-lei n.° 164/99, de 13 de Maio.
Nos termos do acordo logrado obter entre os progenitores, homologado por sentença datada de 9 de Agosto de 2011, o menor ficou a residir com a requerente/mãe, e o ora requerido ficou adstrito, no segmento relevante, ao pagamento mensal global de € 200 (duzentos euros), a actualizar anualmente, a título de pensão de alimentos para o filho.
Com data de 15/10/2017, foi proferida sentença a declarar o incumprimento do requerido, ora recorrente, estando em dívida os montantes correspondentes às prestações de alimentos no período desde 13/12/2016.
Inconformado recorreu o progenitor, nos termos constantes das alegações e conclusões que antecedem:
«1. A decisão recorrida foi proferida no dia 15 de Outubro de 2017 e notificada electronicamente ao mandatário do Recorrente no dia 20.10.2017.
2. Sucede, porém, o Recorrente tinha apresentado, em 4 de Outubro de 2017, um requerimento aos autos a dar conhecimento das alegações enviadas ao apenso A (onde é debatida igualmente a questão do não pagamento dos alimentos ao menor), bem como a informar estes autos dos pagamentos efectuados e, bem assim, a remeter os respectivos comprovativos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 342.°, n.° 2, do Código Civil.
3. Esse requerimento não foi apreciado pelo Ministério Público, nem lhe foi dado conhecimento pela secretaria.
4. Esse requerimento não foi notificado à Requerente, nem lhe foi dado conhecimento pela secretaria.
5. Acresce que o Julgador não se pronunciou sobre tal requerimento, mormente no que respeita ao respectivo conteúdo ou ordenou que o mesmo fosse desentranhado.
6. Com efeito, os documentos podiam ter sido juntos após o prazo para a apresentação de alegações, como foram, bem como os factos alegados pela Requerente não se têm, sem mais, por confessados caso não sejam produzidas alegações.
7. Na verdade, os documentos comprovam os pagamentos que o Recorrente efectuou à Requerente, ergo a pensão de alimentos.
8. O Recorrente e a Requerente acordaram o pagamento mensal e sucessivo de € 200,00 (duzentos euros) ao menor.
9. O Recorrente, ainda assim, procede mensalmente ao pagamento de € 300,00 (trezentos euros), entregando mais € 100,00 (cem euros) para que nada falte ao menor.
10. O Recorrente procede ao pagamento da pensão de alimentos ao menor, sendo a pensão, em função dos problemas de divisas em Angola, paga com carácter trimestral ou através da conta de um amigo, conforme documentos n.°s 5 a 11 juntos com o requerimento de 4 de Outubro de 2017.(...)
Conclusões:
I. A decisão recorrida foi proferida no dia 15 de Outubro de 2017 e notificada electronicamente ao mandatário do Recorrente no dia 20.10.2017;
II. Sucede, porém, o Recorrente tinha apresentado, em 4 de Outubro de 2017, um requerimento aos autos a remeter os comprovativos de pagamento da pensão de alimentos, nos termos e para os efeitos do disposto no art° 342° n° 2 do Código Civil;
III. O requerimento do recorrente de 4 de Outubro de 2017 não foi notificado pela secretaria ao Ministério Público ou à requerente;
IV. Acresce que o julgador não se pronunciou sobre tal requerimento, mormente no que respeita ao respectivo conteúdo ou ordenou que o mesmo fosse desentranhado;
V. O recorrente e a Requerente acordaram o pagamento mensal e sucessivo de € 200,00 (duzentos euros) ao menor.
VI. Recorrente, ainda assim, procede mensalmente ao pagamento de € 300,00 (trezentos euros), entregando mais € 100,00 (cem euros) para que nada falte ao menor, conforme documentos n°s 5 a 11 junto com o requerimento de 4 de outubro de 2017».
Juntas pelo recorrente as alegações apresentadas no Apenso A ( sendo este o C), este reportado ao pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais, nas quais o mesmo alega o pagamento da pensão de alimentos a que se obrigou e refere os documentos que alegadamente fazem prova de tais pagamento, foi a requerente notificada para se pronunciar.
A mesma pronunciou-se nos termos constantes de fls. 121 a 124, reiterando a falta de pagamento da pensão desde 13/12/2016. Mais refere que os documentos juntos não constituem comprovativos de transferências ( doc. 8, 9 e 11), mas sim meras intenções e sem sequer estar identificada a conta da requerente. Além disso, dois dos documentos — 10 e 11 — não dizem respeito ao período temporal em falta quanto ao pagamento, mas sim reportados a 2012. Para prova da inexistência de pagamentos junta extracto da sua conta bancária desde 01/01/2015 a 03/01/2018, mais informando que é a requerente (com ajuda da avó materna) que tem suportado o pagamento da escola do menor desde o ano lectivo de 2015/2016 em diante.
O recorrente respondeu impugnando os documentos juntos quanto ao pagamento do Liceu frequentado pelo menor, e dizendo que em várias ocasiões o pagamento foi feito em numerário através de amigos do requerido.
A recorrida apresentou ainda contra alegações, concluindo da seguinte forma:
« a. O Recorrente interpôs recurso da decisão da primeira instância que o condenou no pagamento das prestações de alimentos vencidas e não liquidadas, desde o mês de dezembro de 2016 e seguintes, ao seu filho menor, sem qualquer fundamento.
b. O Recorrente foi regularmente notificado para apresentar a sua defesa e apresentou-a em requerimento datado de 11-10-2017, juntando documentos que, de acordo com a interpretação do Recorrente, provavam o pagamento das pensões de alimentos reclamadas.
c. Na verdade, é ao Recorrente que cabe provar o pagamento das pensões de alimentos reclamados pela Recorrida, conforme estipulado no artigo 342° do Código Civil.
d. Porém, tal documentação não logrou provar um único pagamento da pensão de alimentos, ao menor, no período reclamado;
e. Mal andaria o Tribunal a quo se não condenasse o Recorrente no pagamento das quantias vencidas e não liquidadas com as provas carreadas pelas partes para os autos.
f. Pese embora o ónus da prova caber ao Recorrente, ainda assim, a Recorrida junta aos autos um documento bancário, onde constam os movimentos desde 01-01-2015 até 03--01-2018, identificado como documento 3, onde não consta qualquer depósito ou transferência bancária do Recorrente para a conta n°…, na Caixa Geral de Depósitos, desde 15-04-2015.
g. A Recorrida foi notificada do requerimento e documentos apresentados pelo Recorrente, datado de 11-10-2017, por isso, a Recorrida pôde apresentar o seu contraditório em 16-01-2018.
h. Sucede que, o presente incidente de incumprimento por ser de pouca complexidade e ser suficiente a prova carreada para os autos pelas partes, o Tribunal a quo, pôde decidir que os autos já continham os elementos necessários a habilitá-lo a proferir decisão de mérito capaz de pôr termo ao processo.
i. Acresce que não estamos perante uma decisão-surpresa e está dentro dos limites do pedido formulado e da respetiva causa de pedir articulada.
j. Por conseguinte a Sentença recorrida não merece à Recorrida qualquer reparo ou censura.
k. Decidindo como decidiu o Mmo.(a) Juiz do Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação das regras legais aplicáveis, bem como a adequada valoração da prova documental junta ao processo.
1. Pelo que é notória a inexistência de qualquer fundamento para interposição do presente recurso pelo Recorrente.
O recurso foi admitido e quanto ao alegado pelo recorrente foi ainda proferido o seguinte despacho: «Muito embora não o invoque, de forma expressa, parece inferir-se da leitura das alegações de recurso apresentadas que é entendimento do recorrente que a sentença proferida padece de nulidade, em virtude de o Mmo. Juiz que a proferiu não considerou o requerimento apresentado em 11 (e não 4) de Outubro de 2017. A verdade é, porém, que — compulsados os autos — se constata que, tendo sido notificado, em Março de 2017, para alegar, em 5 (cinco) dias, o que tivesse por conveniente a respeito do incidente de incumprimento deduzido, as alegações que se pretendem ter sido desconsideradas só foram remetidas a juízo pelo ora recorrente - e recebidas em juízo -mais de 6 (seis) meses após a realização de tal notificação. Assim sendo, urge concluir que a arguida nulidade não se verifica.»
Colhidos os visto cumpre decidir.
Questão a decidir:
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes:
A. Saber se as alegações juntas no âmbito de um incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais podem ser aproveitadas no incidente de incumprimento das responsabilidades fixadas;
B. Saber se podem ser tidos em conta os documentos que alegadamente fazem prova do pagamento dos montantes monetários correspondentes às pensões de alimentos, juntos no incidente de alteração e não de incumprimento.
C. O ónus de prova do pagamento das prestações devidas a título de alimentos
ao menor.

II. FUNDAMENTAÇÃO:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os que constam do relatório
supra cujo teor se reproduz.

III. O DIREITO:
Nos termos do art° 4.° do RGPTC os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto; b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito; c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
Determinando o art° 12° do mesmo diploma que tal processo revesta a natureza de jurisdição voluntária, ao qual são aplicáveis as normas gerais previstas nos art° 966° a 988° do CPC.
Tal como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21/06/2018, na acção de regulação das responsabilidades parentais o Tribunal dispõe dos mais amplos poderes investigatórios, não estando sujeito: «a) à iniciativa das partes; b) não vigora o princípio do ónus da alegação e prova, conhecendo o Tribunal de todos os factos que apure, mesmo dos que não tenham sido alegados pelas Partes; c) o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar a solução que julgar mais conveniente e oportuna para cada caso; d) as decisões podem sempre ser revistas se ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, quer a superveniência seja objectiva, isto é, tenham os factos ocorrido posteriormente à decisão, quer seja subjectiva, ou seja, quando os factos são anteriores à decisão mas não tenham sido alegados por não serem conhecidos por quem tinha interesse na alegação, ou por outro motivo ponderoso» ( in www.dgstptijrg).
Donde, a acção de regulação do poder paternal não é um processo de partes que vise solucionar ou compor um conflito de interesses disponíveis (cfr. art.° 1249.° do CC), pelo que o ónus de alegação não predomina neste tipo de acções.
Porém, no caso dos autos ora em apreço a questão prende-se apenas com o alegado incumprimento e relativamente a este dispõe o art° 41.° do RGPTC que:
1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
2 - Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer do incumprimento.
3 - Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
4 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança.
5 - Não comparecendo na conferência nem havendo alegações do requerido, ou sendo estas manifestamente improcedentes, no incumprimento do regime de visitas e para efetivação deste, pode ser ordenada a entrega da criança acautelando-se os termos e local em que a mesma se deva efetuar, presidindo à diligência a assessoria técnica ao tribunal.
6 - Para efeitos do disposto no número anterior e sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa.
7 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.° e seguintes e, por fim, decide.
8 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de 10 dias, há lugar à execução por apenso ao respetivo processo, nos termos legalmente previstos.
Donde, no caso dos autos a progenitora deduz o presente incidente de incumprimento por falta de pagamento das prestações devidas a titulo de pensão de alimentos devidos ao menor, que resultam, do acordo homologado. E estipulada a regulação do poder paternal de menores é esta vinculativa para ambos os progenitores, impondo o seu cumprimento escrupuloso por ambos, mormente no que respeita a alimentos devidos ao menor.
Com a alteração legislativa verificada com a introdução da Lei 14º/2015, este incidente regulado anteriormente no art° 181 da OTM e agora nos art°s 41 e segs. do RGPTC, prevê a imediata tomada de medidas destinadas a obter o pagamento forçado das prestações em dívida, que abrangerá as prestações vincendas, através da dedução das quantias necessárias nos rendimentos regulares que o devedor tiver a receber de terceiro, de acordo com o disposto no art.° 48.° do RGPTC, o qual estabelece diversos meios de cobrança expedita e coerciva dos alimentos devidos.
Ora o requerido foi notificado, para em cinco dias, alegar o que tiver por conveniente, nos termos do dispsoto no art° 41° n° 3 do RGPTC face ao alegado incumprimento do pagamento devido e alegado pela progenitora.
Tendo sido regularmente notificado/citado ( a 26/03/2017), o requerido nada disse.
Na sequência da ausência de alegações pelo requerido foi proferida a sentença sob recurso, com data de 15/10/2017, na qual se conclui que: «(...) Estabelece o artigo 342.°, do Código Civil, que compete ao devedor (que no caso em apreço é o requerido), a demonstração do facto extintivo da obrigação, corporizado no pagamento pontual da prestação.
A prova do pagamento competia-lhe, certo que o pagamento não se presume, e, por isso, é uma actuação culposa, de acordo com os artigos 762.°, 798.° e 799.°, todos do Código Civil.
Em face da postura assumida, julgam-se vencidos e em dívida os montantes monetários correspondentes às prestações de alimentos, por parte deste, ao filho beneficiário, no período temporal assinalado, estando, por isso, em situação de incumprimento, que aqui se declara verificado, conforme artigo 342.°, n.° 2, do Código Civil.».
Proferida que foi a sentença veio o requerido juntar as alegações mas relativas ao processo que corre por apenso e que dizem respeito ao incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais e neste juntando ainda documentos que alegadamente comprovam o pagamento. Alegações essas que foram juntas a 29 de Setembro de 2017, naquele incidente e juntas a este a 11 de Outubro de 2017.
Ora, dispõe o art° 651 n°1 do C.P.C. que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425° ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Por sua vez, o art° 425 do C.P.C., consigna que Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento., norma esta excepcional, semelhante à prevista no n°3 do art° 423, no que se reporta à fase junção de documentos em sede de aferição da prova em julgamento.
Sendo esta uma fase excepcional, a junção de documentos em sede de recurso, depende de alegação por parte do apresentante de uma de duas situações:
- a impossibilidade de apresentação deste documento em momento anterior ao recurso. A superveniência em causa, pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento;
- o ter o julgamento efectuado na primeira instância, introduzido na acção, um elemento adicional, não expectável, que tornou necessário esta junção, até aí inútil. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, corno questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere António Santos Abrantes Geraldes, podem (...) ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. (Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184)
Prossegue ainda este autor, em anotação ao art° 651 n°1, referindo que a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 185)[4].
Como referia ainda Antunes Varela (RLJ, Ano 115,', pág. 95 e segs.), a propósito do regime anterior à Lei 41/2013 A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1.ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1' instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
É certo que tais alegações e documentos foram juntos em data anterior à prolação da sentença, em termos informáticos, mas haverá que considerar que a data de conclusão dos autos que originou a decisão final é de 4/10/2017, pelo que inexistindo cobrança desta conclusão, o tribunal não foi alertado para a junção em causa aquando da prolação da sentença.
Porém, atendendo à natureza da acção em causa bem como a não sujeição a critérios de legalidade estrita a decisão poderia ser alterada perante as circunstâncias supervenientes,
Considerando assim, a natureza da presente ação e o facto de não estarmos perante a junção de tais documentos em sede de alegações de recurso, poderiamos considerar que se encontra plenamente justificada a consideração de tais documentos em sede de recurso, ainda que juntos a alegações que se prendiam com outro incidente. Todavia, só em termos de documentação junta e não como tendo apresentado as alegações no âmbito deste incidente nos termos do art° 41° do RGPTC. Na senda do referido pelo tribunal a quo manifestamente nestes autos o recorrente não apresentou alegações, pois constata-se que tendo sido notificado, em Março de 2017, para alegar, em 5 (cinco) dias, o que tivesse por conveniente a respeito do incidente de incumprimento deduzido, as alegações que se pretendem ter sido desconsideradas só foram remetidas a juízo pelo ora recorrente - e recebidas em juízo - mais de 6 (seis) meses após a realização de tal notificação, ou seja a 11 de Outubro de 2017. E mesmo que seja considerada a data da junção no apenso a que diziam respeito, estas também só foram juntas cinco meses após a notificação efectuada nestes autos. Pelo que falecem desde logo estes argumentos do recurso.
Acresce que face à natureza da acção, ainda que tais documentos pudessem ser considerados, seria necessário para a procedência do recurso que além de ter de se retirar de tais documentos a prova inequívoca do pagamento pelo recorrente das prestações de alimentos cujo incumprimento lhe é imputado, também seria necessário existir a aceitação da requerente quanto a esse pagamento.
Com efeito, tratando-se de questão que serviu de fundamento ao incidente interposto pela recorrida, dele foi o recorrente notificado e nada disse. Logo, a eventual prova do pagamento teria de resultar inequivocamente da documentação junta e além desta, da aceitação pela requerente da existência do pagamento.
Face ao ocorrido nos autos cai por terra a argumentação do recorrente, pois notificada a recorrida para confirmar esses pagamentos enunciados e alegadamente comprovados pelos documentos, a mesma respondeu e impugnou a documentação. Outrossim juntou extracto bancário reportado à data do incumprimento onde se conclui inexistirem tais pagamentos nos termos pretendidos pelo recorrente. Aliás depois de ter defendido que a documentação comprovaria o pagamento pelo mesmo, veio afinal em resposta impugnatória dos documentos juntos pela recorrida dizer que os pagamentos teriam sido feitos, em parte, em numerário, através de amigos do recorrente, retirando a importância dada à documentação que o mesmo juntou e concedeu primeiramente.
No âmbito dos processos tutelares cíveis, como aludimos, dúvidas não há que revestem a natureza de processos de jurisdição voluntária — cf. art° 12° da Lei n° 141/2015, de 8/9, sendo que aos mesmos lhes são aplicáveis subsidiariamente as regras do processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores, nos termos previsto no art° 33° do RGPTC, como é o caso das regras do ónus de prova (artos 342° e seguintes do C.Civil), que são recebidas no processo civil ex vi do art° 414° do CPC. E note-se que aos processos de jurisdição voluntária se aplicam, em geral, as regras próprias dos incidentes de instância, estabelecidas nos artos 292° a 295° do CPC, ex vide art° 986° n° 1 do mesmo Código, ali se prevendo, designadamente, que as partes devem oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova no requerimento do incidente e na oposição (cfr. art° 293°, n° 1, do NCPC), sem que se preveja qualquer outra intervenção subsequente das partes com o mesmo fim.
Como se refere na argumentação citada pelo Ac. RL de 1/3/2012 (Proc. n° 622/09.4TMFUN-G.L1-2, in www.dgsi.pt), a propósito de uma situação de incumprimento de prestações alimentares e da falta de prova pelo requerido da matéria por si alegada: «O requerido (...) não demonstrou, como lhe competia, um tal facto (artos 342°, n° 2, e 2013, n° 1, b), do CC). (...) O requerido não produziu uma tal prova; logo, há que decidir contra a questão de facto correspondente».
No caso dos autos, competia ao recorrente alegar e provar o pagamento como facto extintivo do direito alegado pela requerente. Porém nem alegou tal facto no momento próprio, não apresentado alegações nos termos do art° 41° do RGPTC, nem posteriormente fez prova de tais pagamentos de forma inequívoca e aceite pela recorrida.
Donde, nenhumas das conclusões do recorrente podem ser tidas em conta, pelo que a decisão é de manter na íntegra, julgando-se o recurso improcedente.
IV. DECISÃO:
Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso,
mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 11 de dezembro de 2018
Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
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