Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Cível
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 - ACRL de 11-12-2018   Tutela de personalidade. Direito à imagem. Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. Menor - maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento.
1- Apesar da deslocação para o âmbito dos processos especiais, o legislador de 2013 manteve no Processo Especial de Tutela da Personalidade algumas características típicas dos processos de jurisdição voluntária, corno sejam o poder/dever de o juiz aplicar a medida mais adequada ao caso, determinando o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito e podendo alterar a medida que aplicou provisoriamente, sem estar limitado, nos termos do art° 609° n° 1 do CPC/13, quantitativa e qualitativamente pelo pedido formulado.
2- Mais importante que reprimir, punir, indemnizar ou atenuar é crucial que o Direito faculte meios hábeis e eficazes para prevenir lesões do Direito de Personalidade. O decretarnento de providências preventivas depende da invocação de factualidade que, por verosimilhança, permita concluir pela probabilidade séria da verificação da lesão eminente: a manter-se a situação factual conhecida, ocorrerá a lesão do direito e, por isso, decidem-se medidas adequadas a preveni-la.
3- Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito de que resulte ou possa resultar ameaça ou ofensa ao direito (de personalidade) não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação.
4- Tal como sucede com o Direito à Imagem, também o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada pode sofrer limitações voluntárias pelo seu titular. No entanto, só quando não forem contrárias a Lei injuntiva, aos bons costumes, à ordem pública, nem fisica nem legalmente impossíveis é que essas limitações voluntárias dos Direitos de Personalidade são lícitas.
6- Se o menor dispuser de discernimento e maturidade suficientes que lhe possibilitem avaliar correctamente o alcance e as consequências do consentimento limitativo dos seus direitos de personalidade, deve ser ele e não o(s) representante(s) progenitor(es) a consentir nessa limitação. Nos casos em que o menor não tiver maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento, de fure condendo, deve ponderar-se a opção por uma solução em que os progenitores apresentem projecto de consentimento ao Ministério Público, que a ele se poderá opor, com possibilidade de recurso para o tribunal.
7- A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação e pedido de autorização, nos termos dos art°s 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
8- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
9- Existe conflito de interesses quando o representante legal dos interesses do menor, descurando o superior interesse do representado actua, ainda que negligentemente, priorizando interesses próprios.
10- Á luz dos art°s 3° n° 1, al. a) e 5° n° 1, al. c) da Lei 47/86, de 15/10, conjugados com o art° 23° do CPC/13 e art°s 1920°, e 1893 n° 3 do CC, pode defender-se a atribuição de poder de representação activa do menor em juízo ao Ministério Público nas situações de conflito de interesses com os progenitores.
Proc. 336/18.4T8OER.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Gilberto Jorge - Maria de Deus Correia - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
_______
Proc. 336/18.4T80ER.L1
Sumário (elaborado pelo relator)
1-Apesar da deslocação para o âmbito dos processos especiais, o legislador de 2013 manteve no Processo Especial de Tutela da Personalidade algumas características típicas dos processos de jurisdição voluntária, como sejam o poder/dever de o juiz aplicar a medida mais adequada ao caso, determinando o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito e podendo alterar a medida que aplicou provisoriamente, sem estar limitado, nos termos do art° 609° n° 1 do CPC/13, quantitativa e qualitativamente pelo pedido formulado.
2- Mais importante que reprimir, punir, indemnizar ou atenuar é crucial que o Direito faculte meios hábeis e eficazes para prevenir lesões do Direito de Personalidade. O decretarnento de providências preventivas depende da invocação de factualidade que, por verosimilhança, permita concluir pela probabilidade séria da verificação da lesão eminente: a manter-se a situação factual conhecida, ocorrerá a lesão do direito e, por isso, decidem-se medidas adequadas a preveni-la.
3-Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito de que resulte ou possa resultar ameaça ou ofensa ao direito (de personalidade) não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação.
4 - Tal como sucede com o Direito à Imagem, também o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada pode sofrer limitações voluntárias pelo seu titular. No entanto, só quando não forem contrárias a Lei injuntiva, aos bons costumes, à ordem pública, nem fisica nem legalmente impossíveis é que essas limitações voluntárias dos Direitos de Personalidade são lícitas.
5- Se o menor dispuser de discernimento e maturidade suficientes que lhe possibilitem avaliar correctamente o alcance e as consequências do consentimento limitativo dos seus direitos de personalidade, deve ser ele e não o(s) representante(s) progenitor(es) a consentir nessa limitação.
Nos casos em que o menor não tiver maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento, de fure condendo, deve ponderar-se a opção por uma solução em que os progenitores apresentem projecto de consentimento ao Ministério Público, que a ele se poderá opor, com possibilidade de recurso para o tribunal.
6- A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação e pedido de autorização, nos termos dos art°s 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
7- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
8- Existe conflito de interesses quando o representante legal dos interesses do menor, descurando o superior interesse do representado actua, ainda que negligentemente, priorizando interesses próprios.
9- Á luz dos art°s 3° n° 1, al. a) e 5° n° 1, al. c) da Lei 47/86, de 15/10, conjugados com o art° 23° do CPC/13 e art°s 1920°, e 1893 n° 3 do CC, pode defender-se a atribuição de poder de representação activa do menor em juízo ao Ministério Público nas situações de conflito de interesses com os progenitores.

Processo 336/18.4T8OER.L1 (vindo do juízo local cível de Oeiras, J 1, comarca de Lisboa Oeste)
Espécie: Apelação em Processo Especial para Tutela da Personalidade.
Apelantes: Ministério Público;
Ss —, SA;
Ww..., - Sucursal em
Portugal.
Apelados: Ministério Público;
Ss —, SA;
W..., - Sucursal em
Portugal.
Relator: Desembargador Adeodato Brotas.
1° Adjunto: Desembargador Gilberto Jorge
2° Adjunto: Desembargadora Maria de Deus Correia.

Acordam nesta 6º Secção do Tribunal da Relação de lisboa,
1-Relatório.
1-O Ministério Público, em representação dos menores:
- MB...,
- FF...,
- LF...,
- LA...,
- LA...,
- CG,
Instaurou acção especial para tutela da personalidade, contra:
- Ss, SA;
-Ww..., Sucursal em Portugal;
-PM... e de LB..., (pais de MB...);
- CF... e RF..., (pais de LF... e FF...);
-VF...,NG... (pais de CG) e ainda e TA... (pai de LA... e LA...;
Pedindo:
1°- Relativamente aos programas n°s 1 e 2, já exibidos em 14 e em 21 de Janeiro de 2018, respectivamente, deverá a Ss, sem a oposição dos demais requeridos, ser condenada a:
i - Retirar o acesso a qualquer conteúdo dos referidos programas, bem como quaisquer outras retransmissões do mesmo sendo o acesso bloqueado em todos os meios onde os conteúdos possam estar ou vir a ser colocados acessíveis (incluindo nomeadamente sítios internet, redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o youtube e afins), por forma a não ser consultado pelo público;
ii. A garantir que não há qualquer conteúdo do referido programa acessível ao público, em qualquer meio de comunicação de entidades com as quais tem relações de grupo;
iii. A fazer valer os seus direitos de propriedade junto de quaisquer entidades, também em qualquer meio de comunicação, para que o acesso a quaisquer conteúdos dos programas referidos que tenham sido colocados acessíveis sejam imediatamente bloqueados por essas entidades (vg. redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o youtube e afins).
2°- Relativamente ao programa n°3, já filmado e a exibir no próximo dia 28 de Janeiro, respeitante aos requerentes LA..., LA..., e CG, deverá a Ss, sem oposição dos demais, ser condenada:
iv- A não exibir o programa;
Ou, caso assim se entenda mais adequado:
v. A sua exibição deverá ficar expressamente condicionada à utilização de filtros de imagem e de voz que permitam, de modo inequívoco, evitar que as crianças e jovens sejam susceptíveis de serem identificados;
3°- Relativamente a cada um dos segmentos condenatórios, pede-se que, nos termos do n° 4, do art° 879°, do Código de Processo Civil, seja aplicada e fixada sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no montante de 15.000,00€ (quinze mil euros).
4°- E que, a final, a decisão provisória requerida seja convertida em definitiva e que vincule as requeridas Ss..e Ww.. a que todos os eventuais e futuros programas do mesmo formato apenas possam ser exibidos nos moldes que o Tribunal venha a determinar.
Alegou, em síntese, que a Ww... (…) a pedido da Ss, produziu e realizou uma obra de televisão com o título SNn, com formato de um reality show, que de acordo com a publicidade respectiva visa mostrar ao público como impor a disciplina e regras às crianças, com a intervenção de uma psicóloga, terapeuta ou educadora que ajuda os progenitores a estabelecerem regras e limites e a melhorarem a comunicação entre todos, com vista a criar uma dinâmica familiar mais saudável.
Para formalizar a participação no programa a Ww entregava aos pais das crianças um documento intitulado acordo de participação, que os pais se limitam a assinar e mediante o qual adquire os direitos de imagem e propriedade intelectual dos pais das crianças, que por sua vez lhos cedem, mediante o pagamento de uma contrapartida de 1.000€. Mais disponibiliza a Ww urna autorização para a utilização do direito à imagem, da qual decorre que configura uma limitação da reserva sobre a intimidade da minha vida privada, sendo que no caso das crianças e jovens, a mesma autorização é dada a assinar aos pais, enquanto seus representantes legais e nos termos e para os fins do art° 124°, do Cód. Civil, acrescentando-se que o retratado foi consultado sobre a sua participação no programa, não tendo expressado qualquer objecção, o que, porém, não ocorreu com as crianças e jovens.
No mês de Janeiro de 2018, na emissão televisiva e online, a Ss..começou a publicitar a exibição do primeiro episódio do programa, com os seguintes slogans: A SNn enfrenta o furacão M...! Uma criança que em determinados momentos, quando é contrariada, é um diabinho; uma criança sem limites; a SNn é chamada porque a P... perdeu o controlo da educação da filha.
No dia 14.1.2018 foi exibido o primeiro episódio pela Ss, incluindo programação de suporte publicitário, entre as 21h30m e as 22h45m, em que a MM..., de sete anos de idade, viu exibida a sua vida privada e íntima, desde as suas rotinas de casa de banho, onde surge vestida de pijama, depois com partes do corpo à vista, a fazer birras na hora de ir para a cama, deitada na sua cama, é vista a ser batida pela mãe, através de palmadas disciplinadoras, é exibida a chorar, vendo-se ainda a M... a agredir a mãe; nesse episódio não foi utilizado qualquer filtro para disfarçar a sua identidade, nem a da mãe, nem a da avó materna, além de ser identificada a casa onde a família mora, em Loures, foi também revelada a empresa onde a mãe trabalha; no decurso do episódio, a M... é apelidada de criança tirana, chantagista, desobediente, dependente.
No programa do dia 21 de Janeiro, referente aos menores F... e L…, e ainda no âmbito do excerto publicitário, o F... surge visualizado sem qualquer filtro, no chão, a fazer birra e depois, despido, e a tomar banho; esse episódio obteve um share de 26/prct., cerca de um milhão duzentos e cinquenta mil espectadores. Nesse episódio, o F..., de cinco anos, surge a fazer birras, descontrolado, a tentar pontapear a mãe, a gritar, a chorar, a comer, a deitar-se no seu quarto, a sofrer castigos de permanência num determinado local da habitação, de acordo com orientações da pessoa que figura no papel de SNn. A L…, que surge a discutir com a mãe, em gritaria, a insultá-la, a negar-se a fazer tarefas domésticas, a bater com as portas, e também em pijama, no seu quarto de dormir. Neste episódio, o F... é apresentado como uma criança problemática, que protagoniza birras violentas, insulta a mãe, puxando-lhe os cabelos, chegando a tentar pontapeá-la, aparecendo a tomar banho a contragosto, e aparecendo de pé, na banheira, apenas com uma toalha na cabeça; é também visto a espernear enquanto lhe é vestido o pijama, a recursar-se a comer a sopa de legumes, a arrastar-se pelo chão de uma das divisões da casa, recusando-sc a ir para o cantinho da pausa, uma das estratégias da SNn para lidar com a sua birra.
O episódio n° 3, que seria transmitido no dia 28 de Janeiro de 2018, já se encontra realizado e filmado, pronto a exibir, respeitante aos requerentes L…, T... e C..., que o avô das crianças visualizou o anúncio tendo ficado surpreendido, reportou e queixou-se à Comissão Nacional de Crianças e Jovens em risco.
Em consequência da exibição do programa n°1 foi instaurado pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Loures processo de promoção e protecção em beneficio da MM..., no âmbito do qual foi determinada a aplicação de medida de apoio junto dos pais, vindo estes a manifestar junto daquela CPCJ arrependimento face à exposição pública a que sujeitaram a sua filha, e de entre os compromissos assumidos consta a limitação quanto ao exercício das responsabilidades parentais no que se refere à cedência do direito de imagem da M....
Foram igualmente instaurados processos de promoção e protecção junto das CPCJ das áreas de residência dos demais menores.
Que o programa constitui um reality que viola o direito à imagem, reserva da vida privada e da sua intimidade dos menores.
A exibição pública de um programa desta natureza, e neste formato, evidencia receio evidente quanto à restrição desmedida dos direitos daquelas crianças e jovens, através da divulgação televisiva dos seus comportamentos e exposição em público de dimensões da vida íntima de menores de idade com consequências imprevisíveis e de enorme possibilidade nefastas a médio/longo prazo.
O programa constitui um espectáculo gratuito, sem qualquer beneficio para o desenvolvimento presente e futuro dos menores.
Que atenta a incapacidade para o exercício de direitos, serão os legais representantes dos menores que os exercem. Porém, o carácter pessoal dos direitos de personalidade suscitam dúvidas sobre a extensão do poder dos representantes decidir sobre tais vertentes. O consentimento para a limitação dos direitos de personalidade das crianças e jovens não foi validamente prestado porquanto a sua vontade não foi efectivamente auscultada, nem respeitada.
2- A pedido do Ministério Público, o tribunal proferiu a seguinte decisão provisória:
Pelo exposto e decidindo, em conformidade com o disposto no 879°, n.° 5, alínea b) do Código de Processo Civil, decide-se, provisoriamente, determinar que a Requerida Ss…, SA., na exibição do episódio do programa SNn em que participam os menores LA..., LA... e CG e que está programado ser emitido no próximo dia 28 de Janeiro, utilize filtros de imagem e de voz, quer dos menores, quer dos seus progenitores, quer de quaisquer outras pessoas que intervenham ou participem no programa e que, por vínculo familiar ou outro com os menores, permitam identificá-los.
Fixa-se em € 15.000,00, o valor da sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da providência decretada ou de incumprimento dessa providência. Nada mais se decidindo provisoriamente. (...).
3- Marcada audiência final, frustrada a conciliação, foram apresentadas contestações.
3.1- A ré Ss..contestou.
Em síntese, pugna pela falta de capacidade judiciária dos menores por irregularidade de representação do Ministério Público; pela inadmissibilidade do quarto pedido deduzido pelo Ministério Público, por respeitar a quem não é parte na acção e ser relativa a casos incertos e futuros e, se se interpretar o art° 878° do CPC como permitindo decretamento de providências relativas a situações futuras, redundaria numa interpretação contrária à Constituição, por violação dos art° 2°, 110° e 111° da CRP; defende a inexistência de uma situação de perigo para os menores; impugna os factos alegados na petição inicial. O programa é um reality doc, que visa documentar de modo o mais fiel e natural possível o quotidiano familiar dos participantes e as mudanças verificadas com as técnicas e regras propostas, contribuindo para melhorar o relacionamento entre pais e filhos.
O programa não constitui uma violação dos direitos de personalidade, porque teve por base uma autorização dos respectivos pais dos menores e, não foi posta em causa a licitudc dessa autorização; além disso, as crianças manifestaram vontade de participar no programa e, é admissível a autolimitação dos direitos à reserva de intimidade da vida privada.
Interpretar o art° 124° do CC no sentido de não caber aos pais a decisão de permitir que os filhos participem num programa de televisão com intuitos pedagógicos, violaria o art° 36° n° 5 da CRP.
Do mesmo modo, interpretar as normas dos art°s 70°, 79° e 80° do CC no sentido de impedir uma estação televisiva de transmitir imagens de menores após autorização expressa dos pais seria materialmente inconstitucional, por violação dos ai-Cs 37° nos 1 e 2 e 38° n° 1 do CRP.
3.2- A ré Ww.. contestou.
Em síntese, sustenta a existência de consentimento para a captação e utilização da
imagem e voz e da sua utilização no programa;
Defende a ausência de natureza humilhante dos comportamentos retratados;
A ausência de indução ao bullying;
A ilegitimidade de intervenção das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens;
A legalidade do consentimento dos Pais orientada pelo superior interesse da criança;
A ausência de crianças em risco;
A impossibilidade do último pedido;
A ilegitimidade da Ww... perante os pedidos.
3.3- Os réus VF... e NG..., contestaram.
Em síntese, declararam não se opor ao pedido do Ministério Público.
Comunicaram à Ss..e à Ww.. que revogavam o consentimento que anteriormente haviam
dado.
3.4- O réu LB... apresentou contestação.
Em síntese, diz que acreditou na palavra da mãe da menor M... de que se tratava apenas de um programa com teor educacional e por isso, assinou a declaração de consentimento de participação da filha no programa, sem ter tido acesso ao real conteúdo do programa.
Ao assistir aos spots do episódio ficou chocado não revendo a sua filha naqueles actos, tendo tentado, por todos os meios, impedir a transmissão do episódio respeitante à sua filha por não concordar com o teor do mesmo; deslocou-se às instalações da Ss..a fim de evitar a transmissão do programa ou, caso assim não fosse possível, visualizar as imagens do programa antes da estreia, nessa altura foi informado que, além de não poder visualizar as imagens da sua própria filha antes da estreia, nada poderia fazer para impedir a transmissão do programa na data prevista, a saber, dia 14 de Janeiro de 2018. Como consequência da exibição do programa, a CPCJ instaurou também contra o requerido, um processo de promoção e protecção em beneficio da menor M..., tendo-lhe sido determinada a aplicação de medidas de apoio.
4-Foi realizada audiência final em várias sessões.
Foram interpostos diversos recursos que subiram em separado sobre recusa e admissão de meios de prova.
5- Foi proferida sentença, com a seguinte decisão:
1-Julga-se improcedente, porque manifestamente inviável, o quarto pedido deduzido pelo Ministério Público, dele absolvendo, as requeridas,.
2- Altera-se a decisão provisória, quanto ao episódio n° 3, concluindo pela ausência de ameaça ilícita à personalidade dos menores no mesmo retratados, revogando, em consequência, a sua proibição de exibição ou condicionada a colocação de filtros,.
3- Julgam-se procedentes os pedidos quanto aos episódios n°s 1 e 2, e, em consequência, condenam-se as requeridas Ss..e Ww..., a uma de duas medidas:
a)Retirar o acesso a qualquer conteúdo dos referidos programas n°s 1 e 2, bem como quaisquer outras retransmissões do mesmo sendo o acesso bloqueado em todos os meios onde os conteúdos possam estar ou vir a ser colocados acessíveis (incluindo nomeadamente sítios internet, redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o youtube e afins), por forma a não ser consultado pelo público;
h) Garantir que não há qualquer conteúdo do referido programa acessível ao público, em qualquer meio de comunicação de entidades com as quais tem relações de grupo,.
c) A fazer valer os seus direitos de propriedade junto de quaisquer entidades, também em qualquer meio de comunicação, para que o acesso a quaisquer conteúdos dos programas referidos que tenham sido colocados acessíveis sejam imediatamente bloqueados por essas entidades (v.g. redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o youtube e afins), ou,
d) A retirada dos teasers/promos, com o conteúdo que actualmente apresentam, em quaisquer sites onde se possam encontrar disponíveis para acesso e, ainda,
e) A colocação de filtros de imagem e de voz — nas crianças e familiar e que com as mesmas interagem nos episódios 1 e 2,
4- Ainda, nos termos do n° 4, do art° 879°, do Código de Processo Civil, mantém-se a decisão provisória quanto ao arbitramento de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento do decidido, no montante de 15.000,00e (quinze mil euros).
6-Inconformados com esta sentença dela recorreram:
- O Ministério Público;
- A Ss.
-A Ww.

6.1- O Ministério Público, no seu recurso, invoca nulidades da sentença, impugna parcialmente a decisão sobre a matéria de facto e pede a revogação (parcial) da sentença, substituída por outra em que condene a Ss..e a Ww nos termos peticionados para os episódios futuros e reconheça a ameaça aos direitos de personalidade das crianças retratadas no 3° episódio e mantenha a decisão provisória, convertendo-a em definitiva.
Apresentou as seguintes Conclusões:
A- O presente recurso dirige-se a dois concretos segmentos da sentença, que por reporte ao dispositivo final, se reconduz à improcedência do quarto pedido formulado pelos Autores e, do mesmo modo, quanto à alteração da decisão provisória concluindo pela inexistência de ameaça ilícita à personalidade dos menores a que respeita o conteúdo do episódio n.° 3 da SNn;
B - Invoca-se ainda a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, conforme estabelecido nas alíneas b) e d), do n.° 1, do artigo 615.°, do Código de Processo Civil, porquanto se entende que o Tribunal não se pronunciou na Decisão sobre a Matéria de Facto quanto:
(i) Ao conteúdo do teaser promocional do 3.° episódio, tendo-o feito quanto aos dois primeiros episódios;
(ii) A determinados aspetos da descrição do conteúdo desse mesmo 3° episódio (facto n.° 34);
(iii) Ao facto alegado na Petição Inicial sobre o artigo XXXIII, claramente demonstrado face ao depoimento da testemunha MRF... e documento junto aos autos;
C - Impugna-se, ainda, a matéria de facto dada como assente relativamente ao facto constante do n° 63, da Decisão da Matéria de Facto, por se considerar que o mesmo é conclusivo e, além disso, não está adequadamente julgado, o mesmo sucedendo, na decorrência lógica do supra afirmado quanto às omissões, quanto à necessidade de ser aditado ao facto n.° 65, a referência ao episódio n.° 3; Concluindo a cada uma das temáticas elencadas,
D - Apesar de constar dos autos como documento/ficheiro, AVI, com o título SNn... 001, o conteúdo do teaser promocional do episódio n.° 3 não foi levado à Matéria de Facto Provada da sentença, omitindo-se, por completo, a sua existência e conteúdo, ao contrário do que sucedeu quanto aos teasers dos episódios n.°s 1 e 2, devidamente narrados nos factos n.°s 26, 27, 30 e 31;
E - Essa publicidade promocional, suscetível de ser visualizada naquele ficheiro, no período entre os 00m05s até aos 00m50s, deveria ter permitido que o Tribunal, à semelhança daquilo que deu como provado para os episódios n.°s 1 e 2, tivesse como assente, por provado, que:
Na publicidade que foi exibida para a emissão do episódio n.° 3, ouve-se voz em off a dizer: a desobediência, a teimosia e a discórdia instalaram o caos nesta casa, Para contrariar a situação há muita conversa e um esforço diário dos pais, Mas os resultados são poucos, O «Não» está na ordem do dia e é quase sempre motivo de stress, Poderá a SNn devolver a esta família a paz e a harmonia há muito procuradas, reportando-se aos menores L… e LA.... No teaser do episódio n.° 3, no mesmo além de exibidas birras e as agressões entre o T... e do L…, também se visualizam apelos da mãe para resolver os conflitos e as discussões em ordem a restabelecer a harmonia familiar.
F - O facto n.° 34 está deficientemente narrado e contém omissões graves quanto à caracterização do conteúdo do 3.° episódio, deficiências e omissões que não se verificam nos factos n.°s 32 e 33, relativamente à caracterização dos dois primeiros episódios;
G - E essas deficiências e omissões acentuam-se, na sua essência, naquilo que são os momentos de tensão, discussão, conflito e de discurso em viva voz quanto às caracterizações comportamentais e emocionais que são realizadas aos Autores T... e L…
H - Entende-se, por referência à visualização do ficheiro já assinalado, que a séria e adequada caracterização do episódio n.° 3 determinará com que sejam aditados ao facto n.° 34 da sentença, as seguintes considerações factuais:
i. Logo de início, vimos os irmãos T... e L… a discutir e agredirem-se através de empurrões e arremessar de um sapato, e um a apelidar o outro de batoteiro, tudo se desenrolando no espaço do interior da residência e, numa situação isolada, na praia [entre os 02m39s até aos 02m49s];
ii. Ainda na caracterização dos Autores T... e L…, pela mãe e pelo padrasto, ou seja dando continuidade ao enunciar dos problemas que motivam a intervenção da SNn, os Autores são assim caracterizados quanto à sua personalidade, com imagens que colocam as crianças em casa (com um grande plano do quarto de dormir do T... ), na rua, com imagens da sua face perfeitamente reconhecíveis, a chorar, irritados a discutir com a mãe e o padrasto:
Está sempre a querer dar-nos a volta, O L… joga um bocadinho, É muito jogador, referindo-se ao L…;
Referindo-se, depois, sempre ao T... : a pessoa mais difícil de contentar é sempre o T... , é uma criança muito impulsiva, mesmo, ele pura e simplesmente reage, ele não pensa, à mínima coisa ele explode, isto cria um mau ambiente geral, é dificil entender a cabeça do T... , ele nunca está satisfeito, nunca está contente, depois também tem momentos em que está super meigo, Chegamos a um ponto em que não sabemos o que havemos de fazer, sentimo-nos um bocado frustrados Perdemos imenso tempo e energia, é desgastante,
Pesa, às tantas começa a cansar, é complicado... é assim, culminando com um apelo dirigido Como vê, SNn, precisamos mesmos de si [entre 03m05 até aos 05m17s];
iii. Na entrada da personagem SNn, a voz off refere que a mesma chega na hora certa a esta família para ajudar a dominar os maus comportamentos [05m40s]
iv. Já no espaço exterior, no skate parque, quando se diz, na sentença, (facto 34) que a mãe e a SNn vão falando sobre o T... , omite-se que a mãe caracteriza o seu filho como o T... está sempre insatisfeito, parece que nada
o satisfaz, nunca está contente com nada [07m12s];
v. [Aos 08m30s], depois de ser visualizar o T... a sair do skate em andamento, a mãe dirige-se ao T... e confronta-o com a sua incapacidade Porque é que não aprende a andar melhor de skate... gerando-se a partir daí mais uma discussão, desta vez em espaço público, e onde o padrasto conclui que
o T... não quer de modo algum experimentar uma atividade que ele não controla minimamente [09m28s];
vi. Todo o momento de discussão é visualizado pela SNn e culmina com a seguinte avaliação Há demasiada discussão, os pais falam com os filhos, os filhos discutem entre si, portanto ninguém se entende nesta família, claramente[10m16s até 10m25];
vii. [Aos 10m51s], o padrasto N..., desabafa com a câmara televisiva às vezes é desgastante, é complicado para nós termos soluções para os pequenos problema;
viii. [Aos 12m53m], já de regresso a casa, o narrador/voz off, remata: as refeições são um dos momentos mais tensos desta família e, as discussões, o prato do dia;
ix. Como se diz na sentença (sempre no facto 34), o T... , irritado, vai resmungando, essa sua caracterização deverá conter com a constante discussão que vai mantendo com a mãe e o padrasto, onde reclama, exige dê-me os talheres, mãe!, e diz que só o irritam, vocês estão sempre a irritar-me, e a mãe confessa estar como ele me afeta é isso, ele põe-me triste, ele sabe que me põe triste [início aos 13m0Os e fim aos 13m47s];
x. [Aos 13m58s], a SNn produz nova avaliação sobre os comportamentos do T... assinalando que o mesmo passa muito a ideia que o irmão L… é um privilegiado, e que os pais motivam a rivalidade entre os irmãos;
xi. [Aos 14m12s], quando na sentença se diz que os irmãos vão lavar as mãos para o almoço e irritam-se um com o outro, e o T... dá um pequeno pontapé no pé e na perna do irmão, deverá também constar (...) que, na casa de banho,
o L… empurrou o irmão motivando com o que o mesmo se sentasse na sanita, e momentos antes de lhe dar um pequeno pontapé, o T... , em gritaria, apelidou o irmão de estúpido;
xii. Na avaliação que é produzida pela SNn, a mãe interroga-se por que motivo dando o mesmo tempo de atenção a qualquer um os filhos, porque é que
o T... lhe está a dar mais problemas... [17m39s];
xiii. [aos 17m47s] após se visualizar o T... a não conseguir realizar com adequação uma tarefa desportiva — jogar com o taco de snooker — a personagem SNn, afirma é notório que o T... não lida bem com a frustração, o erro para ele é muito difícil de enfrentar... portanto, ele quer ser logo bem-sucedido à primeira..., ele acha logo que tem que fazer logo à primeira e não fazendo à primeira, desiste, ele está a interiorizar aquele papel, que eu sou o mau da fita [entre os 18m14s até aos 18m46s];
xiv. De seguida, a mãe fica surpreendida em considerar que o T... terá baixa auto estima e afirma que o T... sempre foi uma criança que se considerava o maior, o mais forte;
xv. E o caminho a percorrer, diz a SNn não será acentuar as coisas más que o T... tem, mas antes as coisas boas, muito mais nas coisas boas, do que propriamente no seu lado negativo [19m1 1 s a 19m16s];
xvi. Numa cena filmada no exterior, mais uma vez em discussão entre o T... e
o padrasto, a criança, irritada, apelida por duas vezes que o o tio é um chato, você é um chato [19m39s];
xvii. [Aos 31m23s], quando se pretende referenciar o impacto das medidas sugeridas pela SNn, visualiza-se o T... , no interior do seu quarto,
junto à porta, a discutir com a mãe, e, irritado, grita-lhe: eu não quero ir jogar jogos,... eu, de si, não quero nada mãe, fogo!;
xviii. [A partir dos 38m56s], o T... é apelidado pela mãe de mal educado. Nesse período da imposição do castigo, a discussão entre o T... e a mãe sob de tom, inclusive com a criança a gritar, dirigindo-se à mãe disse-lhe: não quero oito minutos, não quero nada mãe, fogo!; após, o T... é visualizado, por seis vezes, sentado, no denominado banco da pausa;
xix. [Aos 42m45s], quando a SNn regressa, vêem-se os rapazes com a família no espaço de lazer da casa, no entanto, também é visualizado o T... sentado no chão do seu quarto a manusear uma peça de roupa, e disso nenhuma menção se faz;
xx. [Aos 43m46s], quando a decidem fazer uma atividade que o T... escolhe ser a de pescar no rio, o L… manifesta o seu desagrado, dizendo não é uma boa ideia (e na sentença no facto n.° 34, o Tribunal afirma que, indo à pesca, porque todos gostavam), e o padrasto acaba por se dirigir ao L… através de um diminutivo L…, aspeto nunca antes revelado no episódio e que se repete até ao fim do episódio.
I - O facto narrado na Petição Inicial no artigo XXXIII deverá ser dado como provado face ao conteúdo da prova testemunhal e documental produzida, a saber:
i. MRF... no seu depoimento prestado na sessão da audiência dc julgamento de 20/02/2018, assim testemunhou conforme descrição do depoimento que já se deixou supra transcrito (cf. artigo 48);
ii. Documento/email remetido pelo avô paterno dos Autores T... e L…, à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção Das Crianças e Jovens, datado de 15/01/2018, admitido por decisão judicial constante da ata de audiência de julgamento de 6/03/2018, com a referência 112103789;
J - Impõe-se, pois, a devida prova dos factos e o seu aditamento à matéria de facto dada como provada na sentença, nos seguintes termos:
Não obstante, no período em que estiveram disponíveis ao público, o avô paterno das crianças visualizou o anúncio publicitário e tendo ficado surpreendido com a notícia, horrorizado com as imagens do seu neto mais velho, o Autor T... , de imediato, reportou e queixou-se à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, através de email remetido em 15 de janeiro de 2018, com o teor que segue: Assunto: Programa televisão SNn, Caros Srs., venho apelar há vossa ajuda para saber o que posso fazer para não permitir a emissão do mesmo.
Sou avô de duas das crianças visadas no programa, sucede que os pais estão separados, a mãe usou uma premissa falsa para o meu filho assinar a autorização (eu não o isento de responsabilidades, pois tinha a obrigação de se informar sobre o programa em causa), ela disse tratar-se de um programa familiar, que iria ser emitido em Agosto do corrente ano, aos domingos à tarde.
Tomei conhecimento do programa, e da inclusão dos meus Netos num spot de publicidade sobre o programa, fiquei horrorizado, o meu neto mais velho é retratado de uma forma que eu nunca vi, ele passa fins-de-semana com o pai, eu estou várias vezes com ele, e nunca assisti a cenas daquelas, é uma criança com oito anos, anda na escola, tem colegas, por certo este triste espetáculo irá reflectir -se na sua vida.
A mãe é uma pessoa ávida de protagonismo, que o tenha, mas não através dos filhos, e muito menos desta forma.
Outra das hipóteses que coloco é o dito programa ser remunerado, situação que não me admiraria nada que a mesma aproveita-se.
Pressionei o meu filho a intervir, diz-me que falou com uma advogada e que a mesma o informou que em virtude de ter assinado a autorização nada se pode fazer.
Eu não intervenho de outra forma porque me encontro numa situação de insolvência da empresa que possuía, e pessoal, estou sem rendimentos á quase um ano, aguardo a reforma, infelizmente, se não iria até onde a lei me permitisse. Agradeço desde já a atenção que possam dedicar a este assunto.
Bem hajam.
CA...
K - A essencialidade deste facto e a sua inclusão nos dados como assentes, por provados, evidencia-se como fundamental para o objeto da ação, porquanto para quem conhece a criança retratada no teaser promocional, a deixou de reconhecer, indignando-se, inclusive, com o que era exibido, sendo esse desalento prova evidente e segura de que os direitos de personalidade da criança foram alvo de devassa;
L - O facto narrado na sentença sob o n.° 63, As famílias ficaram satisfeitas com o resultado obtido, além de conter em si mesmo uma conclusão, mostra-se erradamente narrado e em contradição com os factos dados como assentes nos n.°s 79.° e 80.°, e ainda a posição do avô paterno dos Autores T... e L…, ou seja, demonstrado está que as famílias, na sua globalidade, não ficaram satisfeitas com o resultado obtido, e quando muito, aceita-se, dever-se-á concretizar quem são os elementos das famílias que ficaram satisfeitos com os resultados obtidos, excluindo quem assim não ficou;
M - Em sede de impugnação da matéria de facto, na procedência daquilo que constituem as impugnações supra quanto às omissões factuais verificadas quanto à descrição do episódio n.° 3, e da manutenção da decisão provisória tal qual se pretende alterar, também o facto n.° 65 da Matéria de Facto Provada, deverá ser alterado nos seguintes termos: A exposição em público de dimensões da vida íntima dos menores retratados nos episódios 1, 2 e 3 apresenta razoáveis riscos, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade, a médio e longo prazo.
N. A adequada análise do conteúdo do episódio n.° 3 implica a alteração da matéria de facto dada como assente, quer com o aditamento dos factos relacionados com o conteúdo do teaser promocional, quer ainda com a descrição pormenorizada do respectivo episódio, nos termos já assinalados;
O. E implicará, necessariamente, que análise do respectivo conteúdo mantenha a proibição constante da decisão provisória proferida nestes autos, isto é, que efetivamente o seu conteúdo também constitui ameaça significativa aos direitos de personalidade das crianças T... e L…
P. A decisão de revogação da decisão provisória não soube compreender que as diferenças de produção e conteúdo que o episódio n.° 3 apresenta relativamente aos episódios n.°s 1 e 2, não podem, de modo algum, deixar de compreender que os seus conteúdos também constituem uma ameaça significativa e, por isso, violadora dos direitos de personalidade do T... e do L…, porquanto é a sua imagem e intimidade privada que foram expostas de modo ilícito;
Q. Não se assume corno decisiva, a circunstância de existirem mais filmagens no exterior, porquanto isso não significa que não se atinja de igual modo a intimidade e a privacidade destas crianças; nos espaços exteriores também se filmaram momentos de tensão e de discussão com a divulgação das imagens e dos aspetos da privacidade destas crianças: recorde-se, os empurrões na praia, o apelidar de estúpido e batoteiro ao irmão na praia, de chato ao tio, de existirem birras e choros no skate parque e no restaurante, etc.
R. E, inclusive, com avaliações negativas às crianças, ao reconhecer-se que Porque é que não aprende a andar melhor de skate... gerando-se a partir daí mais uma discussão, desta vez em espaço público, e onde o se conclui que o T... não quer de modo algum experimentar uma atividade que ele não controla minimamente...
S. Não existe diferença em se expor as incapacidades duma criança, mesmo que seja para a prática de uma modalidade desportiva, no exterior, ou no interior da habitação onde vive?
— Para o telespetador, ávido de espetáculo de vidas alheias, é completamente indiferente! Já para as crianças não existe diferença porquanto a sua integridade moral fica irremediavelmente violada!
T. Mais de dois terços do programa se materializam em imagens no interior da residência; E neste particular aspeto, na dialética erigida pelo Tribunal quanto à prevalência dos espaços comuns, face a apenas a uma imagem no quarto do T... , isso claramente não corresponde à verdade, porquanto, quer no teaser promocional, quer no episódio, são, no mínimo, visualizadas seis/sete vezes, o quarto do T... , onde se vê a sua cama (em formato de viatura automóvel), a mobília do quarto, sentado numa almofada no chão, sentado na cama, a secar o cabelo em duas ocasiões, e sentado no chão a manusear uma peça de roupa e ainda a discutir com a mãe e o irmão na porta de entrada no quarto;
U. Não é pela contabilização do número de vezes que a criança é retratada em espaços íntimos ou públicos que resulta o reconhecimento que há ou não intromissão significativa na privacidade de uma criança;
V. O cuidado nas filmagens que também é identificado pelo Tribunal como determinante para a ausência de ameaça aos direitos de personalidade destas crianças não evita a sua exposição porquanto na cena do WC, onde o T... pontapeia o irmão, também o apelida de estúpido, e nas escadas de acesso ao 1 andar, também existe um outro episódio de agressão. Já para não falar que, quando sentado no banco da pausa, o T... é visualizado várias vezes, ainda que sempre sobre o mesmo ângulo, e, ainda que sendo de lado, permite-se perceber quem é a criança que ali está a ser alvo de punição. E também quando é levado para o banco da pausa, o T... é agarrado pela mãe, através do seu braço...
W. No essencial, o Tribunal a quo efetuou errada interpretação sobre o que consubstancia uma violação significativa dos direitos de personalidade de crianças, na medida em que, neste tipo de exposição pública, não tem que ser mais ou menos intensa para que exista, basta, isso sim, que se verifique;
X. Ao decidir do modo como decidiu relativamente ao conteúdo do 3.° episódio, o Tribunal foi indevidamente influenciado pelo facto da família do 3.° episódio pertencer, alegadamente, a um extrato social diferente das dos dois primeiros episódios, ou de ter um tratamento diferente para com os filhos (por exemplo, no trato por você), ou que estes tenham reacções mais ou menos contidas perante os pais.
Y. Mas o que é essencial é que se mantêm as crianças expostas na sua intimidade e privacidade, em momentos de tensão, em que revelam as suas fragilidades, vulnerabilidades e incapacidades próprias de serem crianças!
Z. Porém, mesmo na medida da intensidade e na comparação inevitável com os episódios n.°s 1 e 2, haverá que ser rigoroso e objetivo na análise, o que, o Tribunal a quo não fez. Isto porque justamente a fundamentação que é utilizada para reconhecer a verificação de ameaça para os dois primeiros episódios é completamente transponível para análise não efetuada quanto ao 3.° episódio, em concreto, quanto ao conteúdo do teaser promocional.
AA. Na publicidade que foi exibida para a emissão do episódio n.° 3, a ideia, a afirmação do caos, a adjetivação negativa, também lá está, tal como está nos dois primeiros episódios. O mesmo sucedendo com afirmação da responsabilização das crianças pela desarmonia familiar;
BB. Impõe-se reconhecer, e o Tribunal não o fez, que o comportamento do T... e do L… foram enfatizados, perante a associação de imagens dos seus comportamentos com frases e adjetivos apelativos, que captam e prendem a atenção do espectador. Existe aqui uma clara violação do direito de personalidade, sobretudo da imagem do T... , porquanto a imagem captada a mesma está associada a adjetivações objetivamente em sim mesma, negativas, como é claro exemplo, a desobediência, a teimosia, a discórdia, a a falta de paz e harmonia e o stress;
CC. Esta era a conclusão que se exigia, caso o Tribunal tivesse dado como assente o conteúdo fáctico do teaser promocional, e com isso, habilitado a alcançar um olhar diferente para o reconhecimento que, desde o início, ainda que com intensidade distinta da dos dois primeiros episódios, também o 3.° episódio ofende os direitos de personalidade das crianças nele retratadas, e, em especial, do Autor T... ;
DD. Não fosse a omissão quanto ao conteúdo descritivo do 3.° episódio, então o Tribunal teria compreendido, que num ápice, em alguns minutos de televisão, estas duas crianças são caracterizadas na sua intimidade, na sua privacidade, no desenvolvimento da sua personalidade, como jogadoras, manipuladoras, dificil, impulsiva, reativa, que não pensa, explosiva, incompreensível, insatisfeito, supermeigo...
EE. Além de, de acordo com o que é transmitido e dito, serem responsáveis, à avaliação dos adultos que com eles convivem, de lhes causar frustração, de os desgastar, de lhes retirar energia, de lhes complicar a vida...
FF. Isto é o que basta para se afirmar a verificação de adjetivações negativas para crianças de 6 e 8 anos e que a exposição pública deste tipo de caracterização comportamental comporta evidentes riscos ou constitui efetiva e significativa ameaça para o seu normal e adequado desenvolvimento;
GG. E não é a circunstância de existir uma diferente captação quanto ao ângulo das imagens, de serem mais captadas no exterior ou em espaços comuns da casa onde habitam, da energia, da violência ou da intensidade serem distintas face aos episódios anteriores, que retira a este desenvolvimento de conteúdo comunicacional, a natureza ilícita quanto à agressão à intimidade e privacidade que estas crianças têm direito;
HH. A circunstância dos autos de processo de promoção e proteção terem sido arquivados, sem aplicação de medida, ficou a dever-se à suspensão da emissão do programa por parte da Requerida Ss..que motivou, justamente, a inexistência de perigo para a privacidade das crianças e com isso pudessem prosseguir o seu normal e livre desenvolvimento.
II. O Tribunal fez uso de diferente bitola para o mesmo tipo de factos e argumentação, sendo manifestamente contraditório nos seus termos na verdade, sobre a mesma temática, aquando da avaliação dos episódios n.°s 1 e 2, o Tribunal afirma desvalorizar esta temática, não o tendo feito para a análise do 3.° episódio;
JJ. Não pode o perigo na acepção da Lei de Promoção e Proteção ser desvalorizado nos episódios em que se consideram existir claras violações dos direitos de personalidade e, naquele em que se avalia de forma contrária, afirmar-se que o perigo naquela dimensão já assume relevância;
K.K. O episódio n.° 3, tal qual o formato em que o programa SNn se prefigura, também é claramente atentatório dos direitos de personalidade das crianças visualizadas, e com particular destaque para o caso do jovem T... , não assumindo relevância a maior ou menor intensidade da violação dos direitos de personalidade para efeitos de integração do estabelecido nos artigos 70.°, n.° 1, do Código Civil e 878.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, os quais, na interpretação conferida pelo Tribunal a quo foram manifestamente postergados;
LL. Para a verificação da ameaça aos direitos de personalidade conforme a melhor interpretação a conferir aos n.°s 1 dos artigos 70.° do Código Civil e 878.°, do Código de Processo Civil, bastará que ela se verifique seja qual for a intensidade com que é praticada;
MM. O mesmo sucedendo com a melhor interpretação a conferir à cláusula geral de tutela da personalidade humana, no sentido de potenciar o seu livre desenvolvimento, em constante mutação, conforme o disposto no artigo 70.°, do Código Civil, que determina que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral;
NN. O direito à imagem é expressamente protegido pelo legislador civil no artigo 79.° do Código Civil enquanto um direito a controlar a captação e a divulgação do seu retrato, abrangendo e aqui qualquer aspeto físico que permita identificar a pessoa retratada. Ou seja, a simples captação da imagem não licitamente autorizada, constitui já uma violação do direito, correspondendo à ideia mítica de que a alma é de algum modo aprisionada pela câmara, sem embargo de a forma de agressão mais grave do direito ser constituída pela divulgação não consentida da imagem, potenciada, desde logo, pela sua captação ilícita;
00. Ao que ainda acrescerá a tutela do direito à reserva da vida privada, onde se integra a projeção vital do direito à inviolabilidade pessoal. Prefigurando-se, na sua essência, um direito sobre informações relativas à pessoa, informações que dizem respeito à sua esfera privada, pessoal e à sua esfera de segredo. Sendo-lhe garantido ao respetivo titular o direito a controlar a divulgação das informações que lhe dizem respeito;
PP. Ao decidir do modo como o fez, a sentença violou o disposto nos artigos 70.°, n.° 1 e 79.°, do Código Civil e do mesmo modo o artigo 878.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, porquanto a sua adequada interpretação, teria permitido concluir que toda e qualquer significativa ameaça ou violação ilícita e direta à personalidade fisica e moral de ser humano, se materializou com a dimensão e o conteúdo do 3.° episódio e que essa ameaça não está dependente do grau de intensidade e do grau de violência do modo como os direitos de personalidade são ameaçados ou atingidos, bastando-se a sua concreta verificação;
QQ. O Tribunal a quo, tal como aliás lhe é legalmente permitido nos termos dos n.°s 4 e 5, do artigo 879.°, do Código de Processo Civil, estava habilitado a determinar o comportamento concreto a que as requeridas Ss..e Ww ficariam sujeitas, conforme fosse mais conveniente às circunstâncias do caso;
RR. Nesta ação, o que efetivamente se discute é a proteção de Crianças e Jovens, menores de idade, que no âmbito do formato do programa televisivo denominado SNn, possam ser alvo de ameaças ilícitas aos seus direitos de personalidade;
SS. O que permitiria concluir, fora dos quadros tradicionais da legitimidade ativa e passiva nas ações declarativas, e fundamentalmente estando no domínio de uma ação especial de tutela da personalidade de seres humanos, aceitar como válido que o comportamento adequado e concreto a adotar para futuros programas da SNn por parte da Ss..e Ww respeitassem os direitos de personalidade das crianças e jovens, menores de idade, que vissem a sua imagem e privacidade colocadas em perigo de ameaça ilícita;
TT. Seria, assim, nessa medida, perfeita e devidamente concretizável e viável, que o Tribunal, fazendo uso da possibilidade de não estar amarrado ao princípio do pedido, poderia e deveria ter decidido;
UU. Crianças e jovens de menor idade a quem o Ministério Público deve sempre representação perante quaisquer perigos face aos seus interesses e direitos, na acepção estabelecida no artigo 23.°, n.° 1, do Código de Processo Civil e pelo ordenamento jurídico no seu todo quanto à proteção dos direitos fundamentais das Crianças e do seu Superior Interesse;
VV. Ao decidir do modo como fez, e apesar de ter definido o que considera como ameaça ilícita aos direitos de personalidade das crianças e jovens envolvidos no fonnato do programa SNn, o Tribunal obriga a que cada programa futuro, caso volte a ser emitido, se tenha que intentar uma concreta ação especial de tutela da personalidade, relegando assim, em nosso entendimento, a adequada e correta interpretação a conferir ao n.° 1 do artigo 878.° e n.°s 4 e 5 do artigo 879.°. ambos do Código de Processo Civil; WW. No domínio da configuração da legitimidade processual ativa e passiva, a acção especial estabelecida nos artigos 878.° e seguintes do Código de Processo Civil, após a reforma operada em 2013, veio conformar a possibilidade de algumas providências preventivas possam ser instauradas contra quem não é efetivamente o autor da lesão ou da ameaça de lesão, mas antes contra quem também tem interesse em ser demandado; XX. Pelo que, em determinadas situações, perfeitamente enquadráveis e identificáveis, é lícito ao Tribunal, mesmo não se mostrando identificado o concreto ser humano alvo de ameaça, determinar comportamentos adequados a evitar a prática de novos factos ilícitos idênticos e de similar conteúdo;
YY. Tal como aliás, o fez, dentro das suas atribuições, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social a respeito do formato SNn, e que, por decisão recentemente proferida, vinculou a Ss..nos exatos termos supra constantes (artigo 120);
ZZ. Era algo de idêntico teor e qualidade que, em nome do princípio da oportunidade e conveniência admitidos pela lei processual, se esperava do Tribunal a quo quando se deduziu o assinalado quarto pedido, possível e viável, no âmbito desta ação especial da tutela da personalidade de crianças e jovens participantes no programa de televisão denominado SNn.

6.2- A Ss..no seu recurso, pede: a declaração de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia; se reconheça a incapacidade judiciária dos requerentes ou a ilegitimidade do Ministério Público para instaurar esta acção e, a revogação da sentença, substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente improcedente.
Apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
1— Da Nulidade por excesso de pronúncia.
§1. Entendeu o Tribunal a quo, sem razão, que o Ministério Público terá deduzido um pedido implícito para que a validade dos consentimentos prestados pelos detentores das responsabilidades parentais dos menores M... B..., F..., LF..., T... , L… e CG... fosse apreciada.
§2. Os consentimentos foram prestados pelos Requeridos PM..., LB..., CF..., RF..., VF..., N... G... e TA..., pelo que o pedido para apreciação da validade desses consentimentos teria que ser dirigido a esses Requeridos, o que não foi o caso.
§3. Acresce que, nenhum pedido principal foi deduzido contra nenhum dos Requeridos em causa, pelo que jamais se poderia falar na existência de um pedido implícito contra os mesmos.
§4. A admissibilidade de pedidos implícitos será sempre excepcional, em virtude da limitação que é feita aos poderes de cognição dos tribunais, de tal forma que apenas podem ser conhecidos pedidos expressamente feitos pelo Autor (cf. artigo 609.°, n.° 1, do CPC), decorrendo tal limitação dos princípios do dispositivo e do pedido (cf. artigos 3.° e 5.° do CPC).
§5. O pedido implícito terá que ser um pedido intrinsecamente relacionado com um pedido (expresso), de tal forma que se contém nesse outro pedido ou que é desse pedido pressuposto, o que não é o caso dos presentes autos.
§6. Não se poderá retirar de um pedido expresso feito contra determinado requerido, um pedido implícito que é dirigido a um outro requerido, em relação ao qual nenhum pedido expresso foi movido.
§7. Para que o pedido implícito supostamente realizado fosse admissível, (i) o Ministério Público teria que ter dirigido aos Requeridos PM..., LB..., CF..., RF..., VF..., N... G... e TA... algum dos pedidos expressamente indicados na sua Petição Inicial, e (ii) teria que ser possível concluir que o pedido implícito estava, por natureza, contido nesse outro pedido ou era pressuposto necessário do mesmo.
§8. Uma vez que nenhum destes requisitos se verifica, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea d), do CPC, o que se invoca para todos os efeitos legais.
FALTA DE CAPACIDADE JUDICIÁRIA DOS REQUERENTES POR IRREGULARIDADE DA REPRESENTAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INSTAURAR A ACÇÃO
§9. Os Requerentes são menores e não estão representados em juízo pelos seus representantes legais, pelo que não se encontra devidamente suprida a sua incapacidade.
§10. Os artigos 23.°, n.° 1, do CPC, e 1.°, 3.°, n.° 1, alínea a ), e 5.°, n.° 1, alínea c ), do Estatuto do Ministério Público não constituem suficiente fundamento legal de legitimidade do Ministério Público para representar os Requerentes em juízo, na medida em que são normas de carácter geral que necessitam de ser complementadas com um poder específico atribuído por lei.
§11. A aparente circunstância de estarmos perante interesses conflituantes (dos menores com os seus pais) não constitui fundamento de legitimidade do Ministério Público para a representação dos menores, à uma, porque esse critério não resulta de lei, jurisprudência ou doutrina e, à outra, porque, em última análise, admiti-lo poderia legitimar o Ministério Público a instaurar qualquer acção em nome de um menor quando este esteja em desacordo com os seus pais, solução que viola o princípio do Estado de Direito.
§12. No presente caso, atendendo à decisão da matéria de facto (cf. factos provados 47, 48, 62 e 63), não existe conflito de interesses entre pais e filhos, pelo que nunca se poderá aplicar esse suposto critério.
§13. A jurisprudência invocada pelo Tribunal recorrido para legitimar a actuação do Ministério Público não tem aplicação in casu, porque se refere a situação manifestamente diversa e no âmbito do processo penal. §14. O artigo 2.°, n.° 2, do CPC não releva para esta discussão, pois não está em causa que o menor tenha direitos ou que exista uma acção para tutelar esses direitos, discutindo-se, isso sim, que o Ministério Público tenha legitimidade para instaurar essa acção.
§15. A Digníssima Procuradora do Ministério Público que assegurou a representação dos Requerentes nos presentes autos nunca sequer falou com estes menores, sendo, pois, absolutamente impossível saber se está ou não a actuar em defesa dos seus interesses.
§16. O Ministério Público não tem competência legal nem nenhum título que o legitime a substituir-se aos pais para representar os menores aqui Requerentes na presente acção, pelo que não se encontra suprida a incapacidade judiciária dos Requerentes, devendo, por conseguinte, ser a Requerida Ss..absolvida instância (cf. artigos 16.°, n.° 1, 278.°, n.° 1, alínea c), e 577.°, alínea c), todos do CPC).
§17. Caso se entenda — como parece ter entendido o Tribunal recorrido — que se trata de uma questão de (i)legitimidade do Ministério Público e não de falta de capacidade judiciária dos menores Requerentes, a sua representação pelo Ministério Público será sempre irregular por carecer de fundamento legal ou outro título legitimador, pelo que configurará ilegitimidade, que conduz necessariamente à mesma solução de absolvição da instância (cf. artigos 30.°, 278.°, n.° 1, alínea d ), e 577.°, alínea e ), todos do CPC).
§18. A norma resultante dos termos conjugados dos artigos 23.°, n.° 1, do CPC, e 1.°, 3.°, n.° 1, alínea a), e 5.0, n.° 1, alínea c), do Estatuto do Ministério Público, interpretados no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para instaurar acção especial de tutela da personalidade em representação de menores contra os seus representantes legais e outros, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito, que se retira do artigo 2.° da Constituição.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO AOS FACTOS PROVADOS 65, 66 E 67
§19. Nos pontos 65, 66 e 67 da matéria de facto provada o Tribunal recorrido deu como provados factos essenciais que constituem a causa de pedir e que não têm correspondência com o que foi articulado pelo Ministério Público na Petição
Inicial, pelo que incorreu em violação do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5.0, n.° 2, do CPC, que se traduz em nulidade por excesso de pronúncia (cf. Artigo 615.°, n.° 1, alínea d), 2. parte, do CPC).
§20. Para apreciar os factos constantes dos pontos 65, 66 e 67 da matéria de facto provada são necessários conhecimentos especiais — do foro psiquiátrico, pSsológico, social e/ou educativo — que os julgadores não possuem (cf. Artigo 388.° do CC).
§21. As apreciações feitas pelas testemunhas referenciadas pelo Tribunal a quo , foram feitas em abstracto, pois que nenhuma delas tomou contacto com os menores em questão e, por conseguinte, não realizaram qualquer análise ou diagnóstico às crianças que participaram nos episódios 1 e 2 do programa SNn.
§22. Ao dar como provados os factos 65, 66 e 67 — para o que são necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem — sem recurso a prova pericial, o Tribunal recorrido violou as garantias processuais que assistiriam à Requerida Ss..se tivesse sido ordenada a realização de perícia como se impunha, e que se encontram consagradas nos artigos 467.° e seguintes do CPC e 388.° do CC, e violou ainda os princípios do contraditório, da igualdade de armas e da livre apreciação da prova, que se retiram dos artigos 3.°, 4.° e 607.°, n.° 5, do CPC.
§23. A norma constante do artigo 607.°, n.° 5, do CPC, interpretada no sentido de que o tribunal pode dar como provados factos para cuja apreciação são necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (informação pericial, de acordo com o artigo 388.° do CC) com fundamento em prova testemunhal, prescindindo portanto das garantias legalmente impostas quanto à prova pericial (artigos 467.° a 489.° do CPC) é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.°, 3.°, 13.° e 20.°, n.° 4, todos da Constituição.
§24. A indefinição de conceitos e realidades que está subjacente aos pontos 65, 66 e 67 da matéria de facto provada seria, só por si, suficiente para colocar em causa a possibilidade teórica de os dar como provados. É lícito ao tribunal alcançar ou adoptar determinadas conclusões (valorativas, opinativas ou de probabilidade), mas em função de factos que deu como provados, pelo que os pontos 65, 66 e 67 da matéria de facto deveriam, na realidade, ser declarados não escritos, por não constituírem matéria (de facto) sujeita a prova.
§25. Concluir-se, como conclui o Tribunal, que existem riscos de consequências negativas para os menores a médio e longo prazo é manifestamente incoerente com a constatação de que no momento actual, mais de meio ano após a participação dos menores no programa, inexiste qualquer dano ou sinal da possibilidade de um dano, havendo, portanto, urna contradição com os factos provados 51, 52, 63, 72, 73 e 74.
§26. Pelo exposto, vão impugnados os pontos 65, 66 e 67 da matéria de facto provada, os quais deverão ser dados corno não provados.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO AO FACTO NÃO PROVADO DA CONTESTAÇÃO DA REQUERIDA Ss
§27. Na parte em que deu corno não provado facto alegado pela Requerida Ss..na sua Contestação — no sentido de que a produção fez um trabalho de edição das imagens, de modo a não transmitir as do foro mais íntimo ou de forma a moderar a exposição —, a Sentença omite em absoluto a fundamentação, pelo que padece de nulidade (cf. artigo 615.°, n.° 1, alínea b), do CPC).
§28. Os diversos depoimentos referenciados nas Alegações, prestados pelas testemunhas EL.., TPM..., PB... e PC... (devidamente transcritos supra , nas partes relevantes), não foram contrariados por nenhuma outra prova. Neste contexto, deve o Tribunal ad quem dar aquele facto como provado, alterando a decisão sobre a matéria de facto.
DA ALEGADA INVALIDADE (OU IRRELEVÂNCIA) DOS CONSENTIMENTOS PRESTADOS PELOS DETENTORES DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
§29. A ideia de que a existência de que um consentimento possa ser, de algum modo, irrelevante, é manifestamente improcedente.
§30. O Tribunal a quo entendeu que os consentimentos prestados pelos detentores das responsabilidades parentais dos menores em causa não afastavam a ilicitude dos episódios 1 e 2 do programa SNn, com base em dois argumentos (i) a validade dos consentimentos tem que ser aferida no plano formal e no plano material, de modo casuístico e à luz do conceito constitucional de desenvolvimento da personalidade da criança, sendo que, nos referidos episódios, houve uma violação dos direitos de personalidade das crianças; e (ii) existe uma colisão entre o direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada dos menores e o direito à liberdade de expressão e informação, sendo que os primeiros deverão prevalecer.
§31. Quanto à validade dos consentimentos, cumpre notar que a concepção de apreciação da validade material dos consentimentos prestados não pode ser entendida com a amplitude e subjectividade que o Tribunal a quo pretende.
§32. Em primeiro lugar, podemos concluir do raciocínio do Tribunal a quo que a suposta invalidade material dos consentimentos prestados — embora não expressamente assumida —, advém do facto de se ter verificado, após análise dos episódios 1 e 2 do programa SNn, que existe urna alegada ameaça ilícita aos direitos de imagem e reserva da intimidade da vida privada dos menores em causa.
§33. A validade de determinado acto ou negócio jurídico deve ser aferida no momento em que tal acto ou negócio é celebrado, e não posteriormente, consoante se verifique ou não um eventual facto futuro.
§34. Tal conclusão resulta (i) do facto de as consequências da invalidade dos negócios jurídicos terem efeitos retroactivos (cf. artigo 289.°, n.° 1, do CC) e (ii) dos efeitos que a invalidade representa a nível processual, traduzindo-se num facto impeditivo da existência do direito.
§35. Assim, a validade tem que ser aferida à data da prestação do consentimento.
§36. Admitir o contrário tornaria impossível, com o mínimo de segurança jurídica, aferir acerca da validade dos consentimentos prestados, com todas as consequências jurídicas que daí advém.
§37. No momento em que os consentimentos em causa foram prestados, não existia qualquer invalidade, porquanto a suposta (e não comprovada) ameaça aos seus direitos — que, segundo o Tribunal a quo, implicaria a invalidade dos consentimentos, não existia nesse momento. §38. Tanto assim o é que os outros consentimentos prestados não são postos em causa, nomeadamente aqueles referentes à participação dos menores T... , L… e CG... no programa SNn.
§39. Os consentimentos dos titulares das responsabilidades parentais para a participação dos menores no programa SNn não são, per se, materialmente inválidos.
§40. Em segundo lugar, a suposta invalidade do consentimento prestado apenas poderá resultar, de acordo com o disposto no artigo 81.°, n.° 1, do CC, da desconformidade desse consentimento com a ordem pública
§41. O conceito de ordem pública reconduz-se ao conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico.
§42. No campo do direito à reserva da vida privada e à imagem, não estamos perante interesses gerais cuja forma e grau de satisfação estão pré-estabelecidos de modo rígido, mas perante direitos que admitem limitações e cujo exercício se apresenta como uma realidade plástica e mutável ao longo do tempo, sendo que é cada vez mais comum e aceite a publicidade da imagem e da vida privada das pessoas.
§43. Admitindo o próprio conteúdo destes direitos de personalidade a possibilidade de os seus respectivos titulares os limitarem, a restrição legal da conformidade com a ordem pública não pode ser usada para limitar o livre exercício daqueles direitos.
§44. Os limites à autodeterminação de cada um devem verificar-se em situações que importem lesões graves e irreversíveis na esfera jurídica dessa pessoa.
§45. Neste caso não estamos perante nenhuma ofensa à ordem pública — nem tal é minimamente afirmado e demonstrado pelo Tribunal a quo —, já que nenhum princípio fundamental do sistema jurídico é minimamente afectado com a prestação dos consentimentos pelos respectivos detentores das responsabilidades parentais, nem foi minimamente demonstrada qualquer lesão grave e irreversível na esfera jurídica dos referidos menores, muito menos no momento em que tais consentimentos foram prestados.
§46. Da listagem dos factos dados como não provados resulta que não foram demonstrados quaisquer danos nos direitos dos menores M... B..., F... e LF... (cf. Sentença, a fls ...), pelo que estamos apenas no plano das eventuais possibilidades futuras.
§47. Também não foi demonstrada qualquer tipo de ameaça de danos na esfera jurídica dos menores em causa, sendo que os factos dados como provados nos pontos 65., 66., e 67 da Sentença mais não são do que conclusões e suposições que não se encontram minimamente densificados.
§48. De todo o modo, tal ameaça ou risco teria que ser factualmente concretizado e comprovado através de prova pericial, com todas as garantias que daí advém (cf. artigos 467.° e seguintes do CPC), pois se teria que avaliar as repercussões fisicas e psíquicas da participação no programa SNn no desenvolvimento da personalidade de cada um dos menores em causa.
§49. Nenhuma das testemunhas que terão mencionado os alegados riscos ou ameaças a que o Tribunal a quo se reporta procederam a qualquer tipo de exame de algum dos menores em causa, não passando as suas declarações de meras opiniões sem qualquer base em análise científica.
§50. Tanto assim é que o próprio Tribunal a quo analisou os casos dos menores dos episódios 1, 2 e 3, de modo autónomo, tendo concluído em sentido diferente, em especial no que respeita ao episódio n.° 3.
§51. Deve admitir-se urna limitação voluntária dos direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada dos menores em causa, a qual foi realizada através dos respectivos detentores das responsabilidades parentais, a quem cabe a sua representação (cf., artigos 124.° e 125.° do CC).
§52. As normas constantes dos artigos 70.°, 79.°, 80.° e 124.° do CC, interpretadas no sentido de que a validade dos consentimentos prestados pelos representantes legais de um menor pode ser aferida em momento posterior à prestação desse consentimento, na sequência da eventual ocorrência de circunstâncias futuras ou hipotéticas é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.°, 37.°, nos 1 e 2, e 38.°, n.° 1, da Constituição, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
§53. A norma constante do artigo 124.° do CC, interpretada no sentido de que não cabe aos pais tomar decisões acerca da educação dos filhos, não podendo os mesmos consentir na sua participação num programa de televisão com intuito pedagógico é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional, por violação do artigo 36.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa.
§54. Tem sido entendido que, nos casos em que os menores tenham maturidade para compreender a restrição que seja feita aos seus direitos, devem dar o seu consentimento para o efeito, devendo os detentores das responsabilidades parentais dar também o seu consentimento se tal restrição tiver reflexos na educação do menor.
§55. Nos casos em que os menores não tenham maturidade suficiente para compreender a restrição que é feita dos seus direitos, não será obviamente exigível o seu consentimento, bastando que exista o consentimento dos respectivos detentores das responsabilidades parentais.
§56. Os menores em causa foram auscultados e não se opuseram à sua participação no programa SNn (cf. pontos 25 e 48 dos factos provados constantes da Sentença).
§57. Por isso, ou se assume que os menores em causa teriam o mínimo de maturidade para que o seu assentimento, em conjunto com o dos seus representantes legais, fosse suficiente para validamente limitar o seu direito à imagem e reserva da vida privada; ou se assume que os menores em causa não tinham maturidade para o efeito, cabendo aos seus representantes legais dar o respectivo consentimento, o qual apenas não seria
válido se fosse possível concluir, no momento em que o consentimento foi prestado, que o mesmo implicava uma violação da ordem pública.
§58. Por tudo quanto se expôs, deve concluir-se que os consentimentos para a participação de menores nos episódios 1 e 2 do programa SNn foram validamente prestados.
§59. Para existir colisão de direitos, como se retira da letra do artigo 335.° CC, tem que verificar uma impossibilidade de os direitos em causa poderem produzir plenamente os seus efeitos em simultâneo. Ou seja, tem que se verificar que os direitos, e seu respectivo exercício, estão em posições antagónicas.
§60. Se o direito à reserva da intimidade da vida privada se traduz no direito ao controlo da informação sobre a vida privada, então qualquer limitação voluntária deste direito, como o consentimento, traduz, em si mesma, uma forma de exercício desse mesmo direito.
§61. Daqui se retiram duas conclusões: à uma, a existência de consentimento nestes casos não consiste numa qualquer causa de justificação para a violação do direito, mais antes num modo de exercício do direito; à outra, a existência de consentimento implica que nunca esteja em causa uma colisão de direitos pois essa limitação voluntária ao direito à reserva da intimidade da vida privada e à imagem corresponde ainda ao exercício desses direitos.
§62. Daqui se retira que não existe qualquer colisão de direitos, ao contrário do que parece entender o Tribunal a quo, sendo o exercício dos direitos de imagem, à reserva da intimidade da vida privada, à liberdade de expressão e à informação completamente compatíveis.
DAS CONSEQUÊNCIAS DA EXISTÊNCIA DE CONSENTIMENTO NA APRECIAÇÃO DOS EPISÓDIOS 1 E 2 DO PROGRAMA SNN
§63. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo afirma que existiu uma clara violação do direito de personalidade da menor M... B..., o que é improcedente, já que nenhum dano para esses direitos foi dado como provado.
§64. Em segundo lugar, o Tribunal a quo afirma que, para considerar verificados os pressupostos previstos no artigo 878.°, n.° 1, do CPC, bastará a existência de um risco plausível, não sendo necessário dano, nem prova científica.
§65. Tal afirmação é improcedente, pois como em todas as matérias sujeitas a julgamento em processo civil, tal ameaça tem de ser (i) alegada e concretizada pelas partes, (ii) objecto de prova (que, tendo em conta a especialidade do tema, terá que ser científica) e (iii) efectivamente provada, não bastando opiniões para concluir que há uma ameaça.
§66. Em terceiro lugar, afirma o Tribunal a quo que o consentimento dos progenitores da menor em causa era irrelevante, não excluindo a ilicitude.
§67. Tal afirmação é improcedente, já que, a validade daquele consentimento — repete-se, retroagindo ao momento em que o mesmo foi prestado — teria de ser aferida, sendo que, apenas em caso de invalidade, se poderia concluir existir uma ameaça ilícita aos direitos da menor em causa.
§68. Constituindo o consentimento uma limitação voluntária do direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada, sendo válido, implica, em si mesmo, uma forma de exercício daqueles direitos, de tal modo que jamais se poderia falar em ameaça, ilicitude ou dano.
§69. Sendo os consentimentos prestados pelos pais da menor cm causa válidos, não é sequer aplicável o artigo 878.°, n.° 1, do CPC, já que nenhuma ameaça, muito menos ilícita, existe quanto aos direitos da menor M... B....
§70. A suposta imagem negativa que o Tribunal a quo entende ter sido demonstrada no programa, corresponde apenas a birras de criança, retratando as imagens exibidas no programa SNn, e mencionadas na Sentença, problemas familiares comuns.
§71. Os comportamentos que foram exibidos, por serem próprios da larga maioria das crianças, não são susceptíveis de criar qualquer tipo de prejuízo ou ameaça de prejuízo para a imagem ou reserva da intimidade da vida privada dos menores em causa, retratando antes o dia-a-dia de muitas famílias.
§72. Foi dado como provado que (i) nenhuma das crianças que participaram no programa SNn foram alvo de qualquer tipo de bullying, descriminação ou segregação na escola ou em casa após a exibição do programa, pelo contrário (cf. pontos 51 e 52 dos factos provados, a fls ... da Sentença), e (ii) que o objectivo dos progenitores foi contribuir para melhorar a relação com os seus filhos, ajudando-os a estabelecer regras e a melhorar a comunicação entre todos, o que acabou por suceder (cf. factos 62 e 63 dos factos provados, a fls da Sentença), o que demonstra as incongruências, lacunas e insuficiências da Decisão Recorrida.
§73. Quanto ao episódio n.° 2 do programa SNn, entendeu o Tribunal a quo que existe uma clara violação do direito de personalidade, sobretudo da imagem do menor F... .
§74. Remete-se para o que se expôs nas conclusões §63 e seguintes acima, e que é aqui inteiramente aplicável: não foi alegado nem provado qualquer facto susceptível de concretizar a existência de ameaça para os direitos dos menores F... e LF..., o que por si só basta para que o entendimento do Tribunal a quo seja improcedente.
§75. As imagens retratadas são birras de crianças e jovens, que correspondem a comportamentos normais e aceites quanto a crianças e jovens desta idade.
§76. Cumpre também notar que o Tribunal a quo, embora afirmando a existência de uma diferença clara entre a imagem retratada do menor F... e a imagem da menor LF..., não retira dessa diferença qualquer consequência jurídica, como deveria ter feito, especialmente tendo em consideração que se deu como provado que a menor LF... prestou o seu consentimento para a participação no programa SNn, o qual, tendo a menor em causa 13 anos, não pode deixar de ser devidamente valorado.
§77. De todo o modo, sendo os consentimentos prestados pelos progenitores dos menores F... e LF... inteiramente válidos esses consentimentos têm como efeito uma autolimitação do direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada desses menores, de tal forma que impossibilitam, per se, a existência de ilicitude.
§78. Por total ausência de factos que permitam concluir pela existência de danos ou ameaça de danos na esfera jurídica dos menores e pelo facto de os consentimentos prestados serem válidos, não se poderá considerar preenchidos os pressupostos previstos no artigo 878.°, n.° 1, do CPC,
§79. Devendo a Sentença ser alterada em conformidade, dando-se por improcedentes os pedidos movidos pelo Ministério Público quanto aos episódios 1 e 2 do programa SNn, e absolvendo-se a Apelante Ss..dos referidos pedidos.

6.3- A Ww, nas sua alegações, peticiona a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que a absolva totalmente do pedido.
Apresenta as seguintes Conclusões
1.§. O presente Recurso de Apelação vem interposto da sentença proferida nos presentes autos no dia 16 de Julho de 2018, porquanto, salvo o devido respeito, tendo em conta a prova produzida nos presentes autos, não pode a aqui Recorrente concordar com a condenação resultante dos pontos 3 e 4 do dispositivo final.
2.§. A sentença de que ora se recorre, foi proferida no âmbito de ação especial de tutela da personalidade,
3.§. Nestes termos, e em concordância com o entendido pelo Tribunal a quo, a viabilidade da presente ação depende da verificação de uma ameaça directa e ilícita à personalidade fisica ou moral de ser humano.
4.§. Face ao teor da decisão proferida, o Tribunal a quo entendeu que essa ameaça ilícita e direta existia no caso dos episódios 1 e 2 do programa SNn, mas já não quanto ao episódio 3.
Contradição entre factos provados e não provados em sede de sentença.
5.§. Entende o Tribunal a quo que a mera existência ou probabilidade de existência de risco da verificação de uma ameaça ilícita e direta aos direitos de personalidade, no caso sub judice, será suficiente para justificar a procedência da presente ação.
6.§. Assim, e para justificar a decisão que viria a produzir, o Tribunal a quo, teve de considerar como provada a verificação deste facto, i.e. existência de risco plausível da existência de ameaça de violação de direitos de personalidade.
7.§. Esta prova encontra-se vertida nos pontos 65., 66. e 67. Do lote de factos provados: 65. A exposição em público de dimensões da vida íntima dos menores retratados nos episódios 1 e 2 apresentam razoáveis riscos, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade, a médio e longo prazo.
66. Bem como razoáveis riscos, a médio e longo prazo, quanto às consequências no ambiente escolar e na própria relação com a família, quanto à compreensão e aceitação da decisão dos pais de exporem num programa de televisão o seu ambiente familiar e problemas existentes no mesmo.
67. E, ainda, razoáveis riscos de verificação de fenómenos de bullying, a médio e longo prazo.
8.§. Salvo melhor entendimento, estes factos não podiam nem deveriam constar do
lote de factos considerados provados, não só porque,
9.§. Se contradizem claramente com factos que se consideraram como não provados,
1O.§. Porque, não resultam de um correto raciocínio lógico/dedutivo, e ainda
11.§. Porque não resultam da prova produzida à saciedade nos presentes autos.
12.§. A verdade é que o Tribunal a quo entendeu não estar provado que:
i. Em virtude da divulgação televisiva dos seus comportamentos as crianças se tenham tornado vítimas de incompreensão e segregação social (tendo sido considerado como provado o oposto, vide factos 51. e 52. do lote de factos provados);
ii. O formato do programa se apresente como de elevado risco para as crianças e jovens, no seu desenvolvimento escolar e na relação com a família (tendo sido considerado como provado o oposto, no que toca ao desenvolvimento escolar, vide factos 72., 73. e 74. do lote de factos provados);
iii. O formato seja instigador de fenómenos de bullying (tendo sido considerado como provado o oposto, vide facto 51. do lote de factos provados);
iv. A exposição pública dos comportamentos das crianças e jovens e a respectiva reação das mesmas às técnicas utilizadas no programa, seja atentatória do seu bem estar e do seu saudável desenvolvimento físico e psíquico;
v. exposição pública do programa não tenha trazido beneficios para o desenvolvimento presente e futuro, das crianças e jovens.
13.§. Sendo de sublinhar que a utilização das expressões por referência à actualidade, perspectivado na actualidade e quanto actualidade, momento presente não é suficiente para tornar aceitável a flagrante contradição entre factos considerados como provados e como não provados, já que,
14.§. Os factos elencados nos pontos 65., 66. e 67. do lote de factos provados, configuram conclusões relativas à probabilidade de ocorrência de factos no futuro, pelo que,
15.§. Necessitam de aliar ao que se verifica no momento presente um nexo de causalidade, que permita avaliar, com um mínimo de certeza, a probabilidade de ocorrência dos mesmos no futuro.
16.§. Algo que o Tribunal a quo não foi capaz de identificar.
17.§. Visto estarmos, no caso dos pontos 65., 66. e 67. do lote de factos provados, perante conclusões quanto à probabilidade da verificação de factos futuros,
18.§. Devemos entender que o Tribunal a quo teve que recorrer a exercícios de lógica, para as atingir,
19.§. Raciocínios esses, que não se traduzem em verdadeiros silogismos, mas sim m falácias,
2O.§. Uma vez que, não se fundamentam em qualquer tipo de razão de ciência ou nexo de causalidade,
21.§. Mas sim em meras opiniões conclusivas e não factuais, vertidas nos depoimentos de algumas testemunhas, e em, Parecer da Ordem dos Psicólogos, igualmente, falacioso. 22.§. Assim, os factos constantes dos pontos 65., 66. e 67. do lote de factos provados, traduzem-se num raciocínio ferido de um erro de lógica, já que partem de uma premissa não existe no presente para a conclusão pode existir no futuro, sem para tal recorrer à evidentemente necessária segunda premissa, a razão de ciência e/ou nexo de causalidade que permitiria a conclusão.
23.§. Acrescendo ainda o facto de o Tribunal a quo identificar riscos abstratamente, isto é, sem indicar, sequer, quais os riscos concretos, nem o grau de probabilidade de os mesmos se conformarem em verdadeiros danos ou prejuízos para os direitos de personalidade dos menores.
24.§. O que implica que o resultado (i.e. os factos considerados provados) não é lógico, sendo flagrante o erro de julgamento incorrido pelo Tribunal a quo.
25.§. Acontece que, o Tribunal a quo sustentou em grande parte a sua argumentação quanto aos mencionados factos nos depoimentos das testemunhas MRF..., RT, MCMP... (indicadas pelo Ministério Público), TPM... e ACV....
26.§. Valorando, implicitamente, como argumento o estatuto e a titularidade de cargos das testemunhas indicadas pelo Ministério Público,
27.§. Não obstante, o que afirma expressamente quanto à Testemunha CV..., o Tribunal a quo menciona que as testemunhas arroladas pelas requeridas, destacando-se TPM... (SNn), ACV..., Psicóloga, admitiram a existência desses mesmos riscos
28.§. Todavia, ao contrário do que defende o Tribunal a quo os depoimentos das testemunhas Dr.a TPM... e mais concretamente da Dr.a CV... vão em sentido totalmente oposto, tendo o Tribunal a quo escolhido pequenas declarações destes depoimentos para concluir que os mesmos admitiam a existência de riscos resultantes da participação das crianças e jovens do programa SNn.
29.§. Na verdade, quando apreciados na sua totalidade, os depoimentos das referidas testemunhas, depreende-se facilmente que os mesmos apontam para a inexistência dos mencionados riscos, equacionando-os apenas como mera possibilidade académica, ou como consequência lógica inerente à existência da probabilidade de obtenção de um beneficio, uma vez que até ao momento não existe qualquer prova empírica que os refute definitivamente
3O.§. Sendo o entendimento destas, igual ao da testemunha QA..., apesar do pernicioso juízo, efetuado pelo Tribunal a quo, que pretende distinguir testemunhos que na sua essência são iguais.
31.§. Invoca o Tribunal a quo, como relevantes os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, destacando-se MRF... SA..., MRT, as quais desempenhando funções em organismos vocacionados para a proteção das crianças, dos seus direitos, apresentam um apuro profissional para a percepção da avaliação desses mesmos riscos, MCP..., Professora Universitária, investigadora que citou a sua participação e dos seus alunos, em estudos, experiências, em matérias que se interseccionam com a matéria dos autos,
32.§. Ora, salvo o devido respeito, apesar do referido apuro profissional para a percepção da avaliação desses mesmos riscos as mencionadas testemunhas, foram incapazes de identificar quais os riscos em causa,
33.§. Deste modo, estas testemunhas limitaram-se, a proferir conclusões jurídicas, que o Tribunal a quo aceitou como corretas, sem que para tal fossem demonstrados os factos que necessariamente teriam de lhes estar subjacentes,
34.§. Sendo de referir que, independentemente do historial profissional, mais ou menos brilhante de qualquer indivíduo, sempre se dirá, que uma conclusão sem demonstração das suas premissas, não se pode ter por correta ou factual, não passando nessa medida, estes depoimentos daquilo que informalmente se apelida de conversa de café.
35.§. Face à contradição entre factos considerados como provados e não provados,
36.§. O erro de julgamento de que está ferido o raciocínio lógico e dedutivo que levou à comprovação dos factos,
37.§. E a prova produzida à saciedade nos autos,
38.§. O Tribunal a quo, não teria outra hipótese que não a de considerar como provados os seguintes factos:
i. A transmissão por programa de televisão das dimensões comportamentais dos menores retratados não apresenta riscos plausíveis, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade.
ii. Não existem riscos de os menores retratados não compreenderem ou não aceitarem a decisão dos pais permitirem a sua participação neste programa de televisão, bem como não existem riscos de potenciais consequências negativas em ambiente escolar.
iii. E ainda, que ao existem riscos de verificação de fenómenos de bullying.
39.§. O que desde já se requer, com as devidas consequências para a boa resolução do presente litígio.
Factos que deveriam ter sido considerados como provados.
4O.§. Entende a aqui recorrente que deveria ter ficado expresso no lote de factos provados que Os comportamentos e imagens transmitidos nos episódios 1, 2 e 3 não correspondem a situações ilícitas, nem configuram patologias psicológicas, sendo os mesmos de ocorrência habitual no espaço público., por duas ordens de razão:
41.§. Primeira porque o mesmo resulta da prova produzida nos autos, nomeadamente os depoimentos das testemunhas TPM..., CV..., JC... e QA....
42.§. Segunda, porque tal facilitaria a subsunção dos factos ao direito, já que algo que
acontece em público licitamente, não poderá deixar de o ser se transmitido televisivamente.
43.§. Pelo que, sendo óbvio, ainda que reafirmado pelas testemunhas, que os comportamentos dos menores retratados são comuns, não configuram quaisquer patologias psicológicas, e que os mesmos podem licitamente ocorrer no espaço público, 44.§. Se requer a consideração como provado do referido facto.
45.§. Entende o Tribunal que a Requerida não foi capaz de provar que tinha o cuidado de selecionar momentos e imagens que não demonstrem de forma invasiva as rotinas familiares ou momentos de particular privacidade.,
46.§. Para além de exigir prova de factos negativos, ou seja, demonstração de que foram descartadas e/ou não gravadas situações que pudessem configurar situações humilhantes para os menores retratados,
47.§. Não teve em conta, a prova possível destes factos, os depoimentos das testemunhas envolvidas na produção do programa, nomeadamente os testemunhos da Dr.a TPM..., do Dr. PC... e da D. PB... e do depoimento de parte da D. PM....
48.§. Pelo que, face à prova possível, demonstrativa dos cuidados havidos pela Recorrente na produção do programa, deveria ter sido considerado como provado o mencionado facto, o que desde já se requer.
49.§. No entendimento, da Recorrente ainda que se possa inferir dos pontos 62. e 63. dos factos considerados provados deveria ter sido autonomizado dos restantes factos provados o facto de que Os menores retratados tinham antes da participação no programa comportamentos desadequados, cuja não correção provocaria sério dano no seu percurso profissional e académico
5O.§. Já que, se tivesse sido autonomizado como facto autónomo permitiria uma melhor fundamentação do porquê dos pais, igualmente requeridos na presente ação, terem sentido a necessidade de participar no programa,
51.§. E bem assim, permitir, ao contrário do que argumenta o Tribunal a quo, levantar a discussão entre o balanço de prós e contras derivados da participação no programa, já que, ficaria estabelecido que estes pais tinham problemas que necessitavam ver resolvidos e que até ao momento não o tinham conseguido de outra forma.
52.§. O que certamente moldaria em melhores termos a decisão final.
53.§. Este facto é suportado pelos depoimentos das testemunhas Dr.' TPM..., e pelas declarações de parte da D. CF... e da D. PM.... 54.§. Por fim, face à prova documental junta aos autos pela Recorrente deveria ter sido considerado como provado o facto de que O standard do audiovisual como é exibido nas televisões atualmente inclui a divulgação de imagens de menores em circunstâncias que lhes são desfavoráveis desde que não seja retratado nenhum comportamento ilícito 55.§. Para que de modo comparatístico se possa concluir o que pode ou não ser exibido em televisão, ou qualquer outro meio equivalente, quando está em causa o direito à imagem de crianças e jovens,
56.§. Mais ainda, tendo em consideração que a presente ação foi intentada por um órgão do Estado, o Ministério Público, pelo que,
57.§. Deverá ficar claro o que constitui ou não ameaça ilícita e direta aos direitos de personalidade das crianças e jovens, no panorama jurídico português,
58.§. Não podendo este tipo de questões ficar deixada aos critérios de gosto de quaisquer entidades ou autoridadcs públicas, o que sem necessidade de rodeios causaria uma fundada suspeita de censura claramente violadora dos direitos fundamentais de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa.
59.§. Deste modo, a consideração dos elementos de prova trazidos ao processo e a concretização deste ponto como facto provado, permitiria assim balizar a análise dos casos concretos sub judice, permitindo assim uma maior certeza jurídica, nomeadamente para os órgãos de comunicação social portugueses.
Da incorreta fundamentação da decisão final.
6O.§. Podemos inferir da fundamentação do Tribunal a quo, a defesa de que o programa é violador dos direitos dc imagem, porque a imagem dos menores retratados no primeiro e segundo episódios é acompanhada de adjetivações que no seu entender são objetivamente negativas,
61.§. Ora, salvo melhor entendimento, as expressões usadas no programa e repercutidas na sentença de que se recorre, não são, como parece querer fazer crer o Tribunal a quo, negativas, devendo-se examinar o contexto em que foram proferidas para avaliar da gravidade das mesmas, não podendo as mesmas ser condenadas como ilícitas tout court, por mera questão de serem politicamente incorretas.
62.§. Como teve o Tribunal a quo oportunidade de observar a utilização destas expressões não se repercutiu, em qualquer dano para os menores participantes no programa pelo, antes pelo contrário, não sendo plausível, como vimos, que o venham a ser,
63.§. Pelo que, a sua consideração como ameaças ilícitas e diretas aos direitos de personalidade destes menores, salvo melhor entendimento, é no mínimo exagerada.
64.§. Continua o Tribunal a quo a sua fundamentação invocando que as situações retratadas nos episódios 1 e 2, máxime os comportamentos observados, conformam situações humilhantes e prejudiciais para o bem estar fisico e psicológico das crianças e jovens naquela sede retratados,
65.§. Contudo tal ideia não tem qualquer fundamento, já que, uma birra ou um choro de uma criança não constitui uma situação humilhante, porquanto, tal comportamento é típico para a idade, não corresponde, nem constitui, qualquer tipo de patologia, e corresponde a facto com o qual a maioria das famílias parentais da sociedade portuguesa se revê.
66.§. Deste modo, face à sua normalidade, não se pode considerar que os comportamentos exibidos no programa pelas crianças e jovens, possam ser tidos como humilhantes ou estigmatizantes, não podendo por isso fundamentar a decisão a que chegou o Tribunal a quo.
67.§. Por outras palavras, por definição um comportamento de normalidade, presente comummente no espaço público, não pode ser considerado humilhante, só pelo simples facto de desse comportamento em programa televisivo, já que, não é o meio que qualifica a humilhação.
68.§. Como ponto fulcral da decisão que viria a tomar, o Tribunal a quo refere que Na apreciação em causa, e passe o pleonasmo, não podemos correr riscos — melhor não podemos deixar margem para a existência de riscos, e para tal não podemos entrar na argumentação de pesagem contraposição de mais risco/menos risco que vale a pena correr.
69.§. O que implica dizer, trazendo a discussão para os requisitos do tipo legal contido no artigo 878° do CPC, que qualquer ação ou omissão que acarrete um plausível, ainda que diminuto, risco de afetar os direitos de personalidade de um ser humano,
7O.§. Constitui, na terminologia da lei, uma ameaça ilícita, o que, salvo o devido respeito, não pode colher, não só porque, como é consabido, toda e qualquer ação ou omissão acarreta um risco, assim como uma possibilidade de beneficio.
7l.§. Ora, negando à partida qualquer ação que acarrete risco, tal implica ficarem vedados igualmente todos os beneficios que daí possam resultar.
72.§. Acresce que, um razoável risco, na terminologia utilizada pelo Tribunal a quo, não pode ser considerado como relevante, para efeitos de aplicação das providências permitidas pelo tipo de ação prevista nos artigos 878° e seguintes do CPC, já que, salvo melhor entendimento,
73.§. Para considerar que um risco é relevante para ser subsumido ao conceito de ameaça ilícita e direta, há que conhecer, qual o prejuízo concreto para o direito que se pretende proteger, qual a sua dimensão, qual a sua probabilidade de ocorrência e ainda em que medida está ou não na esfera dos titulares dos direitos ou seus representantes, a possibilidade de pretender arriscar face aos beneficios que dali possam advir.
74.§. Ora em lugar algum da sentença recorrida, ou no julgamento, foram avaliados quais os riscos concretos associados à participação dos menores no programa ou qual a probabilidade destes se converterem em verdadeiros prejuízos.
75.§. Pelo que, ficou por analisar a existência de um risco relevante que permitisse as conclusões atingidas pelo Tribunal a quo, ficando, deste modo, prejudicada a decisão final no que concerne à condenação da ora Recorrente.
Da validade dos consentimentos prestados pelos pais em representação dos filhos menores
76.§. De acordo com o prescrito no artigo 122° do Código Civil (CCiv) É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade e do artigo 123° do mesmo diploma, sob a epígrafe Incapacidade dos menores que Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos.
77.§. Sendo essa incapacidade, nos termos do artigo 124° do mesmo código, suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respetivos.
78.§. Deste modo e nos casos que aqui nos trazem a incapacidade de exercício de direitos dos menores em causa deve ser suprida pelos seus progenitores, conforme resulta do disposto no artigo 1881°, sob a epígrafe Poder de Representação, igualmente do CCiv.
79.§. É comummente aceite que no exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente no exercício do Poder de representação, os pais se devem orientar com apoio no superior interesse da criança, i.e. procurando acautelar os melhores interesses dos seus filhos.
8O.§. Deste modo, parece ser de aceitar que, face à incapacidade geral de exercício dos seus direitos, os menores gozam de direitos de personalidade (como é deles exemplo o direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada) e que não sendo capazes dos exercer individualmente, carecem da intervenção dos seus progenitores para deles fazerem uso,
81.§. Sob pena, de se considerar que, não os podendo exercer, os menores não tem aqueles direitos.
82.§. O exercício daqueles direitos, implica a possibilidade de os limitar, isto é, de não os tornar absolutos, sob pena, de se assim não fosse de se tratarem de obrigações e não de direitos.
83.§. Nesta medida, deveram poder, os menores, na terminologia do Código Civil, permitir a exposição, reprodução e lançamento no comércio da sua imagem, desde que em tal consintam, bem como, nos mesmos moldes, permitir a exposição de determinados aspetos da sua intimidade.
84.§. Não podendo os menores, como se viu, consentir nessa participação, sem intermediação dos seus pais, estes prestarão o seu consentimento em representação dos filhos.
85.§. No presente caso este consentimento, foi dado, tendo em linha de conta, como era seu dever, o superior interesse da criança, tendo como objetivo o melhoramento do seu bem estar familiar, bem como o melhoramento geral da qualidade e perspetivas de vida das crianças e jovens retratados.
86.§. Nestes moldes, face ao enquadramento supra e face o até aqui exposto, não se pode dizer que exista um conflito de interesses entre os Requerentes e as acções executadas em representação pelos seus pais, sendo, por isso, válidos os consentimentos prestados em representação dos filhos.
Da inexistente colisão de direitos fundamentais
87.§. A aqui Recorrente, não põe de forma alguma em questão que no caso de colisão de direitos fundamentais de liberdade de imprensa e de personalidade, deverão em regra os segundos prevalecer, todavia a colisão desses direitos no caso sub judice, é meramente aparente.
88.§. As imagens transmitidas não são passíveis de ser interpretadas como violadoras dos direitos das crianças, nem indutoras de qualquer situação de perigo, nos termos até agora sufragados,
89.§. Todavia, ainda que se equacionasse um eventual conflito de direitos, o que não se concede,
9O.§. Isto é, admitir que existe um conflito entre direitos fundamentais, leia-se direitos fundamentais de personalidade (à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada) e de liberdade de expressão/programação,
91.§. É pacífico que os direitos de personalidade podem ser objeto de restrição com base no seu livre exercício e na promoção das diversas finalidades substantivas que lhes estão subjacentes, as quais devem ser consideradas no processo de ponderação, precludindo um excessivo efeito inibitório
92.§. Assim, banir a exibição dos programas já exibidos, sem que, como se demonstrou, exista efetivamente qualquer perigo ou risco eminente dos direitos das crianças,
93.§. Consubstanciaria uma séria limitação ao direito de programação e in limine ao direito fundamental de liberdade de expressão, abrindo-se o precedente para futuras ingerências censurais por parte do poder público.
Da impossibilidade da condenação ao exercício do direito de propriedade
94.§. Nos termos do segmento 3 da decisão ora recorrida, o Tribunal a quo, condena a
ora Recorrente e Requerida Ss..a:
c) A fazer valer os seus direitos de propriedade junto de quaisquer entidades, também em qualquer meio de comunicação, para que o acesso a quaisquer conteúdos dos programas referidos que tenham sido colocados acessíveis sejam imediatamente bloqueados por essas entidades (v.s. redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o youtube e
afins)
95.§. Basicamente, com a mencionada providência o Tribunal a quo impõe que a ora Recorrente e a Requerida Ss..exerçam obrigatoriamente um direito de propriedade.
96.§. A condenação ao exercício da propriedade vai contra os princípios basilares do direito de propriedade, já que, se exige das requeridas, a quem caberia escolher como exercer a sua propriedade, a exerçam de modo algo aberrante, já que,
97.§. Se exige que, por auto iniciativa e recriação, e de modo perpétuo policiem todos as redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o youtube e afins a fim de cumprir com a providência decretada,
98.§. Sem qualquer atenção à mera exequibilidade prática desta condenação ou mesmo os custos à mesma inerentes.
99.§. De um ponto de vista meramente prático, esta condenação é impossível, não só pela natureza das coisas, leia-se da internet, mas também pela infinidade de meios humanos que em abstrato seriam necessários para cumprir na íntegra a providência nos termos em que a mesma foi decidida.
100.§. Pelo que nestes termos, sem nada conceber do que até aqui foi defendido, deverá ser, em qualquer dos casos eliminada por impossível a providência a que as requeridas foram condenadas, quanto ao exercício do seu direito de propriedade.
Da não extensão dos efeitos da condenação à ora recorrente
101.§. Ainda que se admita a viabilidade da condenação da ora recorrente, nos termos supra, o que não se concede, sempre se dirá que:
102.§. Nos termos dos pontos 7, 8, 9 e 71 do lote de factos provados, ficou demonstrado que a Recorrente é somente responsável pela produção do programa, o que, implica afirmar que não detém quaisquer direitos de propriedade, distribuição ou exibição dos programas produzidos.
103.§. Nesta medida, a Recorrente não tem qualquer título patrimonial sobre os programas impedindo-a de executar a sentença em que foi condenada,
104.§. Com a consequência de lhe não poder ser aplicada, igualmente, a sanção pecuniária compulsória, em que foi condenada, no segmento 4 da decisão ora recorrida, por impossibilidade de concretização legal da ação em que foi condenada.

As Contra-alegações.
A Ww, notificada do recurso interposto pelo Ministério Público, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1.§. Os Requerentes, ora Recorrentes, por não concordarem com sentença proferida nos presentes autos no dia 16 de Julho de 2018, nos segmentos n.°s 1 c 2 do dispositivo final, em concreto na revogação da decisão provisória proferida nos autos quanto à exibição do programa n.° 3 e na improcedência do quarto pedido formulado, pretendem ver a mesma revogada e substituída por outra que implique a procedência do peticionado em sede de Petição Inicial.
2.§. Resumidamente nas Alegações de Recurso, a que ora se responde, o Ministério Público propugna pelo seguinte:
a. Que o Tribunal a quo omitiu da sua pronúncia quanto à Matéria de Facto Provada referência ao conteúdo do teaser promocional do 3° episódio do programa televisivo SNn;
b. Que o facto n.° 34 da Matéria de Facto Provada se encontra deficientemente narrado quanto à caracterização do conteúdo do 3° episódio do programa SNn;
c. Que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado o facto constante do ponto XXXIII da Petição Inicial;
d. Que o facto constante do n.° 63 da Matéria de Facto Provada se mostra erradamente narrado, nomeadamente por estar em contradição com os factos n.°s 79 e 80 da Matéria de Facto Provada;
e. Que em virtude da procedência das referidas impugnações o facto n.° 65 da Matéria de Facto Provada deveria ser alterado;
f. Que a alteração da matéria de facto dada como assente nos termos propostos, implica distinta análise do conteúdo do 3° episódio do Programa SNn; e,
g. Que nos termos dos n.°s 4 e 5 do artigo 879° do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo estava habilitado a determinar o conteúdo concreto a que as requeridas Ss..e Ww... ficariam sujeitas na produção de futuros episódios do programa SNn.
3.§. A propósito da decisão do Tribunal a quo, quanto ao 3° episódio do programa SNn, o Ministério Público, entende, erradamente, que existiam motivos de facto e de direito que impunham decisão diferente, pelo que, inicia as suas alegações impugnando a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, solicitando que a mesma seja alterada.
4.§. O Ministério Publico, argui que não foi levado à Matéria de Facto Provada, o conteúdo do «teaser» promocional do episódio n.° 3 ao contrário, defendendo que o Tribunal omitiu pronúncia quanto a factos que devia apreciar,
5.§. Todavia, e á semelhança do que acontece com a maioria dos argumentos trazidos pelo Ministério Público nas alegações a que ora se responde não parece ser bem esse o caso, já que, nos casos aduzidos pelo Ministério Público, estamos perante matéria factual irrelevante para a boa decisão do processo.
6.§. A apresentação do episódio, ou teaser como lhe chama o Ministério Público, face à sua inocuidade, em nada releva para a boa decisão da causa
7.§. Sendo essa também a interpretação do Tribunal a quo, se atentarmos na pronúncia deste quanto à matéria de facto não tida como provada ou assente:
Tudo o demais que não consta dos factos provados — quer textualmente, quer por remissão para documento, qualquer que seja o seu suporte — e dos não provados, funda-se na sua irrelevância para o objeto do processo, ou porque constitui alegação vaga, conclusiva, ou contendo matéria de direito. (negrito e sublinhado nosso)
Os factos não provados estão em consonância com a convicção do Tribunal face à ausência de prova bastante dos mesmos ou por consideração da prova dos factos contrários.
8.§. Assim, tendo em conta a dimensão do julgamento e da matéria (factual ou não) trazida aos autos, entendeu o Tribunal a quo, e bem neste particular caso, que havia tópicos quanto aos quais não fazia sequer sentido fazer menção aquando da fundamentação da matéria de facto, sendo esse o caso deste facto arguido pelo Ministério Público.
9.§. Na mesma senda, alega ainda o Ministério Público que O facto n.° 34 está deficientemente narrado e contém omissões graves quanto à caracterização do conteúdo do 3° episódio, deficiências e omissões que não se verificam nos factos n.°s 32 e 33, relativamente à caracterização dos dois primeiros episódios
10.§. Afirmando que essas deficiências e omissões acentuam-se, na sua essência, naquilo que são os momentos de tensão, discussão, conflito e de discurso em viva voz quanto às caracterizações comportamentais e emocionais que são realizadas aos Autores T... e L….
11.§. Contudo, à semelhança do que acontece com o argumento supra referido, e independentemente do estilo claramente negativo como o Ministério Público redige os factos que pretende ver aditados à descrição do 3° episódio do programa SNn, a verdade é que ainda que os mesmos fossem aditados, mesmo com a redação que lhe é atribuída pelo Ministério Público, tal em nada obstaria à decisão que acabou por atingir o Tribunal a quo.
12.§. O Ministério Público prossegue o seu recurso invocando que, na sua opinião, deveria ter sido considerado como provado o facto constante do ponto XXXIII da Petição Inicial, consequentemente alegando que o referido facto se evidenciaria como fundamental para o objeto da ação, porquanto para quem conhece a criança retratada no teaser promocional, a deixou de reconhecer, indignando-se, inclusive, com o que era exibido, sendo esse desalento prova evidente e segura de que os direitos de personalidade da criança foram alvo de devassa
13.§. Ora, à semelhança das duas situações anteriores, o Tribunal a quo andou bem, quando decidiu não incluir este facto na matéria de facto provado em virtude da sua irrelevância para o objeto do processo, já que a opinião e ações de um familiar, que nem pertence ao agregado familiar das crianças em causa, não releva em nada para a boa decisão da causa,
14.§. Nem se diga, como insinua o Ministério Público, que esta opinião consubstancia a prova da violação de um direito, não só por estarmos, nas palavras do Tribunal a quo, perante alegação vaga, conclusiva, ou contendo matéria de direito, mas, essencialmente, porque uma opinião, como a que ora se pretende aditar à Matéria de Facto Provada, não pode ser tida como prova evidente e segura da violação de qualquer direito, nem sequer servirá para fundamentar a necessária subsunção de factos ao direito exigível para a verificação da violação ou não de um direito.
15.§. De seguida o Ministério Público impugna o facto dado como provado sob o n.° 63 (As famílias ficaram satisfeitas com o resultado obtido), alegando que o mesmo, para além de conter em si mesmo uma conclusão, se mostra erradamente narrado e ainda em contradição com os factos dados como assentes nos n.°s 79.° e 80.° e com a posição do avô paterno dos Autores T... e L….
16.§. A este propósito, da leitura da Sentença, resultam claras duas questões, que obstam à interpretação factual arguida pelo Ministério Público,
17.§. Primeira, quando se refere às famílias, o Tribunal a quo, refere-se às famílias participantes e retratadas no programa, isto é, aos pais ou agregados familiares retratados,
18.§. Segunda, quando se refere ao resultado, o Tribunal a quo, refere-se às alterações no comportamento e ensinamentos apreendidos pelos menores retratados no programa, 19.§. Pelo que, não faz qualquer sentido o alegado pelo Ministério Público a este propósito.
20.§. O Ministério Público conclui a sua impugnação quanto à matéria de facto alegando que a procedência destas impugnações impõe a alteração do facto n.° 65 para:
A exposição em público de dimensões da visa íntima dos menores retratados nos episódios 1, 2 e 3 apresenta razoáveis riscos, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade, a médio e longo prazo.
21.§. Sem para tal apresentar qualquer justificação, afirmando apenas que a alteração da matéria de facto dada como assente nos termos propostos no que se relaciona com o 3° episódio implicará, necessariamente, que a análise do respectivo conteúdo mantenha a proibição constante da decisão provisória proferida nestes autos, isto é, que efetivamente o seu conteúdo também constitui ameaça significativa aos direitos de personalidade das crianças T... e L….
22.§. Ora, este entendimento está viciado não só pela falta de fundamento de que está ferido, mas também porque o próprio facto n.° 65 da Matéria de Facto Provada se encontra viciado.
23.§. O Tribunal a quo considerou provado que:
65. A exposição em público de dimensões da vida íntima dos menores retratados nos episódios 1 e 2 apresentam razoáveis riscos, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade, a médio e longo prazo.
66. Bem como razoáveis riscos, a médio e longo prazo, quanto às consequências no ambiente escolar e na própria relação com a família, quanto à compreensão e aceitação da decisão dos pais de exporem num programa de televisão o seu ambiente familiar e problemas existentes no mesmo.
67. E, ainda, razoáveis riscos de verificação de fenómenos de bullying, a médio e longo prazo. (negrito nosso)
24.§. Ora, salvo melhor entendimento, estes factos não podiam nem deveriam constar do lote de factos considerados provados, não só porque,
25.§. Se contradizem claramente com factos que se consideraram como não provados, porque, não resultam de um correto raciocínio lógico/dedutivo, e ainda porque não resultam da prova produzida à saciedade nos presentes autos.
26.§. A verdade é que o Tribunal a quo entendeu não estar provado que:
a. Em virtude da divulgação televisiva dos seus comportamentos as crianças se tenham tornado vítimas de incompreensão e segregação social (tendo sido considerado como provado o oposto, vide factos 51. e 52. do lote de factos provados);
b. O formato do programa se apresente como de elevado risco para as crianças e jovens, no seu desenvolvimento escolar e na relação com a família (tendo sido considerado como provado o oposto, no que toca ao desenvolvimento escolar, vide factos 72., 73. e 74. do lote de factos provados);
d. O formato seja instigador de fenómenos de bullying (tendo sido considerado como provado o oposto, vide facto 51. do lote de factos provados);
e. A exposição pública dos comportamentos das crianças e jovens e a respectiva reação das mesmas às técnicas utilizadas no programa, seja atentatória do seu bem estar e do seu saudável desenvolvimento físico e psíquico;
f. exposição pública do programa não tenha trazido benefícios para o desenvolvimento presente e futuro, das crianças e jovens.
27.§. Sendo de sublinhar que a utilização das expressões por referência à actualidade, perspectivado na actualidade e quanto actualidade, momento presente não é suficiente para tornar aceitável a flagrante contradição entre factos considerados como provados e como não provados, já que,
28.§. Os factos elencados nos pontos 65., 66. e 67. do lote de factos provados, configuram conclusões relativas à probabilidade de ocorrência de factos no futuro, pelo que, necessitam de aliar ao que se verifica no momento presente um nexo de causalidade, que permita avaliar, com um mínimo de certeza, a probabilidade de ocorrência dos mesmos no futuro.
29.§. Algo que o Tribunal a quo não foi capaz de identificar.
3O.§. Visto estar, no caso dos pontos 65., 66. e 67. do lote de factos provados, perante conclusões quanto à probabilidade da verificação de factos futuros, devemos entender que o Tribunal a quo teve que recorrer a exercícios de lógica, para as atingir,
31.§. Raciocínios esses, que não se traduzem em verdadeiros silogismos, mas sim em falácias, uma vez que, não se fundamentam em qualquer tipo de razão de ciência ou nexo de causalidade,
32.§. Mas sim em meras opiniões conclusivas e não factuais, vertidas nos depoimentos de algumas testemunhas, e em, Parecer da Ordem dos Psicólogos, igualmente, falacioso. 33.§. Assim, os factos constantes dos pontos 65., 66. e 67. do lote de factos provados, traduzem-se num raciocínio ferido de um erro de lógica, já que partem de uma premissa não existe no presente para a conclusão pode existir no futuro, sem para tal recorrer à evidentemente necessária segunda premissa, a razão de ciência e/ou nexo de causalidade que permitiria a conclusão.
34.§. Acrescendo ainda o facto de o Tribunal a quo identificar riscos abstratamente, isto é, sem indicar, sequer, quais os riscos concretos, nem o grau de probabilidade de os mesmos se conformarem em verdadeiros danos ou prejuízos para os direitos de personalidade dos menores.
35.§. O que implica que o resultado (i.e. os factos considerados provados) não é lógico, sendo flagrante o erro de julgamento incorrido pelo Tribunal a quo.
36.§. Mais acontece que, o Tribunal a quo sustentou em grande parte a sua argumentação quanto aos mencionados factos nos depoimentos das testemunhas MRF..., RT, MCMP... (indicadas pelo Ministério Público), TPM... e ACV....
37.§. Todavia, ao contrário do que defende o Tribunal a quo os depoimentos das testemunhas Dr.a TPM... e mais concretamente da Dr.a CV... vão em sentido totalmente oposto, tendo o Tribunal a quo escolhido pequenas declarações destes depoimentos para concluir que os mesmos admitiam a existência de riscos resultantes da participação das crianças e jovens do programa SNn.
38.§. Na verdade, quando apreciados na sua totalidade, os depoimentos das referidas testemunhas, depreende-se facilmente que os mesmos apontam para a inexistência dos mencionados riscos, equacionando-os apenas como mera possibilidade académica, ou como consequência lógica inerente à existência da probabilidade de obtenção de um beneficio, uma vcz que até ao momento não existe qualquer prova empírica que os refute definitivamente
39.§. Sendo o entendimento destas, igual ao da testemunha QA..., apesar do pernicioso juízo, efetuado pelo o Tribunal a quo, que pretende distinguir testemunhos que na sua essência são iguais.
4.0.§. O Tribunal a quo, invoca ainda, como relevantes os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, destacando-se MRF... SA..., MRT, as quais desempenhando funções em organismos vocacionados para a proteção das crianças, dos seus direitos, apresentam um apuro profissional para a percepção da avaliação desses mesmos riscos, MCP..., Professora Universitária, investigadora que citou a sua participação e dos seus alunos, em estudos, experiências, em matérias que se interseccionam com a matéria dos autos,
4l.§. Ora, salvo o devido respeito, apesar do referido apuro profissional para a percepção da avaliação desses mesmos riscos as mencionadas testemunhas, foram incapazes de identificar quais os riscos em causa,
42.§. Deste modo, estas testemunhas limitaram-se, a proferir conclusões jurídicas, que o Tribunal a quo aceitou como corretas, sem que para tal fossem demonstrados os factos que necessariamente teriam de lhes estar subjacentes,
43.§. Sendo de referir que, independentemente do historial profissional, mais ou menos brilhante de qualquer indivíduo, sempre se dirá, que uma conclusão sem demonstração das suas premissas, não se pode ter por correta ou factual,
44.§. Face à contradição entre factos considerados como provados e não provados, o erro de julgamento de que está ferido o raciocínio lógico e dedutivo que levou à comprovação dos factos e a prova produzida à saciedade nos autos,
45.§. O Tribunal a quo, não podia considerar como provados os factos constantes dos pontos 65., 66. e 67. do lote de factos provados.
46.§. Pelo que, a alteração do facto n.° 65 nos termos propostos pelo Ministério
Público, será igualmente impossível.
47.§. No que à decisão quanto ao 3° episódio do programa SNn diz respeito, o Ministério Público, conclui a sua argumentação, defendendo que a alteração da matéria de facto dada como assente nos termos propostos, implica distinta análise do conteúdo do 3° episódio,
48.§. Já que, resumidamente, no seu entendimento, não podem ser exibidas em ambiente televisivo imagens demonstradoras de qualquer fragilidade, vulnerabilidade ou incapacidade de uma criança, ou seja, pura e simplesmente não poderão ser retratadas na televisão.
49.§. É pacífico que, a análise do caso sub iudice consiste na avaliação da existência de violação de direitos de personalidade da criança, sendo que, no entendimento do Tribunal a quo e do Ministério Público, com o qual, e salvo o devido respeito, a ora Requerida não pode em consciência concordar, a mera verificação de risco plausível seria o suficiente para considerar devidamente fundamentados/preenchidos os requisitos legais de viabilidade da ação ora em causa.
5O.§. Mas como se avalia dessa existência de violação de direitos de personalidade da criança?
51.§. Salvo melhor entendimento, as expressões usadas no programa e repercutidas nas Alegações a que ora se responde, não são, como parece querer fazer crer o Ministério Público, negativas, devendo-se examinar o contexto em que foram proferidas para avaliar da gravidade das mesmas, não podendo as mesmas ser condenadas como ilícitas tout court, por mera questão de serem politicamente incorretas.
52.§. Como teve o Tribunal a quo oportunidade de observar a utilização destas expressões não se repercutiu, em qualquer dano para os menores participantes no programa, antes pelo contrário, não sendo plausível, que o venham a ser,
53.§. Pelo que, a sua consideração como ameaças ilícitas e diretas aos direitos de personalidade destes menores, salvo melhor entendimento, é no mínimo exagerada.
54.§. Nem se diga que as situações retratadas no 3° episódio, máxime os comportamentos observados, conformam situações humilhantes e prejudiciais para o bem estar fisico e psicológico das crianças e jovens naquela sede retratados,
55.§. Tal ideia não tem qualquer fundamento, já que, uma birra ou um choro de uma criança não constitui uma situação humilhante, porquanto, tal comportamento é típico para a idade, não corresponde, nem constitui, qualquer tipo de patologia, e corresponde a facto com o qual a maioria das famílias parentais da sociedade portuguesa se revê.
56.§. Deste modo, face à sua normalidade, não se pode considerar que os comportamentos exibidos no programa pelas crianças e jovens, possam ser tidos como humilhantes ou estigillatizantes, não podendo por isso fundamentar a decisão propugnada pelo Ministério Público.
57.§. Por outras palavras, por definição um comportamento de normalidade, presente comummente no espaço público, não pode ser considerado humilhante, só pelo simples facto desse comportamento em programa televisivo, já que, não é o meio que qualifica a humilhação.
58.§. Assim, é claro que os factos que o Ministério Público pretende ver aditados à matéria de facto provada, não seriam suficientes para fundamentar decisão diversa da atingida pelo Tribunal a quo.
59.§. Tal como o Tribunal a quo, o Ministério Público defende que a mera eventualidade de risco, preenche os requisitos do tipo legal contido no artigo 878° do CPC.
60.§. O que implica dizer, trazendo a discussão para os requisitos do tipo legal contido no artigo 878° do CPC, que qualquer ação ou omissão que acarrete um plausível, ainda que diminuto, risco de afetar os direitos de personalidade de um ser humano,
6l.§. Constitui, na terminologia da lei, uma ameaça ilícita, o que, salvo o devido respeito, não pode colher, não só porque, como é consabido, toda e qualquer ação ou omissão acarreta um risco, assim corno uma possibilidade de beneficio.
62.§. Desse modo, ao negarmos a priori qualquer ação que acarrete risco, tal implica ficarem vedados igualmente todos os benefícios que daí possam resultar.
63.§. Acresce que, um razoável risco, na terminologia utilizada pelo Tribunal a quo, não pode ser considerado como relevante, para efeitos de aplicação das providências permitidas pelo tipo de ação prevista nos artigos 878° e seguintes do CPC, já que, salvo melhor entendimento,
64.§. Para considerar que um risco é relevante para ser subsumido ao conceito de ameaça ilícita e direta, há que conhecer, qual o prejuízo concreto para o direito que se pretende proteger, qual a sua dimensão, qual a sua probabilidade de ocorrência e ainda em que medida está ou não na esfera dos titulares dos direitos ou seus representantes, a possibilidade de pretender arriscar face aos benefícios que dali possam advir.
65.§. Ora em lugar algum das Alegações a que ora se responde, ou mesmo no julgamento, foram avaliados quais os riscos concretos associados à participação dos menores no programa, ou qual a probabilidade destes se converterem em verdadeiros prejuízos.
66.§. Pelo que, ficou igualmente, por analisar a existência de um risco relevante que permitisse as conclusões atingidas pelo Tribunal a quo, quanto aos dois primeiros episódios,
67.§. Ficando, deste modo, também, prejudicada a argumentação aduzida pelo Ministério Público nas suas Alegações, no que concerne ao 3° episódio do programa SNn,
68.§. Por fim, contra a decisão de improcedência do que havia sido o seu quarto pedido em sede de Petição Inicial, o Ministério Público vem alegar que nos termos dos n.°s 4 e 5, do artigo 879.° do Código de Processo Civil [o Tribunal a quo], estava habilitado a determinar o comportamento concreto a que as requeridas Ss..e Ww ficariam sujeitas [na produção de futuros episódios], conforme fosse mais conveniente às circunstâncias do caso
69.§. Em virtude de, no seu entendimento, o que efetivamente se discute é a proteção de Crianças e Jovens, menores de idade, que no âmbito do formato do programa
televisivo denominado SNn, possam ser alvo de ameaças ilícitas aos seus direitos de personalidade
70.§. Defendendo, incompreensivelmente, que aquele entendimento permitiria concluir, fora dos quadros tradicionais da legitimidade ativa e passiva nas acções declarativas, e fundamentalmente estando no domínio de uma ação especial de tutela de personalidade de seres humanos, aceitar como válido que o comportamento adequado e concreto a adotar para futuros programas da SNn por parte da Ss..e Ww respeitassem os direitos de personalidade das crianças e jovens, menores de idade, que vissem a sua imagem e privacidade colocadas em perigo de ameaça ilícita
7l.§. Para concluir que em determinadas situações, perfeitamente enquadráveis e identificáveis, é lícito ao Tribunal, mesmo não se mostrando identificado o concreto ser humano alvo de ameaça, determinar comportamentos adequados a evitar a prática de novos factos ilícitos idênticos e de similar conteúdo
72.§. Salvo melhor entendimento, entende a aqui Requerida, que andou bem o Tribunal a quo quando decidiu pela improcedência do quarto pedido formulado em sede de petição inicial, já que o quarto pedido do Ministério Público era manifestamente inviável e como tal destinado à improcedência, por duas ordens de razão:
73.§. Uma primeira formal relacionada com a legitimidade processual do peticionado, pois se a intentou a ação em representação das crianças e jovens identificados, não possui, de facto, legitimidade para que o Tribunal, a final, vincule as Requeridas Ss..e W.B. a que todos os eventuais e futuros programas do mesmo formato apenas possam ser exibidos nos moldes que o Tribunal venha a determinar., porquanto para este concreto pedido, inexiste identificada criança ou jovem que o Ministério Público esteja a representar.
74.§. E uma segunda material, relacionada com o conteúdo possível da própria acção especial de tutela da personalidade: A concreta caracterização, da presente acção, impõe que o julgador realize uma apreciação concreta, dirigida a pessoa relativamente à qual se verifique a ameaça ilícita à personalidade fisica ou moral, ora, é de todo impossível, realizar uma apreciação de verificação de ameaça ilícita aos direitos de personalidade de pessoa, se a pessoa em si é desconhecida, bem como as acções praticadas que se reputam ilícitas e ameaçam aqueles direitos. Também, desconhecendo as concretas
acções ilícitas e bem assim o sujeito, pessoa, objecto das mesmas, tornasse impossível determinar o comportamento concreto a que o agente (da acção ilícita) fica sujeito.
Toda a tramitação e pressupostos da presente acção apontam, estão, intrinsecamente ligados à identificação de um concreto sujeito, objecto da acção ilícita, e à apreciação concreta, casuística, dessa mesma acção ilícita.
75.§. Ora, ainda que por mero exercício académico se admitisse que, no presente caso existiu alguma ameaça ilícita e direta à personalidade fisica ou moral dos Requerentes, o que não se concede, é obvio que o presente tipo de ação permite apenas que o Tribunal decrete providências concretamente adequadas ao caso controvertido, e nunca providências relativas a outros casos ou a situações futuras, aliás,
76.§. Para além do referido pelo Tribunal a quo, a verdade é que nenhum tipo de acção comportaria um pedido desta magnitude, já que, o quarto pedido feito pelo Ministério Público implicaria que o Tribunal a quo, enquanto detentor do poder judicial, se arrogasse igualmente do poder legislativo, que escusado seria dizer, lhe está constitucionalmente vedado.
77.§. Razão pela qual, o quarto pedido foi corretamente julgado como manifestamente improcedente.

Notificada do recurso interposto pelo Ministério Público, a Ss..contra-alegou,
apresentando as seguintes conclusões:
DO EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO
§1. O Ministério Público refere, no intróito das suas alegações, que o recurso ordinário interposto (...) deverá subir nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 645.°, n.° 1, alínea a) e 647.°, n.° 3, alínea a), do [CPC];
§2. A presente acção não tem por objecto o estado de uma pessoa, antes visando assegurar a defesa de direitos de personalidade dos sujeitos em causa — sendo por isso uma acção sobre interesses imateriais;
§3. Razão pela qual os presentes autos não poderão ser enquadrados na alínea a) do n.° 3 do artigo 647.° do CPC, devendo negar-se ao recurso apresentado o efeito suspensivo requerido;
QUANTO AO FACTO PROVADO 28
§4. Entende o Ministério Público que foi incorrectamente julgado o facto 28 do ponto III. Decisão de Facto da sentença recorrida, o qual dispõe que 28. Ainda, foram exibidos teasers -publicidade - dos episódios 1, 2 e 3, onde se salienta que a educaçãg õ dos filhos e' responsabilidade dos pais, mas que estes não estão sozinhos, mencionam-se os problemas das famílias com crianças desobedientes, pais sem autoridade, famílias em apuros, e além de visualização de algumas cenas de conflitos das crianças, mas também alguns momentos de tranquilidade e ternura, designadamente no episódio 1, onde se vê a menor M... ao colo da mãê e a ser beijada pela mesma;
§5. A pretensão do Ministério Público quanto ao facto provado 28 é feita por referência ao acima mencionado documento/ficheiro, formato AVI, com o título SNn... 001;
§6. Este documento contém não só um teaser promocional, que contém uma súmula do restante episódio, como ainda todo o episódio 3, que ocupa os restantes cerca de 50m do documento, sobre o qual o Tribunal a quo se pronunciou, como pode retirar-se da leitura do facto 34 do ponto III. Decisão de Facto da sentença recorrida;
§7. Sem prejuízo do que ficou dito sobre a (deficiente) arguição de nulidades por parte do Ministério Público, diga-se que, de acordo com a alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, a sentença é nula quando O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
§8. De acordo com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29.06.2016, do Relator Joaquim Condesso, proferido no âmbito do processo n.° 05917/12 , (...) Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, questões e, por outro, razões ou argumentos para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das questões) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das razões ou argumentos invocados para concluir sobre as questões;
§9. Questões serão, tal como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.02.2015, do Relator Sousa Peixoto, proferido no âmbito do processo n.° 05S2137, (...) as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter. Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (...);
§10. Pelo que o Tribunal a quo não está obrigado a descrever detalhadamente todos os documentos juntos aos autos, mas deve sim selecionar e pronunciar-se sobre a matéria de facto relevante, como fez, por exemplo, no número 6 do ponto IV. Aplicação do Direito da sentença recorrida;
§11. E isto porque a pronúncia sobre a matéria de facto relevante não se confunde (antes se baseia) com a apreciação dos meios probatórios respectivos, não impedendo sobre o Juiz qualquer ónus de descrição exaustiva desses mesmos meios probatórios;
§12. Mesmo que assim não fosse, o Tribunal a quo não deixou de pronunciar-se sobre um teaser do episódio 3, desde logo no próprio facto 28, mas também sobre o meio de prova que o Ministério Público indica como susceptível de impor decisão diferente sobre o facto impugnado (nos termos do ónus prescrito na alínea b) do artigo 640.° do CPC), no qual aquele se encontra — pelo que não pode aqui assacar-se qualquer omissão de pronúncia;
§13. Parece por isso que o Ministério Público confunde a omissão de pronúncia sobre matéria de facto relevante, com a omissão de descrição exaustiva do meio probatório que lhe corresponda e que de forma alguma integra a nulidade descrita na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC;
§14. Nem se vê como possa este meio probatório, por outro lado, impor uma decisão diferente sobre o facto: desde logo porque mais não é que um resumo dos momentos visualizados no episódio — por definição propositadamente mais curto, não omisso;
§15. Pelo que deverá, em conformidade, improceder a arguição de nulidade apontada e
a impugnação efectuada, mantendo-se a redacção do facto provado 28.
QUANTO AO FACTO PROVADO 34
§16. Quanto ao facto provado 34, refere o Ministério Público que (...) a nossa discordância cinge-se, fundamentalmente à técnica descritiva utilizada pelo Tribunal e que é de todo diferente daquela que foi utilizada para caracterizar os episódios n.°s 1 e 2, tal como constam dos factos narrados em 32 e 33, respectivamente;
§17. Mais uma vez, o Ministério Público (deficientemente) arguiu uma nulidade inexistente; §18. Como da sua exposição fica claro, e o próprio admite, trata-se tão só de uma discordância quanto à descrição que é feita do documento visualizado;
§19. Também aqui não existe qualquer omissão de pronúncia pelo facto de o episódio conter outras partes que não são descritas no facto provado 34 — o Tribunal a quo apreciou o meio probatório em questão e descreveu-o no ponto em causa, não lhe sendo exigível que adoptasse uma narrativa mais completa, remetendo-se aqui para o que ficou dito a propósito da confusão do Ministério Público e da improcedência da nulidade;
§20. Por esta razão, as partes do documento citadas pelo Ministério Público são irrelevantes — pretendem apenas completar aquilo que não tem que ser completado, porque manifestamente suficiente;
§21. Acresce que o documento em causa não é, mais urna vez, susceptível de impor uma decisão diferente quanto ao facto provado, que consiste num resumo do episódio, que tece considerações positivas e negativas acerca do seu conteúdo e que portanto, mais ou menos completo, retrata o documento apresentado;
§22. Pelo que deverá improceder a pretensão do Ministério Público quanto a este facto; SOBRE O ARTIGO XXXIII DA PETIÇÃO INICIAL
§23. O Ministério Público afirma que o Tribunal a quo não deu por provado o artigo XXXIII da petição inicial;
§24. Este artigo em surge no contexto da introdução da matéria respeitante ao episódio 3, na sequência dos seguintes artigos:
XXXI. O episódio n.° 3, a ser transmitido no próximo domingo, dia 28 de janeiro de 2017, já se encontra realizado e filmado, pronto a exibir; XXXII. Nesse episódio, respeitante aos Requerentes L... T... e C..., apesar da Requerida Ss..ter disponibilizado imagens anunciativas da sua futura exibição, retirou-as da emissão e do formato digital;
XXXIII. Não obstante, no período em que estiveram disponíveis ao público, o avô das crianças visualizou o anúncio e tendo ficado surpreendido com a notícia, de imediato, reportou e queixou-se à Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco (realce nosso);
§25. Ora, a presente acção pressupõe não só a existência de uma ameaça ilícita e directa, ou ofensa já cometida, mas também, logicamente, que essa ameaça ou ofensa se dirijam a direito(s) de personalidade de determinada(s) pessoa(s), as quais constarão como requerentes na lide processual — e a correspondente prova;
§26. No caso concreto, hão de por isso ter-se por relevantes ou essenciais os factos de que possa deduzir-se a verificação dos pressupostos acabados de referir;
§27. Cabe ao Juiz selecioná-los, bem como considerar aqueles que não o sejam, em conformidade com o artigo reproduzido — de acordo com o disposto no artigo 5.° do CPC;
§28. Tal como pode ler-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 03.02.2017, do Relator Vital Lopes, proferido no âmbito do processo n.° 01956/15.4BEPRT, (...) como refere Jorge Lopes de Sousa, CPPT — Anotado, Vislis, 4.a ed. (2003), a pág.566, «relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (...)»;
§29. O que aqui está em causa, por isso, é saber se o artigo XXXIII da petição inicial deve reputar-se por essencial de forma a dever ser apreciado pelo Juiz do Tribunal a quo — e não é, pois que de forma alguma a opinião do Avô de um dos menores pode servir de prova de existência de uma ameação directa e ilícita;
§30. Mas mais: O Ministério Público pretende que seja aditado o seguinte facto:
Não obstante, no período em que estiveram disponíveis ao público, o avô paterno das crianças visualizou o anúncio publicitário e tendo ficado surpreendido com a notícia, horrorizado com as imagens do seu neto mais velho, o Autor T... , de imediato, reportou e queixou-se à Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco, através de email remetido em 15 de janeiro de 2018, com o teor que segue... (transcrição integral do e-mail);
§31. A redacção deste facto não corresponde ao artigo constante da petição inicial. O Ministério Público pretende, assim, que o Tribunal a quo dê por provado um facto com uma configuração diferente da que foi alegada;
§32. Não devendo os factos constantes do artigo da petição inicial em causa considerar-se essenciais, não estava o Tribunal a quo obrigado a pronunciar-se especificamente sobre eles, como acima se demonstrou, inexistindo aqui qualquer nulidade;
§33. Trata-se de um problema de irrelevância do facto e não de existência de um meio probatório que impusesse decisão diferente — pelo que não pode proceder a impugnação da matéria de facto, também aqui, o que desde já se requer;
SOBRE O FACTO PROVADO 63
§34. O Ministério Público discorda ainda do facto provado 63, de acordo com o qual As famílias ficaram satisfeitas com o resultado obtido, por entender que se trata de uma conclusão fáctica em contradição com outros factos assentes;
§35. A discordância quanto ao facto provado 63 surge, convenientemente, descontextualizada: este facto é precedido do facto provado 62, que refere que O objectivo de todos os requeridos pais foi o de contribuir para melhorar o relacionamento dos mesmos com os seus filhos, ajudando-os a estabelecer regras e limites e melhorando a comunicac õ entre todos;
§36. É assim claro que ao referir-se às famílias, o facto provado 63 se reporta aos elementos integrantes das famílias que tenham participado nos episódios em causa, já que logicamente não pode aferir-se da satisfação de quem não tenha participado no programa, entendida como a obtenção dos objectivos referidos no facto provado 62, como é o caso do requerido LB... que não faz sequer parte do núcleo familiar actual da menor visada no episódio 1;
§37. Daí que, limitando-se a prestar consentimento para a participação da sua filha no programa, não tendo manifestado interesse em dele participar, não possa aferir-se do seu grau de satisfação — pelo que resulta óbvio que o facto provado 63 não o inclui;
§38. Acresce que a satisfação é aferida por referência aos efeitos da participação no programa sobre o comportamento das crianças — portanto a um momento posterior que pressupõe que uma metodologia tenha sido adoptada e, graças a ela, atingido um objectivo gerador de satisfação;
§39. O facto provado 79, tal como o facto provado 80, reportam-se à posição dos pais sobre o consentimento para a utilização dos direitos de imagem, prestado num momento anterior à participação no programa, pelo que o facto de este ter sido retirado em nada invalida que as famílias não tenham ficado satisfeitas: a satisfação com os resultados no comportamento das crianças em virtude do programa em nada depende do consentimento dos pais para a emissão do programa, pois que uma pode ter-se verificado ainda que o outro não existisse;
§40. Não constitui por isso a retirada de consentimento um facto que implique que o Tribunal a quo desse como não provado o facto 63. Por outras palavras, não impunha decisão diversa da recorrida;
§41. Diga-se também que o facto provado 80 é utilizado pelo Ministério Público sem que este refira a razão da retirada do consentimento pelos pais requeridos aí referidos: o consentimento não foi retirado por estes não estarem satisfeitos com o resultado obtido — mas, como pode ler-se nos artigos 3.° a 15.° da sua contestação, pelo facto de os progenitores terem sido influenciados pela opinião pública quanto ao programa, sendo —e aqui se vê claramente — independente do grau de satisfação dos requeridos que participaram no programa, como acima ficou dito;
§42. Pelo que deverá improceder a pretensão do Ministério Público quanto a este facto; SOBRE O FACTO PROVADO 65
§43. Veja-se, quanto ao facto provado 65, tudo quanto ficou alegado nas alegações de recurso da Ss..(cf. páginas 21 a 46 das respectivas alegações), para as quais se remete por uma questão de economia processual — devendo assim improceder a sua pretensão; SOBRE A DISCORDÂNCIA COM O SEGMENTO 2 DO PONTO V. DECISÃO DA SENTENÇA RECORRIDA
§44. O Ministério Público discorda do entendimento constante do número 6 da Sentença recorrida, onde se conclui que em relação ao episódio 3 não existe (...) ameaça ilícita e directa aos direitos de personalidade — imagem, e reserva da intimidade da vida privada - dos menores T... , L… e C...;
§45. No que toca à alegação feita pelo Ministério Público de que a imagem e intimidade privadas dos menores T... e L… foram expostas de modo ilícito, dá se por reproduzido o argumento constante do recurso da S… apresentado no passado dia 06.08.2018 quanto à validade dos consentimentos prestados e consequente afastamento da ilicitude, para o qual se remete por uma questão de economia processual;
§46. Bastará repetir o que já consta da contestação e das alegações da S… não existe qualquer violação dos direitos das crianças e jovens que participaram neste programa uma vez que os respectivos detentores das responsabilidades parentais prestaram o devido consentimento, cuja regularidade não foi contestada pelo Ministério Público;
§47. Os consentimentos prestados — e no caso, pelos três progenitores em questão - têm como efeito uma autolimitação do direito à imagem e à reserva da intimidade da vida privada desses menores, afastando, por isso, a existência de ilicitude (veja-se, a este propósito, o que ficou alegado no Ponto B. das alegações de recurso da S…, para onde se remete por uma questão de economia processual);
§48. Veja-se, ainda, o que ficou alegado no ponto V. das alegações de recurso da S… a propósito da inexistência de ameaça ilícita aos direitos de personalidade dos menores visados nos episódios 1 e 2 e para onde se remete por uma questão de economia processual;
§49. Devendo assim improceder a pretensão do Ministério Público;
SOBRE A DISCORDÂNCIA COM O SEGMENTO 1 DO PONTO V. DECISÃO
DA SENTENÇA RECORRIDA
§50. O Ministério Público requer, no quarto pedido, que a decisão provisória seja convertida em definitiva e que vincule as Requeridas Ss..e W.B. a que todos os eventuais e futuros programas do mesmo formato apenas possam ser exibidos nos moldes que o Tribunal venha a determinar (cf. p. 15 da Petição Inicial, realce nosso);
§51. Pretende ali, portanto, que a decisão proferida nestes autos produza efeitos em relação a todos os futuros episódios do programa SNn e, consequentemente, quanto ao universo potencial de menores que neles venham a intervir;
§52. E isto sem conhecer a identidade das crianças c jovens que possam vir a participar no programa, e sem actuar em sua representação;
§53. Ora, o Tribunal só pode proferir decisão quanto a sujeitos que sejam parte na causa, sob pena de violação do efeito relativo do caso julgado e consequente nulidade da decisão em causa;
§54. No caso dos presentes autos, são partes processuais as crianças e jovens que participaram nos três primeiros episódios do programa SNn
(Requerentes) — aqui representados pelo Ministério Público —, os respectivos pais, a Ww e a Ss..(Requeridos);
§55. Não estando o Ministério Público a actuar em representação das crianças e jovens que possam vir a participar em eventuais e futuros episódios do programa em causa —não sendo, por isso, estas crianças e jovens parte na acção instaurada — não pode formular um pedido que assente na representação dessas crianças e jovens;
§56. Relembre-se que a acção interposta pelo Ministério Público não configura uma acção qualquer mas sim uma acção especial de tutela da personalidade, destinada a proteger direitos de personalidade. Estão em causa direitos que se aferem relativamente a uma determinada pessoa, sendo sempre necessário analisar o contexto da alegada violação para verificar se, de facto, aqueles direitos estão a ser postos em causa e se a lesão ou a ameaça de lesão é ilícita;
§57. Daí que o primeiro e segundo pedidos tenham sido formulados em representação dos menores visados nos episódios 1, 2 e 3 — em relação aos quais entende o Ministério Público estarem verificados os pressupostos do n.° 1 do artigo 878.° do CPC. O quarto pedido, porém, é geral e abstracto;
§58. A acção de tutela da personalidade não se coaduna com requerentes incertos, uma vez que se trata de um manifesto contra-senso tentar fazer valer direitos de personalidade sem uma pessoa;
§59. Para que possa ser aferida a violação ou a ameaça de violação de direitos de personalidade, o mínimo é que a pessoa em causa, o lesado, esteja identificada, ainda que seja representada pelo Ministério Público:
§60. Acresce que a acção de tutela da personalidade permite apenas que o tribunal decrete providências concretamente adequadas ao caso controvertido e não providências relativas a casos incertos ou futuros;
§61. O Tribunal, enquanto detentor do poder judicial, não pode conhecer de um pedido relativo a todos os eventuais e futuros programas, caso em que violaria o princípio da separação de poderes, permitindo-se que um tribunal, enquanto detentor do poder judicial, se arrogasse igualmente do poder legislativo, conhecendo assim de um pedido não contemplado pela lei porque relativo a situações futuras;
§62. Aliás, se o tribunal acedesse ao pedido do Ministério Público, chegar-se-ia perto da censura pela simples razão de que não é aos tribunais, mas sim ao legislador, que cabe conformar de forma geral e abstracta a liberdade, aqui enquanto liberdade de expressão, liberdade de informação e ser informado e liberdade de programação (Cf., entre o mais, o artigo 18.°, n.°2, da CRP);
§63. Pelo que deverá improceder a alegação do Ministério Público quanto ao quarto pedido formulado na sua petição inicial, mantendo-se o segmento decisório respectivo;
§64. Caso assim não se entenda, desde já se alega que a norma constante do artigo 878.° do CPC, interpretada no sentido de que podem ser decretadas providências relativas a situações futuras e desconhecidas é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.°, 110.° e 111.°, n.° 1, da CRP;
DA (DEFICIENTE) ARGUIÇÃO DE NULIDADES
§65. O Ministério Público inicia as suas alegações invocando que a sentença recorrida padece do vício de nulidade estabelecido nas alíneas b) e d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC;
§66. Ora, o Ministério Público não tratou de reconduzir as suas alegações a qualquer uma das alíneas referidas, utilizando apenas uma técnica discursiva da qual se pode inferir que pretendeu arguir a nulidade constante da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC;
§67. De parte alguma das suas alegações, no entanto, é possível deduzir que o Ministério Público tenha assacado a uma particular parte da sentença recorrida a nulidade constante da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC;
§68. A nulidade em causa implica a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente. Basta confrontar-se por isso o texto da sentença recorrida para desde logo concluir que tal não se verifica no presente caso;
§69. Pretendendo invocar esta nulidade, ao Ministério Público cabia alegar nesse sentido, o que manifestamente não fez;
§70. Ainda assim, e porque esta nulidade é apontada em abstracto, supõe-se que o Ministério Público possa ter pretendido invocar, quanto muito, a falta de fundamentação da matéria de facto;
§71. Não pode proceder este argumento, uma vez que o Tribunal indicou os meios e elementos dc prova de que se socorreu para a análise dos factos como, mais uma vez, resulta claro da simples leitura da sentença recorrida;
§72. Pelo que não procede a invocação da nulidade constante da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, seja a que título for.

Notificado dos recursos interpostos pela Ss..e pela Ww, o Ministério Público contra-alegou, a presentando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
a) Os recursos apresentados pela Ss..e pela Ww caracterizam-se, em larga medida, por continuarem a evidenciar uma clara atuação de desvio do centro de atenção deste processo, que versa sobre a proteção da imagem e da reserva da vida privada dos menores, sendo que, mais urna vez, as Recorrentes demonstram o papel secundário que atribuem aos direitos dos Autores aqui em apreciação, antes dando primazia à informação que pretendem alcançar com a mediatização do assunto visado pelo programa.
b) E assim, prosseguem, (...) nas doutas palavras do Tribunal da Relação de Lisboa (acórdão de 29/5/2018), na inversão de valores desta pirâmide criada entre o direito das crianças à proteção da sua imagem, o direito dos telespectadores à informação/recreação e o dever que as Recorrentes entendem deter para procederem à transmissão desse mesmo conteúdo informativo, os primeiros são deixados sem garantias, legitimando as Recorrentes a sua atuação na prossecução dos segundo e terceiro vértices desta questão.
c) A matéria do consentimento para a utilização da imagem dos Autores, além de amplamente assinalada na Petição Inicial, é algo que necessariamente teria (e terá) que ser avaliado na medida em que essa atuação por parte dos progenitores é que despoleta a ação que culmina com a ameaça e violação dos direitos de personalidade das crianças.
d) A tutela da personalidade e os comportamentos adequados a evitar mais ameaças apenas visavam quem tinha e quem continua a ter o domínio continuado da ação lesiva, e não, direta e expressamente, aqueles que consentiram com a produção dessa ameaça.
e) No domínio de uma ação especial de tutela da personalidade humana, ao contrário daquilo que é a manifestação e vinculação tradicional ao princípio do pedido, ao Tribunal é lícito, nos termos do n.° 4 do artigo 879.°, do Código de Processo Civil, decidir de modo diferente àquilo que foi inicialmente requerido.
f) Não admitir a existência de um pedido implícito relativamente à validade dos consentimentos prestados pelos pais, Requeridos na ação, face a um comportamento factual que deu origem à verificação de concretas ameaças aos direitos de personalidade, será não compreender o que efectivamente constitui o objeto e a causa de pedir desta concreta ação especial.
g) Tal como já foi reconhecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a proteção devida aos menores ali identificados e que, nos presentes autos, está a ser legitimamente assegurada e protegida pelo Ministério Público;
h) E assim sucede acolhendo a perspetiva global assinalada na sentença, numa interpretação conforme à unidade do sistema, ou seja, o Superior interesse destas
crianças, reclama a intervenção do Estado, e nos Tribunais, em representação dos incapazes, essa cabe ao Ministério Público.
i) Além de que, o caráter pessoal dos direitos de personalidade não pode estar na total disponibilidade dos representantes legais dos menores quando justamente são eles também os responsáveis pela sua violação.
j) O artigo 23.°, n.° 1 do Código de Processo Civil, em conjugação com a interpretação face à unidade do sistema de proteção dos direitos de personalidade das crianças e jovens, legitima a atuação do Ministério Público.
k) Os factos dados como assentes em 65, 66 e 67, da sentença, efectivamente, mostram-se narrados de forma parcialmente diferente da que foram alegados pelos Autores, no entanto, a dimensão factual relacionada com os riscos e as respetivas consequências, em si mesmos, na sua essencialidade, são os mesmos e estão neles contidos.
1) O núcleo essencial da presente ação visa a prova da verificação de ameaças para a personalidade de crianças através de um programa televisivo. E essa prova não é, nem pode ser, de natureza pericial!
m) Confundir prova de um potencial c concrcto dano futuro com a prova de factos concretos, que se observam pela visualização de programas televisivos, é desvirtuar aquilo que constitui a causa de pedir desta ação.
n) O Tribunal apreciou e formou a sua convicção, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sustentando-se na prova testemunhal e na prova documental junta e admitida, prova essa suficiente e necessária para a demonstração dos factos alegados pelos Autores.
o) O risco razoável de potencial dano futuro é por demais evidente e todas as testemunhas inquiridas sobre essa dimensão factual, inclusive as arroladas pelas Recorrentes Ss..e Ww, com exceção de uma, o demonstraram.
p) Quando alguém, menor de idade, fica vinculado, para a vida, a que a sua imagem, a sua privacidade em criança, possa ser exibida em qualquer suporte televisivo ou de internet, é possível aceitar a prova dos factos narrados em 65, 66 e 67, na perspectiva futura da verificação de razoáveis riscos para a sua intimidade, privacidade, para a sua personalidade.
q) O facto não provado «a produção faz um trabalho de edição das imagens, tendo o cuidado de selecionar momentos e imagens que não demonstrem de forma invasiva as rotinas familiares ou momentos de particular fragilidade — quanto aos episódios 1 e 2», mostra-se corretamente julgado.
r) E essa não prova do facto é por demais evidente face ao conteúdo conhecido daquilo que constitui o conteúdo dos episódios n.°s 1 e 2 do programa SNn.
s) Dito de outro modo, dar como provado este alegado facto (ou melhor, esta clara conclusão) o Tribunal teria incorrido em grosseira e manifesta contradição com o conteúdo explicativo dos factos narrados em 26, 27, 30, 31, 32 e 33, onde se evidencia, à saciedade, que a produção não faz ou não fez um trabalho de edição das imagens, tendo o cuidado de seleccionar momentos e imagens que não demonstrem de forma invasiva as rotinas familiares ou momentos de particular fragilidade — quanto aos episódios 1 e 2.
t) A celebração deste concreto Acordo de participação e Autorização para a utilização do direito à imagem, com o conteúdo tal qual é descrito nos factos 20, 21, 24 e 25 da sentença, é nulo justamente porque configura uma limitação voluntária de direitos de personalidade de crianças contrária à ordem pública.
u) Estamos perante um verdadeiro contrato de adesão, de alienação de imagens e de momentos da vida privada de crianças com uma extensão temporal ilimitada e de alcance visualizador mundial.
v) O conteúdo da sentença quanto à conclusão da verificação da colisão de direitos mostra-se correto e constitui uma forma adequada à resolução do litígio porquanto, o exercício dos direitos, apesar de compatíveis, quando implicam a verificação de ameaça, a respetiva ilicitude determinará que a resolução se faça por referência ao instituto da colisão de direitos.
w) Os factos provados referentes aos spots promocionais e aos episódios demonstram que o que é exibido não são apenas e só meras birras.
x) Mas, mesmo que assim fosse — e não é — as crianças teriam o direito a que as suas alegadas meras birras não fossem vistas por um milhão de pessoas e que essas mesmas birras não ficassem disponíveis indefinidamente no tempo e pelo mundo inteiro, através de um simples acesso online.
y) A Recorrente Ww não produz uma efetiva impugnação da matéria de facto, pois limita-se a assinalar passagens em que pretende valorizar aquilo que lhe interessa à procedência dos interesses que representa, em detrimento da realidade probatória global, produzida em audiência de julgamento.
z) Pelo que não lhe é lícito interpretar, à maneira que mais lhe convém, aquilo que é a decisão do Tribunal, no âmbito do seu espaço de livre apreciação da prova produzida no julgamento, na sua totalidade.
aa) É descabido, por nenhuma prova ter sido feita nesse sentido, afirmar que está demonstrado que:
(i) A transmissão por programa de televisão das dimensões comportamentais dos menores retratados não apresenta riscos plausíveis, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade.
(ii) Não existem riscos de os menores retratados não compreenderem ou não aceitarem a decisão dos pais permitirem a sua participação neste programa de televisão, bem como não existem riscos de potenciais consequências negativas em ambiente escolar.
(iii) E ainda, que não existem riscos de verificação de fenómenos de bullying.
(iv) Os comportamentos e imagens transmitidos nos episódios 1, 2 e 3 não correspondem a situações ilícitas, nem configuram patologias pSsológicas,
(v) A edição de imagem condensou na duração e na intensidade os comportamentos considerados inadequados dos menores, pelo que aquilo que foi produzido, conseguindo retratar a realidade é uma versão atenuada da mesma que não enfatiza os mencionados comportamentos. (vi) Os menores retratados tinham antes da participação no programa comportamentos desadequados, cuja não correção provocaria sério dano no seu percurso profissional e académico.
(vii) O standard do audiovisual como é exibido nas televisões atualmente inclui a divulgação de imagens de menores em circunstâncias que lhes são desfavoráveis desde que não seja retratado nenhum comportamento ilícito.
(viii) Os comportamentos e imagens transmitidos nos episódios 1, 2 e 3 não correspondem a situações ilícitas, nem configuram patologias psicológicas, sendo os mesmos de ocorrência habitual no espaço público.
bb) A postura assumida pela Ww é, no mínimo, reveladora do reconhecimento que os interesses de um público ávido de espetáculo com a vida privada dos outros, sedento de um voyeurismo doentio, na procura incessante de mais audiências, valem substancialmente mais do que a reserva da vida privada de crianças.
cc) Para a verificação da ameaça aos direitos de personalidade conforme a melhor interpretação a conferir aos n.°s 1 dos artigos 70.° do Código Civil e
878.°, do Código de Processo Civil, bastará que ela se verifique seja qual for a intensidade com que é praticada.
dd) O mesmo sucedendo com a melhor interpretação a conferir à cláusula geral de tutela da personalidade humana, no sentido de potenciar o seu livre desenvolvimento, em constante mutação, conforme o disposto no artigo 70.°, do Código Civil, que determina que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
ee) Ao que ainda acrescerá a tutela do direito à reserva da vida privada, onde se integra a projeção vital do direito à inviolabilidade pessoal.
ff) Assim, de acordo com disposto nos artigos 70.°, n.° 1 e 79.°, do Código Civil e do mesmo modo o artigo 878.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, toda e qualquer ameaça ou violação ilícita e direta à personalidade física e moral de ser humano, não está dependente do grau de intensidade e do grau de violência do modo como os direitos de personalidade são ameaçados ou atingidos, bastando-se a sua concreta verificação. gg) A decisão condenatória é possível de ser executada pela Recorrente Ww e, fundamentalmente, está legalmente sustentada no disposto no n.° 4 do artigo 879.°, do Código de Processo Civil, isto é, constitui, face à agressão julgada, comportamento concreto a que o requerido fica sujeito.
hh) E assim é porquanto é adequado ao conteúdo ilimitado do Acordo de Participação que a própria Ww elabora e predispõe, sem possibilidade de negociação, aos respetivos aderentes.
ii) Além disso, a Ww olvida que a decisão está devidamente sustentada naquilo que é hoje a letra da lei, em matéria de proteção de dados, conforme estabelecido no artigo 17.°, do Regulamento Europeu de Proteção de Dados, o qual veio consagrar um efetivo direito ao esquecimento, ou melhor, um direito ao apagamento dos dados ou direito a ser esquecido, relativamente a informações colocadas online.
jj) Tendo sido a Ww a celebrar o denominado Acordo de Participação, é sobre ela também que recai o domínio da própria proteção dos dados e, desse modo, é sobre si que incide a obrigação legal de cumprir com aquilo que a lei determina e que o Tribunal decidiu.

II-Objecto do(s) Recurso(s)
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635°, n° 4, e 639°, n° 1, do CPC/13.
1-Assim, face às conclusões apresentadas, pelos três recorrentes, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir, dividindo-as por cada um dos recursos:
A)- Quanto ao recurso apresentado pelo Ministério Público:
a)- Omissão de pronúncia sobre três pontos da matéria de facto relativos a:
i)-Teaser promocional do episódio n° 3;
ii)- Determinados aspectos do conteúdo desse episódio n° 3;
iii)- O facto alegado no ponto 33 da petição inicial, face aos meios de prova produzidos.
b)- Impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 63°, por ser conclusivo e se mostrar em contradição com os factos assentes 79° e 80° e do ponto 65° na sequência das omissões factuais verificadas no episódio 3.
c)-Reposição da decisão provisória quanto ao episódio 3.
d)- Poder o tribunal determinar a actuação das rés Ss..e Ww no que toca a episódios futuros.

B)- Quanto ao recurso apresentado pela Ss:
a)- Nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, quanto ao conhecimento de alegado pedido implícito quanto à validade do consentimento dado pelos pais dos menores;
b)- Falta de capacidade dos menores por irregular representação pelo Ministério Público, ou ilegitimidade do ministério público para a acção;
c)- Impugnação da matéria de facto, quanto:
i)- Pontos 65°, 66° e 67, por não terem sido alegados pelo Ministério Público;
ii)- Ao facto não provado da contestação da Ss;
d)- A revogação da decisão quanto aos episódios 1 e 2.

C)- Quanto ao Recurso interposto pela Ww:
a)- Contradição entre factos provados nos pontos 65, 66 e 67 e, 51, 52 e72,
73 e 74 e os factos não provados;
b)-Factos que deveriam ter sido dados como provados;
c)- Incorrecta fundamentação da decisão;
d)- Validade do consentimento dado pelos pais;
e)- Inexistência de colisão entre direitos fundamentais.
f)- Impossibilidade da condenação ao exercício do direito de propriedade;
g)- Não extensão dos efeitos da condenação à Ww.

2- Factualidade elencada pelo tribunal a quo:
2.1-Factos provados:
1. MM... nasceu em 24.9.2010, e é filha de PM... e de LB....
2. FF... nasceu em 14.3.2012 e é filho de CSF... e RNF....
3. LF... nasceu em 5.5.2004 e é filha de CSF... e RNF....
4. LA... nasceu em 28.4.2011 e é filho de VAF e TA....
5. LA... nasceu em 16.8.2009 e é filho de VAF e TA....
6. CG nasceu em 21.9.2016 e é filha de VAF e de NMG.
7. No âmbito da sua actividade comercial, enquanto estação de televisão, a Requerida Ss divulga conteúdos e programas que previamente contrata a produtoras.
8. A requerida Ww... desenvolve a actividade de produção de programas de televisão em função de contratos celebrados com estações de televisão.
9. As Requeridas Ss..e Ww... acordaram na encomenda da primeira à segunda, que aceitou, a produção e realização de uma obra de televisão com o título genérico SNn.
10. O programa em causa foi originariamente criado em Inglaterra em 2004, tendo sido transmitido no canal público Ch… 4, e adaptado em outros Países, pelo menos, outros 22, entre os quais, Espanha, Brasil, França, Estados Unidos da América.
11.No Reino Unido foi exibido durante cinco temporadas, no espaço de quatro a cinco anos, e nos EUA, foi exibido durante oito épocas, entre 2005 e 2013, e com cerca de 700 episódios produzidos e exibidos em todo o mundo.
12. Programa relativamente ao qual a Requerida Ss já exibiu os episódios n°s 1 e 2, nos dias 14 e 21 de Janeiro de 2018, respectivamente, entre as 21h30m e as 22h45m, tendo obtido um share de audiência de cerca de 25/prct. e 27/prct., respectivamente, equivalente a um milhão e duzentos e cinquenta mil espectadores, quanto ao episódio n°2.
13. De acordo com a Requerida Ss na divulgação que transmite, a ideia deste programa, é mostrar ao público como impor a disciplina e regras às crianças.
14. O formato do programa, segundo a requerida Ss, denomina-se um documentário da realidade/reality doc, porque documenta a realidade.
15. Para os fins indicados em 13., uma Nn- a qual pode ser uma psicóloga, coacher, terapeuta, ou educadora - varia de país para país a formação de base da mesma e a sua denominação - ajuda os progenitores a estabelecerem regras e limites e a melhorarem a comunicação entre todos, com vista a criar uma dinâmica familiar mais saudável.
16. O lema genérico apresentado pela Requerida Ss, quer na televisão, quer na internet, é o de ajudar as famílias portuguesas a ser mais felizes!.
17. Objectivo que visa estender-se a todas as famílias que se encontram a assistir ao programa de televisão, difundido quer pelo canal de televisão, quer através de sítios internet, redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o youtube e afins.
18. No âmbito da actividade de angariação de pessoas (casting) que pudessem ser seleccionados para participar no programa, era apresentado, pela Requerida Ww... o seguinte texto:
Venho por este meio em representação da produtora de televisão Ww... pedir o vosso apoio num projecto feito por famílias e dirigido às famílias. Com efeito gostaríamos de poder contar com a vossa instituição na sinalização de famílias interessadas (com mais do que uma criança) em participar neste programa de enorme importância social para que posteriormente as possamos conhecer. De modo a facilitar e transmitir uma melhor compreensão do âmbito do programa, seguem as linhas fundamentais de divulgação:
Falta-lhe energia para acompanhar os seus filhos?
Os seus filhos tiram-lhe o sono?
Têm sempre resposta na ponta da língua?
Conseguem deixar pai e mãe com os cabelos de pé?
As birras dos seus filhos dão-lhe vontade de fugir?
Tem em casa adolescentes que estão zangados com o mundo?
Já não sabe o que fazer para recuperar a paz?
Revê-se nalguns destes dilemas? Então temos o desafio perfeito para si e para a sua família...
A Ww... está a preparar um novo projeto e está à procura de famílias: das pequenas às numerosas, passando pelas da cidade e do campo, as monoparentais, as tradicionais ou até novas famílias.
Famílias que discutem e que fazem as pazes, que riem e que choram, que se divertem e se zangam. Todas cabem neste novo formato, que promete surpreender.
Em cada episódio, a nossa especialista em educação, responde ao apelo e uma família.
O objetivo deste programa é dar às famílias portuguesas ferramentas que precisam para recuperar a harmonia familiar, sendo a solução perfeita para pais e mães desejoso de ter aqueles momentos de tranquilidade que já viveram.
19. Os menores MM..., FF..., LF..., LA..., LA... e CG, e os seus progenitores, PAM..., CSF... e RNF..., VAF e NMG, foram seleccionados para participar na primeira série de oito episódios do programa.
20. Para formalizar a participação no programa, a Ww... disponibilizou aos progenitores, aqui requeridos, um documento intitulado acordo de participação, cujo conteúdo e clausulado se encontrava previamente predefinido pela mesma, bastando aos progenitores preencher os dados da identificação e assinar.
21. O denominado acordo de participação estabelece a aquisição por parte da Ww... dos direitos de imagem e propriedade intelectual dos pais das crianças, que por sua vez os cedem, mediante o pagamento de uma contrapartida de €1.000,00 (mil euros) por acordo celebrado, pagos em dinheiro ou mediante a entrega de cartão Dá, o qual permitia aquisições nas lojas aderentes, até ao limite dos mil euros.
22. O acordo prevê e estabelece que o período de gravações para a exibição de um episódio da série SNn implica oito a dez dias de disponibilidade.
23. A participação no programa pela Requerida PM... e por APM..., foi formalizada através do documento denominado de Acordo de Participação, cujas cópias se encontram juntas aos autos, em suporte físico, a fls. 88 verso a 91 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
24. É disponibilizado aos participantes no programa o documento denominado Autorização para a utilização do direito à imagem, onde consta, além do mais, que a utilização do direito à imagem é sem qualquer limitação temporal ou territorial na difusão televisiva e comunicação pública do Programa e/ou promoção do mesmo, bem como que autorizam a Ww... a incluir a gravação no programa e a fazer a sua posterior exploração, através de reprodução, distribuição, comunicação pública (incluindo a televisão) disponibilizado por qualquer meio de transmissão incluindo streaming ou download. (...) todas as autorizações concedidas são para todo o mundo e para o prazo máximo permitido por lei. (..) Esta autorização também se estende a quaisquer outras pessoas ou entidades que sejam autorizadas, directa ou indirectamente pela Ww... a utilizar e /ou difundir todo ou parte do Programa, bem como que a autorização concedida configura (...) uma limitação da reserva sobre a intimidade da minha vida privada, cujas cópias se encontram juntas aos autos, em suporte físico, a fls. 70 a 84 e que aqui se dá por integralmente reproduzidos.
25. No caso das crianças e jovens, a referida autorização é dada a assinar aos pais, enquanto seus representantes legais, nos termos e para os efeitos do disposto no art° 124° do Código Civil, acrescentando a Ww... que (...) o retratado foi consultado sobre a sua participação no programa, não tendo expressado qualquer objecção.
26. Na publicidade que antecede a exibição do episódio n° 1, ouve-se uma voz em off a dizer que: pela primeira vez a SNn enfrenta o furacão M..., e com apenas sete anos é ela quem manda em casa, a mãe já não sabe como dominar a tormenta em que se tornou o seu dia-a-dia, a SNn é chamada porque a mãe perdeu o controlo da educação da filha, e ouve-se a mãe da M..., P... dizer que quando a filha é contrariada, pode-se dizer que se transforma numa verdadeira diabinha.
27. Na publicidade que antecede a exibição do episódio n° 2, ouve-se voz em off a dizer: quando uma família é refém de um pequeno ditador, reportando-se ao menor FF....
28. Ainda, foram exibidos teasers -publicidade - dos episódios 1, 2 e 3, onde se salienta que a educação dos filhos é responsabilidade dos pais, mas que estes não estão sozinhos, mencionam-se os problemas das famílias com crianças desobedientes, pais sem autoridade, famílias em apuros, e além de visualização de algumas cenas de conflitos das crianças, mas também alguns momentos de tranquilidade e ternura, designadamente no episodio 1, onde se vê a menor M... ao colo da mãe e a ser beijada pela mesma.
29. Noutro teaser, vê-se a SNn a identificar os problemas das famílias: birras, desobediências, uso excessivo de tecnologias, dizendo (reportando-se às famílias em apuros) para estabelecer as regras, cumprir o que promete, e seguir os conselhos da SNn.
30. Quanto ao teaser/promo do episódio 1, ouve-se a voz em off dizer que a M... é um pesadelo dentro de casa e que a P... (mãe) desespera, birras a toda a hora, indisciplina, violência, clanunente quem manda aqui é a filha, esta família enfrenta o caos.
31. Nos teasers do episódio 2, nos mesmos além de exibidas as birras do F... e da L…, também se visualizam as actividades propostas pela SNn com a L… e o apelo dos pais para encontrarem harmonia familiar.
32. No dia 14 de Janeiro de 2018, entre as 21h30m e as 22h45m, foi exibido o primeiro episódio da SNn com o conteúdo que consta dos suportes (pen e vídeo) juntos aos autos, designadamente:
Vemos a mãe, e também a avó, a contar quais as dificuldades no comportamento da filha/neta, que identificam como não as sabendo resolver, lidar com elas, e com base nas quais a mãe pede a ajuda à SNn, e vamos vendo imagens que ilustram esses mesmos comportamentos; segue-se a apresentação da SNn, a qual passa a mensagem de que não são as crianças que devem ser responsabilizadas pelos seus comportamentos, mas sim os seus pais, e que devem existir regras, diálogos e muito amor para que uma família seja equilibrada;
A SNn fala com a mãe sobre a filha, M..., dizendo que gostou muito da mesma mas que ela tem atitudes de tirana para com a mãe;
No dia seguinte, chega a SNn a casa da M....
A mãe da M... tenta que esta arrume brinquedos, sem sucesso. A mãe da M... explica que esta, desde muito pequena, esta funcionava na base da chantagem, e vê-se a mãe a aplicar a mesma para que a filha proceda à arrumação de brinquedo.
A SNn explica que a chantagem não é uma boa técnica porque a criança à segunda ou terceira vez já não vai aderir à mesma.
Vê-se a M... em cima da cama (seu quarto) a vestir-se, e encontrando-se desnudada da cintura para baixo, foi feita a aplicação de filtro sobre essa parte do corpo.
Vê-se a M... a dar uma palmada na perna da mãe, quando sentada ao colo da mãe, que a está a pentear.
Vê-se a M... a choramingar e a pedir para ir para o quarto, bem como a M... enervada, a choramingar, a recusar-se ir para o banho, e depois, já no banho, a visualização apenas das costas da mãe ao pé da cabine de duche a dar banho à M...; sai com a mesma embrulhada em toalha, onde apenas se vê os joelhos e pernas abaixo do joelho; a seguir vê-se a M... a adormecer ao lado da mãe a ver televisão; e a mãe a levá-la ao colo para o quarto; a M... acorda quando chega ao quarto, e começa a choramingar e a pedir para voltar a ver televisão, a mãe perante a atitude da filha dá-lhe duas palmadas que se percebe não serem fortes, de forma a dissuadir a M..., tendo esta ripostado igualmente. A M... pede colo à mãe. Em toda a situação, o quarto está na penumbra, pois era hora da M... ir dormir. A M... consegue fazer com que a mãe a leve para o seu quarto.
Após breve intervalo, a SNn fala com a mãe e avó da M..., a fim de lhes apresentar o ponto da situação, o que entende estar errado na dinâmica familiar e o que deverá ser adoptado com vista à correcção.
Para ilustrar as situações a corrigir, a SNn mostra as imagens gravadas, sobre as situações a corrigir, e dá a sua indicação sobre a situação, quanto ao que está errado, concluindo que não há respeito e regras, e que as regras são necessárias para o bem da M.... A SNn diz que sobre a M... ela vai-se tornar numa tirana, se não lhe forem impostas regras. A própria mãe desabafa que são palavras muito fortes para chamar à filha, uma criança com sete anos de idade, mas que é verdade.
A SNn fala sobre a punição fisica, no sentido de que a mesma não faz a criança interiorizar a regra, só resolvendo a situação no momento, concluindo que a palmada deve ser sempre evitada, porque humilha a criança, diminui a auto-estima.
Fala sobre as atitudes da avó para com a neta e a desautorização que a mesma faz sobre a educação que a mãe tenta transmitir à M....
Após a identificação dos problemas, propõe como corrigir os mesmos.
uma terceira parte, vemos a SNn a introduzir na família as técnicas para ajudar nos comportamentos da M..., como o estabelecimento de rotinas, que sendo executadas também pela M..., com colocação de imans no frigorifico identificativas do que a M... deve fazer, e do que não deve fazer. É explicado à M... que por cada quadro completo de tarefas, recebe dois smiles, que irão para uma caixa em forma de ursinho, a qual, quando completa, dá direito a que a M... receba uma recompensa da mãe.
É também explicado à M... se não cumprir uma regra a mãe dá um aviso de que se não cumprir a regra, terá de ir para o banquinho da pausa, e que como tem sete anos, fica sete minutos no mesmo. O banco encontra-se colocado nas escadas, canto de patamar das mesmas. Ainda, que quando sair do banco, tem de dar um beijinho à mãe e pedir-lhe desculpa.
A M... ao ouvir a explicação, dá um beijinho na mão da mãe.
É também explicado que cada vez que tome banho, sem birras, é colocado um íman de um sapinho num quadro colocado na casa-de-banho e quando não o faz, a colocação de uma cruz.
A SNn dá um pijama de presente à M..., que fica muito feliz e o veste por cima de roupa que já tinha vestida.
Após, vê-se a M... a pôr a mesa, e a jantar com a mãe a conseguir comer a sopa sozinha, no que é elogiada pela mãe.
A M... vestiu o pijama sozinha e lavou os dentes.
Porém, na hora de ir deitar, M... não obedece à mãe, esta faz o aviso e coloca-a no banquinho da pausa. A M... chora, agarrada à mãe dizendo que não quer ir para o banco. A M... quando é deixada sozinha no banco, aproveita e sai e corre para o quarto. A mãe vai buscar a M... e a SNn ao lado, tentam falar com a criança, que a choramingar chama ambas de estúpidas, a mãe diz que ela é mal educada, a M... diz à SNn que ela não manda nela, retorquindo aquela que manda a mãe. A M... volta a ser colocada, pela mãe, no banco. Volta a sair e dá uma palmada na mãe, quando esta está de costas. A mãe volta a ir buscar a M... ao quarto e a coloca-la no banco, a qual fica a chorar enquanto permanece os sete minutos no banco.
A SNn conforta a mãe, que chora, ambas sentadas no sofá da sala, no R/C, e depois na cozinha, enquanto decorrem os sete minutos e a M... vai choramingando no banquinho da pausa.
Após os sete minutos, a M... dá o beijinho à mãe e vai deitar-se. Ao aconchegar a filha na cama, a mãe diz que adora a filha e esta também retribui. No dia seguinte, a SNn regressa e vê-se a M... a cumprir as tarefas. Novo plano, desta vez só com a SNn e a mãe e a avó da M..., as questões da rigidez da filha e a desautorização da avó. A SNn frisa que a avó não deve desautorizar a filha na educação da neta.
Nova sequência, em casa da M..., e vê-se a mesma a colaborar nas tarefas. Porém, ao almoço a M... ao não colaborar na tarefa de por a mesa, a mãe coloca-o no banco da pausa, e a M... dá palmada à mãe quando esta vira costas. A mãe vai buscar a M... para o banco, e a mesma choraminga mas ficou no banco sete minutos. No final dá o beijinho à mãe e pede-lhe desculpa, com ar apaziguado.
Passados alguns dias, vêem-se planos de segundos da M... nas suas rotinas, a colaborar mais com a mãe.
Na última parte, joga-se o jogo da confiança em espaço exterior. A mãe conclui que a experiência fez a M... mudar..
33. No dia 21 de Janeiro de 2018, entre as 21h30m e as 22h45m, foi exibido o segundo episódio da SNn com o conteúdo que consta dos suportes (pen e vídeo) junto aos autos, designadamente:
Vêem-se os menores F..., de 5 anos, e L…, de 13 anos, sobretudo o F..., na sua casa, a gritar, dar pontapés e a chamar estúpidos no decorrer das tentativas de realização de rotinas quotidianas, com a sua mãe, e a jovem …, a chamar parvalhona à mãe, e a exasperar-se à mesa na refeição.
A mãe fala sobre os filhos, na primeira parte do episódio, vê-se o F... a gritar à mesa, a espernear para ir para o banho e bem assim a recusar-se a sair de manhã da sua cama, do seu quarto, o qual partilha com a sua irmã, com a mãe a tentar puxá-lo para fora da cama. A parte em que a mãe tenta que ele vá para o banho, corta-se quando a mãe vai tirar-lhe a parte de baixo do pijama. Vê-se o F... na hora da refeição, a deixar-se cair para o chão, bem como o
F... com a irmã, esta a não conseguir que o mesmo colabore em tarefas, e a discutirem, o F... a atirar-se para cima da irmã e esta a dar-lhe um pequeno empurrão, de volta para a cama, sendo as imagens alternadas com o pai a falar sobre a situação.
Depois das imagens que identificam as situações que levaram os pais a querer participar no programa, ternos a apresentação da SNn nos mesmos moldes do episódio n° 1.
A SNn chega a casa e conhece as crianças. A mãe tenta levar o F... para o banho, no que o mesmo recusa, porque quer continuar a ver a televisão, levando a que a mãe vá levando empurrado o F... para o banho, sempre com este a espernear e a gritar, e já na casa de banho, vai despindo o filho, contrariado, que se encontra no chão, sobre o tapete, vendo-se o F... com o tronco despido, a cena é intercalada com colocação de imagem da SNn a descrever a situação, e vendo-se ainda o F... deitado no tapete da casa de banho, numa imagem a preto e branco.
Após, vêm-se de costas a mãe e a irmã do F... a darem-lhe banho. O menor nunca é visualizado no banho, vendo-se apenas por alguns momentos a cabeça e um pouco do pescoço do menor. A criança contrariada no banho, vai gritando és estúpida. No final, vê-se o F... ao colo da mãe e enrolado numa toalha, vendo-se apenas um pouco das pernas do F... e a SNn ajuda a retirar a mão deste do cabelo da mãe. Apenas quando a mãe sai da casa de banho se vê por breves momentos, parte do tronco nú do F....
Quando o pai chega a casa consegue vestir o F... mas recusa-se a contar ao pai o que sucedeu na casa de banho. A mãe conta ao pai o que se passou. A mãe diz ao F... que fica de castigo sem ver televisão dois dias. O pai veste o roupão ao filho e diz-lhe que se se portar bem ao jantar a mãe reduz o castigo. A SNn identifica o problema de falta de sintonia de pai e mãe das crianças como sendo prejudicial ao exercício da sua parentalidade.
No jantar, vê-se o F... a dar uma cuspidela quando lhe é dada uma colher de sopa, no sentido da sua rejeição.
Na segunda fase, a SNn fala com os pais sobre os problemas que identificou nas rotinas da família.
Para tanto vai mostrando imagens aos pais e é chamada a atenção à mãe sobre o seu tom de voz, e por também gritar.
A SNn chama a atenção aos pais de que a agressividade não é a solução. Numa terceira parte, a SNn chega a casa e explica primeiro que os pais devem registar num quadro as rotinas, com partilha de tarefas entre o pai e a mãe, as rotinas são apresentadas aos filhos, e quanto ao F... é proposto o mesmo método de cumprimento de tarefas, e quando não realizadas, as consequências são o tapete da pausa(com o logotipo da SNn), por cinco minutos, dado ter cinco anos, e no final tem que pedir desculpa e dar um beijinho aos pais.
Na parte seguinte, e direccionada à L…, a SNn dá uma máquina fotográfica para tirar fotografias à sua família, a SNn fala com a L…, sobre ser amiga e paciente com o irmão, e saber respeitar os pais, e de seguida a L… afixa as fotografias que tirou à família no quarto ao pé da sua cama.
Na parte seguinte, e no dia seguinte, retorna a SNn, as crianças começam a colaborar na implementação das rotinas, a L… reusa-se a aspirar, e vai para o quarto, espaço de estudo, varanda fechada contígua ao quarto, partilhado com o irmão, e a SNn aconselha a mãe a dar-lhe uns minutos para se acalmar.
A SNn passado algum tempo, vai falar com a menor L… sobre a situação, em tom pausado, calmo, ouvindo ainda o que a menor lhe diz, L… vai choramingando, mas nunca é mostrado o seu rosto, só de costas.
Quando o F... não obedece a uma tarefa, e de pois de o ter avisado, a mãe leva-o para o tapete da pausa, no que se revelou impossível, perante a constante recusa gesticulada do menor, vindo este a tentar dar dois pontapés na cabeça da mãe, porque sentado no chão com a mãe reclinada sobre si, levando a que a SNn para evitar mais situações de agressividade, chamasse o pai, para acalmar o F....
O F... acabou por sentar-se por ele próprio no tapete e ficou no mesmo os cinco minutos estipulados.
Vê-se ainda o pai a falar calmamente com o filho.
O F... pede desculpa e
A SNn inventiva a L… a escrever urna carta à mãe sobre aquilo que gostaria de dizer à mãe. A jovem adere bem à proposta.
No dia seguinte a SNn leva a família a passear, e propõe ao pai e ao filho fazerem uma experiencia no Science4you e a mãe a filha a irem passear e a L… entregar a carta que escreveu à mãe. A L… fala com a mãe e emociona-se, dizendo-lhe, essencialmente, que gostaria que a mãe lhe desse mais liberdade, para fazer mais coisas com as suas amigas. A L… feliz diz que há muito tempo não sentia um carinho da mãe.
A L… sente que a ciência é um tema de aproximação com o seu irmão.
No dia seguinte, a SNn retorna à casa, a mãe diz que as coisas estão a correr muito bem, melhor do que pensava no início, e vêem-se trocas intensas carinho entre a mãe e a filha, a mãe diz que se sente muito feliz. Vêem-se as crianças a colaborar nas rotinas e a L… a dizer que as rotinas estão muito melhor, e o F... a dizer que a mãe já não precisa de gritar porque me porto bem.
Vê-se o F..., na cozinha, a reconhecer que num dia não se portou bem. Duas semanas depois, a SNn vê-se no exterior, no jardim zoológico, com a família, para estarem juntos, dizendo-lhes que está muito orgulhosa de todos, e o pai emociona-se ao dizê-lo..
34. Foi igualmente produzido, e encontrava-se pronto para ser exibido no dia 28 de Janeiro de 2018, o terceiro episódio, no qual intervieram os menores LA..., com seis anos de idade, LA..., com oito anos de idade, e CG, com um ano de idade, nos termos decorrentes do vídeo do episódio n°3, com trilha sonora, junto aos autos pela requerida Ss, designadamente:
Apresentação da família, T... oito anos, L… seis, C... um, V..., mãe, N..., pai da C..., actual companheiro da mãe V..., visualiza-se a família em actividades exteriores de lazer — praia (surf), skate park.
A mãe explica que os filhos são muito parecidos fisicamente mas muito diferentes em feitio e que ou estão a brincar muito bem um com o outro ou se pegam por tudo e mais alguma coisa.
Os pais falam sobre as características de cada filho, salientando que os interesses são diferentes (T... prefere o surf) e que o L…, o qual prefere o Skateboard, é uma criança com maturidade acima da média para a idade dele (6 anos).
Paralelamente às imagens da mãe e do seu companheiro sobre os problemas que sentem com o T... e o L…, vão sendo passadas imagens em vários locais — da casa, no veículo automóvel, na praia - onde por breves segundos se vêm os irmãos a desentenderem-se sobre algum assunto ou o T... aborrecido a choramingar e a reclamar sobre alguma situação.
Segunda parte, vê-se a SNn a chegar a casa da família, onde é apresentada à mesma, na sala.
A seguir a família (e a SNn) saem para um skate park. A mãe e a SNn vão falando sobre o T... , e as imagens vão sendo intercaladas com outras do T... e do L… a praticar skate no parque. Vê-se o T... a trocar argumentos com a mãe e o companheiro desta sobre o facto de não gostar de andar de Skate e do irmão não se empenhar no surf, actividade que ele gosta. A SNn fala que o T... está sempre zangado, que salta mais à vista e que quando é contrariado ameaça com birra ou faz a mesma. Ouve-se o T... dizer no veículo que os pais mentiram (ao não irem almoçar em restaurante).
Já em casa, a família prepara a refeição do almoço, o T... irritado vai resmungando
Os irmãos vão lavar as mãos para o almoço e irritam-se um com o outro, e o T... dá um pequeno pontapé no pé e perna do irmão.
A SNn analisa que o T... pensa que os pais permitem ao L… determinadas situações, comportamentos, que a ele não lhe permitem.
A SNn volta no dia seguinte e começa por dizer que têm uma família linda.
Vai mostrando imagens dizendo que os irmãos têm mais tempo com o N..., e que a mãe não divide o seu tempo com os três filhos, mas mais com a C....
A mãe não aceita bem o que ouve sobre a repartição do tempo com os seus filhos.
A SNn chama a atenção de que o T... está a precisar da atenção privilegiada da mãe, que não lida bem com a frustração.
A SNn explica que é necessário atitude mais assertiva, de autoridade, não autoritário, do N... com o T... .
Na terceira parte, a SNn identifica quais os pontos nos quais têm de melhorar — colaborar nas tarefas. Também indica para a Mãe ter um tempo privilegiado para o L… e outro para o F....
Indica também regras para os filhos e são colocados imanes com os comportamentos correctos/regras no frigorifico. Cada um recebe uma peça de um puzzle à medida que cumprem as regras, podendo depois escolher uma recompensa, quando o puzzle fica completo.
É apresentado o banquinho da pausa, que está na sala. Explicado que quando termina, dão um beijinho, e pedem desculpa.
Se são os dois irmãos a portar-se mal, vão os dois para o banquinho, existindo dois bancos.
A SNn fala sobre as discussões acerca das actividades de lazer. Apresenta um cubo com os rostos de cada membro da família, a fim de ajudar a determinar quem decide qual a actividade que vão praticar, quando há desacordo.
A SNn regressa no dia seguinte. E sugere actividade do T... com a mãe, e os dois no quarto vêm no computador fotografias do T... em bébé, no que este fica contente. A mãe coloca autocolantes com adjectivos positivos para o T... , porque a SNn indicou que o mesmo tinha pouca auto-estima. O T... declara que gostou muito do momento a sós com a mãe. Subsequentemente, vêm-se os irmãos a jogar snooker, e na sala de estar, a SNn explica o reforço positivo, o elogio quando executa uma tarefa. Os filhos vão brincando na sala, sem atritos, enquanto a mãe a SNn falam. Numa fase subsequente, à hora da refeição, num restaurante, a SNn questiona o facto de levarem brinquedos, livros, para a mesa da refeição.
Quando a mãe diz ao T... que terá de fazer os trabalhos de casa nessa tarde, o mesmo contesta e diz que não os quer fazer naquele dia. A mãe avisa que se não obedecer, terá de ir para o banco do castigo.
No regresso a casa, quando a mãe questiona o T... , que se encontra na sala de estar com o irmão, o mesmo acata e faz os mesmos.
Num momento seguinte, quando a mãe desfia a família para fazerem um jogo em família, os filhos não querem. O T... por contestar, foi avisado sobre o banco da pausa, colocado numa zona mais reservada da sala, o mesmo foi para o banco e ficou lá oito minutos. Quando terminou reconhecer que tinha desobedecido à mãe, pediu desculpa e deu um beijinho à mãe.
E foram todos para a sala jogar em família.
Depois vão os rapazes com o N... fazer um bolo na cozinha, e os dois envolvem-se sem conflito na tarefa.
No dia seguinte, na sala de estar, vêm-se os filhos a obedecerem ao indicado pela mãe, quanto a arrumação, por a mesa, e decidem a actividade de lazer recorrendo ao cubo para desempatar, indo à pesca, porque todos gostavam. A actividade correu bem, e a SNn deixa a família.
Passados alguns dias, a SNn regressa, e vêem-se os rapazes com a família nos espaços de lazer da casa.
A mãe vai almoçar num restaurante só com o T... , e este está feliz com a situação.
A SNn regressa e fala com a mãe e o companheiro, e ambos concluem que tudo está melhor.
Ambos os filhos dizem que gostaram de ter a SNn em casa e que vão ter saudades. O programa termina..
35. Em consequência da exibição do programa n.° 1, foi instaurado pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de … processo de promoção e protecção em beneficio de MM..., no âmbito do qual foi determinada a aplicação da medida de apoio junto dos pais, e de entre os compromissos assumidos consta a limitação quanto ao exercício das responsabilidades parentais no que se refere à cedência do direito de imagem da M... — documento de fls 97/98, cujo teor integral se dá por reproduzido.
36. No que concerne ao arrependimento, quanto à participação da filha no programa, clarificou a mãe, a aqui requerida PM..., que o mesmo (arrependimento) se circunscreveu apenas ao facto de não ter tomado consciência de estar a praticar um acto
ilícito, quanto à exposição da filha no programa, porquanto não se arrependeu, nem arrepende, de ter participado, com a sua filha, no programa.
37.A Requerida Ss foi advertida pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de … da pendência do processo de promoção e protecção a favor da M... e, consequentemente, para retirar de exibição os conteúdos gravados do primeiro episódio da série, tendo declarado não reconhecer legitimidade à Comissão para a interpelação, conforme documento cuja se encontra junta aos autos, em suporte fisico, a fls. 85 verso e 86, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
38. Em consequência da exibição do programa n.° 2, foi instaurado pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) processo de promoção e protecção em beneficio dos menores F... e L…, da área da sua residência, o qual deu origem a acção de promoção e protecção a favor destes menores (fls 302 e 303), devido ao facto de os pais mão terem consentido na intervenção da CPCJ.
39. Em consequência da notícia de que haviam participado no programa, foi instaurado pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens processo de promoção e protecção em beneficio dos menores T... e L…, da área da sua residência, tendo o processo transitado para o Tribunal face à recusa em prestar o consentimento por parte dos progenitores — fls 296.
40. Em Março de 2016, a Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses, emitiu o parecer, sobre a alegada prática de psicologia nos media, cuja cópia se encontra junta aos autos, em suporte fisico, a fls. 99 a 101, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual: Este parecer não visa arbitrar nenhuma questão concreta, mas apenas pronunciar-se sobre algumas questões genéricas tidas como relevantes para a boa prática da psicologia.......Dada a natureza da intervenção psicológica, a sua aparição no espaço mediático não é adequada, devendo limitar-se a considerações genéricas e não adaptadas a casos particulares... A exposição pública de clientes não pode, de forma alguma, ser considerada no melhor interesse destes; O espaço público mediático não pode ser considerado como um setting adequado para a intervenção psicológica Deve ficar claro que a intervenção psicológica não deve ser associada a programas onde se exponham publicamente casos particulares. Qualquer profissional de psicologia que intervenha
neste contexto deve explicitar que não está a levar a cabo qualquer tipo de intervenção psicológica.
41. Ainda, a Ordem dos Psicólogos, em Janeiro de 2018, emitiu o Parecer da OPP sobre O Impacto da Exposição de Crianças e Jovens em Programas com Formato de Reality Show, nos termos do qual aborda a falta de consentimento informado, a violação da privacidade, a exploração de uma imagem negativa da criança, o sofrimento psicológico, a interferência na relação com os outros, as repercussões na audiência e no público, concluindo que: Resta claro que, não existindo evidência científica que suporte como sendo positiva a exploração de crianças e jovens em programas de reality e, pelo contrário, existindo riscos associados a essa exposição, a OPP considera que é lógico que tal exposição não deva ocorrer — fls 153 a 157, cujo teor integral se dá por reproduzido.
42. A Ordem dos Advogados, através da Comissão dos Direitos Humanos emitiu o parecer, de 22.1.2018, cuja cópia se encontra junta aos autos, em suporte físico, a fls. 102 que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual refere que ...representa uma violação desproporcionada dos direitos de personalidade dos menores, em especial, do seu direito à reserva da intimidade da vida privada; ... o receio evidente é que a restrição desmedida dos direitos daqueles menores, através da divulgação televisiva dos seus comportamentos, venha ainda a transformar as crianças em vítimas de incompreensão e segregação social nos seus ambientes sociais de eleição.
43. A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens alertou publicamente para o elevado risco do programa porquanto viola os direitos das crianças, designadamente o direito à sua imagem, à reserva da sua vida privada e à sua intimidade.
44. O Instituto de apoio à Criança e da UNICEF apontaram para as violações dos direitos das crianças como o direito à imagem, reserva da vida privada e intimidade dos menores envolvidos.
45. A personagem da SNn, nos episódios n°s 1, 2 e 3, é desempenhada por TPM..., a qual é licenciada em psicologia clínica, tendo concluído o Mestrado em Psicopatologia e, ainda, o Doutoramento em Psicologia da Educação, nas faculdades de Psicologia de Lisboa e de Coimbra.
46. TPM..., no programa SNn, é apelidada de educadora Nn.
47. A disponibilidade exigida pelaWw para a gravação do programa SNn não implica qualquer alteração ou prejuízo para as rotinas das crianças, uma vez que as filmagens ocorrem fora do horário escolar.
48. Pelo menos a menor M..., com sete anos de idade, e os menores F..., com cinco anos, e L…, com treze, foram informados sobre o programa em causa e sobre a sua participação no mesmo, tendo estado presentes na reunião que teve lugar nas suas casas, entre a produtora Ww... e os seus progenitores, tendo a L…, dado o seu consentimento verbal, para a participação no programa.
49. As estratégias apresentadas pela SNn são replicadas do formato internacional do programa, para o qual existe uma denominada bíblia de procedimentos.
50. As estratégias apresentadas pela SNn, para a correcção dos comportamentos das crianças, conhecidas como banquinho da pausa, token, reforço positivo, são técnicas comportamentais, aprendidas dos educadores, pedagogos, mas também se utilizam em psicologia e são utilizadas cm ambiente escolar.
51. Nenhuma das crianças que participaram nos episódios já emitidos — concretamente, a M..., o F... e a L… — foram alvo de qualquer tipo de bullying, discriminação ou segregação na escola ou no seu ambiente familiar após a exibição do programa.
52. Tendo as referidas crianças sido bem recebidas e acolhidas nas escolas que frequentam.
53. No processo de identificação e selecção das famílias em causa, os responsáveis parentais foram aconselhados a ver online episódios do mesmo, nomeadamente no endereço www…..com, onde se encontram disponíveis vários exemplos (e.g., de episódios no formato inglês, norte-americano e brasileiro).
54. Por orientação da Bíblia dos procedimentos do formato internacional do programa, existe uma equipa de pesquisa, que se informa sobre os problemas que são identificados pelos pais de cada criança, excluindo a referida equipa crianças que possam apresentar qualquer patologia, diagnóstico psicológico ou psiquiátrico, ou crianças de algum modo referenciadas ou em risco.
55. É feito um acompanhamento durante e depois das gravações e emissão do programa, através de contactos, sempre que tal se revele necessário.
56. Tendo a produção do programa ao dispor das crianças e dos pais, se necessário, uma psicóloga, identificada como RCA....
57. A qual também dava parecer sobre as famílias que se candidatavam, de modo a evitar a participação de crianças que pudessem ter problemas clínicos ou psicológicos de qualquer índole, e, ainda, a poder dar acompanhamento, se necessário, às crianças e pais, no final do programa, caso tal se revelasse necessário.
58. No programa, a SNn aconselha os pais de acordo com as questões que vão sendo apresentadas, não fazendo qualquer tipo de diagnóstico ou aconselhamento psicológico nas gravações.
59. As regras sugeridas pela SNn incluem a adopção de bons comportamentos nas relações familiares, sendo excluídos e desaconselhados quaisquer comportamentos que acarretem qualquer tipo de violência.
60. É realizado um período de observação, que dura 3 (três) a 4 (quatro) dias, e que pretende captar, a rotina e os comportamentos familiares.
61. A estrutura do formato passa por:
a) um teaser, gravado antes da SNn chegar, e no qual podem ser aproveitadas gravações do período de observação;
b) um genérico, que consiste na apresentação da família, gravado antes da chegada da SNn;
c) uma entrevista geral da família, também gravada antes da chegada da SNn;
d) a chegada da SNn, em que são filmados vários planos da SNn enquanto a mesma se dirige à cada da família e bate à porta;
e) a observação do comportamentos das crianças e pais pela SNn durante um dia, sendo o objectivo a observação de todos os aspectos da rotina diária da família, incluindo as horas das refeições, de ir para a cama e tomar banho e, bem assim, as regras e métodos de disciplina. Nesta fase, a SNn tem uma intervenção passiva, não prestando nenhum conselho nem se envolvendo;
f) uma reunião familiar, apenas com os pais da criança. O objectivo desta reunião é a SNn confrontar os pais e manifestar-se acerca dos comportamentos observados no dia anterior;
g) o início da supervisão da SNn, fase em que as novas regras e rotinas são entregues e em que a SNn começa a lidar com os problemas da família, procurando contribuir para a reorganização do dia-a-dia e explicando as regras básicas a aplicar. Nesta fase, são explicadas cada uma das regras às crianças;
h) vivência com as novas regras e rotinas, que se consideram colocadas em prática a partir do momento em que são anunciadas e que são filmadas no quotidiano familiar;
i) a continuação dos ensinamentos, fase em que a SNn dá alguns trabalhos de casa aos participantes do programa, que são previamente acordados entre esta e os pais. O objectivo é que cada membro da família tenha uma tarefa que possa pôr em prática durante a semana em que a SNn está ausente;
j) a família sem a SNn, fase que corresponde à segunda semana e em que se capta o comportamento familiar, de modo a perceber se os conselhos e tarefas dadas pela SNn estão a ser postos em prática, quer pelos pais, quer pelas crianças;
k) o regresso da SNn, sendo gravada a chegada e a reacção das crianças ao regresso da SNn;
1) uma reunião familiar, em que participam apenas os pais das crianças e que incide sobre a semana passada sem a SNn;
m) novas técnicas ou ajustes, fase em que se procede ao ajustamento ou reforço das técnicas anteriormente aconselhadas ou ao aconselhamento de novas regras com métodos mais avançados;
n) despedida da SNn, envolvendo todos os membros da família e, após o afastamento, a reação e expectativas da SNn quanto ao desenrolar do processo. São também captadas reacções da família já dentro de casa.
62. O objectivo de todos os requeridos pais foi o de contribuir para melhorar o relacionamento dos mesmos com os seus filhos, ajudando-os a estabelecer regras e limites e melhorando a comunicação entre todos.
63. As famílias ficaram satisfeitas com o resultado obtido.
64. Decorre das observações feitas pelo Committee on the Rights of the Child das Nações Unidas que a aparição de crianças em reality shows televisivos pode constituir uma ingerência ilícita na sua privacidade (cf. p. 104 do documento n.° 11 junto com a Petição Inicial).
65.A exposição em público de dimensões da vida íntima dos menores retratados nos episódios 1 e 2 apresenta razoáveis riscos, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade, a médio e longo prazo.
66.Bem como razoáveis riscos, a médio e longo prazo, quanto às consequências no ambiente escolar e na própria relação com a família, quanto à compreensão e aceitação da decisão dos pais de exporem num programa de televisão o seu ambiente familiar e problemas existentes no mesmo.
67. E, ainda, razoáveis riscos de verificação de fenómenos de bullying, a médio e longo prazo.
68. Foram obtidas, as seguintes autorizações/consentimentos e assinaturas, quanto ao episódio n°1:
- PM..., mãe, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pela própria no dia 7 de Dezembro de 2017;
- APM..., avó, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pela própria no dia 7 de Dezembro de 2017;
- MB..., menor, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelos seus legais representantes, a mãe PM... e o pai LB..., em sua representação, no dia 7 de Dezembro de 2017;
69. No caso da Família , participante no segundo episódio a utilização da imagem e voz:
- CF..., mãe, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pela própria no dia 14 de Dezembro de 2017;
- RF..., pai, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelo próprio no dia 14 de Dezembro de 2017:
- LF..., menor, filha, autorização, mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelos seus legais representantes, a mãe CF... e o pai RF..., em sua representação no dia 14 de Dezembro de 2017;
- FF..., menor, filho, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelos seus legais representantes, a mãe CF... e o pai RF..., em sua representação, no dia 14 de Dezembro de 2017;
70. No caso da Família LFA.G..., participante no terceiro episódio, que seria transmitido no dia 28 de Janeiro de 2018, a utilização da imagem e voz:
- VF..., mãe, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pela própria no dia 11 de Dezembro de 2017;
- N... G..., pai (da menor C...), autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelo próprio no dia 11 de Dezembro de 2017;
- LA..., menor, filho, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelos seus legais representantes, a Mãe VF... e o Pai TA..., em sua representação no dia 1 de Dezembro de 2017;
- LA..., menor, filho, autorização, mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelos seus legais representantes, a Mãe VF... e o Pai TA..., em sua representação no dia 1 de Dezembro de 2017; - CG, menor, filha, autorização mediante a assinatura do documento particular intitulado Autorização para utilização de Direito de Imagem, assinado pelos seus legais representantes, a Mãe V...
F... e o Pai N... G..., em sua representação, no dia 1 de Dezembro de 2017.
71. A Ww... produziu o programa, devendo neste caso produção ser entendida como a realização de obra videográfica, incluído todos os meios técnicos e humanos necessários até à fixação desta em determinado suporte.
72.Informação pedagógica referente a F... , de fls 346, aqui dada por inteiramente reproduzida, e da qual resulta que o mesmo não apresentou qualquer situação anómala no que respeita ao seu desenvolvimento emocional, social e restantes áreas de desenvolvimento global, avaliadas em contexto de jardim de infância.
73.Informação escolar referente a MB..., de fls 350, aqui dada por inteiramente reproduzida e da qual resulta que: ...que esta aluna tem revelado sempre um bom desempenho, com Muito Bom aproveitamento nas áreas disciplinares do currículo escolar. É uma aluna com bom comportamento, cumpridora, assídua, pontual, atenta e esforçada, com boas capacidades de aprendizagem, tendo uma boa relação com os seus pares, professores bem como com os restantes funcionários da escola. Não se verificou qualquer mudança no comportamento e aproveitamento após a exibição do programa em que a aluna participou.
74. Informação escolar referente a LF..., de fls 356, 395/396, cujo teor integral se dá por reproduzido, e da qual decorre que: ...é assídua, pontual, cumpridora dos seus deveres escolares, ... apresenta um bom desempenho escolar. No final do 1° período foi proposta para o quadro de Honra por reunir os critérios neles estabelecidos. A aluna voluntaria-se e participa em vários projectos e concursos escolares, quer culturais, quer desportivos. Em todas as actividades onde se participa fá-la com gosto e elevado sentido de responsabilidade. Na sala de aula é bastante participativa e é oportuna em colocar as suas dúvidas. Encontra-se bem integrada na turma, respeita os colegas e disponibiliza-se sempre a ajudá-los. Relaciona-se bem com os adultos, abordando professores e funcionários com o devido respeito. (...) A L… sempre revelou este perfil, pelo que não se registaram quaisquer alterações no decurso do presente ano lectivo.
75. Por decisão transitada em julgado em 9.4.2018, e por referência ao processo de promoção e protecção, foi proferida sentença homologando o acordo de promoção e protecção em beneficio dos menores F... e L…, concretamente a medida de apoio prevista pelo art° 39° da LPCJP, até ao final do ano lectivo de 2017/2018, entre as quais não expor os filhos a situações de devassa da sua vida privada — fls 516.
76. Quanto aos menores T... , L…, os autos de processo de promoção c protecção n° 42/…MFR, foram os mesmos arquivados, sem aplicação de medida, em audição dos pais e das crianças, por se concluir dos elementos de prova recolhidas que as crianças não estavam em perigo — fls 520 dos autos.
77. Em 07 de Dezembro de 2017, a progenitora e a avó materna da MM... assinaram, sem autorização ou conhecimento do requerido, o acordo de participação, e apenas aquando da assinatura do acordo de participação, a progenitora enviou um e-mail ao requerido com o documento que consistia numa declaração de onde este autorizava a participação da filha no programa.
78.Tendo sido informado pela mãe da menor que se tratava de um programa com uma vertente educacional com acompanhamento de uma psicóloga, tendo então acabado por assinar a referida declaração,
79. LMB..., pai da menor MB..., procedeu à notificação judicial avulsa das requeridas Ss, S.A. e Ww.... - ¬Sucursal em Portugal, onde declarou, de forma expressa, o não consentimento nem autorização para a utilização de imagem e voz da sua filha, M... B..., captadas aquando da participação da menor no programa SNn, produzido por Ww.... TV Portugal e apresentado em território português pelo canal televisivo Ss..e revoga toda e qualquer eventual autorização e/ou consentimento para a utilização,
por parte das requeridas da imagem e voz da menor M... B..., tendo, para esse efeito, dado um prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após a receção da notificação judicial avulsa, para que as requeridas suspendessem, apagassem, eliminassem, retirassem ou impedissem qualquer acto tendente à reprodução, exibição, difusão, divulgação, distribuição, transmissão ou utilização da imagem e voz da menor M... B..., em todo território nacional e no exterior, por qualquer forma ou para qualquer propósito, por qualquer suporte conhecido ou desconhecido até à data, no todo ou em parte, nos termos já acima referenciados, e vindo as mesmas a serem notificadas em 08 de Fevereiro de 2018.
80. Em 25 de Janeiro de 2018, a Requerida VF... e o pai dos menores T... e L comunicaram formalmente essa sua posição tanto à Requerida Ss.., S.A. como à Requerida Ww.... - Sucursal em Portugal, tendo tais comunicações sido enviadas (e recebidas) ainda antes de ser conhecida dos Requeridos a existência da presente acção.
81. Teor integral da Deliberação da ERC/…/93, de fls 530 a 536, aqui dadas por reproduzidas, nos termos da qual, se delibera recomendar à operadora Ss..que em futuros programas envolvendo a participação de menores:
1- Ao obter o consentimento parental ou tutelar para a participação de menores em programas televisivos, descreva de forma detalhada e compreensível o teor de tais programas e os riscos, físicos, psíquicos e sociais associados, facultando de igual modo a informação de que tal consentimento é, nos termos da lei, a todo o tempo revogável;
2- Ainda que obtido o consentimento, parental ou tutelar para a utilização da imagem dos menores e para a exposição da sua privacidade, assegure, em qualquer circunstância, que a exposição mediática das crianças preserve os aspectos invioláveis da sua intimidade e não se centre nos seus comportamentos problemáticos, de modo a não promover uma auto representação assente nos seus traços mais vulneráveis e eventualmente a sua estigmatização social. Desse modo, a ocultação dos elementos identitários da criança ou o alargamento da sua representação televisiva a aspectos da vida não ligados exclusivamente ao seu contexto familiar e/ou que possam dar uma imagem de si mais positiva e equilibrada, poderão ser suficientes para salvaguardar os direitos e valores em causa.
3- Promova a informação, antes e após a exibição de cada programa, de que os processos pedagógicos propugnados não constituem método universal para as situações de conflitualidade familiar, sensibilizando os espectadores para diferentes formas de abordar o processo educativo e salientando a necessidade de recorrer ao acompanhamento especializado, adaptado a cada caso.
2.2- Factos não provados:
6- Petição Inicial:
- LI, linhas 3 e 4, da petição inicial, e quando relacionado com os menores em causa nos presentes autos, intervenientes nos episódios 1, 2 e 3, do programa, e por referência à actualidade.
- LIII, quando perspectivado na actualidade;
- LIV, quando perspectivado na actualidade;
- LV, 5, 6 e 7 linhas, LVI, linhas 3 e 4, da petição inicial, e quando relacionado com os menores em causa nos presentes autos, intervenientes nos episódios 1, 2 e 3, do programa, quanto actualidade, momento presente, definido este como o período de tempo que decorreu entre a exibição do programa e a realização do julgamento.
B)- Das contestações das requeridas Ss..e Ww...:
- A produção faz um trabalho de edição das imagens, tendo o cuidado de seleccionar momentos e imagens que não demonstrem de forma invasiva as rotinas familiares ou momentos de particular fragilidade — quanto aos episódios 1 e 2.
- (...) as Requeridas Ss..eWw, a produção leva a cabo um trabalho de edição das imagens, tendo o cuidado de seleccionar momentos e imagens que não demonstrem de forma invasiva as rotinas familiares ou momentos de particular privacidade.

3-A questão Jurídica.
Antes de analisarmos cada uma das questões enunciadas e suscitadas pelos recorrentes, entendemos que é oportuno tecer algumas considerações sobre, por um lado, o Processo Especial para Tutela de Personalidade e, por outro, sobre Direito de Personalidade e sobre Direitos Especiais de Personalidade que no caso dos autos se mostram relevantes, incluindo a questão da limitação desses direitos e a problemática da capacidade de exercício quanto à limitação desses direitos. Isto porque, essa análise prévia permite urna avaliação mais unitária dos recursos em causa e das questões que eles levantam. facilitando a compreensão das decisões que sobre elas serão tornadas.
Assim:
3.1- O Processo Especial para Tutela da Personalidade.
3.1.1- Aspectos gerais.
Até à reforma de 2013 do processo civil, a tutela processual da personalidade, do nome e da correspondência confidencial tinha guarida nos art°s 1474° e 1475° do CPC/61 (mantida em 95) inserida no Capítulo XVIII do código reservado aos processos de jurisdição voluntária que, como é sabido, têm campo de aplicação essencialmente destinado a solucionar situações de interesses específicos dos sujeitos envolvidos ou situações jurídicas subjectivas cuja tutela é assumida por razões do interesse geral da comunidade.
Em termos simples os processos de jurisdição voluntária têm como características específicas a atribuição ao juiz dos meios necessários para levar a efeitos a tutela do interesses em jogo, conferindo-lhe poderes marcadamente inquisitórios de coligir as provas e investigar livremente os factos, de adoptar a solução que a cada momento se mostrar mais adequada a resolver os interesses das partes, pautando-se por critérios de oportunidade e de equidade e não de legalidade estrita (Cf., entre outros, Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 2001, pág. 50).
Assim, nestes processos não vigora o princípio da disponibilidade das partes sobre o objecto e a decisão tomada pelo juiz pode ser posteriormente alterada com fundamento em circunstâncias supervenientes, objectivas ou subjectivas (Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, pág. 28 e seg.).
Com a reforma de 2013, a tutela processual dos Direitos de Personalidade foi retirada do âmbito dos processos de jurisdição voluntária e inserido nos processos especiais, tendo agora assento nos art°s 878° a 880° do CPC/13.
Criticável ou não essa opção do legislador (Cf., sobre a questão, Remédio Marques, Alguns Aspectos Processuais da Tutela da Personalidade Humana no Novo Código de Processo Civil de 2013, disponível online; Alexandra Filipa da Silva Duarte, O Processo Especial de Tutela da Personalidade, dissertação de mestrado, 2014, pág. 17 e segs., disponível online; Maria dos Prazeres Beleza, O processo especial de tutela da personalidade, no Código de Processo Civil de 2013, disponível online) há que encarar essa realidade.
Pois bem, apesar dessa deslocação da Tutela da Personalidade para os processos especiais, a verdade é que o legislador não afastou o dever de o tribunal determinar o comportamento concreto a que o réu_fica sujeito (art° 879° n° 4 do CPC/13), bem corno a eventual revisão ou alteração da decisão provisória decretada quando o exame das• provas oferecidas permitam reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível
da personalidade (art° 879° n° 5 do CPC/13) — Cf. Remédio Marques, Alguns Aspectos da Tutela... cit., cap. III.
Da conjugação do art° 70° n° 2 do CC — ...a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer providências adequadas às circunstâncias do caso... — com o art° 879° n° 4 do CPC/13 — ...o tribunal determina o comportamento concreto a que o requerido .fica sujeito... — Maria Prazeres Beleza (O processo especial de tutela de personalidade...cit., pág. 69) admite poder conclui-se que se mantém o afastamento do princípio de que o tribunal está limitado qualitativa e quantitativamente pelo pedido formulado (art° 609° n° 1 do CPC/13).
Trata-se de urna manifestação de o legislador, apesar de ter deslocado o processo de Tutela da Personalidade para o campo dos processos especiais, ainda assim, manteve algumas características do processo de jurisdição voluntária ao atribuir ao juiz o poder/dever de decidir a medida mais adequada ao caso, determinando o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito. bem como de alterar posteriormente a decisão anteriormente tomada provisoriamente.
Compreende-se...que o legislador tenha deixado esta abertura quanto à possibilidade de ser o tribunal a decretar o comportamento que melhor se adequa ao caso concreto, pois a ser de outra forma acreditamos que ficaria significativamente desvirtuado o processo especial em apreço, atentas as características das situações que invocam a sua intervenção. (Cf. Alexandra Filipa da Silva Duarte, O Processo Especial de Tutela...cit., pág. 18).
-Apesar da deslocação para o âmbito dos processos especiais, o legislador de 2013 manteve no Processo Especial de Tutela da Personalidade algumas características típicas dos processos de jurisdição voluntária, como sejam o poder/dever de o juiz aplicar a medida mais adequada ao caso, determinando o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito e podendo alterar a medida que aplicou provisoriamente, sem estar limitado, nos termos do art° 609° n° 1 do CPC/13, quantitativa e qualitativamente pelo pedido formulado.
3.1.2- Os tipos de providências.
O art° 70° n° 2 do CC prevê que a pessoa ameaçada ou ofendida no seu direito de personalidade pode requerer a providência adequada às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. Nesta linha, o art° 878° n° 4 do CPC/13 determina que podem ser decretadas providências concretamente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ou fazer cessar os efeitos da ofensa já cometida.
Portanto, as providências tanto podem ter lugar antes da consumação da ofensa, como posteriormente à ofensa.
Fala-se, por isso, em providências preventivas e atenuantes (Cf. Capelo de Sousa, Direito Geral de Personalidade, 1995, pág. 474 4 segs.; Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade,
pág. 128 e segs; Guilherme Machado Dray, Direitos de Personalidade, anotações ao código civil e ao código do trabalho, pág. 35).
As providências preventivas, como o nome indica, destinam-se a prevenir a consumação da ameaça ao direito de personalidade.
Com efeito, é sabido que os danos causados ao direito de personalidade são quase sempre irreversíveis, pois após a consumação da ofensa não é possível repor as coisas
no status quo ante, apagando os efeitos da agressão (Cf. Paulo Mota Pinto, Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXIX, 1993, pág. 580; Capelo de Sousa, Direito Geral cit., Pág. 474; Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, cit., pág. 128).
Muito mais importante que reprimir, punir, indemnizar ou atenuar é crucial que o Direito faculte meios hábeis e eficazes para prevenir lesões do direito de personalidade. Mais vale prevenir que remediar.
A prevenção é referente a perigos, não já do próprio, mas para os outros (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, cit., pág. 128).
O recurso às providências preventivas depende fundamentalmente de se conseguir obter informação antecipada sobre a eventualidade e o perigo da lesão, invocando-se factualidade que, por verosimilhança, permita concluir pela probabilidade séria da verificação da lesão eminente. Portanto, é à luz do quadro factual alegado e demonstrado que o juiz deve apreciar e ponderar a providência preventiva adequada a prevenir a consumação da ofensa: a manter-se a situação factual conhecida, ocorrerá a lesão do direito e, por isso, decidem-se medidas que a previnam.
As providências atenuantes são decretadas quando já não é possível evitar a consumação da ofensa, quer esteja em curso, quer já se tenha concretizado e visam minimizar as consequências da agressão.
Aqui chegados, podemos extrair uma segunda conclusão:
- Mais importante que reprimir, punir, indemnizar ou atenuar é crucial que o Direito faculte meios hábeis e eficazes para prevenir lesões do Direito de Personalidade. O decretamento de providências preventivas depende da invocação de factualidade que, por verosimilhança, permita concluir pela probabilidade séria da verificação da lesão eminente: a manter-se a situação factual conhecida, ocorrerá a lesão do direito e, por isso, decidem-se medidas adequadas a preveni-la.
3.1.3- Requisitos objectivos do deferimento das providências.
O art° 70° n° 1 do CC determina que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa á sua personalidade física ou moral.
O normativo refere (apenas) ofensa ou ameaça ilícita. Nada diz acerca da culpa nem exige que da ameaça ou da ofensa resultem danos.
Sem divergências, pela doutrina vem sendo entendido que o facto voluntário e ilícito que está na origem do decretamcnto de providências não implica a culpa nem a produção de danos. A produção de danos é relativa às acções de responsabilidade civil onde se peticionem indemnizações, não sendo requisito da concessão de tutela pelo processo especial do art° 878 e segs. do CPC/13 (Cf. Capelo de Sousa, O Direito Geral, cit., pág. 473; Remédio Marques, Alguns AspectoSs cit., cap. III, 1; Alexandra Filipa da Silva Duarte, O processo Especial de Tutela...cit., pág. 24).
Além disso, não se exige a alegação e prova dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação (Cf. Remédio Marques, Alguns Aspectos cit., cap. IV, ponto 3).
Necessário é que ocorra um acto ilícito de que resulte ou possa resultar a ameaça ou ofensa ao direito de personalidade.
No que às providências preventivas diz respeito, será exigível, além da ilicitude da ameaça, que tenha um mínimo de gravidade e seja ponderável o respectivo receio (Cf. Capelo de Sousa, O Direito Geral, cit., pág. 475).
Alinhamos uma terceira conclusão:
-Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito de que resulte ou possa resultar ameaça ou ofensa ao direito (de personalidade) não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação.

3.2- O Direito de Personalidade.
3.2.1 — Breves Notas.
É comum na doutrina a referência a Direito Geral de Personalidade e a Direitos Especiais de Personalidade.
Em termos do direito civil, o Direito Geral de Personalidade tem assento no art° 70° do CC e os Direitos Especiais de Personalidade nos art°s 72°a 80° do CC, com destaque para o Direito ao Nome (art°s 72° a 74° do CC), Direito à Privacidade (art°s 75° a 78° do CC), Direito à Imagem (art° 79° do CC) e Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada (art° 80° do CC).
Os Direitos de Personalidade são, em princípio, absolutos por gozarem de cobertura aquiliana geral.
Gozam de inerência: não podem ser dissociados do respectivo titular. (Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo III, Pessoas, 2ª edição, págs. 103 e segs.)
Têm natureza tendencialmente não-patrimonial: uns, marcadamente, estão fora de comércio (máxime, o direito à vida) enquanto relativamente a outros podem ser abdicados dentro de certos limites e condições (cf. art° 810 do CC).

3.2.2- O Direito à Imagem e o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada.
3.2.2.1- O Direito à Imagem.
O art° 79° do CC, na linha do art° 26° n° 1 da CRP, tipifica o Direito à Imagem como um dos Direitos Especiais de Personalidade.
Através desse preceito defende-se a Pessoa conta a Exposição, Reprodução ou Comercialização do seu refrato, sem o seu consentimento.
Não obstante a expressão rerraio, é evidente que a protecção abrange qualquer forma tecnicamente possível de representação ou exibição da imagem exterior da Pessoa, desde o cinema aos novos meios digitais de captação e reprodução (Cf. Luísa Neto, CC Anotado, Vol. I, 2017, AAVV, coordenação de Ana Prata, pág. 116; Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. I, 1987, pág. 128).
A imagem é a projecção externa da Pessoa, realiza a representação material dos aspectos imateriais da personalidade, transmite urna relação de carácter imediato com o sujeito/pessoa que representa, sendo por isso um reflexo do seu modo de ser, da sua Personalidade.
Através da imagem humana não só se conhece o quê, mas também o como: conheço que estou ver um indivíduo humano e conheço também algo de como é. (Cf. Cláudia Trabuco, Dos Contratos Relativos ao Direito à Imagem, O Direito, ano 133. 2001, II (Abril-Junho), págs. 389 e segs., concretamente, pág. 400).
Confere às pessoas a faculdade exclusiva de reprodução. difusão e publicação da sua própria imagem, com carácter comercial ou não e permite impedir que um terceiro possa praticar esses actos sem a sua autorização.
m ri° 2 do art° 79° refere-se a certas situações em que o consentimento do visado na captação e divulgação da Imagem não é necessário: notoriedade da pessoa, cargo que desempenha, exigências de justiça ou de polícia, finalidade científicas didácticas ou culturais, ou a divulgação da imagem tenha interesse público ou tenha decorrido publicamente.
Não obstante, de acordo com o n° 3 do art° 79° do CC, aquela dispensa cessa quando da divulgação do retrato resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decorro da pessoa retratada.
Nos termos gerais do art° 81° do CC, o Direito à Imagem pode ser objecto de limitação voluntária, matéria a que nos referiremos posteriormente.

3.2.2.2- Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada.
m art° 80° do CC estabelece o dever geral de guardar reserva sobre a intimidade da vida
privada de outrem.
m interesse que se visa proteger é o de controlar a tomada de conhecimento, divulgação
ou circulação de informação sobre a vida privada e na subtracção à atenção dos outros,
o anonimato ou interesse na solidão. (Cf. Paulo Mota Pinto, A Limitação Voluntária do Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada, Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. 2, AAVV, pág. 527 e segs, concretamente 528-529).
A Dignidade da Pessoa exige que lhe seja reconhecido um espaço de privacidade em que possa estar à vontade, ao abrigo da curiosidade dos outros, sejam eles vizinhos, autoridades e meios de comunicação social ou quaisquer outras pessoas.
m âmbito material dessa esfera da privacidade abrange a vida doméstica, familiar, sexual e afectiva (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade... cit., pág. 79).
Tal como sucede com o Direito à Imagem, também o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada pode sofrer limitações pelo seu titular, questão que se abordará de seguida.

3.3- A Limitação Voluntária dos Direitos de Personalidade.
3.3.1- Os Limites à Limitação Voluntária.
O art° 81° do CC admite limitação voluntária dos Direitos de Personalidade mas em termos restritos e estabelece que essa limitação é sempre revogável (ainda que com obrigação de indemnizar, o que traduz uma situação de responsabilidade por acto lícito).
A restrição ou limites à Limitação Voluntária decorre, desde logo, do art° 81° n° 1 do CC: é nula se for contrária aos Princípios da Ordem Pública.
A doutrina vem defendendo que, além das situações em que há contrariedade aos princípios da ordem pública, são igualmente nulas as limitações dos direitos de personalidade que contrariem a lei. os bons costumes., sejam indetermináveis ou impossíveis, na linha da previsão do art° 2800 do CC. (Cf., entre outros, Capelo de Sousa, O Direito Geral, cit., pág. 448 e segs.; Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade..., cit., pág.
155; Menezes Cordeiro, Tratado..., tomo III...cit., pág. 238; Paulo Mota Pinto, A Limitação Voluntária...cit., pág. 540).
Assim, só quando não forem contrárias á Lei injuntiva, aos bons costumes, à ordem pública, nem fisica nem legalmente impossíveis é que as limitações voluntárias dos Direitos de Personalidade são licitas (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade..., cit.,
pág. 156).
A autorização para a limitação voluntária do direito à reserva ou do direito à imagem, emitida no confronto de outrem, deve ser considerada um negócio jurídico, seja integrada num verdadeiro contrato, seja como negócio unilateral. (Cf. Paulo Mota Pinto, A Limitação Voluntária...cit., pág. 537) e por isso sujeito ainda a todos os meios de tutela relativos às invalidades por falta ou vícios de vontade, à responsabilidade pré-contratual, ao abuso de direito, cláusulas contratuais gerais.
Podemos formular a quarta conclusão:
Tal como sucede com o Direito à Imagem, também o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada pode sofrer limitações voluntárias pelo seu titular. No entanto, só quando não forem contrárias a Lei injuntiva, aos bons costumes, à ordem pública, nem física nem legalmente impossíveis é que essas limitações voluntárias dos Direitos de Personalidade são lícitas.

3.3.2- O Problema da Capacidade (de exercício) para a Limitação Voluntária.
No que toca aos maiores capazes (os não interditos nem inabilitados) não se colocam questões de capacidade relativa à limitação voluntária: salvo se a declaração de consentimento de limitação voluntária sofrer alguns dos vícios gerais do negócio jurídico, a ordem pública e as demais limitações do art° 280° do CC, nada impede o maior de, validamente, limitar os seus direitos pessoais à reserva sobre a intimidade da vida privada ou sobre a sua imagem.
O problema coloca-se em relação aos incapazes, com relevo para os menores: suscita-se a questão de saber quem deve consentir na limitação voluntária desses Direitos de Personalidade.
Como refere Paulo Mota Pinto (A Limitação Voluntária...cit., pág. 542) A solução não deve depender directamente da qualificação do consentimento como negócio jurídico, mas sim, guiar-se sobretudo pela natureza dos interesses em questão, que se prende com bens de personalidade.
Se o menor dispuser de discernimento ou maturidade suficiente que lhe possibilite avaliar correctamente o alcance e as consequências do consentimento limitativo dos seus direitos de personalidade, deve ser ele e não o(s) representante(s) progenitor(es) a consentir nessa limitação. (Cf. Orlando Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil sumários desenvolvidos. Pág. 183; Capelo de Sousa, O Direito Geral cit., pág. 411 e seg. nota 1040; Cláudia Trabuco. Dos Contratos ReIativo cit.. pág. 435).
Em diversos campos do direito, pugna-se por esta solução.
Por exemplo, no âmbito da capacidade para consentir em intervenções médicas é essa a
proposta de André Gonçalo Dias Pereira (in Capacidade para consentir: um novo ramo da capacidade jurídica, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Vol. II, AAVV, pág. 199 e segs). Em relação aos limites da renúncia a direitos fundamentais
nas relações entre particulares é também essa a posição de Benedita Mac Crorie (Os Limites da renúncia a Direitos Fundamentais nas Relações entre particulares, dissertação de doutoramento, colecção Teses, 2017, pág. 135 e segs.).
De um modo geral, a doutrina aponta, por analogia, para a solução do art° 38° do Código Penal relativo à eficácia do consentimento excludente da ilicitude que, no seu n° 3 referia a idade de 14 anos, entretanto alterada para 16 anos pela Lei 59/2007, de 04/09.
No entanto, pode questionar-se se é suficiente o consentimento do menor, designadamente quando, pela sua gravidade, a limitação voluntária possa ter reflexos na educação do menor ou, em geral contenda com os resultados dos exercícios dos poderes/deveres dos representantes legais.
A par disso, um outro problema se coloca, relativo aos casos em que o incapaz não tenha maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento. Em rigor, não se pode exigir o seu acordo como condição da validade do consentimento.
Nessas situações, os limites dentro dos quais a restrição aos direitos de personalidade é válida deverão ser mais apertados, podendo lançar-se mão de uma interpretação mais estrita da cláusula geral ordem pública referida no art° 81° n° 1 do CC, para evitar a exploração, pelos representantes legais, das informações sobre a vida privada do menor. Nestes casos, ...poderia pensar-se em adoptar uma solução semelhante à consagrada no art° 3° n° 2 da lei espanhola sobre a tutela civil do direito à honra, à intimidade pessoal e familiar e à própria imagem (Lei orgânica n° 1/1982, de 05 de Maio): o projectado consentimento dos representantes deve ser comunicado ao Ministério Público, o qual se pode opor. (Cf. Paulo Mota Pinto, A Limitação Voluntária...cit., pág. 545). Portanto, parece assim ser de ponderar a necessidade limitar o poder dos progenitores a consentirem na limitação dos direitos pessoais dos filhos.
Uma quinta conclusão:
- Se o menor dispuser de discernimento e maturidade suficientes que lhe possibilitem avaliar correctamente o alcance e as consequências do consentimento limitativo dos seus direitos de personalidade, deve ser ele e não o(s) representante(s) progenitor(es) a consentir nessa limitação.
Nos casos em que o menor não tiver maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento, de lure condendo, deve ponderar-se a opção por uma solução em que os progenitores apresentem projecto de consentimento ao Ministério Público, que a ele se poderá opor, com possibilidade de recurso para o tribunal.
3.3.3- Limitações aos Progenitores para Concederem o Consentimento Limitativo de Direitos de Personalidade do Menor: A Participação de Menores em Espectáculos.
A capacidade para consentir tem a função de demarcar a linha que separa a autodeterminação da assistência, conceito que tem vindo a ser autonomizado face à capacidade negocial.
O objecto do consentimento sobre a limitação a direitos de personalidade é, no seu fundamento, de uma qualidade diferente relativamente às declarações negociais referentes a direitos patrimoniais. Trata-se de bens jurídicos diferenciados devido a sua eminente natureza pessoal face aos bens de natureza patrimonial. (André Gonçalo Dias Pereira, A Capacidade para consentir...cit., pág. 199 e segs.)
A legislação tradicional referente ao suprimento da incapacidade visa proteger mais a propriedade que as pessoas, portanto, o instituto da assistência em geral não será o mais adequado a proteger a incapacidade de tomar decisões sobre limitação voluntária sobre direitos de personalidade. Por isso, a necessidade do estabelecimento de regas especiais em casos também especiais.
Tem algum tempo a preocupação do legislador relativa à participação de menores em espectáculos ou outra actividade de natureza cultural, artística ou publicitária. O Decreto 13 564, de 6 de Maio de 1927 proibia a participação de menores de 16 anos em espectáculos púbicos, salvo autorização da Inspecção Geral dos Teatros (art°s 112° e 127°).
O Decreto 43 190 estabelecia a idade mínima de 18 anos para participação em espectáculos públicos, salvo concordância do sindicato e dos pais e a autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
Em 1991, com a alteração da LCT pelo DL 369/91, ressurgiu a preocupação de regular a participação de menores em espectáculos, relegando-se a respectiva regulamentação para diploma específico (art° 124° n° 5 da então LCT).
O Código do Trabalho de 2003 (CT 2003) voltou a mencionar que a participação de menores em espectáculos seria objecto de regulamentação especial (art° 70° do CT 2003), vindo posteriormente a ser regulamentada nos art°s 8° a 11° da Regulamentação do Código do Trabalho).
Entretanto, a Lei 105/2009, de 15/09 (RUI') introduziu alterações importantes às necessidades de protecção dos menores que participam em espectáculos ou actividades culturais ou de outra natureza.
Assim, nos termos do art° 2°, permite-se a participação de menor em espectáculo ou outra actividade de natureza cultural, artística ou publicitária, designadamente como actor, cantor, dançarino, figurante, músico, modelo ou manequim.
No art° 3°, regula-se o período de duração da participação do menor na actividade, consoante a idade do menor, desde o nascimento até aos 16 anos de idade, os períodos de descanso, a proibição da participação coincidir com os horários de aulas, as pausas e a carga horária máxima de participação do menor.
Regula-se a questão da autorização e da comunicação da participação do menor na actividade, estabelecendo-se expressamente no art° 5° da RCT:
Autorização ou comunicação de participação em actividade
1 - A participação de menor em actividade referida no artigo 2.° está sujeita a autorização ou comunicação.
2 - A comunicação só pode ter lugar no caso de participação que decorra num período de vinte e quatro horas e respeite a menor com, pelo menos, 13 anos de idade que não tenha participado, nos 180 dias anteriores, em actividade a que se refere o artigo 2. °
3 - É competente para a autorização e para receber a comunicação referidas no n.° 1 a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) cuja área abranja o domicilio do menor ou, na sua falta, aquela cuja sede estiver mais próxima, funcionando em comissão restrita.
4 - A autorização é válida pelo período da participação do menor na actividade a que respeita, no máximo de nove meses, devendo ser renovada sempre que a participação for de duração superior.
5 - Constitui contra-ordenação muito grave, imputável à entidade promotora, a violação do disposto nos n.os 1, 2 ou 4, podendo ser aplicadas as sanções acessórias referidas no n.° 4 do artigo 2.°'
Estabelecem-se as regras e formalismos relativos ao pedido de autorização da participação do menor na actividade e o grau de envolvimento dos progenitores, pareceres das entidades sindicais e das associações de empregadores (art° 6° da RCT) Os critérios da concessão da autorização da participação do menor pela CPCJ.
A sujeição do contrato a certas formalidades, incluindo a entrega de exemplar à CPCJ. E, finalmente, a possibilidade de ser solicitada judicialmente a autorização para participação do menor em espectáculos caso a CPCJ a não conceda (art° 11° da RCT).
Portanto, a participação de menores em espectáculos está sujeita a pedido de autorização, nos termos mencionados e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa. o contrato celebrado sem a referida autorização (Cf. M... Porto, A participação de Menor em Espectáculo ou Outra Actividade de Natureza Cultural, Artística ou Publicitária — Análise das Especificidades do Regime Legal, pág. 165).
Recorde-se que, como se referiu, da conjugação dos art°s 81° e 280° do CC, as limitações voluntárias aos direitos de personalidade são nulas, entre outras situacões. quando contrárias à lei.
Relembre-se ainda que a nulidade pode ser oficiosamente declarada pelo tribunal (art° 286° do CC).
E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
Tenha-se ainda presente que a participação de menor em espectáculos e outras actividades de natureza cultural, artística oupublicitária não deve ser qualificada como trabalho subordinado, por faltarem elementos essenciais do contrato de trabalho, nomeadamente a sujeição dos menores aos poderes laborais (Rosário Palma Ramalho, apud M... Porto, A Participação de Menor em Espectáculo...cit., pág. 166).
Sexta e sétima conclusões:
- A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação e pedido de autorização, nos termos dos art°s 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.

3.4- Outra Limitação aos Poderes dos Progenitores para Alienarem Direitos Patrimoniais de Personalidade.
É pacífico o entendimento relativo à possibilidade de celebração de contratos que tenham por objecto direitos patrimoniais de personalidade (Cf. Cláudia Trabuco, Dos Contratos Relativos ao Direito à Imagem...cit.)
Hoje em dia é comum a celebração de género de contratos relativos à cedência de imagem de pessoas mais ou menos conhecidas, desportistas, artistas e outras figuras de interesse do público. É o próprio art° 79° n° 1 do CC a admiti-lo: o direito à imagem pode ser lançado no comércio.
Pois bem, independentemente da conclusão enunciada supra, a questão da alienação dos direitos patrimoniais de imagem relativos aos filhos pelos pais, cai no âmbito da previsão do art° 1889º n° 1, al. a) dc CC, que estabelece que a alienação de bens do menor pelos pais carece de autorização do tribunal.
Os actos praticados pelos pais em contravenção com aquela norma são anuláveis (art° 1893° n° 1 do CC).
A acção de anulação pode ser instaurada também pelas pessoas com legitimidade para requerer a inibição das responsabilidades parentais (art° 1893° n° 3 do CC), incluindo portanto o Ministério Público.
Saliente-se ainda que os proventos resultantes da limitação voluntária ao direito de imagem e ao direito à reserva, pertencerão ao menor e não aos seus representantes. (Cf. Paulo Mota Pinto, Limitação Voluntária...cit., pág., 545).

3.5- O Problema do Conflito de Interesses.
3.5.1- A Representação Legal de Menores e o Conflito de Interesses.
Decorre do art° 123° do CC que os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos. E essa incapacidade de exercício é suprida, em princípio, pelo instituto da representação, através do poder paternal (actualmente, responsabilidades parentais) conforme art° 124° do CC.
Em termos simples, a representação traduz o fenómeno jurídico pelo qual uma pessoas o representante, pratica um acto jurídico em nome de outrem, o representado, produzindo-se na esfera jurídica deste os efeitos daquela actuação (art° 258° do CC).
A atribuição de poderes de representação pode ter lugar por meio de acto voluntário ou ter origem na lei, a chamada representação legal.
O representante legal age em nome e no interesse do representado. O mesmo é dizer que, na menoridade, os progenitores a2-em no interesse dos filhos.
Na Reforma de 1977, o legislador acentuou intencionalmente o interesse do filho corno a trave mestra da actuação dos pais ao mencionar o conteúdo das responsabilidades parentais no art° 1878° do CC.
Do carácter funcional das responsabilidades parentais resulta que o exercício dos direitos e deveres que as definem está vinculado aos interesses do filho, devendo ser exercidas, não arbitrariamente, mas pelo modo exigido pelo Direito e no interesse superior do filho.
São, pois, um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que só pode ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do Direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho com vista ao seu desenvolvimento integral (Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas Reflexões da prática judiciária, Temas de Direito da Família, 1986, AAVV, 113¬164, concretamente, 119).
É evidente que o representante dos interesses de outrem, não perde a capacidade de exercício de interesses próprios.
E pode suceder que, em certos casos, o representante se veja em situação de ter de exercer interesses próprios e, simultaneamente, exercer interesses do representado. O problema tem especial acuidade miando esses interesses próprios não são integralmente coincidentes com os interesses do representado, ou são mesmo antagónicos,
Nessas situações, deve ficar provisoriamente suspenso o poder dever de representação legal do menor.
Essa solução visa afastar a possibilidade de o representante se sentir tentado a sacrificar os interesses do representado em beneficio dos seus.
O modo legal de obviar a essa situação encontra guarida no instituto do conflito de interesses.
Pois bem, o art° 1881° n° 2 do CC estabelece que se houver conflito de interesses cuja resolução dependa de autoridade pública, entre qualquer dos pais e o filho sujeito às responsabilidades parentais são os menores representados por um ou mais curadores. Não existe norma civil que directamente defina conflito de interesses.
A doutrina civilística não lhe tem dedicado grande tempo. Em 2010 veio a lume uma colectânea compiladora de estudos específicos sobre conflitos de interesses no Direito Societário e Financeiro (Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiros, AAV V, 2010, Almedina).
A par desses estudos, temos conhecimento da dissertação de mestrado de Ana Filipa Loura Barros (Representação legal de menores: conflito de interesses entre a representante legal de menores e representado, 2015, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, edição online).
Isso não é impedimento de tentarmos definir o conflito de interesses no âmbito da representação legal de menores. Assim, existe conflito de interesses quando o representante legal dos interesses do menor descurando o superior interesse do representado actua, ainda que negligentemente, priorizando interesses próprios. Não cuidando de salvaguardar os interesses do menor representado, a actuação do representante legal constitui um prejuízo para os interesses do menor traduzindo um exercício ilegítimo dos pode-dever de representado que justificaram a sua outorga. Numa palavra, a actuação do representante legal em conflito de interesses com o representado constitui uma actuação ilícita.
Chega-se assim à oitava conclusão:
- Existe conflito de interesses quando o representante legal dos interesses do menor, descurando o superior interesse do representado actua, ainda que negligentemente, priorizando interesses próprios.
3.5.2- O Conflito de Interesses e a Representação do Menor pelo Ministério Público.
Pois bem, perante uma situação de conflito de interesses entre o menor e o seu representante importa que os progenitores selam afastados da possibilidade de actuarem o poder-dever legal de representação do filho.
A lei, no art° 1881° n° 2, refere que quando houver conflito de interesses entre pais e filhos a representação legal fica suspensa, nomeando-se curador especial.
O art° 23° do CPC/13, menciona o poder-dever geral de representação do menor pelo Ministério Público para intentar quaisquer acções que se mostrem necessárias à tutela dos interesses dos menores.
O campo de actuação do Ministério Público ao abrigo deste normativo não se limita às situações de defesa do incapaz (e ausente) referida no art° 21°, visto que lhe confere competência activa de representação judiciária do incapaz, incluindo menores.
Essa representação dos menores pelo Ministério Público não cessa logo que o representante legal do menor se oponha à intervenção do Ministério Público, carecendo de decisão judicial que determine essa cessação de representação, ponderando os interesses do representado menor (art° 23° n° 2 do CPC/13)
Trata-se de uma manifestação da limitação dos poderes-deveres do representante legal dos menores, designadamente quando ocorram conflito de interesses entre o representante legal e o menor.
Nesse caso, à luz do art° 23° n° 2 do CPC/13 e na linha da previsão do art° 1920° do CC, a representação do menor cabe ao Ministério Público.
Aliás, à luz dos art°s 3° n 1, al. a) e 5° n° 1, al. c) da Lei 47/86, de 15/10, conjugados com o are) 23 do CPC/ I 3 e art°s 19200, e 1893 n° 3 do CC, pode defender-se a atribuição de poder de representação activa do menor em juízo ao Ministério Público nas situações de conflito de interesses com os progenitores.
Em jeito de nona conclusão:
- Á luz dos art°s 3° n° 1, al. a) e 5° n° 1, al. c) da Lei 47/86, de 15/10, conjugados com o art° 23° do CPC/13 e art°s 1920°, e 1893 n° 3 do CC, pode defender-se a atribuição de poder de representação activa do menor em juízo ao Ministério Público nas situações de conflito de interesses com os progenitores.

Analisadas estas questões jurídicas, entremos agora nas questões suscitadas pelos recorrentes.
Assim, repetindo a síntese das questões, importa apreciar:
A)- Quanto ao recurso apresentado pelo Ministério Público:
a)- Omissão de pronúncia sobre três pontos da matéria de facto relativos a:
i)-Conteúdo do Teaser promocional do episódio n° 3;
ii)- Determinados aspectos do conteúdo desse episódio n° 3;
iii)- O facto alegado no ponto 33 da petição inicial, face aos meios de prova produzidos.
b)- Impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 63°, por ser conclusivo e se mostrar em contradição com os factos assentes 79° e 80°, e do ponto 65°, na sequência das omissões factuais verificadas na descrição do episódio 3. c)Reposição da decisão provisória quanto ao episódio 3.
d)- Poder o tribunal determinar a actuação das rés Ss..e Ws… no que toca a episódios futuros.

B)- Quanto ao recurso apresentado pela Ss:
a)- Nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, quanto ao conhecimento de alegado pedido implícito quanto à validade do consentimento dado pelos pais dos menores;
b)- Falta de capacidade dos menores por irregular representação pelo Ministério Público, ou ilegitimidade do ministério público para a acção;
c)- Impugnação da matéria de facto, quanto:
i)- Pontos 65°, 66° e 67, por não terem sido alegados pelo Ministério Público;
ii)- Ao facto não provado da contestação da Ss;
d)- A revogação da decisão quanto aos episódios 1 e 2.

C)- Quanto ao Recurso interposto pela Ww:
a)- Contradição entre factos provados nos pontos 65, 66 e 67 e, 51, 52 e72,
73 e 74 e os factos não provados;
b)-Factos que deveriam ter sido dados como provados;
c)- Incorrecta fundamentação da decisão;
d)- Validade do consentimento dado pelos pais;
e)- Inexistência de colisão entre direitos fundamentais.
f)- Impossibilidade da condenação ao exercício do direito de propriedade;
g)- Não extensão dos efeitos da condenação à Ww.

Do elenco destas questões e por uma questão sistemática da respectiva análise, entendemos ser razoável apreciar, em primeira linha, as invocadas nulidades da sentença arguidas por cada um dos recorrentes.
4- As Pretendidas Nulidades da Sentença.
A)- Invocadas pelo do Ministério Público.
4-A).1-Omissão de pronúncia quanto ao conteúdo do teaser promocional do episódio nº 3.
1.1-Segundo o MP a sentença nada disse quanto ao conteúdo do teaser promocional do episódio n° 3, apesar de existir nos autos documento/ficheiro (electrónico) com o respectivo conteúdo; e que à semelhança do que sucedeu com os teasers promocionais dos episódios 1 e 2, também o conteúdo desse teaser promocional deveria ter sido dado como provado.
1.2- As rés pronunciaram-se no sentido de inexistir a pretendida nulidade.
1.3- Igualmente no mesmo sentido se pronunciou a juíza a quo, indeferindo a nulidade. 1.4-Apreciando e decidindo.
O art° 615° n° 1 al. d) do CPC/13 comina com nulidade a sentença em oue o iuiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
É sabido que este preceito está relacionado com a norma do art° 608° n° 2 do CPC/13 que determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Na sequência da doutrina preconizada pelo Prof. Alberto dos Reis (cPc Anotado, vol. V, pág. 143) é constante a jurisprudência dos nossos tribunais no sentido de ser necessário distinguir entre Questões a resolver e razões ou argumentos invocados pelas partes (entre outros, Ac. Do STJ, de 29/11/2005, Sousa Peixoto, www.dgsi.pt).
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte (Alberto dos Reis, ob. Cit. Pág. Cit.).
Por questões que o juiz está obrigado a conhecer deve entender-se todos os pedidos deduzidos, as causas de pedir e as excepções invocadas. Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do juiz não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, da solução do pleito as partes tenham invocado_(Cf. Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, vol. 2°, Coimbra Editora, pág. 646).
Nesta linha, importa ainda ter presente a doutrina do acórdão do STJ, de 23/03/2017 (Tomé Gomes) que acertadamente decidiu: I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.0, n.° 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.°, n.° 2, do CPC.
H Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.°, n.° 4, 2. parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.°, n.° 2, e 679.° do CPC.
III. O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito.. (Veja-se ainda, no mesmo sentido, o acórdão da RL, de 29/10/2015, relatado por Olindo Geraldes).
Por conseguinte, sem necessidade de mais considerações, conclui-se que a não discrição do conteúdo do teaser promocional do episódio 3, não constitui uma nulidade da sentença.
O que ocorre é uma divergência do recorrente quanto à factualidade provada e não provada, o que não acarreta nulidade da sentença.
E poderia/deveria a juíza da la instância dar como provada, autonomamente, uma síntese do conteúdo desse teaser promocional do episódio 3?
Não nos parece.
Na verdade, na sentença em processo comum e/ou especial, o juiz apenas pode conhecer dos factos que hajam sido alegados pelas partes nos respectivos articulados e, além desses, dos factos instrumentais (factos probatórios) gue resultem da instrução da causa e ainda os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam oportunamente alegado e, ainda dos factos notórios e dos que o tribunal tenha conhecimento no exercício da respectiva função (art°s 5° e 607° n° 4 do CPC/13).
Ora, apesar de ter sido ordenada a junção desse teaser promocional do episódio n° 3 por despacho proferido na sessão de julgamento de 02/03/2018 e de ter sido exibido na sessão de julgamento de 16/03/2018, a verdade é que o Ministério Público jamais alegou qualquer factualidade relativa ao conteúdo do teaser promocional do episódio 3.
Recorde-se ter sido referido supra que com a transferência do processo de tuteia da personalidade do âmbito dos processos de jurisdição voluntária para o campo dos processos especiais, o juiz deixou de poder investigar livremente os factos e coligir provas neste tipo de processo de tutela de personalidade.
Deste modo, conclui-se que não procede a pretendida nulidade da sentença por falta de descrição do conteúdo do teaser promocional do episódio n° 3 e não há fundamento para acrescentar à factualidade provada um facto com o conteúdo descritivo desse teaser promocionaI.
4.A).2- Omissão de pronúncia sobre determinados aspectos do episódio n° 3.
2.1- Pretende igualmente o Ministério Público que o ponto 34 dos Factos Provados se mostra deficientemente narrado quanto à caracterização do episódio 3 no que toca aos momentos de tensão, discussão, conflito e discurso dos intervenientes e aos seus comportamentos e emoções; e, em face da visualização do episódio n° 3, propõe se modifique esse facto oferecendo uma descrição com 20 pontos.
2.2- As rés, nas contra-alegações, pugnam pela improcedência desta pretensão do autor, reiterando não se verificar a pretendida nulidade da sentença e não estar o juiz obrigado a descrever integralmente o conteúdo do dito episódio n° 3.
2.3- A juíza a quo defendeu a inexistência da pretendida nulidade.
2.4-Cumpre decidir.
Também neste caso, o que se verifica é uma discordância do Ministério Público quanto à factualidade dada como provada.
Vimos já que essa discordância não é causa de nulidade da sentença.
A questão que se coloca é a de saber se deveria a juiza a quo ter relatado por escrito a totalidade integral das cenas e falas que se observam na exibição do episódio 3. Não nos parece.
A enunciação da matéria de facto na sentença deve ter por balizas os factos integradores da causa de pedir e das excepções, respeitando as seguintes regras: (O factos necessariamente articulados; (ii) que sejam directamente pertinentes para a causa; c (iii) e indispensáveis para a resolver (Castro Mendes, Do Conceito da Prova em Processo Civil, pág. 515, apud Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3' edição, pág. 141).
Por outro lado, não se pode confundir os factos com a prova. A prova é o reconhecimento do facto, a sua demonstração ou infirmacão. alcançado através dos meios de prova.
Os meios de prova traduzem-se em instrumentos ou elementos corporais ou materiais através dos quais o juiz, por actividade perceptiva, dedutiva ou até intuitiva, colhe os dados (material probatório) que conduzirão à demonstração dos factos alegados.
O material probatório consiste nos dados ou elementos colhidos por via da actuação dos meios de prova, como sejam o teor das declarações da testemunha, as respostas dos peritos, o teor dos documentos.
Destas breves noções é fácil perceber que o material probatório resultante da análise dos meios de prova destina-se à demonstração dos factos alegados.
Por conseguinte, na fundamentação de facto o juiz, ao indicar os factos que considera provados ou não provados, não tem de reproduzir o teor do material probatório analisado. Essa é função da fundamentação da decisão da matéria de facto.
Do que se expôs conclui-se que o juiz não tem de enunciar/reproduzir, nos factos provados, o relato, por escrito, da totalidade integral das cenas e falas que se observam na exibição do episódio 3.
Deste modo, indefere-se a pretendida nulidade de deficiente descrição do conteúdo exibido no episódio 3.
4.A).3- A omissão do facto alegado no ponto 33 da petição inicial, face aos meios de
prova produzidos.
3.1- O Ministério Público pretende que a sentença padece de outra nulidade por não ter
dado como provado o facto alegado no ponto 33 da petição inicial face ao depoimento
testemunhal de RF....
3.2- As rés pugnam pelo indeferimento da pretendida nulidade.
3.2- A juíza a quo pronunciou-se pela inexistência dessa nulidade.
3.3-Apreciando e decidindo.
Mais uma vez, face ao que já se mencionou, não estamos perante uma nulidade da
sentença.
Coloca-se (apenas) a questão de saber se a juíza a quo deveria ter dado como provado
esse facto — que o avô das crianças (do episódio 3) visualizou o teaser promocional, tendo ficado
surpreendido com a notícia a reportou-a à Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco.
Pois bem, entendemos que não pelas razões já mencionadas: a enunciação da matéria de facto na sentença deve ter por balizas os factos integradores da causa de pedir e das excepções, respeitando as seguintes regras: (i) factos necessariamente articulados; (ii) que sejam directamente pertinentes para a causa; e (iii) e indispensáveis para a resolver.
Ora, do ponto 3.1.3 supra, que culminou com a terceira conclusão - Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação — resulta
que a causa de pedir no processo especial para tutela da personalidade é constituída pelo facto ilícito.
A surpresa ou choque do avô das crianças, ao visualizar o teaser de promoção do 3° episódio, não é integrador da ilicitude do consentimento para a limitação do direito à imagem e/ou limitação do direito à reserva da intimidade da vida privada.
Nesse aspecto, esse facto é irrelevante para a decisão da causa e, por conseguinte, não tinha a juíza a quo de o dar como provado.
Mais uma vez, indefere-se a pretendida nulidade da sentença e não se adita aos factos provados o factualidade alegada no ponto 33 da petição inicial.
4. B) — Nulidades da Sentença Invocadas pela Ss.
4.B).1-Nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, quanto ao conhecimento de alegado pedido implícito quanto à validade do consentimento dado pelos pais dos menores.
1.1-A ré Ss..diz que a sentença é nula por ter entendido que o Ministério Público havia deduzido um pedido implícito de invalidade quanto ao consentimento dado pelos progenitores; e esse pedido tinha que ser dirigido contras estes e não o foi.
1.2- O Ministério Público defendeu nas contra-alegações que a questão da validade do consentimento dos progenitores é a causa da interposição da acção e o tribunal não está limitado pelo princípio do pedido.
1.3- O tribunal recorrido pronunciou-se no sentido da inexistência da nulidade da sentença.
1.4-Apreciando e decidindo.
A resposta à questão passa por recordarmos a 3º, 4º, 6º e 7º conclusões supra enunciadas:
-Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito, não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares:fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação -Tal como sucede com o Direito à Imagem, também o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada pode sofrer limitações voluntárias pelo seu titular. No entanto, só quando não forem contrárias a Lei injuntiva, aos bons costumes, à ordem pública, nem fíSsa nem legalmente impossíveis é que essas limitações voluntárias dos Direitos de Personalidade são lícitas.
-A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação e pedido de autorização, nos termos dos art°s 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
Acrescente-se que nos termos gerais do artº 286 do CC, a utilidade do contrato ou do acto jurídico é de conhecimento oficioso.
Portanto, sem necessidade de outros considerandos, resta concluir que não se verifica a nulidade invocada.

5- As Impugnacões da Matéria de Facto.
A)- invocada pelo Ministério Público.
5.A).1- O Ministério Público impugna a matéria de facto no que tange ao ponto 63 dos Factos Provados, dizendo ser conclusivo e se mostrar em contradição com os pontos 79 e 80 dos Factos Provados. E, além disso, pretende a alteração ao ponto 65 na sequência das alterações propostas sobre o episódio 3.
5.2- A Ss, respondeu nas contra-alegações, defendendo a falta de fundamento para a pretendida alteração factual.
5.3-Apreciando e decidindo.
Foram dados como provados os pontos 62° e 63°, com o seguinte conteúdo, respectivamente:
62. O objectivo de todos os requeridos pais foi o de contribuir para melhorar o relacionamento dos mesmos com os seus ,filhos, ajudando-os a estabelecer regras e limites e melhorando a comunicação entre todos.
63. As famílias ficaram satisfeitas com o resultado obtido.
E dos pontos 79 e 80 consta:
79. LMB..., pai da menor MB..., procedeu à notificação judicial avulsa das requeridas Ss, S.A. e Ww.... - Sucursal em Portugal, onde declara, de forma expressa, o não consentimento nem autorização para a utilização de imagem e voz da sua filha, M... B..., captadas aquando da participação da menor no programa SNn, produzido por Ww.... TV Portugal e apresentado em território português pelo canal televisivo Ss..e revoga toda e qualquer eventual autorização e/ou consentimento para a utilização, por parte das requeridas da imagem e voz da menor M... B..., tendo, para esse efeito, dado um prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após a receção da notificação judicial avulsa, para que as requeridas suspendessem, apagassem, eliminassem, retirassem ou impedissem qualquer acto tendente à reprodução, exibição, difusão, divulgação, distribuição, transmissão ou utilização da imagem e voz da menor M... B..., em todo território nacional e no exterior, por qualquer forma ou para qualquer propósito, por qualquer suporte conhecido ou desconhecido até à data, no todo ou em parte, nos termos já acima referenciados, e vindo as mesmas a serem notificadas em 08 de Fevereiro de 2018.
80. Em 25 de Janeiro de 2018, a Requerida VF... e o pai dos menores T... e L… comunicaram formalmente essa sua posição tanto à Requerida Ss, S.A. como à Requerida Ww.... - ¬Sucursal em Portugal, tendo tais comunicações sido enviadas (e recebidas) ainda antes de ser conhecida dos Requeridos a existência da presente acção.
Ora, do confronto do ponto 63 com os pontos 79 e 80, verifica-se que, efectivamente, nem todos os requeridos, progenitores, ficaram satisfeitos com a participação dos respectivos filhos nos programas.
E da análise da prova resulta que apenas a PM... (mãe da M...) e CF... (mãe do F... e da L…), mencionaram terem ficado satisfeitas com a participação no programa; na verdade, nas declarações de parte a P... disse que apenas se arrependeu, não da participação, mas pelo alarme que o programa provocou e considera ter tido beneficio da participação, declarações essas, aliás, que estão na base do ponto 36 da matéria de facto; e a CF... disse, nas suas declarações de parte, não se sentir defraudada com a participação no programa.
Quanto aos demais progenitores, não há uma prova directa da sua satisfação com a participação no programa e, alguns deles, revogaram, até, as autorizações de participação concedidas, o que demonstra arrependimento e pelo menos algum grau de insatisfação.
Portanto, quanto ao ponto 63 entendemos que deve ser corrigido em função da prova produzida, restringindo-se o facto de satisfação dos progenitores dos menores à PM ..e à CF..., com a seguinte redacção:
- A PM..., mãe da M... e a CF..., mãe do F... e da L… ficaram satisfeitas com o resultado obtido da participação nos programas em que intervieram.
Quanto às pretendidas alterações ao ponto 65.
Desse ponto consta:
-65. A exposição em público de dimensões da vida íntima dos menores retratados nos episódios 1 e 2 apresenta razoáveis riscos, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade, a médio e longo prazo.
Ora, salvo o devido respeito, não há fundamento para alterar a redacção do ponto 65, por três razões.
Primeira, como já se referiu, nada foi alegado acerca do conteúdo do episódio n° 3 e, por isso, não há como dar por provada factualidade não alegada, o que por si só seria suficiente para arredar a possibilidade reformar/alterar o facto dado como provado no ponto 65.
Segunda razão: para além da exibição do vídeo relativo ao episódio n° 3, nenhuma prova foi produzida no sentido de fundamentar/demonstrar que os menores que
participaram no episódio n° 3 apresentam riscos no desenvolvimento da sua personalidade a médio e a longo prazo: as testemunhas não o referiram (embora isso não afaste a questão da nulidade do consentimento dos progenitores e a consequente ilicitude da limitação dos direitos de personalidade dos menores envolvidos).
Terceira razão: é sabido que relativamente à impugnação da matéria de facto recai sobre o recorrente um duplo ónus: (i) circunscrever e delimitar o âmbito do recurso indicado de modo claro os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação
que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa. (Cf. Ana Luisa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, AAVV, Coimbra Editora, 589 e segs, concretamente, pág. 593.)
Assim, sem necessidade de outros considerandos, improcede a pretendida alteração do ponto 65.

5. Bl- Invocadas pela Ss.
A Ss..impugna a seguinte matéria de facto:
i)- Pontos 65°, 66° e 67, por não terem sido alegados pelo Ministério Público;
ii)- O facto não provado da contestação da Ss; Vejamos.
5.B.i.1) - Segundo a ré Ss, o tribunal deu como provados os pontos 65, 66 e 67 da matéria de facto, que não têm correspondência com o que foi alegado pelo Ministério Público e, além disso, para apreciar essa matéria de facto seria necessária prova pericial por serem exigíveis conhecimentos especiais que os julgadores não possuem e, as apreciações que sobre esses factos fizeram algumas testemunhas são abstractas porque não contactaram com as crianças.
5.B.i.2) — O Ministério Público pugna pela improcedência pretendida alteração da matéria de facto, dizendo que no essencial alegou essa factualidade e nada impede que essa factualidade seja provada por meio de testemunhas e documentos.
5.B.i.3) - Apreciando e decidindo.
Foi dado corno provado nos pontos 65, 66 e 67, que:
65.A exposição em público de dimensões da vida íntima dos menores retratados nos episódios 1 e 2 apresenta razoáveis riscos, da verificação de consequências negativas, no desenvolvimento da sua personalidade, a médio e longo prazo. 66.Bem como razoáveis riscos, a médio e longo prazo, quanto às consequências no ambiente escolar e na própria relação com a família, quanto à compreensão e aceitação da decisão dos pais de exporem num programa de televisão o seu ambiente familiar e problemas existentes no mesmo.
67. E, ainda, razoáveis riscos de verificação de fenómenos de bullying, a médio e longo prazo.
Na petição, o Ministério Público havia alegado, essencialmente, essa factualidade, designadamente nos pontos LI a LVIII, embora de forma mais extensa.
O juiz não tem de usar as mesmas palavras e expressões que as partes utilizaram para dar como provada determinada realidade fáctica, podendo resumir e sintetizar a narrativa das partes, desde que não ultrapasse e se circunscreva ao núcleo essencial dos factos invocados.
Assim, entendemos que não tem razão a Ss..ao pretender que os pontos 65, 66 e 67 dos factos provados não têm correspondência com a alegação do Ministério Público.
Aliás, a própria Ss..não concretiza em que consiste essa falta de correspondência factual.
E quanto à questão da prova pericial.
A Ss..pretende que não se podiam dar como provados os pontos 65, 66 e 67, porque para apreciar essa matéria de facto seria necessária prova pericial, por serem exigíveis conhecimentos especiais que os julgadores não possuem e, as apreciações que sobre esses factos fizeram algumas testemunhas são abstractas porque não contactaram com as crianças.
Não nos parece que tenha razão.
É certo que a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os juízes não possuem (art° 388° do CC).
Trata-se de um meio de prova livre porque o juiz tem a liberdade de apreciar, de acordo com a sua convicção, a prova apresentada e de lhe atribuir o peso que achar ajustado. Aliás, o art° 391° do CC di-lo expressamente.
Além disso, poderemos dizer que se trata de um meio de prova bastante, por contraponto com a prova plena e a prova pleníssima. A lei não lhe atribui nenhum valor probatório especial, mas serve para demonstrar a veracidade de um facto no processo. O perito, tal como a testemunha, surge como uma espécie de intermediário entre a fonte de prova e o tribunal.
Pode dizer-se que o perito se distingue da testemunha porque esta relata factos passados e, o perito relata factos presentes.
No entanto é admissível a testemunha pericial, nada obstando a que a mesma pessoa possa reunir as notas fundamentais da testemunha c do perito.
No caso, as testemunhas que depuseram (entre outros factos) sobre a matéria dos pontos 65, 66 e 67, arroladas pelo Ministério Público, são pessoas com especiais qualificações profissionais em matéria de psicologia e comportamento de menores e, nos seus depoimentos, transmitiram um juízo de prognose sobre a probabilidade de as crianças poderem ter consequências negativas associadas à participação no programa.
São testemunhas periciais.
Não há fundamento para considerar esse meio de prova como ilícito.
Assim, em conclusão, não vislumbramos fundamento para eliminar do elenco dos factos provados os pontos 65, 66 e 67.
5.B) lia- Quanto ao facto não provado da contestação da Ss.
5.B) ii.1.1- A Ss..pretende seja dado como provado o ponto que invocou na sua contestação — que a produção fez trabalho de edição das imagens de modo a não transmitir as de foro mais íntimo ou de forma a moderar a exposição — por ter ficado provada com base nos depoimentos das testemunhas EL…, TPM..., PB... e PC....
5.B) ii.1.2- O Ministério Público defende que esse facto alegado pela Ss..estaria em contradição com os pontos de facto dados como provados em 26, 27, 30, 31, 32 e 33 de que resulta que nos episódios 1 e 2 ocorreu, de modo evidente, uma invasão das rotinas familiares e momentos de particular fragilidade dos menores, não bastando para afastar esses factos os depoimentos de testemunhas interessadas ligadas à produção do programas.
5.B) ii.1.3- Apreciando e decidindo.
Entendemos que a ré Ss..não tem razão, por duas razões.
Primeira, a factualidade que pretende seja dada como provada não consubstancia matéria de excepção, mas de impugnação motivada (alegada no ponto 208° da contestação) e, por isso, não tem que ser objecto de decisão probatória.
Segunda, da factualidade dada corno provada, principalmente nos pontos 32° e 33°, resulta que há uma invasão da vida privada e familiar das crianças.
Por conseguinte, entendemos não existir fundamento para dar como provado o pont de facto alegado no artigo 208° da contestação da Ss.
5.C)- Impugnação da matéria de facto invocada pela Ww
5.C). a).1)- A ré Ww, invoca que não poderiam ter sido dados como provados os pontos 65, 66 e 67, porque:
a)- Porque contradizem os factos dados como não provados, por referência aos pontos LI da pi e contradizerem os factos dados como provados nos pontos 51 e 52; e por haver contradição entre os factos não provados por referência ao ponto LM da pi e os factos provados nos pontos 72, 73 e 74; por haver contradição ente o facto não provado por referência ao ponto LIV da pi e os factos provados no ponto 51; e por haver contradição entre os factos não provados dos pontos LV e LVI da pi e os pontos 51 dos factos provados.
b)- Não resultam de um raciocínio lógico dedutivo, por a referência a factos actuais mencionada na fundamentação da decisão não é aceitável para tomar aceitáveis os ricos futuros, por não se basearem em qualquer razão de ciência; c)-Não resultam da prova produzida, por os depoimentos das testemunhas TPM... e CV... irem no sentido de inexistência dos mencionados riscos.
5.C). a).2- O Ministério Público pugna pela improcedência da pretensão de alteração da matéria de facto pretendida pela Ww.
5.C).a).3 - Apreciando e decidindo.
Salvo o devido respeito, entendemos que não há fundamento para alterar a matéria de facto dada como provada nos pontos 65, 66 e 67, por duas razões.
Primeira. Como já se referiu bastamente, para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito, não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação.
Os riscos, enquanto probabilidade de ocorrência de danos, sejam actuais sejam futuros, são irrelevantes para a concessão de providências preventivas ou atenuantes da lesão dos direitos de personalidade.
Segunda. Não obstante, a sentença diferenciou entre risco actual e riscos a médio e longo prazo. E com objectividade, face à prova produzida disse que, actualmente não se verificam riscos (de bullying, segregação familiar ou social) mas podem ocorrer riscos futuros (a médio e longo prazo) face à circunstância de os episódios permanecerem (para sempre) na internet.
Não há, por conseguinte, fundamento para dar como não provados os pontos 65, 66 e 67.
Aliás, as testemunhas RF..., E…, RA..., MCP, pessoas com conhecimentos especiais no que toca a comportamento e psicologia de menores, reconheceram o risco de danos futuros para as crianças participantes no programa. Também TM... reconheceu que havia riscos com a exposição das crianças, embora tenha justificado que eram riscos que valia a pena correr — e contraditoriamente, acha que as crianças correram risco mas não dano (presente).
Em face do que se disse, não há fundamento para alterar a matéria de facto dada como provada nos pontos 65, 66 e 67.
5.C.b).1- Factos que deveriam ter sido dados como provados.
5.C.b).1.1- Segundo a Ww deve ser dado como provado que:
a)- Os comportamentos e imagens transmitidos nos episódios 1, 2 e 3 não
correspondem a situações ilícitas, nem configuram patologias psicológicas, sendo os
mesmos de ocorrência habitual no espeço público. E fundamenta essa pretensão em
duas razões: (i) nos depoimentos testemunhais de TPM..., CV..., JC... e QA...; (ii) facilitaria a subsunção dos factos ao direito.
- b)- Deve ser dado como provado que a ré ...teve o cuidado de seleccionar momentos e imagens que não demonstrem de forma evasiva as rotinas familiares ou momentos de particular privacidade., facto esse que resulta dos depoimentos de TPM..., PC..., PB... e PM....
- c)- Deve ser dado como provado que Os menores retratados tinham antes da participação no programa comportamentos desadequados, cuja não correcção provocaria sério dano no seu percurso profissional e académico, facto esse que resulta dos depoimentos de TPM... e das declarações de parte de CF... e de PM....
- d)- Deve ser dado como provado que O standard do audiovisual como é exibido nas televisões actualmente inclui a divulgação de imagens de menores em circunstâncias que lhes são .favoráveis desde que não haja retrato de nenhum comportamento ilícito, a fim de ficar claro o que constitui ou não o que constitui ou não ameaça ilícita e directa aos direitos de personalidade das crianças e jovens no panorama jurídico português. 5.C.b).1.2- O Ministério Público pugna pela improcedência dos pretendidos acrescentos de matéria factual provada.
5.C.1.3- Apreciando e decidindo.
Quanto à pretensão referida em a) - Os comportamentos e imagens transmitidos nos episódios 1, 2 e 3 não correspondem a situações ilícitas, nem configuram patologias psicológicas, sendo os mesmos de ocorrência habitual no espeço público — salvo o devido respeito, a recorrente Ww não tem razão porque, saber se as imagens e transmissão dos episódios correspondem ou não a situações ilícitas encerra uma questão de direito: é à luz das normas jurídicas vigentes que se afere da licitude, ou não, da participação dos menores nos programas.
Quanto ao facto pretendido em b), já se decidiu no ponto 5.B) ii.1.3, para onde se remete.
No que toca ao ponto c) - Os menores retratados tinham antes da participação no programa comportamentos desadequados, cuja não correcção provocaria sério dano no seu percurso profissional e académico — mais uma vez, em primeiro lugar, trata-se de matéria de facto irrelevante face ao objecto da acção (delimitado pelo pedido e pela causa de pedir): o facto constitutivo da pretensão do autor é o acto ilícito da participação dos menores no programa.
Em segundo lugar, não foi produzida prova de que os menores (que participaram no programa) corriam sério dano no seu percurso profissional e académico. Na verdade, apenas PM… respondeu sim a uma pergunta da juíza do processo sobre se a participação da M... se revelou benéfica para a sua capacidade de interacção, desempenho escolar, estabilidade psíquica e também na integração familiar. Ora, dessa resposta extravasar para um juízo de prognose sobre o risco de sério dano no seu percurso profissional e académico vai uma diferença enorme que não permite dar como provado aquele facto pretendido pela Ww.
Além disso, por outro lado, a testemunha PR..., professor da M..., não apontou qualquer risco académico da menor e que na escola é muito obediente e educada.
Também F..., professor da L…, disse que ela é excelente aluna, jamais referindo qualquer risco académico.
Igualmente NB..., educadora de infância do menor F... : não referiu qualquer problema académico do menor.
Assim, não há fundamento, nem de facto nem de direito para dar como provado o facto pretendido pela Ww.
Quanto ao ponto d) - O standard do audiovisual como é exibido nas televisões actualmente inclui a divulgação de imagens de menores em circunstâncias que lhes são favoráveis desde que não haja retrato de nenhum comportamento ilícito - trata-se de um facto irrelevante: de nada interessa para estes autos o que se passa, ou não, noutros programas televisivos. Além disso, o conceito de comportamento ilícito é jurídico e, como se referiu, é analisado no confronto com as regras de direito vigentes.
Sem necessidade de outros considerandos, conclui-se não haver fundamento para aditar os factos pretendidos pela Ww.

6- Vejamos agora as questões jurídicas propriamente ditas.
6-A — Do Recurso Interposto pelo Ministério Público.
6-A). 1.1- O Ministério Público pretende:
a)- Reposição da decisão provisória quanto ao episódio 3.
b)- Que o tribunal determine a actuação das rés Ss..e Ww no que toca a episódios futuros.
Quanto à pretensão referida em a), o Ministério Público apresenta as conclusões P a PP, invocando, em síntese, que o conteúdo do episódio 3 constitui uma ameaça significativa e, por isso, violadora dos direitos de personalidade dos menores T... e L…, por verem exposta a sua intimidade e privacidade.
No que toca à pretensão mencionada em b), o Ministério Público apresenta as conclusões QQ a ZZ, defendendo, em síntese, que o art° 879° n°s 4 e 5 do CPC/13 permite que o tribunal aplique as medidas determinativas do comportamento concreto dos requeridos quanto a futuras violações dos direitos de personalidade das crianças que intervieram nesses episódios (futuros), não sendo exigível que sejam propostas, posteriormente, novas acções para atenuar os efeitos da violação dos direitos de personalidade das crianças.
6-A).1.2- A ré Ss..defende não existir qualquer violação dos direitos das crianças que participaram no episódio 3 porque os respectivos progenitores prestaram o consentimento à participação desses menores no programa, afastando assim qualquer ilicitude dessa participação.
E que, quanto ao quarto pedido, sem se conhecer a identidade dos menores que poderão participar nos futuros programas, não é possível o Ministério Público representá-los nem formular qualquer pedido relativo a essa futura participação, nem é possível aferir de qualquer ameaça ao direito de personalidade desses menores.
6-A).1.3- A ré Ww defende o indeferimento destas duas pretensões do Ministério Público.
6-A).4- Apreciando e decidindo.
Quanto ao episódio 3.
Recorde-se a decisão provisória quanto a esse episódio:
- ...decide-se, provisoriamente, determinar que a Requerida Ss..— S.A., na exibição do episódio do programa SNn em que participam os menores LA..., LA... e CG e que está programado ser emitido no próximo dia 28 de Janeiro, utilize filtros de imagem e de voz, quer dos menores, quer dos seus progenitores, quer de quaisquer outras pessoas que intervenham ou participem no programa e que, por vínculo familiar ou outro com os menores, permitam identificá-los.
Recorde-se a decisão proferida na sentença quanto ao episódio 3:
-2- Altera-se a decisão provisória, quanto ao episódio n° 3, concluindo pela ausência de ameaça ilícita à personalidade dos menores no mesmo retratados, revogando, em consequência, a sua proibição de exibição ou condicionada a colocação de filtros.
Pois bem, cumpre analisar a questão.
Para o efeito, importa chamar à colação as seguintes conclusões supra enunciadas: 3-Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito de que resulte ou possa resultar ameaça ou ofensa ao direito (de personalidade) não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares:fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação 4 - Tal como sucede com o Direito à Imagem, também o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada pode sofrer limitações voluntárias pelo seu titular. No entanto, só quando não forem contrárias a Lei injuntiva, aos bons costumes, à ordem pública, nem física nem legalmente impossíveis é que essas limitações voluntárias dos Direitos de Personalidade são lícitas.
5- Se o menor dispuser de discernimento e maturidade suficientes que lhe possibilitem avaliar correctamente o alcance e as consequências do consentimento limitativo dos seus direitos de personalidade, deve ser ele e não o(s) representante(s) progenitor(es) a consentir nessa limitação.
Nos casos em que o menor não tiver maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento, de iure condendo, deve ponderar-se a opção por uma solução em que os progenitores apresentem projecto de consentimento ao Ministério Público, que a ele se poderá opor, com possibilidade de recurso para o tribunal.
6- A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação c pedido de autorização, nos termos dos art°s 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
7- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
Destas conclusões é fácil retirar que a participação dos menores no terceiro episódio, sem a verificação das exigências legais de autorização para participação em espectáculo, implica a nulidade do consentimento paterno nessa participação e a consequente ilicitude da limitação dos direitos dos menores à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, permitindo que o Ministério Público solicite medidas de tutela desses direitos de personalidade.
É, por isso incorrecta, por desnecessária, a referência feita na sentença à ausência de ameaça ilícita à personalidade dos menores: ocorreu violação dos direitos de personalidade dos menores.
Aqui chegados, outra questão se coloca: o Ministério Público pede a repristinação da decisão provisória sobre o episódio n° 3.
Não nos parece que possa, simplesmente, repristinar-se aquela decisão provisória, visto que a participação dos menores nos programas é ilícita sem que os promotores comuniquem e peçam autorização à CPCJ para essa participação. Repristinar, sem mais, a decisão provisória, contendia com a nulidade do consentimento prestado e a ilicitude da participação dos menores.
Como decidir?
Vimos que neste tipo de processo especial para tutela da personalidade, o juiz tem o poder/dever de aplicar a medida mais adequada ao caso, determinando o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito e podendo alterar a medida que aplicou provisoriamente, sem estar limitado, nos termos do art° 609° n° 1 do CPC/13, quantitativa e qualitativamente pelo pedido formulado.
Pois bem, acha-se adequado, no caso concreto, face à nulidade do consentimento dos progenitores e à consequente ilicitude da participação dos menores no programa, determinar que as rés não possam exibir ou por qualquer modo divulgar o episódio 3, sem que, previamente, comuniquem e solicitem autorização de participação dos menores no programa à CPCJ competente.
Quanto ao quarto pedido: limitações a episódio futuros.
É imperioso recordar as conclusões enunciadas, concretamente:
1-Apesar da deslocação para o âmbito dos processos especiais, o legislador de 2013 manteve no Processo Especial de Tutela da Personalidade algumas características típicas dos processos de jurisdição voluntária, como sejam o poder/dever de o juiz aplicar a medida mais adequada ao caso, determinando o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito e podendo alterar a medida que aplicou provisoriamente, sem estar limitado, nos termos do art° 609° n° 1 do CPC/13, quantitativa e qualitativamente pelo pedido formulado.
2- Mais importante que reprimir, punir, indemnizar ou atenuar é crucial que o Direito faculte meios hábeis e eficazes para prevenir lesões do Direito de Personalidade. O decretamento de providências preventivas depende da invocação de factualidade que, por verosimilhança, permita concluir pela probabilidade séria da verificação da lesão eminente: a manter-se a situação factual conhecida, ocorrerá a lesão do direito e, por isso, decidem-se medidas adequadas a preveni-la.
3-Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito de que resulte ou possa resultar ameaça ou ofensa ao direito (de personalidade) não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares:fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação.
Pois bem, no caso dos autos, a manter-se o formato do programa — com exibição da imagem
e de situações integradoras de reserva e intimidade da vida privada dos menores - e acima de tudo a
actuação das rés quanto à angariação de menores para participarem em episódios futuros do programa, sem observarem a exigência de comunicação e pedido de autorização para essa participação à CPC.I, qualquer consentimento dado pelos progenitores desses menores é nulo e, por consequência, ilícita a limitação desses direitos de personalidade dos menores participantes em futuros programas e, por conseguinte, independentemente de quem possam vir a ser esses menores, é admissível a tomada de medida cautelar dc prevenção dessa violação dos direitos dc personalidade desses menores.
Deste modo, somos a entender que o tribunal pode determinar medida preventiva dessa futura — a manter-se o modo de actuação das rés e o formato do programa —violação dos direitos de personalidade dos menores, independentemente de quem venham a ser: mais vale prevenir que remediar.
Procede, assim, igualmente esta pretensão do Ministério Público.

6-B) — Do Recurso Interposto pela ré Ss.
6-B).1- A recorrente Ss..pretende:
a)- Se reconheça a falta de capacidade dos menores, por irregular representação pelo Ministério Público, ou ilegitimidade do ministério público para a acção;
b)- A revogação da decisão quanto aos episódios 1 e 2.
6-B).l.a) - Quanto à pretensão mencionada em a), a Ss..alega que os consentimentos dados pelos pais dos menores não são inválidos, por não atentarem contra a ordem pública, devendo admitir-se a limitação voluntária aos direitos de personalidade e, além disso, não foram demonstrados quaisquer danos para os menores participantes no programa.
No que toca ao pedido indicado em b), a Ss..invoca que havendo consentimento válido para a participação dos menores no programa, não há ilicitude na limitação aos direitos de personalidade dos menores e, por isso, deve ser revogada a decisão quanto aos episódios 1 e 2.
6-B).2.a) - O Ministério Público defende a improcedência da pretensão.
6-B).3.a) - Apreciando e decidindo.
Salvo o devido respeito, a recorrente Ss..não tem razão.
Quanto à pretensão mencionada em a): se reconheça a falta de capacidade dos menores,
por irregular representação pelo Ministério Público, ou ilegitimidade do ministério
público para a acção.
Basta lembrar as seguintes conclusões supra enunciadas:
5- Se o menor dispuser de discernimento e maturidade suficientes que lhe possibilitem avaliar correctamente o alcance e as consequências do consentimento limitativo dos seus direitos de personalidade, deve ser ele e não o(s) representante(s) progenitor(es) a consentir nessa limitação.
Nos casos em que o menor não tiver maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento, de Iure condendo, deve ponderar-se a opção por uma solução em que os progenitores apresentem projecto de consentimento ao Ministério Público, que a ele se poderá opor, com possibilidade de recurso para o tribunal.
6- A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação e pedido de autorização, nos termos dos art°s 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
7- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
8- Existe conflito de interesses quando o representante legal dos interesses do menor, descurando o superior interesse do representado actua, ainda que negligentemente, priorizando interesses próprios.
9- Á luz dos art°s 3° n° 1, al. a) e 5° n° 1, al. c) da Lei 47/86, de 15/10, conjugados com o art° 23° do CPC/13 e art°s 1920°, e 1893 n° 3 do CC, pode defender-se a atribuição de poder de representação activa do menor em juízo ao Ministério Público nas situações de conflito de interesses com os progenitores.
Por conseguinte e sem necessidade de outros considerandos, improcede a pretensão da recorrente Ss..referida em a),
6.B).1.b)- No que toca à retensão enunciada em b): a revogação da decisão quanto aos
episódios 1 e 2.
Alega a Ss..que em consequência da existência do consentimento dado pelos pais dos
menores para participação no programa, não existe ilicitude e não se provou qualquer
dano para os participantes, por isso, deve ser revogada a decisão quanto aos episódios 1 e 2.
6.B).2.b) - O Ministério Público pugna pela improcedência da pretensão.
6.B). 3.a) - Apreciando e decidindo.
Mais uma vez entendemos que a recorrente Ss..não tem razão.
Na verdade, também mais uma vez, recordando conclusões anteriormente tiradas:
3-Para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito de que resulte ou possa resultar ameaça ou ofensa ao direito (de personalidade) não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação. 4 - Tal como sucede com o Direito à Imagem, também o Direito à Reserva Sobre a Intimidade da Vida Privada pode sofrer limitações voluntárias pelo seu titular. No entanto, só quando não furem contrárias a Lei injuntiva, aos bons costumes, à ordem pública, nem física nem legalmente impossíveis é que essas limitações voluntárias dos Direitos de Personalidade são lícitas.
5- Se o menor dispuser de discernimento e maturidade suficientes que lhe possibilitem avaliar correctamente o alcance e as consequências do consentimento limitativo dos seus direitos de personalidade, deve ser ele e não o(s) representante(s) progenitor(es) a consentir nessa limitação.
Nos casos em que o menor não tiver maturidade para avaliar as consequências do seu consentimento, de iure condendo, deve ponderar-se a opção por uma solução em que os progenitores apresentem projecto de consentimento ao Ministério Público, que a ele se poderá opor, com possibilidade de recurso para o tribunal.
6- A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação e pedido de autorização, nos termos dos ares 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
7- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
Do exposto decorre que o consentimento dados pelos pais é nulo e, por consequência é ilícita a limitação dos direitos de personalidade dos menores, justificando-se as medidas decretadas quanto aos episódios 1 e 2.

6-C)- Do Recurso da ré Ww.
A Ww suscita a seguintes questões:
a)- Incorrecta fundamentação da decisão;
b)- Validade do consentimento dado pelos pais;
c)- Inexistência de colisão entre direitos fundamentais.
d)- Impossibilidade da condenação ao exercício do direito de propriedade;
e)- Não extensão dos efeitos da condenação à Ww.
6-C.a.1) - Quanto à questão mencionada em a), a Ww defende que não basta a verificação de riscos plausíveis para considerar fundados os requisitos de decretamento de medida de tutela dos direitos de personalidade; as expressões utilizadas e as cenas envolvendo os menores no programa não são objectivamente negativas; não se verifica risco relevante que permita decretar medidas de tutela dos direitos de personalidade. 6-C.a.2) — O Ministério Público pugna pela improcedência da pretensão.
6-C.a.3) - Apreciando e decidindo.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a Ww não tem razão. Como já se referiu anteriormente e se reiterou no ponto 5.C).a).3, para que sejam deferidas providências de Tutela de Personalidade basta a verificação do facto voluntário e ilícito, não se exigindo a culpa, nem a produção de danos, nem a alegação (e prova) dos requisitos típicos dos procedimentos cautelares: fumus boni iuris, periculum in mora, proporcionalidade e adequação.
Os riscos, enquanto probabilidade de ocorrência de danos, sejam actuais sejam futuros, são irrelevantes para a concessão de providências preventivas ou atenuantes da lesão dos direitos de personalidade.
Deste modo e sem necessidade de outros considerandos, conclui-se pela improcedência desta pretensão.
6-C.b.1) - Quanto à questão referida em b): validade do consentimento dado pelos pais.
6-C.b.2) - Apreciando e decidindo.
Mais uma vez, consideramos que a Ww não tem razão.
Basta relembrar as conclusões 6 e 7:
6- A participação de menores em Espectáculos está sujeita a comunicação e pedido de autorização, nos termos dos art°s 2° a 11° da Lei 105/2009, de 15/09, e depende de prévio acordo da CPCJ, sob pena de não poder ser levada a cabo e de ser considerado nulo, por violar norma imperativa, o contrato celebrado sem a referida autorização.
7- E sendo nulo o consentimento dado pelos progenitores, a limitação ao direito à imagem e à reserva sobre a intimidade da vida privada dos menores, ao participarem nos programas, é ilícita, com as consequências daí advenientes, designadamente no que toca à possibilidade de serem solicitadas medidas de tutela do direito de personalidade dos menores.
Improced e, igualmente, a mencionada pretensão da Ww.
6-C.c.1)- Invoca a Ww que inexiste colisão entre direitos fundamentais, alegando para o efeito que não havendo risco para os direitos de personalidade das crianças não há fundamento para limitar os direitos à liberdade de expressão e programação da ré. 6-C.c.2) - Apreciando e decidindo.
Também aqui a Ww não tem razão: a razão de ser de limitar a exibição/divulgação dos episódios do programa funda-se, simplesmente na nulidade do consentimento prestado pelos progenitores e na consequente ilicitude da limitação dos direitos à imagem e reserva da vida dos menores, como já foi repetidamente dito e demonstrado.
6-C.d.1) - Alega ainda a Ww a Impossibilidade da condenação ao exercício do direito de propriedade decidida na sentença ao condenar as rés a fazerem valer os seus direitos de propriedade (sobre o programa) junto de quaisquer entidades e em qualquer meio de comunicação para que o acesso ao conteúdo dos episódios que tenham sido colocados acessíveis sejam imediatamente bloqueados por essas entidades (redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o Youtube e afins), o que consubstancia uma obrigação de policiarem todas as redes sociais, sem qualquer atenção à exequibilidade prática dessa medida e aos custos inerentes; é uma medida de execução impossível.
6-C.d.2) -O Ministério Público pugna pelo indeferimento da pretensão, invocando o art° 17° do Regulamento Europeu de Protecção de Dados que consagra o efectivo direito ao esquecimento e ao apagamento de dados colocados na internet.
6-C.d.3) — Apreciando e decidindo.
Afigura-se-nos que o Ministério Público tem razão.
A condenação das rés a fazerem valer os seus direitos sobre o programa junto de quaisquer entidades constitui uma obrigação de facere perfeitamente exequível: as rés têm ao seu dispor mecanismos legais para salvaguardarem, junto de terceiros, os seus direitos de propriedade sobre o programa, em termos de solicitarem medidas judiciais contra esses terceiros que exibam ou explorem os episódios produzidos.
Justamente por existir essa possibilidade de salvaguarda de direitos de propriedade intelectual junto de terceiros, foi determinada essa medida.
Só que a medida determinada, obrigação de facere, foi imposta ao em benefici das rés, mas das crianças participantes desses episódios, face à ilicitude das respectivas participações.
Recorde-se que o decretamento de medidas/providências atenuantes da violação dos direitos de personalidade deve procurar salvaguardar o princípio da solução com o menor sacrificio possível da vítima.
Não vislumbramos razões para revogar a medida decretada.
6-C.e.l) — Pretende finalmente a Ww que por apenas ser a produtora do programa não detém quaisquer direitos de propriedade, distribuição e exibição do programa, não podendo por isso executar a sentença a que foi condenada, não lhe podendo ser aplicada a sanção pecuniária compulsória.
6-C.e.2) — O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser aplicável à Ww as medidas decretadas por ter sido ela a celebrar o Acordo de Participação.
6-C.e.3) — Apreciando e decidindo.
Conforme resulta da cláusula primeira do Acordo de Participação, os participantes no programa cederam à produtora, a Ww, os direitos de imagem e propriedade intelectual que derivem da criação e participação nesse programa. Da cláusula quinta do Acordo de Participação os direitos de propriedade intelectual ou outra que resultem da participação do programa, pertencem à Ww. De acordo com a cláusula quarta de acordo, pela cessão dos direitos de imagem a Ww pagará ao participante 1 000€. Nos termos da cláusula sexta do mencionado acordo, os direitos de propriedade material e intelectual pela participação no programa e os respectivos suportes ficarão na exclusiva titularidade da Ww, autorizando-a a novas transmissões, retransmissões, podendo a Ww de forma livre efectuar transmissão linear, no todo ou em parte, o número de vezes que entender, em Portugal ou no estrangeiro, por qualquer meio de difusão ou transmissão, conhecidas ou que venham a ser conhecidas; fixar ou reproduzir em quaisquer suportes audiovisuais; divulgar ou promover a obra em qualquer suporte; dobrar traduzir e legendar em qualquer idioma; divulgar em quaisquer locais; proceder á venda, aluguer por qualquer meio (vejam-se ainda mais desenvolvidas as alíneas a) a k) da cláusula sétima).
Portanto, sem necessidade de mais considerandos, não se compreende como a Ww pode vir alegar que não tem quaisquer direitos sobre o programa...
A pretensão improcede.
7- Taxa de Justiça:
Determina o art° 6° n° 5 do RCP que o juiz pode terminar, a final, a aplicação dos valores da taxa de justiça da Tabela I-C aos recursos que revelem especial complexidade.
Pois bem, no caso dos autos, entendemos ser de aplicar aquela tabela I-C, face à complexidade das questões jurídicas colocadas nos três recursos, não só por se tratar de questões novas, não debatidas na jurisprudência, como pela multiplicidade e extensão das questões suscitadas.
Deste modo, determina-se que seja aplica aos recursos a taxa de justiça mencionada na Tabela I-C.

III- Decisão.
Em face do exposto, acordam na 6a secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em: a)- Jugar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:
i)- Indeferir as nulidades da sentença invocadas;
ii)- Revoga-se parcialmente o ponto 63 dos Factos Provados, que passa a ter a seguinte redacção:
- A PM..., mãe da M... e a CF..., mãe do F... e da L… ficaram satisfeitas com o resultado obtido da participação nos programas em que intervieram.
iii)- Improcedem as demais pretensões de alteração da matéria de facto.
iv)- Determina-se que as rés não possam exibir ou por qualquer modo divulgar o episódio 3, sem que, previamente, comuniquem e solicitem autorização, e a obtenham, de participação dos menores no programa à CPCJ competente.
v)- Determina-se que a participação de menores em futuros episódios, independentemente de quem venham a ser, fique
dependente da prévia comunicação e autorização da CPCJ a solicitar pelas rés.
b)- Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela ré Ss.
c)- Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela ré Ww.
Custas, com taxa de justiça nos termos da Tabela I-C:
i)- No recurso interposto pelo Ministério Público, na proporção de 3/10 para o Ministério Público (de cujo pagamento está isento) e de 7/10 para as rés Ss..e Ww;
ii)- No recurso interposto pela Ss, totalmente a cargo desta;
iii)- No recurso interposto pela Ww, totalmente a cargo desta .
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Adeodato Brotas
Gilberto Jorge
Maria de Deus Correia
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