Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Jurisprudência da Relação Laboral
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 - ACRL de 26-09-2018   Suspensão provisória em processo crime. Valoração em sede laboral. Dever de lealdade. Quebra de confiança.
A decisão de suspender provisoriamente o processo assenta num mero juízo hipotético de responsabilidade do arguido (que aceita as injunções para não ser submetido a julgamento), e não chegando a haver julgamento nem declaração de culpa, deverá o arguido continuar a presumir-se inocente . No entanto, tal não afasta a possibilidade dos facto indiciados no processo crime e a própria aceitação da suspensão provisória do processo crime, tendo em conta o que está na base dessa medida, as circunstâncias e os requisitos em que pode ser deferida, possam ser valorados como elementos a ponderar, de entre os demais, noutra sede, nomeadamente laboral.
Tendo em conta que a factualidade dada como assente revela que o Autor violou deveres laborais que sobre si impendiam, nomeadamente o dever de lealdade, levando a violação desse dever a uma irremediável quebra de confiança, na medida em que gera na entidade empregadora uma dúvida insuperável sobre a idoneidade futura deste seu trabalhador, há que concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo, existindo justa causa para o seu despedimento.
Proc. 15014/17.3T8LSB.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Filomena Manso - Duro Mateus Cardoso - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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PROC. 15014/17.3T8LSB.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação
I — RELATÓRIO
PE... veio intentar a presente acção declarativa de condenação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra GR... opondo-se ao seu despedimento e pedindo a declaração da ilicitude e/ou irregularidade do mesmo.
Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, veio a Ré motivar o despedimento do Autor, alegando, em síntese, que o processo disciplinar foi regularmente instruído, inexistindo irregularidades ou nulidades que o afectem e que o Autor praticou os factos que lhe são imputáveis no processo disciplinar que lhe foi movido e que integram justa causa para o seu despedimento, sendo este lícito face à gravidade dos mesmos.
Contestou o Autor que alegou, em resumo, que ocorreu a caducidade do processo disciplinar, não praticou quaisquer factos que constituam violação dos deveres laborais que sobre si impendem, sem que do facto deste ter aceite as injunções que lhe foram aplicadas no processo crime que decorreu na sequência dos factos que estão vertidos no processo disciplinar possa ser retirada uma presunção de culpa da sua prática. Conclui pela ilicitude do despedimento.
Em reconvenção pede a condenação da Ré a reintegrá-lo, bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde o despedimento e vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final, €2.385,34 referente a outros créditos laborais e €1.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora. Subsidiariamente, e na hipótese da reintegração não ser possível, pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização pelo seu despedimento ilícito, no valor de €5.967,18.
Respondeu a Ré que reiterou no essencial aquilo que já havia exposto na motivação.
Saneado o processo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, tendo sido fixada a matéria de facto, após o que foi proferida a sentença na qual foi exarada a seguinte
DECISÃO
Face ao exposto, julgamos totalmente improcedente a presente acção, considerando regular e lícito o despedimento do A.
Mais consideramos parcialmente procedente o pedido reconvencional e em consequência condenamos a R a pagar ao A a quantia de € 138,99 correspondente às horas de formação em falta.
Custas pelo A, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar — artigo 527.° do Código de Processo Civil.
Valor da causa: € 5.000,01— artigo 98.°-P do Código de Processo do Trabalho.
Comunique esta sentença à Segurança Social.
Registe e notifique.
Inconformado, interpôs o Autor recurso para esta Relação no qual formulou as seguintes
CONCLUSÕES
A) O A. instaurou acção de impugnação de despedimento ilícito contra a R., em virtude de, nos autos disciplinares que motivaram tal despedimento não ter havido a mínima prova de que o A. teria praticado qualquer facto ilícito.
B) Foi, nesse âmbito o A. acusado de ter furtado do interior de uma mala que tinha sido enviada para o porão do avião, o valor de €:300,00 em notas.
C) Em primeiro lugar, em parte alguma a R. logrou provar que tal valor chegou sequer a existir.
D) Pois a tal passageira não prestou declarações, como também não declarou previamente tal valor existente na bagagem, e inexiste qualquer documento que o titule.
E) Não obstante, e sem que tivesse sido feita qualquer prova sobre o mesmo, o Tribunal à Quo deu, de forma errada e completamente insustentada, que tal valor existia, fazendo apenas a singela menção que não haveria como duvidar da queixa da passageira...como se tal bastasse!
F) Apesar de nenhuma prova ter sido prestada sobre este facto.
G) E nem tão pouco existe qualquer conhecimento que a passageira tivesse alguma vez sido indemnizada pela …, ou pela R..
H) Inexistem nos autos quaisquer outras provas que sustentem a prática pelo A. de qualquer furto, apesar dos visionamentos dos fotogramas das câmaras de vigilância e de todas as testemunhas ouvidas nestes autos, que nenhuma delas presenciou o que quer que fosse.
I) Para mais, o relatório final da PSP foi também, injustificadamente menosprezado pelo Tribunal à Quo, porquanto, do mesmo constava que do Aditamento n°1 do relatório elaborado pela PSP segunda página do relatório da PSP sobre os factos participados pela viajante dinamarquesa, e continha escrito, entre outras coisas, o seguinte:Em face dos dados acima mencionados, apesar da conduta e indícios sobre PE... e TI..., não é possível apontar os autores do furto, uma vez que, devido à localização desfavorável da câmara de vigilância, não é possível observar se algum dos funcionários abriu a mala da lesada, não sendo de descartar igualmente, a hipótese de ter sido cometido no aeroporto de origem — Copenhaga — Dinamarca — pelos funcionários que lá laboram.
J) Este documento é bem exemplificativo que nenhum facto se pode imputar ao A., neste âmbito.
K) É bem evidente a total ausência de prova segura e certa de que o A. praticou alguma vez o referido furto.
L) O depoimento da Testemunha CE..., prestado em 9 de Janeiro de 2018, aos minutos 10.03.38 até ao minuto 10.41.20, com a referência …-…-…, que confirmou o tal aditamento em que ilibava, como ilibou, o A. do que quer que fosse, face à total inexistência de provas, e ainda por ter referido que não havia alguma certeza absoluta que a passageira levava lá algum dinheiro, ao minuto 33.16 ao afirmar que Como é que alguém pode afirmar isso? Só com uma declaração prévia ou com recibos.
M) Ora, nem há declarações, nem recibos!
N) O depoimento da testemunha AL... prestado entre os minutos 10.42.56 e 10.55.19 do dia 9 de Janeiro de 2018, com a referência … — … — …, em que este referiu - Testemunha: ao minuto 12.00- eu não vi ele tirar nada. ao minuto 12.10 disse Ninguém está a dizer que ele tirou alguma coisa; ao minuto 12.16 disse eu não vi nada. Minuto 12.16.
O) O Depoimento da testemunha TA..., prestado no dia 7 de Março de 2018, aos minutos 14.10.18, até 14.18.52, com a referência n°…-…-…, a qual referiu que se ao aceitar a injunção queríamos ter a certeza de que não se estaria a dar como culpado de nada e a informação que tivemos foi que não se estava dar como culpado de nada, daí que ambos e ele aceitamos ir por esse caminho.... ele estava prestes a passar para efectivo e não queríamos ter nenhum processo, e se deram oportunidade de pôr um fim ao processo achamos que era realmente a melhor solução e que em momento algum ele (o A.) desejou assumir culpa alguma nesse processo crime, e que quando foi desencadeado este processo disciplinar o A. primeiro ficou confuso, não estava a perceber o que realmente se estava a passar, porque é que estava a acontecer aquilo, e depois quando tudo começou a desenvolver-se o processo foi reaberto e aconteceu o despedimento, pronto ficou revoltado, sentiu-se envergonhado, humilhado, e foi muito difícil explicar à família e aos amigos o que é que estava a acontecer e porque é que estava a acontecer com ele. Ele passou a efectivo, e depois é despedido. Dois meses antes de ser despedido, soubemos que estava grávida, estivemos cinco anos à espera de uma estabilidade profissional do lado dele para avançarmos para a gravidez...ele ficou completamente desnorteado. A situação familiar, o processo da gravidez eu sei que ele poderia ter vivido de uma forma diferente da forma como o viveu, por causa deste problema, angustiado....e triste.
P) Assim, dever-se-á alterar a matéria de facto, dando-se como não provado que a mala da viajante em causa, tivesse, no aeroporto de Lisboa, qualquer valor no seu interior, nomeadamente em notas, e que o A. tenha alguma vez aberto a mala da passageira ID... (bag ID…) e retirado do seu interior uma bolsa contendo €:300,00 em notas.
Q) E, ainda se deverá alterar a matéria de facto, dando-se como provado que A R. não juntou aos presentes autos o processo disciplinar completo, conforme estava obrigada, faltando a página n°2/3 do Aditamento n°1 do relatório elaborado pela PSP segunda página do relatório da PSP sobre os factos participados pela viajante dinamarquesa, e continha escrito, entre outras coisas, o seguinte:Em face dos dados acima mencionados, apesar da conduta e indícios sobre PE... e TI..., não é possível apontar os autores do furto, uma vez que, devido à localização desfavorável da câmara de vigilância, não é possível observar se algum dos funcionários abriu a mala da lesada, não sendo de descartar igualmente, a hipótese de ter sido cometido no aeroporto de origem — Copenhaga — Dinamarca — pelos funcionários que lá laboram, e que no caso em apreço, falta esta página no processo disciplinar, que, curiosamente estava identificada e constava no mesmo, como sendo a página 7-a,
R) É de salientar que o Tribunal à Quo referiu não haver razões para duvidar da palavra da passageira — expressão com a qual não se pode concordar, por quatro razões fundamentais:- A dita passageira não depôs nestes autos, sequer; nunca declarou perante a respectiva companhia de aviação que levava na sua mala que foi transportada no porão da aeronave, qualquer valor; inexistindo qualquer prova documental ou outra, que tal valor sequer existiu, nem no processo-criminal tal ocorreu, e de igual forma, também inexistem nestes autos qualquer prova documental que a passageira trazia na sua mala de porão qualquer valor, pelo que, de acordo com as regras da experiência comum, nunca poderia o Tribunal presumir algo de que inexistem quaisquer provas da sua existência, tanto mais que foi matéria impugnada expressamente pelo A..
S) Mais se deve alterar a matéria dada como provada com suporte nas imagens constantes dos respectivos fotogramas, que mostram o A. dentro dos contentores mas que de nenhuma forma de modo algum, se visiona o A. a manejar a mala da ofendida, nem tão pouco a retirar o que seja da mesma;
T) Também deverá ser alterada a matéria dada como não provada passando a ser considerada como provada que o A. desde o momento em que foi despedido, deixou de receber o valor do seu salário e os legais acréscimos supra indicados, bem como o respectivo subsídio de férias, e, subsídio de Natal, e ainda que deixou de auferir o valor correspondente ao mês de Julho, 4 dias de Junho e o respectivo subsídio de férias, e, por fim, que o A. se sentiu, com todo este processo, triste, humilhado, vexado e envergonhado.
U) Nestes autos verifica-se, não só que houve manifesto erro de julgamento, até pela forma contraditória da matéria referente ás respostas aos supra referidos quesitos, como também de uma errada percepção da factualidade por parte do Tribunal à Quo, que o levou a uma errada aplicação do Direito aos factos.
V) Ao avaliar os depoimentos supra referidos daquela forma, o Tribunal à Quo efectuou uma manifestamente errada apreciação da matéria de facto, que, de acordo com as regras da experiência comum, dos supra referidos depoimentos, não se poderá extrair precisamente a matéria contrária ao que eles representam.
W) Devem assim ser eliminados os pontos 11, 12 e 13 da matéria dada como provada, acrescentando-se à mesma os pontos I; II e II da matéria que inicialmente o Tribunal à Quo deu como não provada.
X) Acresce ainda que o Tribunal à quo não fundamentou, devendo, contudo, fazê-lo, por que razão ou razões não deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas apresentadas pelo A., havendo uma manifesta nulidade da decisão recorrida nos termos do disposto no art°. 607° n°4 e 615° n°1 aI b) do C.P.C.
Y) O processo disciplinar que instruiu e motivou o despedimento do A. promovido pela R., continha, entre outros elementos, uma página designada por 7-A, a qual era composta pela segunda página do relatório final da PSP relativa à ocorrência constante da respectiva participação criminal que continha a seguinte menção: Em face dos dados acima mencionados, apesar da conduta e indícios sobre PE... e TI..., não é possível apontar os autores do furto, uma vez que, devido à localização desfavorável da câmara de vigilância, não é possível observar se algum dos funcionários abriu a mala da lesada, não sendo de descartar igualmente, a hipótese de ter sido cometido no aeroporto de origem — Copenhaga — Dinamarca — pelos funcionários que lá laboram.
Z) Ora, foi justamente esta peça importantíssima e claramente favorável ao A., que a R. se esqueceu...de juntar aos presentes autos!!!
AA) A sua eventual falta nestes autos tornaria o A. num muito provável responsável pelo ocorrido.
BB) Porém, é a própria PSP que o iliba, pela bem evidente falta de elementos que pudessem comprometer o A., bem como também, da existência de uma clara possibilidade do alegado furto ter sido cometido na Dinamarca, por outras pessoas.
CC) Assim, fácil é de concluir que a R. não juntou aos presentes autos o processo disciplinar completo, conforme estava obrigada, omitindo a junção de uma importantíssima peça processual favorável ao A..
DD) Esta factualidade é verdadeiramente essencial para que o Tribunal pudesse aferir do demérito e da ilicitude do presente despedimento.
EE) Perante tal essencialidade, a R. preferiu ocultar esta página do processo disciplinar respectivo, que juntou aos presentes autos, por lhe ser manifestamente desfavorável.
FF) O processo disciplinar só está completo quando o mesmo contenha todas as peças que o compõem de forma ordenada, cronologicamente arrumada, com folhas numeradas e rubricadas, o que não aconteceu nos presentes autos!
GG) A R. incumpriu de forma muito grave a obrigação que por si impendia, nos termos do disposto no art°. 98°-J do C.P.T.
HH) O prazo de 15 dias a que alude o art° 98°-I, n° 4, al. a) do CPT é um prazo peremptório, aplicável tanto à apresentação do articulado motivador do despedimento como à apresentação do procedimento disciplinar.
II) A R. não deu integral cumprimento ao disposto no n° 4, alínea a) do artigo 98°- I do CPT, no que à junção do procedimento disciplinar diz respeito, pelo que ficou incursa na cominação do n° 3 do artigo 98° -I do mesmo diploma.
JJ) A junção do processo disciplinar contendo faltas de páginas, e ainda por cima, a falta de uma página tão essencial, só poderá equivaler à sua não junção.
KK) O Tribunal à Quo, ao desconsiderar tal exigência e ao não aplicar a cominação legal, violou as supra referidas normas legais.
LL) Fundamentou ainda o Tribunal à Quo a licitude do despedimento do A. promovido pela R., com o facto, daquele ter admitido ser sujeito a uma injunção no âmbito de um processo de inquérito criminal, atribuindo a tal atitude uma verdadeira confissão do cometimento de um crime, o que é inadmissível no nosso sistema Jurídico.
MM) Ao contrário do que decidiu o Tribunal à Quo, não ocorreu nunca, por parte do A. qualquer confissão integral e sem reservas dos factos, ainda que implícita, e, nem tão pouco o cumprimento de tal injunção lhe atribui o reconhecimento automático do cometimento de qualquer crime.
NN) A Lei não o faz, pelo que, não é legal que o Tribunal à Quo o tenha feito, à semelhança da R., pois o Ordenamento Jurídico Português é uno, e, para este efeito, o A. não cometeu crime algum, presumindo-se inocente em toda a sua extensão e efeitos deste conceito.
00) Não seria lícito, e nem sério, num sistema Jurídico, numa parte presumir a inocência de um Arguido num processo, e pela mesma situação, noutra parte, presumir a sua culpabilidade.
PP) É o próprio sistema, no seu conjunto que impõe para todos os devidos e legais efeitos, que, neste caso, o A. se presuma inocente e assim deva continuar, não podendo servir tal injunção para o presumir culpado do que quer que tenha sido, e com base em tal inversão de presunção, fundamentar um despedimento laboral, pois a Lei não permite que se inverta o respectivo ónus e elimine a presunção de inocência do ora A.
QQ) Utilizar a factualidade da imposição do cumprimento de uma injunção, na qual se presume sempre até ao final, a inocência do Arguido, e utilizá-la ao contrário, como presumindo uma culpa deste, seria um acto, não apenas ilegal, por violação por violação dos artigos 281° e 282° do C.P.P. mas concretamente inconstitucional, por violação do art°. 27°; 29° e 32° da C.R.P..
RR) Conclui-se, portanto, que o A. não violou quaisquer deveres laborais, inexistindo justa causa para que a R. tenha procedido ao seu despedimento, e que, por conseguinte, o seu despedimento é ilícito, e como tal deverá ser declarado, nos termos do disposto nos artigos 128°; 338°, 351° e 381° al. b)do Código do Trabalho, devendo, por tal o A. ser reintegrado e devidamente indemnizado nos termos do disposto no art°. 389° n°1 e 2 do citado Diploma legal.
SS) Assim andou mal o Tribunal à Quo, violando as supra referidas normas.
TT) O A. optou desde logo pela sua reintegração.
UU) Deverá assim a presente acção ser declarada provada e procedente, e ser considerado ilícito o despedimento do A., devendo a R. ser condenada a reintegra-lo e a pagar-lhe todas as quantias que o mesmo deixou de auferir desde o seu despedimento ilícito, bem como a indemniza-lo na quantia peticionada
W) Nestes termos, deverá ser revogada a decisão recorrida por ser ilegal, e nula, devendo ser substituída por uma outra que, altere a matéria de prova nos termos supra expostos, e declare a decisão recorrida nula e ilegal, revogando-a e declarando, em consequência a presente Acção provada e procedente, nos termos supra expostos.
Termos em que, nos melhores de Direito, e com o sempre Mui Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente, e revogada a Douta decisão recorrida, com o que se fará a mais lídima JUSTIÇA.
Contra-alegou a Ré que pugnou pela manutenção do julgado.
Admitido o recurso e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a sentença recorrida não merece reparo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, são as seguintes as questões a resolver:
1. nulidade da sentença;
2. impugnação da matéria de facto;
3. se ocorre a caducidade do processo disciplinar;
4, consequências a extrair da não junção da totalidade do processo disciplinar;
5. se ocorreu violação da presunção de inocência do arguido ao ser invocada a aplicação de uma injunção em processo crime na valoração da prova produzida nos presentes autos.
II — FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O A foi trabalhador da R até 26 de Junho de 2017.
2. No dia 6 de Fevereiro de 2017, o Ministério Público enviou à R certidão do inquérito criminal em que o A era arguido, contendo as seguintes peças processuais: aditamento à participação feita pela passageira, relatório final da PSP, decisão de suspender provisoriamente o processo e respectiva concordância do juiz de instrução.
3. Em 8 de Fevereiro de 2017, a R instaurou ao A um procedimento disciplinar com intenção de despedimento, elaborando a correspondente Nota de Culpa em 20/02/2017.
4. Notificado da Nota de Culpa em 24/02/2017, o A apresentou a sua defesa, que constitui fls. 35 a 36 do procedimento disciplinar.
5. O A requereu a inquirição das testemunhas RG..., NC... e PB..., a que o Instrutor do processo disciplinar deu cumprimento.
6. A R considerou provada a totalidade dos factos descritos na Nota de Culpa, pelo que veio a aplicar ao A a sanção de despedimento com justa causa do A, por decisão proferida em 14 de Junho de 2017.
7. A R, também designada pelo nome comercial GR… ou GR…, presta serviços integrados de assistência em escala a empresas de aviação civil.
8. O A exercia na empresa as funções inerentes à categoria profissional de Operador de Assistência em Escala (OAE) cuja caracterização é a seguinte:
O Operador de Assistência em Escala (OAE) é o profissional que, com base em documentação técnica e tendo em conta as prescrições vigentes e os princípios, normas e procedimentos definidos pelas autoridades aeronáuticas, desempenha, nomeadamente, as seguintes tarefas:
Procede ao carregamento e descarregamento das aeronaves; presta assistência nos terminais de bagagem, de carga e assistência na placa, controlando, encaminhando e acondicionando as bagagens carga e correio; conduz e opera equipamentos de assistência ao avião; pode conduzir veículos dentro do perímetro do aeroporto, nomeadamente, transporte de passageiros e procede ao reboque de aviões..
9. No dia 10 de Novembro de 2015, cerca das 21h05m, o A encontrava-se no terminal de bagagens do Aeroporto de Lisboa, junto ao tapete 3, quando estava a decorrer o descarregamento de dois contentores, contendo a bagagem proveniente do voo … (Copenhaga / Lisboa), stand ...
10.Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, em determinado momento, o A decidiu sair da viatura n.° …, utilizada para o transporte das bagagens do voo em causa, deslocando-se para junto do colega TA..., auxiliando-o na colocação da bagagem no tapete.
11.Foi então que o A, colocando-se no interior de um dos contentores, abriu a mala da passageira ID... (Bag ID …), retirando do seu interior uma bolsa contendo € 300,00 (trezentos euros) em notas.
12. Com efeito, o A, aproveitando-se do facto de o contentor não estar visível pelo circuito interno de vigilância e ocultado pelo colega TA…, decidiu remexer o conteúdo da mala da referida passageira, com a intenção de se apropriar dos objectos e valores nela contidos.
13. De seguida, o A colocou a dita mala no tapete, e sem que existisse qualquer justificação para tal, quase um minuto depois de ali ter colocado a bagagem anterior, vindo a referida mala a ser recolhida pela passageira ID... na sala de recolha de bagagem, sendo que a mesma mala foi a última a ser entregue aos passageiros do voo em causa.
14.Quando da recolha da mala, a passageira ID... deu de imediato pela falta da referida quantia, pelo que apresentou queixa-crime na PSP, que veio a correr termos sob n.° 1191/15.1SKLSB, 2.a Secção do DIAP, Lisboa, e que foi suspenso provisoriamente, na condição de o A, entretanto constituído arguido, cumprir as injunções determinadas pelo Tribunal.
15.Efectivamente, o A, no desempenho das suas funções, tem por atribuição deslocar-se ao interior das aeronaves, bem como proceder ao encaminhamento da bagagem para o terminal de bagagens e no sentido inverso.
16.Essas funções, pela sua natureza, pressupõem um elevado grau de confiança, o que se infere, desde logo, da circunstância da admissão ao serviço e o acesso às áreas restritas do aeroporto, estar dependente da análise e regularidade do cadastro criminal do trabalhador ou candidato e da emissão de cartão específico para esse efeito, emitido pela … enquanto entidade concessionária da infra-estrutura aeroportuária de Lisboa.
17.Diariamente circulam nos porões dos aviões das companhias assistidas e no interior das instalações utilizadas pela ora R, milhares de malas contendo valores e outras mercadorias, pelo que a idoneidade dos funcionários que lidam com as mesmas, constitui uma qualidade essencial ao regular funcionamento do serviço. 18.Por outro lado, o sector da aviação civil é fortemente regulamentado, nomeadamente no que concerne à definição de regras estritas de acesso e circulação de pessoas no aeroporto, evidenciando que a segurança quer de pessoas quer de bens, é um valor essencial a esta actividade.
19.À data do despedimento o A auferia mensalmente € 630,00 de vencimento base, acrescido ainda dos seguintes valores que todos os meses, e com carácter de regularidade, a R lhe pagava:
q € 27,43 de subsídio respeitante às condições especiais de trabalho;
q € 30,92 respeitante a anuidades;
q € 174,50 respeitante a subsídio de turno;
q € 38,88 de subsídio de transporte;
q € 92,80 de subsídio de alimentação.
III — APRECIAÇÃO
1. Da nulidade da sentença
Na alínea x) das conclusões vem o Apelante arguir a nulidade da sentença, alegando que o Tribunal a quo não fundamentou a razão ou razões por que não deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas por si apresentadas, subsumindo-a à previsão dos arts. 607, n°4 e 615, n°1, b) do CPC.
Como é sabido, as nulidades da sentença são as que, taxativamente, vêm elencadas no art. 615, n°1 do CPC.
Assim, a sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Como é de fácil apreensão, os fundamentos invocados pelo Recorrente, que se prendem com uma deficiente motivação da decisão fáctica, não se enquadram em qualquer das alíneas da norma, mormente na al. b), já que a sentença recorrida enunciou a matéria de facto considerada assente e conheceu das questões de direito suscitadas pelas partes.
É certo que o n°4 do art. 607 impõe ao juiz que declare quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Revertendo aos autos, verifica-se que na decisão que recaiu sobre a matéria de facto, o Sr. Juiz deu cumprimento a esta norma, enunciando os factos que considerou provados e o que deu como não provados, fundamentando essa decisão.
O cumprimento da exigência de fundamentar a decisão de facto passa pela indicação expressa das razões que levaram à formulação do decidido, embora não se imponha ao tribunal a descrição minuciosa de todo o processo de raciocínio, bastando que sejam indicados, de forma clara e inteligível, quais os meios de prova, ainda que de prova indirecta se trate, fazendo-se a enunciação das razões ou motivos substanciais porque os mesmos relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador, de modo a que se possa controlar a razoabilidade da convicção expressa.
In casu, como se extrai da motivação dessa decisão, o Sr. Juiz , começando por afirmar que não existia prova directa sobre as infracções imputadas ao Autor no processo disciplinar, enunciou as razões que conduziram à formação da convicção da sua prática, através da prova indirecta, testemunhal e documental, que enunciou. Mostra-se, pois, cumprida a exigência do n°4 do art. 607 do CPC.
De qualquer modo, como referimos supra, a omissão de proceder à motivação da decisão de facto, não integra nenhum dos fundamentos de nulidade da sentença, podendo apenas determinar, oficiosamente, a remessa dos autos à 1a instância para que seja fundamentada a decisão proferida sobre qualquer facto essencial para o julgamento da causa, nos termos do n°2, d) do art. 662 do CPC.
Inexiste, pois, a invocada nulidade.
2. Da impugnação da matéria de facto
Seguidamente, vem o Apelante impugnar a matéria de facto.
Como é sabido, sobre o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto recaem alguns ónus.
Assim, como critério geral de reapreciação das provas em 2ª instância, dispõe o art. 640 do NCPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto
impugnadas.
E acrescenta o n°2:
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
Importa ainda ter presente que as conclusões são, por definição, um resumo dos fundamentos do recurso que foram explanados ao longo das alegações. Assim, tudo o que constar das conclusões tem de estar contido naquelas, tal como a inversa também é verdadeira.
Começa o Apelante por afirmar que deve ser dado como assente que:
- A Ré não juntou aos autos o processo disciplinar completo, como estava obrigada; - faltando a página 2/3 do Aditamento n°1 do relatório elaborado pela PSP pelos factos participados pela viajante dinamarquesa, transcrevendo depois um excerto desse texto.
Ora esta factualidade é efectivamente pertinente, na medida em que o Apelante dela pretende retirar a cominação a que alude o n°3 do art. 98-J do CPT, ou seja, a declaração da ilicitude do despedimento.
Assim, e porque essa factualidade está comprovada documentalmente, havendo também acordo das partes quanto à mesma, e com a exclusão da expressão como estava obrigada que reveste natureza jurídica, havendo que ser retirada da norma que prevê essa obrigação, adita-se à factualidade assente o seguinte ponto:
20. Com o articulado de motivação de despedimento a Ré juntou aos autos o processo disciplinar, com excepção da folha 2 do Aditamento n°1 do inquérito policial elaborado pela PSP no âmbito do processo crime n° 1…/15.1SKLSB, que correu termos na Procuradoria da República da comarca de Lisboa-DIAP-2° secção.
Por se mostrar relevante, decorrendo dos autos, mais se adita o seguinte:
21. Com a resposta à contestação, a Ré juntou a página em falta.
Pretende ainda a Apelante que deve ser dado como não provado face às provas documental e testemunhal produzidas:
- que a mala da viajante em causa, tivesse, no aeroporto de Lisboa, qualquer valor no seu interior, nomeadamente em notas;
- que o Autor tenha alguma vez aberto a mala da passageira IB… (bag ID…) e retirado do seu interior uma bolsa contendo €300,00 em notas.
Para além do Recorrente não ter indicado os concretos pontos de facto de entre os por si alegados e/ou considerados provados e não provados pela 1ª instância que considera incorrectamente julgados, também não especifica os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre tal factualidade no sentido por si indicado. Assim, e sem mais, rejeita-se a impugnação no que a estes pontos concerne. Sustenta depois a Apelante, na parte VI das alegações, que a matéria de facto deve ser alterada tendo em conta o depoimento das testemunhas que passa a indicar, transcrevendo excertos dos seus depoimentos.
Porém, em relação à alteração pretendida, o Apelante abstém-se de indicar:
- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida, ao invés da que foi considerada pela 1a instância.
Destarte, e também quanto à pretendida alteração, está esta Relação impedida de dela tomar conhecimento, face ao incumprimento pelo Apelante dos ónus que sobre si recaiam, rejeitando-se também a impugnação, nesta parte. Adianta-se ainda que é irrelevante que algum desses aspectos possa ter sido vertido nas conclusões. É que, como referimos, tudo o que consta das conclusões, não pode deixar de estar contido nas alegações, o que não é o caso.
Por se mostrar relevante, encontrando-se documentalmente provado (cfr. fls 127), determina-se o aditamento do seguinte ponto à matéria de facto:
22. No âmbito do inquérito criminal referido em 2., o Ministério Público, com a prévia aceitação do aqui Autor. Proferiu decisão na qual determinou a suspensão provisória do processo pelo prazo de 1 mês, mediante a imposição das injunções aí especificadas.
3. Da caducidade do processo disciplinar
Pelas mesmas razões não podemos conhecer da questão suscitada nas conclusões - e apenas nestas — sobre a caducidade do processo disciplinar, já que esta questão não foi abordada no corpo das alegações, não podendo as conclusões constituir um complemento destas.
Não se conhece, pois, desta questão.
4. Da não junção da totalidade do processo disciplinar
Sustenta o Apelante que não tendo sido apresentado pela Empregadora, com o articulado de motivação de despedimento, a totalidade do processo disciplinar, devia a 1a instância ter declarado a ilicitude do despedimento, fazendo operar a cominação a que alude o n°3 do art. 98-J do CPT.
Dispõe esta norma, que tem por epígrafe Articulado do empregador:
3. Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador.
Sobre esta questão pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos:
Importa, antes de mais, apreciar a questão suscitada pelo A da não junção completa do processo disciplinar pela R. Sustenta o A que é de aplicar a cominação prevista no n.° 3 do artigo 98.°-J do Código de Processo do Trabalho.
Com efeito, aquela norma determina que o juiz declare imediatamente a ilicitude do despedimento se o empregador, devidamente notificado para juntar o processo disciplinar, não o fizer.
No caso vertente constatamos que a R, em prazo, fez junção do processo disciplinar. Contudo, faltava neste uma folha, correspondente ao relatório elaborado pela PSP.
Da leitura do preceito somos levados a discordar da interpretação do A.
O legislador, ao referir a não junção do procedimento disciplinar, quer punir o empregador que pura e simplesmente não traz ao autos aquele processo, visto como um todo. Se, por qualquer motivo — lapso ou mesmo estratégia processual — o empregador não junta uma parte do dito procedimento, não podemos retirar daí a conclusão que o processo não foi junto; apenas não estará completo.
Acresce que, tendo o A detectado aquela omissão, logo a R, alertada para o facto, juntou a folha em falta, não vendo o A minimamente prejudicada a sua defesa.
Concluindo, não é de aplicar a cominação referida.
Quid juris?
A estrutura da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, como refere o Ac. do STJ de 10.7.2013 (disponível em www.dgsi.pt) assenta na regra básica de que o ónus da prova da regularidade recai apenas sobre o empregador, embora a sua iniciativa pertença ao trabalhador.
Assim, é o empregador que apresenta o 1º articulado, onde deverá motivar o despedimento, apresentar as provas respectivas, entre as quais o processo disciplinar, cuja junção é obrigatória e formular o correspondente pedido, designadamente a validade do processo disciplinar e a licitude do despedimento.
A junção do processo disciplinar aos autos da acção da regularidade e licitude do despedimento destina-se, antes de mais, a comprovar a sua efectivação. Isto é, não se pode concluir que o despedimento foi precedido de procedimento disciplinar sem aferir da sua existência. Esta é condição de licitude do despedimento e é objectivo da presente acção abalar esse pressuposto. Daí que, não tendo ele sido junto, a lei imponha como consequência a imediata declaração de ilicitude.
O processo disciplinar é, depois, também uma exigência para aquilatar da existência de vícios que levem à sua invalidade.
A sua junção visa também acautelar o direito de defesa do trabalhador permitindo a consulta e o acesso a toda a informação relevante, a fim de apresentar a contestação ao articulado motivador, bem como a permitir ao juiz do processo a verificação dos actos praticados no procedimento, nomeadamente se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situam dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa.
No caso concreto, o processo disciplinar foi junto, com excepção de uma página de um documento elaborado pela PSP no âmbito do inquérito efectuado no processo criminal instaurado na sequência dos factos imputados ao Autor no processo disciplinar. Embora essa página contenha um excerto de um parecer (que contrariamente ao que alega o Apelante não constitui o relatório final do inquérito policial) que é favorável ao Apelante, de modo algum se vislumbra que essa omissão tenha prejudicado o seu direito de defesa.
Desde logo, porque a Apelada, em face da arguição do Apelante, veio imediatamente juntar a página em falta, mas também porque este, na contestação apresentada, transcreve o excerto da página em falta e que considera relevante, mostrando o conhecimento integral do seu conteúdo, pelo que se impõe concluir que o seu direito de defesa não foi minimamente beliscado.
Nesta medida e nestas circunstâncias concretas, não resultando dos autos que a defesa ficou comprometida, a aplicação do disposto no n°3 do art. 98-J do CPT fere o sentido de justiça, revelando-se desproporcional e desadequada aos interesses que visa proteger.
Resta assim concluir pela inaplicabilidade ao caso vertente da cominação prevista naquela norma.
5. Da proibição do afastamento do princípio da presunção de inocência no âmbito da aplicação de uma injunção em processo-crime
Refere o Apelante que o Tribunal a quo fundamentou a ilicitude do despedimento do Autor promovido pela Ré, com o facto daquele ter aceite ser sujeito a uma injunção no âmbito de um processo de inquérito criminal, atribuindo a tal atitude uma verdadeira confissão do cometimento de um crime.
Vejamos então.
Os factos que integram a nota de culpa e que o Tribunal a quo deu como provados nos pontos 10 a 13 deram igualmente origem a um processo crime, no âmbito do qual e como também consta dos pontos 2 e 22 da matéria de facto, o MP exarou no despacho que proferiu que se encontra suficientemente indiciado nos autos que: No dia 10-11-2015, de comum acordo (com outro arguido) subtraíram da mala de ID…, no Aeroporto de Lisboa uma bolsa com a quantia de 300 euros, que repartiram entre eles e, com os considerandos aí expostos, decidiu impor, nomeadamente ao aqui Autor, com a sua prévia aceitação, uma injunção com a consequente suspensão provisória do processo pelo período de 1 mês mediante o cumprimento da mesma injunção.
Ora, antes de mais, e contrariamente ao que afirma o Apelante, o Tribunal a quo não fundamentou a licitude do despedimento no facto daquele ter aceite uma injunção no processo penal.
Com efeito, a apreciação da justa causa teve apenas em conta a factualidade dada como provada nos pontos 11 a 13, mas dessa fundamentação não consta qualquer menção à aplicação de uma injunção ao Autor no processo crime.
Essa alusão é apenas feita na motivação da decisão fáctica, que precedeu a sentença, na qual se referiu o seguinte: Por fim, a pronta aceitação pela arguido da injunção a fim de por fim ao processo-crime e evitar o certo julgamento que se seguiria à acusação pública, também nos faz crer na sua culpabilidade. Se é certo que o arguido se presume inocente até prova em contrário, tal máxima vale para a jurisdição criminal. Nesta sede, nada obsta a que valoremos aquela conduta do A.(...), sendo que este foi apenas um dos elementos que o Tribunal a quo teve em conta na formação daquela que foi a sua convicção relativamente aos pontos em causa como decorre da respectiva motivação.
Assim, a invocação da violação do princípio da presunção de inocência apenas teria pertinência em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto, mormente dos factos cuja fundamentação assentou, além do mais, na valoração da imposição da injunção ao aqui Autor.
Ora, tendo sido rejeitada a impugnação da matéria de facto respeitante aos pontos em causa (11 a 13), prejudicada fica a apreciação desta questão.
Sempre se dirá, porém, que não assiste razão ao Apelante.
É certo que a decisão de suspender provisoriamente o processo assenta num mero juízo hipotético de responsabilidade do arguido (que aceita as injunções para não ser submetido a julgamento), e não chegando a haver julgamento nem declaração de culpa, deverá o arguido continuar a presumir-se inocente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III vol., Verbo, 2009, pág. 130).
No entanto, tal não afasta a possibilidade dos facto indiciados no processo crime e a própria aceitação da suspensão provisória do processo crime, tendo em conta o que está na base dessa medida, as circunstâncias e os requisitos em que pode ser deferida, possam ser valorados como elementos a ponderar, de entre os demais, noutra sede, nomeadamente laboral.
Assim sendo, tendo em conta que a factualidade dada como assente revela que o Autor violou deveres laborais que sobre si impendiam, nomeadamente o dever de lealdade, levando a violação desse dever a uma irremediável quebra de confiança, na medida em que gera na entidade empregadora uma dúvida insuperável sobre a idoneidade futura deste seu trabalhador, há que concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo, existindo justa causa para o seu despedimento.
Improcede, pois, a apelação.
IV — DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a
sentença recorrida.
Custas pelo Apelante
Lisboa, 26 de Setembro de 2018
Filomena Manso
José Manuel Duro Mateus Cardoso
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