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 - ACRL de 21-06-2018   Hipoteca. Privilégio creditório. Créditos da Fazenda Nacional (IMI, IRS) e da Segurança Social (contribuições relativas a trabalhadores subordinados).
Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC):
Os créditos da Fazenda Nacional por dívidas de IRS e os créditos do Instituto da Segurança Social por contribuições relativas a trabalhadores subordinados do devedor executado e a trabalho independente deste, não têm preferência sobre o crédito garantido por hipoteca sobre imóvel do mesmo executado.
Proc. 1587/16.1T8SNT-A.L1 6ª Secção
Desembargadores:  Eduardo Petersen Silva - Cristina Neves - -
Sumário elaborado por Ana Paula Vitorino
_______
6ª Secção
Processo n° 1587/16.1T8SNT-A.L1
Apelação
Relator: Eduardo Petersen Silva
12 Adjunta: Desembargadora Cristina Neves
22 Adjunto: Desembargador Manuel Rodrigues
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório.
Nos presentes autos de reclamação de créditos que correm por apenso aos autos de execução comum em que é exequente Ba..., S.A. e executados P... e E... vieram apresentar reclamação de crédito:
A. Instituto da Segurança Social, I. P., com atinência ao executado P... se consubstancia em contribuições e juros mora reclamados no valor de € 16.361,76 e ainda os respectivos juros vincendos, pugnando pela conexa consideração de reconhecimento e verificação, com graduação no lugar que lhes competir a fim de serem pagos.
B. A Digníssima Magistrada do Ministério Público, em funções nesta instância, em representação do Estado Português - Fazenda Nacional, alegando:
i) dívida do executado P... à Fazenda Nacional de quantias provenientes de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), incidente sobre o imóvel penhorado, inscritas para cobrança no ano de 2015, no montante total (imposto + juros já vencidos) de €123,84, acrescendo juros de mora sobre tal importância; e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013/2014 no montante de € 2.759,77 (imposto e juros já vencidos), acrescendo juros de mora sobre tal importância.
ii) dívida da executada E... à Fazenda Nacional de quantias provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de €2758,94 (imposto e juros já vencidos), acrescendo juros de mora sobre tal importância.
Notificados exequente e executados para impugnarem os créditos reclamados, não apresentaram impugnação.
Foi proferida sentença em cujo saneamento se considerou Do compulsar dos autos principais executivos, com respeito ao crédito do exequente Ba..., S.A., garantido por penhora, verifica-se requerimento de extinção da instância formulado em 07 de Junho de 2017 pelo mesmo exequente (ref. ° 10029028 dos autos principais), que a Senhora Agente de Execução acolheu, razão pela qual a menção a tal crédito na presente peça se fará por referenciação de organização cronológica dos factos preponderantes.
De todo o modo, a utilidade da presente instância executiva sempre se prende com o impulso do reclamante Instituto da Segurança Social, I. P., ao abrigo do disposto no artigo 850.º, n.° 2, do Código de Processo Civil e afinal se decidiu, conforme consta da respectiva parte dispositiva:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo procedentes as reclamações de crédito apresentadas, quanto ao imóvel penhorado nos autos de execução de que a presente reclamação de créditos é apenso, reconhecendo-se os mesmos e graduando-os nos termos seguintes:
1.º O crédito reclamado pela Fazenda Nacional sobre:
i) o executado reclamado P... de quantias provenientes de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), incidente sobre o imóvel penhorado, inscritas para cobrança no ano de 2015, no montante total (imposto + juros já vencidos) de €123,84, acrescendo juros de mora sobre tal importância; e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de € 2.759,77 (imposto e juros já vencidos), acrescido de juros de mora.
ii) a executada reclamada E... de quantias provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de €2758,94 (imposto e juros já vencidos ), acrescido de juros de mora.
2.2 O crédito reclamado por Instituto da Segurança Social, I. P. sobre o executado reclamado P... consubstanciado em contribuições e juros mora reclamados no valor de € 16.361,76 (treze mil, trezentos e sessenta e um euros, setenta e seis cêntimos) e ainda os respectivos juros vincendos.
3.2 O crédito do exequente Ba..., S.A., garantido por penhora - prejudicado pelo requerimento de extinção da instância formulado em 07 de Junho de 2017 pelo mesmo exequente (ref.2 10029028 dos autos principais), que a Senhora Agente de Execução acolheu.

As custas da execução e das reclamações saem precípuas do produto do bem penhorado (artigo 541. °, do Código de Processo Civil), suportando os executados as custas das presentes reclamações de créditos (artigo 527. °, n. °s 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Inconformado, o Ba..., S.A., interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. Vem o presente Recurso interposto da Sentença de graduação de créditos que classificou o crédito ora Recorrente como garantido por penhora, e graduou o mesmo em terceiro lugar.
B. Acontece que, ao contrário do que a sentença em causa proclama, o crédito do Exequente, executado nestes autos, não é garantido por penhora, mas sim por hipoteca.
C. Atente-se no Requerimento Executivo apresentado pelo Exequente, em 17-01-2016, onde o mesmo executou dívidas referentes a dois mútuos garantidos por hipotecas, a favor do ora Recorrente.
D. As hipotecas a favor do ora Recorrente encontram-se registadas pelas inscrições Ap. 42 de 2008/08 21 e Ap. 43 de 2008/08/21, conforme cópia da Certidão da Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém, junta aos autos.
E. Não entende o Recorrente o motivo pelo qual a sentença proferida pelo Tribunal a quo gradua o crédito do mesmo como garantido por penhora.
F. O mesmo deveria estar graduado como garantido por hipoteca, visto que o crédito exequendo consubstancia duas Escrituras, com a constituição de mútuos, garantidos por hipoteca.
G. O crédito exequendo, deveria ter sido classificado como garantido por hipoteca, e graduado em segundo lugar, apenas atrás do crédito referente a dívidas de IMI da Fazenda Nacional.
H. 0 facto de incidir sobre o imóvel uma Hipoteca Voluntária registada a favor da Exequente, ora Recorrente, garante a esta o direito de ser pago com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial, conforme art. 6862 do C.C.
1. À luz do disposto no art. 122º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, bem como o art. 744º/1 Do Código Civil, os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
J. Todavia, os créditos relativos a Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares consistem em créditos com privilégio creditório mobiliário e imobiliário geral, ao abrigo do disposto no art. 111º do CIRS.
K. Constitui manifesto erro de análise, a graduação do crédito do Recorrente como garantido por penhora, em vez de por hipoteca, tal como a graduação dos restantes credores, com créditos em primeiro e segundo lugar, referentes a IRS e contribuições para Segurança Social.
L. Assim sendo, deverão os créditos reclamados pela Fazenda Nacional, referente a IRS, e pelo Instituto da Segurança Social, I. P., serem graduados posteriormente ao crédito exequendo garantido por hipoteca, e apenas ser graduado antes do crédito exequendo o crédito da Fazenda Nacional referente a dívidas de IMI.
M. Nestes termos, deverá a Sentença recorrida ser alterada, reconhecendo os créditos reclamados pelo ora Recorrente como garantidos por hipoteca, sendo os mesmos graduados a final, em segundo lugar.
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
Por despacho do ora relator foi solicitado à 1ª instância e ao processo executivo cópia do requerimento do exequente BCP a requerer a extinção da execução, e do requerimento posterior em que o mesmo informou que iria acompanhar os termos da execução, o que veio a ser satisfeito.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se o crédito do Ba... deve ser graduado em segundo lugar em relação ao crédito da Fazenda Nacional por dívida de IMI.
III. Matéria de facto A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto é a seguinte:
Com interesse para a decisão a proferir, face aos documentos e certidões juntas aos autos, encontram-se provados os seguintes factos:
1. Nos autos de execução de que a presente reclamação é apenso, por acto electrónico de 03 de Março de 2016 e a favor do exequente Ba..., S.A., encontra-se penhorado o imóvel designado pela fracção G, correspondente ao segundo andar, letra A, destinado a habitação, com arrecadação e sótão, Tipo T2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São Marcos, artigo ... sito A..., 2735-192 Agualva-Cacém.
2. Com respeito ao crédito do exequente Ba..., S.A., garantido pela penhora aludida em 1., em 07 de Junho de 2017, o mesmo exequente requereu extinção da instância, por reestruturação da responsabilidade peticionada, o que a Senhora Agente de Execução acolheu em conformidade.
3. O executado reclamado P... é contribuinte do reclamante Instituto da Segurança Social, I. P., pelos trabalhadores que tem ao seu serviço, e também está enquadrado no regime dos trabalhadores independentes uma vez que exerce actividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho, ou contrato legalmente equiparado.
4. Pelos trabalhadores que tem ao seu serviço o executado reclamado é obrigado a entregar, ao reclamante Instituto da Segurança Social, I. P., no prazo legal, a declaração de remunerações pagas a cada um dos trabalhadores ao seu serviço e a efectuar o pagamento das contribuições correspondentes
5. O executado reclamado embora tenha apresentado as respectivas declarações de remunerações, não pagou ao reclamante Instituto da Segurança Social, I. P. as correspondentes contribuições no valor de € 868,75.
6. Os juros pelas contribuições em débito relativas às declarações de remunerações entregues e não pagas, vencidos até Março 2016 perfazem € 150,76.
7. Como Trabalhador Independente o executado reclamado está sujeito ao pagamento de contribuições ao reclamante Instituto da Segurança Social, I. P..
8. O executado reclamado não pagou ao reclamante Instituto da Segurança Social, I. P.. as correspondentes contribuições no valor de € 13.133,25.
9. Os juros pelas contribuições relativas á actividade do executado reclamado como trabalhador independente, vencidos até Março 2016 perfazem € 2.209,00.
10. Consigna-se reprodução integral de todos os factos alegados e constantes dos requerimentos de reclamação de créditos apresentados pela Fazenda Nacional, dos quais expressamente se destaca que:
i) o executado reclamado P... é devedor à Fazenda Nacional de quantias provenientes de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), incidente sobre o imóvel penhorado, inscritas para cobrança no ano de 2015, no montante total (imposto + juros já vencidos) de €123,84, acrescendo juros de mora sobre tal importância; e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de € 2.759,77 (imposto e juros já vencidos), acrescido de juros de mora.
ii) a executada reclamada E... é devedora à Fazenda Nacional de quantias provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de €2758,94 (imposto e juros já vencidos ), acrescido de juros de mora.
IV. Apreciação
Em função do requerimento apresentado pelo exequente BCP em 23 de Junho de 2017 e agora constante dos autos, adita-se oficiosamente à matéria de facto que o Ba... informou, na referida data, que (...J notificado que foi do requerimento para prosseguimento dos autos apresentado pelo credor reclamante, vem, muito respeitosamente, informar V. Exa que nesse acaso acompanha a execução, uma vez que tem a hipoteca sobre o imóvel.
Por outro lado, tratando-se de documentos autênticos, adita-se ainda aos factos provados o seguinte:
- Pela AP 42 de 21/8/2008 mostra-se inscrita no registo predial hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito no nº 1 dos factos provados, para garantia do empréstimo de €52.000,52 concedido pelo Ba..., S.A. a P... e E..., no montante máximo assegurado de €68.229,89.
- Pela AP 43 de 21/8/2008 mostra-se inscrita no registo predial hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito no nº 1 dos factos provados, para garantia do empréstimo de €9.837,00 concedido pelo Ba..., S.A. a P... e E..., no montante máximo assegurado de €13.502, 38.
- Dão-se por reproduzidas as escrituras públicas constantes dos autos em que as referidas hipotecas foram constituídas.
Deste modo, e quanto à conclusão B do recurso, o crédito do exequente, sendo também garantido pela penhora que se encontrava provada no facto nº 1, foi e continua a estar também garantido pelas hipotecas voluntárias que acabamos de consignar.
Apesar de em 07 de Junho de 2017 o exequente ter requerido a extinção da instância, por reestruturação da responsabilidade peticionada, o que a Senhora Agente de Execução acolheu em conformidade, a verdade é que tendo o impulso processual sido realizado pela Segurança Social, nos termos do artigo 850.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e prosseguindo a reclamação de créditos em função disso, e assumindo a Segurança Social a posição de exequente, o requerimento do primitivo exequente, de 23 de Junho de 2017, no qual, em face da posição do credor reclamante e portanto ao prosseguimento da execução e por isso à previsível perda do objecto que era garantia do seu crédito e consequente inutilidade da reestruturação de responsabilidade, havia declarado nos autos pretender acompanhar a execução, importava a sua consideração como credor cujo crédito haveria de ser considerado para efeito de pagamento, à custa do bem penhorado, e desse modo tal credor podia ainda fazer valer as garantias que sobre o mesmo bem verdadeiramente tinha.
Apurado assim que tais garantias eram duas hipotecas voluntárias, importa então perceber em que medida tal interfere nas garantias dos demais credores e portanto na graduação dos respectivos créditos.
Nos termos do artigo 686º do Código Civil A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, consequência que ocorre nos vários tipos de hipotecas, legais, judiciais e voluntárias.
Deste modo, o que interessa é perceber se os demais credores não gozam de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Estão em causa:
- Os créditos reclamados pela Segurança Social por contribuições relativas ao trabalho dependente dos trabalhadores do executado no valor de € 868,75 e os juros pelas contribuições em débito relativas às declarações de remunerações entregues e não pagas, vencidos até Março 2016 perfazem € 150,76.
- O crédito por não pagamento de contribuição para a Segurança Social relativa ao executado como trabalhador independente no valor de € 13.133,25 e os juros respectivos, vencidos até Março 2016, no valor de € 2.209,00.
- O crédito da Fazenda Nacional sobre o executado por quantias provenientes de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), incidente sobre o imóvel penhorado, inscritas para cobrança no ano de 2015, no montante total (imposto + juros já vencidos) de €123,84, acrescendo juros de mora sobre tal importância;
- O crédito da Fazenda Nacional sobre o executado por quantias provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de € 2.759,77 (imposto e juros já vencidos), acrescido de juros de mora.
- O crédito da Fazenda Nacional sobre a executada reclamada E... proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de €2758,94 (imposto e juros já vencidos), acrescido de juros de mora.
A situação foi já decidida pela jurisprudência em termos com os quais inteiramente concordamos.
Notar, em primeiro lugar, conforme se lê no sumário do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 26-01-2017 no processo n9 1776/12.8TBCTX-J.E1:
„(...)
II- O privilégio imobiliário geral não se consubstancia em garantia real de cumprimento de obrigações, por não incidir sobre imóveis certos e determinados, funcionando apenas como causa de preferência legal de pagamento, pelo que o conflito entre a garantia especial de cumprimento obrigacional decorrente de privilégio imobiliário geral e de hipoteca é legalmente resolvido por via da aplicação do disposto no n° 1 do artigo 749° do Código Civil, cedendo aquele perante a hipoteca registada.
E quadrando inteiramente ao caso dos autos, citamos o acórdão desta Relação proferido no processo nº 88-A/1998.L1-2 em 04-07-2013:
O crédito do apelante beneficia de um direito real de garantia, a hipoteca voluntária que incide sobre o bem penhorado nos autos. A hipoteca confere-lhe o direito de ser pago pelo valor do prédio hipotecado com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (art.º 686.º do Código Civil).
O privilégio creditório é, na definição legal, a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.º 733.º do Código Civil).
Os privilégios creditórios são mobiliários ou imobiliários, conforme o bem a que se reportam (n.º 1 do art.º 735.º do Código Civil).
Os privilégios mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de ato equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis (n.º 2 do art.º 735.º do Código Civil).
0 privilégio geral não goza de sequela, ou seja, nos termos do n.º 1 do art.º 749.º do Cód. Civil, não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.
À data da publicação do Código Civil os privilégios imobiliários eram sempre especiais: daí que no n.º 3 do art.º 735.º estivesse consignado que os privilégios imobiliários são sempre especiais. O que se coadunava com a natureza dos privilégios imobiliários previstos no Código Civil, que são especiais (cfr. artigos 743.º e 744.º do Código Civil). Assim, nos termos do art.º 744.º n.º 1 do CC, os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.
A específica conexão do crédito a um bem imóvel determinado e o facto de à data da publicação do Código Civil os privilégios imobiliários serem especiais explica que no art.º 751.º do Código Civil se estipulasse que os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
Porém, em casos em que o legislador passou a conceder privilégio creditório imobiliário geral a determinados créditos, como as contribuições à segurança social (cfr. art.º 11.º do Dec.-Lei n.º 103/80, de 9.5) e impostos sobre o rendimento (art.º 104.º- atual art. 111.º - do CIRS e art.º 93.º - atual art.º 108.º - do CIRC), começaram a surgir decisões que aplicavam o disposto no art.º 751.º do Código Civil aos créditos garantidos por esses privilégios imobiliários gerais, os quais assim prevaleciam, v.g., sobre créditos garantidos por hipotecas registadas anteriormente à própria constituição daqueles créditos.
Essa situação deu origem à prolação do acórdão do Tribunal Constitucional referido pelo apelante, o acórdão n.º 362/2002, de 17.9.2002, publicado no D.R., 1 série-A, de 16.10.2002, no qual, por entender que essa interpretação da lei punha em causa o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º da Constituição, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do citado art.º 104.º do CIRS, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil. Igual juízo foi proferido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 363/2002, de 17.9.2002, publicado no D.R., 1 série-A, de 16.10.2002, relativamente às normas constantes do art. ° 11.º do DL 103/80, de 09.05, e do art. 2.º do DL 512/76, de 03.06, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do art.751. ° do Código Civil.
Porém, a aludida interpretação da lei, julgada inconstitucional, não era inevitável face ao direito ordinário.
E, tendo em vista clarificar o ponto, o Dec.-Lei n.2 38/2003, de 8.3, alterou a redação do art.º 751.º do Código Civil, de molde a que ficasse expresso que o mesmo só se aplica aos privilégios imobiliários especiais:
Privilégio imobiliário especial e direitos de terceiro
Os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
E, de molde a adequar o Código Civil à evolução legislativa ocorrida ao nível dos privilégios imobiliários, o Dec.-Lei n.º 38/83 alterou também a redação do n.º 3 do art.º 735.º do CC:
3 - Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais.
A dita alteração ao art.º 751.º do Código Civil tem a natureza de modificação interpretativa do regime anterior, reforçando o entendimento de que o regime deste artigo era e é inaplicável aos privilégios imobiliários gerais, aos quais, atendendo à sua natureza, se adapta o que consta no n.º 1 do art.º 749.º do Cód. Civil (neste sentido, cfr. acórdão do STJ, de 22.3.2007, processo 07A580, www.dgsi.pt).
Pelo exposto, de entre os créditos reclamados nos autos, apenas o referente a IMI prevalece sobre o crédito do apelante, pois está garantido por privilégio imobiliário especial (art. 122.º n.º 1 do CIMI, que estipula que o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial). Haverá, assim, que alterar a sentença de graduação dos créditos de molde a salvaguardar a posição do credor hipotecário, nos termos supra expostos. 0 que significa que o crédito do apelante deve ficar graduado a seguir ao crédito do Estado por IMI e à frente dos restantes créditos, (...). (fim de citação).
Com a mesma orientação, lê-se no sumário do acórdão proferido também nesta Relação de Lisboa no processo nº 1431/08.3TBPDL-B.L1-8 em 12-05-2011:
I- O art° 751º do Código Civil contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por esse não incidir sobre bens determinados, pelo que não está envolvido de sequela. Assim, os direitos de crédito garantidos por tais privilégios cedem perante direitos de crédito garantidos por hipoteca.
II - O crédito da Fazenda Nacional relativo a IRS deve ser graduado após o crédito hipotecário, visto gozar apenas (nos termos do art. 111º do CIRS) de privilégio imobiliário geral e não especial, pelo que não lhe é aplicável o regime instituído no citado art° 751º do Código Civil, não preferindo assim à hipoteca.
Concordando com estes termos, e em face do reconhecimento de que o crédito do recorrente se encontra garantido por duas hipotecas voluntárias, de constituição anterior até à constituição dos demais créditos reclamados, procede o recurso, devendo alterar-se a sentença na parte em que graduou os créditos da Fazenda Nacional sobre a executada reclamada E... de quantias provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de €2758,94 (imposto e juros já vencidos ), acrescido de juros de mora; e na parte em que graduou os créditos sobre: 2.º O crédito reclamado por Instituto da Segurança Social, I. P. sobre o executado reclamado P... consubstanciado em contribuições e juros mora reclamados no valor de € 16.361,76 (treze mil, trezentos e sessenta e um euros, setenta e seis cêntimos) e ainda os respectivos juros vincendos; com primazia sobre 3.º O crédito do exequente Ba..., S.A., garantido por penhora - prejudicado pelo requerimento de extinção da instância formulado em 07 de Junho de 2017 pelo mesmo exequente (ref.
10029028 dos autos principais), que a Senhora Agente de Execução acolheu, mantendo-se a graduação do crédito da Fazenda Nacional relativo a IMI em primeiro lugar, colocando-se em segundo lugar o crédito do Ba..., seguindo-se-lhe o crédito reclamado pela Fazenda Nacional relativo a IRS da executada
E..., e finalmente o crédito da Segurança Social relativa a contribuições não pagas pelo executado.
Dado o vencimento, sem custas, por não terem sido produzidas contra-alegações - artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam parcialmente a sentença recorrida na parte em que graduou os créditos reconhecidos e reclamados substituindo-a pelo presente acórdão que os gradua do seguinte modo:
1.º O crédito reclamado pela Fazenda Nacional sobre:
i) o executado reclamado P... de quantias provenientes de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), incidente sobre o imóvel penhorado, inscritas para cobrança no ano de 2015, no montante total (imposto + juros já vencidos) de €123,84, acrescendo Juros de mora sobre tal importância; e de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de € 2.759,77 (imposto e juros já vencidos), acrescido de juros de mora.
2º O crédito do Ba..., S.A., garantido por hipotecas voluntárias;
3º O crédito reclamado pela Fazenda Nacional sobre a executada reclamada E... de quantias provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) reportada ao período de tributação de 2013 /2014 no montante de €2758,94 (imposto e juros já vencidos), acrescido de juros de mora.
4.º O crédito reclamado por Instituto da Segurança Social, 1. P. sobre o executado reclamado P... consubstanciado em contribuições e juros mora reclamados no valor de € 16.361,76 (treze mil, trezentos e sessenta e um euros, setenta e seis cêntimos) e ainda os respectivos juros vincendos.
Sem custas. Registe e notifique.
Lisboa, 21 de Junho de 2018
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC):
Os créditos da Fazenda Nacional por dívidas de IRS e os créditos do Instituto da Segurança Social por contribuições relativas a trabalhadores subordinados do devedor executado e a trabalho independente deste, não têm preferência sobre o crédito garantido por hipoteca sobre imóvel do mesmo executado.
Eduardo Petersen Silva
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